Jardim Tempestuoso escrita por Maeva Warm


Capítulo 8
Capítulo 08 - Violetas 5


Notas iniciais do capítulo

Alexander Storm - Gregoire Leprince



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O grande dia havia chegado. Depois de muita insistência de Hope e Dean, Edgar permitiu que acompanhassemos as operações testes na sala de observação. O clima dentro daquelas paredes estava tenso. Todos nós estávamos apreensivos, já que os times foram escolhidos por sorteio e não era certeza atingirmos a meta de aprovação.

Havia um trio de agentes analisando cada um dos grupos e não podíamos emitir qualquer barulho para que não houvesse nenhuma interferência. Meus olhos percorriam os monitores com calma, torcendo internamente por cada um dos meus pirralhos.

"— Atenção! Gemini e Libra se encontraram. Caso haja união, sigam os critérios do item nove. Caso haja desavenças, aguardem o resultado. Qualquer alteração no objetivo de ambas as equipes é eliminação direta."

A voz de Edgar soou na sala, tão séria como nunca antes tinha presenciado. Foi inevitável não apertar a mão de Lewis assim que meus olhos pararam nos monitores que exibiam as equipes citadas. Tony e Ginny poderiam ser reprovados pela decisão da equipe de cada um, assim como Dylan, por quem eu havia criado um afeto especial.

"— Reforços foram acionados para Escorpio e Leo. Bell, anote tudo que achar importante sobre o desenvolvimento de Leo. Storm, faça a classificação de desempenho da equipe Escorpio. Agentes, avaliem de acordo com o item quinze."

Solto a mão de Lewis para pegar uma das canetas sobre a mesa ao fundo da sala, retirando meu inseparável bloco de notas de dentro da bolsa em seguida. Detestava não saber quais as especificações de cada missão, pois teria que avaliar segundo critérios pessoais e já tomei esporros o suficiente por não seguir o manual.

Sentada novamente nas cadeiras separadas para nós, fixo meus olhos na tela onde os seis jovens eram exibidos. Me surpreendo ao perceber que os três Way caíram na mesma equipe, junto com o Nieves, a Lorenzo e a Popps. Pela movimentação deles nos corredores do cassino, a missão deveria estar relacionada com captura.

Meus sentimentos se mesclam ao constatar que os Way eram extraordinariamente bons e sorrateiros, fazendo a admiração, junto com uma leve pitada de orgulho por Steve, ser sufocada pelo ódio que possuía pela família deles. Embora não fosse pedido, anotei o máximo de informações que julguei relevantes sobre cada um, me permitindo sorrir ao entender que Steve estava sendo a distração, sorrindo e conversando com alguns frequentadores mais jovens; Edward arrancava informações ao jogar pôquer com os mais velhos; Ofélia não demorou a retirar, discretamente, um cartão do bolso do paletó de um homem ruivo, talvez com seus cinquenta anos; Nieves, assim que recebeu o cartão de Ofélia, partiu rumo ao elevador e só voltou a ser visualizado quando chegou no andar; Lorenzo, talvez fingindo ser a acompanhante de Edward, tomou seu lugar na mesa de pôquer enquanto ele foi na mesma direção que Nieves.

Um suspiro escapou de meus lábios, sentindo uma enorme vontade de matar Popps quando a localizei nas imagens. Ela estava um pouco mais afastada e derrubou uma bandeja com algumas taças de espumante por cima de um dos frequentadores, o que justificava a necessidade de reforços. Se o Way e Nieves não se apressassem, a chance deles serem descobertos antes do tempo eram altas. E, se bem conhecia Steve, ele não aceitaria deixar uma colega para trás. Era um dos princípios da equipe Cobra.

"— Escorpio picou caçador."

A voz de Pablo Nieves surgiu na sala, levando Dean a bater palmas com fervor.

"— Jones! Contenha-se ou vou mandar chutá-lo da sala! — Edgar repreendeu o idiota e logo deu mais orientações ao pirralho. — Nieves, leve a encomenda ao estacionamento, sem passar pelo cassino. Já emiti o alerta para seus companheiros que a missão acabou."

Desviei minha atenção do falatório que se seguiu, preferindo passar a limpo o que escrevi e classificá-los.

"— Gemini fora. Libra fora. Escorpio subiu. Leo subiu. Virgo em alerta. Taurus em alerta. — Franzo o cenho e volto a olhar os monitores, após Edgar informar a situação de metade das equipes. — Damon Jones, anote tudo que achar relevante sobre o desempenho da equipe Taurus. Stewart, faça o mesmo com a equipe Virgo. Graham, classifique ambas as equipes. Lewis e Storm, deem o bote na equipe Aries e equipe Pisces."

— E eu?

Já estava para começar minha nova tarefa quando a pergunta de Dean surpreende a todos. Um silêncio pesado se instala no local, até que Edgar resolva o que fazer.

"— Dean Jones, faça um resumo das habilidades dos membros das equipes que forem concluídas e entregue aos agentes que estão avaliando. Quero o máximo de informações para dar esses resultados ainda hoje."

Com a última frase de Edgar, procuro os monitores em que as equipes Aries e Pisces estavam, praguejando assim que entendi o código usado pelo meu chefe. Levanto da cadeira e saio da sala com Lewis, fazendo uma breve parada no arsenal para logo seguir até o porto da cidade.

O trajeto estava sendo realizado no mais absoluto silêncio, até o momento em que Fred passou a mão no topo de minha cabeça, bagunçando o coque que prendia os cachos castanhos para libertá-los.

— Você fica mais ameaçadora assim. — Reviro os olhos assim que vejo o leve repuxar do canto de seus lábios. — Vai estar pronta para matar um dos pirralhos, ratinha? Não sabemos qual deles é um traidor, mesmo eu apostando meu salário nos felinos do Jones.

— Nunca vou estar pronta para matar alguém. Só penso que, se necessário, vou conseguir fazer. — Respondo e ignoro seu comentário sobre meu cabelo, embora tenha o mantido como ele deixou. — Eu espero que os verdadeiros culpados estejam no porto e possamos salvar a vida dos pirralhos. Todos eles.

— Hm. Tente manter minhas costas a salvo de cicatrizes, ratinha. Nem todas as mulheres se atraem por isso e já tenho o suficiente.

— E desde quando você se importa?

Tão rápido quanto as palavras saíram da minha boca fora meu movimento para encarar Lewis, ficando de lado no assento enquanto esperava sua resposta.  Nos últimos dias estava conhecendo um lado mais despojado do homem que insistia em manter os cabelos longos e a barba por fazer, mesmo após eu ter reclamado várias vezes.

Era como se estivesse diante de um desconhecido com uma aparência conhecida e as reações que causava começavam a me assustar.

— Desde que meu terapeuta disse que estou pronto para começar uma família. — A raiva, surpresa e certo incômodo se mesclavam em mim, dando a sensação de que havia um leão enjaulado dentro de meu peito e estava tentando se libertar. — O quê? Não me olhe assim! Não vou passar minha vida toda trabalhando como um condenado, pondo meu pescoço em risco, para deixar minha herança para o meu irmão. Ele já tem a Ginny para receber a dele.

— Você pretende começar uma família por causa de herança? — Questiono ultrajada, já que família tinha um significado muito mais profundo para mim. — É a maior bobagem que já ouvi em toda minha vida!

— Pelo menos estou pretendendo começar uma.

Suas palavras doeram mais do que se ele tivesse me dado um soco e nem mesmo percebi quando estacionou e pegou o comunicador.

— Vai ficar sonhando acordada? Temos algumas presas a pegar.

Liberto-me do cinto de segurança, ainda em silêncio e processando o que aconteceu no carro. Estava para colocar o comunicador em minha orelha direita quando dedos calejados forçam meu queixo para cima.

— Ratinha, quando atravessarmos esse portão, quero que esqueça essa conversa. Concentre-se em se manter viva, bem e salvar meu traseiro. É nossa última missão juntos, como os sobreviventes da Cobra Rei. Depois, seremos os líderes de uma matilha e uma nova serpente. — O toque áspero do indicador, com os calos da velha guitarra, deslizam por minha pele, indo da minha orelha, onde pretendia colocar o comunicador, até meu queixo. — Temos uma reputação a zelar, então não deixe que sentimentos confundam sua mente. Todos ali são inimigos em potencial. Todos. Agora seja minha serpente favorita e deslize entre os containeres, derrubando o máximo de ratos.

Como resposta, apenas fico na ponta dos pés para deixar um beijo em seu nariz, o apertando em seguida com os dedos indicador e polegar. Ciente de que Lewis faria uso do silenciador em sua arma para derrubar o máximo de inimigos, retiro a adaga do suporte em minhas costas para ir golpeando os homens que encontro pelo caminho.

Sorrio de lado, após dobrar em mais uma fileira, ao lembrar de quando ganhei o apelido de ratinha. Meus passos sempre foram silenciosos, graças aos treinamentos que passei desde a mais tenra idade no Solo, e meus reflexos eram excelentes, o que me permitia mudar a postura defensiva para uma ofensiva e vice-versa, sempre que necessário.

As imagens da segunda missão oficial vem, enquanto seguia com tranquilidade por entre os enormes caixotes de metal. Os olhos espantados de Lewis ao sentir a lâmina de minha adaga encostar no seu pescoço, em um ato instintivo diante de sua aproximação sorrateira, ainda me causavam uma imensa satisfação junto com a frase proferida por ele. "Achei que estava liderando uma equipe de cobras e não de ratinhas assustadas."

Nunca entendi o motivo para ele me usar de isca desde esse dia, porém esperava que a compreensão viesse sem que precisasse perguntar, pois tinha quase certeza de que não seria respondida.

"— Virgo fora. — A sentença em meu ouvido me traz de volta ao momento que vivia, suspirando ao perceber que acabei acertando um rapaz com mais força que o necessário. — Cancer fora. Caprico fora. Aquarius subiu. Sagitta subiu. Lewis, eu falei bote e não carnificina. Storm, agiliza ou vou ter que ir pessoalmente e tenho mais o que fazer."

Reviro os olhos para Edgar, sem intenção alguma de alterar meu trajeto ou velocidade. O que não dura muito, já que avisto uma garota da equipe Pisces apontando a arma para as costas de Lewis, bem à minha esquerda. Engatilho a minha, que esteve guardada em minhas costas, e atiro, acertando o braço que a garota empunhava a pistola dela e sigo até onde Aries estava. É questão de segundos para que o grito da pirralha seja escutado e um tiroteio comece.

— Weller, é melhor que mande esses pirralhos se abrigarem. As coisas chegaram ao nível dos adultos. — Escondida atrás de um contêiner, olho na direção em que a garota estava antes. — Quarenta e um capturado.

"— Vinte e três e trinta e oito abatidos. — Fred comunica com dificuldade. — Ratinha, dezesseis em trinta oeste."

Sabendo que não tinha como evitar, ergo a arma mais uma vez e atiro na direção que meu parceiro indica, acertando em cheio um garoto, agora da Aries.

— Dezesseis abatido.

Sinto uma queimação na cintura, virando o rosto para o lado direito, onde um encapuzado com uma pistola na mão corria em direção ao contentor mais próximo. Prevendo seu movimento, ergo meu braço para apontar em direção ao contêiner, atirando e o acertando quando ele chega até o objeto, pronto para escalá-lo.

Olho para baixo, vendo o líquido viscoso e quente que se espalhava por minha pele manchar minha camiseta com rapidez. Ignorando a queimação e a perda de sangue, sigo até o encapuzado caído e é inevitável não praguejar quando reconheço a figura por baixo do pano escuro.

— Espinho quatro confirmado e abatido.

"— Lewis? — Um temor começa a surgir e me assolar com a ausência de resposta. — Storm, procedimento oito em ativa."

— De jeito nenhum! — Esbravejo com a ordem de sair sem a companhia de Fred, levando comigo apenas os pirralhos sobreviventes sob custódia. — Procedimento oito está fora de cogitação. Seguindo para o procedimento doze.

"— Weller manda em você agora, ratinha! — Mordo o lábio para conter o suspiro de alívio ao ouvir sua voz. — Eu só precisei tirar o comunicador para conferir algo. Espinho um confirmado e capturado. Espinho dois confirmado e localizado. Iniciar limpeza. Coroa da Cobra Rei encerrando as atividades em definitivo. Alpha Lupus no aguardo da matilha."

Dessa vez é impossível não deixar um soluço escapar. Minha equipe inicial estava encerrada. Um ciclo havia sido concluído, ainda que não fosse da maneira que esperava quando entrei na agência.

"— Cobra Rei arquivada com honras. — Levo a mão até minha cintura, só agora tentando parar o sangramento. Meu lábio inferior era mordido com tanta força que o gosto metálico logo é sentido por minha língua. — Storm?"

— Capelo da Naja no aguardo do veneno.

Minha voz sai tremida e não consigo me mover do lugar em que estava. As vozes de meus colegas, apresentando-se para o comando de suas futuras equipes, soam longe. Fecho meus olhos quando a trilha úmida de minhas lágrimas é traçada na pele do meu rosto.

"— Merda! Capelo da Naja ferido. Provável estado de choque em andamento."

Os pensamentos estavam desconexos em minha mente, mas a clareza das palavras de Fred indicavam que ele estava próximo. Ainda consegui ouvir a voz de Edgar distante antes de apagar, porém não conseguia encontrar sentido nelas.

Meu corpo começa a pesar mais do que o normal e logo sinto a dormência em meus membros, junto com o latejar em minha cabeça. Meus olhos doem um pouco diante de meu esforço em abri-los, o que leva um certo tempo.

Ao conseguir, tenho que fechá-los mais uma vez por causa do ardor da claridade, piscando-os para me adaptar ao ambiente. Uma mão quente e grossa envolvia a minha mão esquerda, a qual tento movimentar os dedos para atrair a atenção de quem estivesse a segurando.

— Como se sente, ratinha?

A voz rouca de Lewis indicava que ele havia acabado de acordar, possivelmente por sentir meus movimentos e ser a pessoa que segurava minha mão.

— Dolorida. — Minha garganta arranha e um copo é posto à frente dos meus lábios. Bebo alguns goles de água antes de tornar a falar. — Quanto tempo fiquei apagada e quando vou poder sair?

— Algumas horas, apenas. Se dormir mais um pouco, estará liberada assim que amanhecer.

O silêncio predomina o que aparentava ser um quarto de hospital, onde nenhum de nós parecia saber o que falar ou fazer.

— Certo. Prefiro suas explosões ao seu silêncio, então, se puder… Sabe, gritar e fazer aquele monte de gestos que nem consigo acompanhar, pode começar.

Encaro seus olhos azuis, tão sérios e tranquilos como sempre, buscando algo a ser dito, mas sou surpreendida pelo vazio. Não havia nada a ser comentado. Nenhuma palavra a ser trocada. Era como se, de alguma forma, tivesse me perdido do homem que foi minha companhia constante nos últimos anos.

— Não há nada a dizer. Não sei o que aconteceu durante o tempo em que estive apagada e não estou com vontade de provocar ninguém.

— Damon deu uns bons socos no Dean, assim que Edgar anunciou a prisão dele. Os tigres foram todos presos, junto com a garota que você detestava. — Reviro os olhos com a simples menção da Popps. — Cinco equipes foram formadas, então batemos a meta de aprovar mais da metade deles. Sete pirralhos em cada. Acho que você não vai gostar das novas divisões.

— Quem está na minha equipe? Meus parentes passaram?

Puxo os fios que estavam grudados sobre minha pele ao ouvir o som do monitor aumentar, indicando que meus batimentos cardíacos aceleraram.

— Calma, ratinha!

Sem pensar muito, dou um tapa em sua mão quando tenta segurar a minha, encontrando seu olhar confuso em minha direção.

— É Storm pra você.

— Certo, certo. Ratinha. Os três Way estão na sua equipe e seus primos e irmão são leões agora.

Minha reação não deve ter sido das melhores, uma vez que a risada masculina surgiu assim que franzi o cenho e crispei os lábios em desagrado.

Mais uma vez o quarto mergulha em silêncio e a expectativa da parte de meu antigo parceiro começa a me incomodar.

— Fala logo o que tanto quer! — Puxo o lençol para cobrir-me, virando o rosto para quebrar o contato entre nossos olhos. — Não estou com humor para conversar, muito menos para ficar bancando a adivinha.

— Sempre tão doce… — O movimento ao meu lado captura novamente minha atenção e vejo que sua postura se tornou mais séria. — Edgar não confia nas garotas. Exceto você, é claro. Alguns pirralhos estão em observação, então ainda podem ser aprovados. Dean está fora e Ian também estaria, mas Damon pediu afastamento por envolvimento emocional. Os avaliadores estão na cola da Graham e da Bell. Até um suspiro está sendo relatado.

— Fred, enrolar não faz seu estilo e estou com sono demais para entender os floreios da mente esquisita do Weller. Então seja direto, por favor.

Observo o homem soltar o ar em seus pulmões devagar, um claro sinal de seu cansaço e do maltrato em seu corpo causado pela nicotina.

— Seu ciúme é encantador, mesmo que não haja necessidade para isso. — Viro o corpo para deitar de lado, apoiando meu peso na parte ilesa. A mão masculina, que antes segurava a minha, se ergue até tocar minha cintura, onde deveria estar o curativo e ardia levemente. — Oficialmente, nossa equipe está aposentada. Extraoficialmente, eu apenas entreguei a liderança e nós dois respondemos igualmente pela Cobra Rei. — Os grandes dedos deslizavam com tanto cuidado sobre o lençol que era quase impossível não sentir como se apenas uma brisa passasse pelo local. — Um dos seus primos ligou e informou que os freios do ônibus que nos levaria até a fazenda foram danificados. O puxa-saco da Lola resolveu o problema. Em partes. Ainda estão tentando machucar você e não vou permitir isso.

— Não estão tentando me machucar. É apenas pressão. — Fecho os olhos, levando minha mão até a que estava em minha cintura e a trago para perto de meu rosto. — Pode dormir tranquilo, cariño. Não vou ceder.

Murmuro sonolenta, tendo a vaga impressão de que a temperatura da mão calejada havia diminuído um pouco. Cedendo ao cansaço, limito a entrelaçar nossos dedos antes de adormecer novamente.

Pressiono um tecido firme e com um cheiro agradável contra meu rosto, resmungando alguma coisa, que nem eu mesma entendi, antes de abrir os olhos devagar e lembrar que estava internada. Estranho um pouco ao visualizar o tecido escuro entre meus dedos, o afastando para que pudesse vê-lo por completo e reconhecer a inseparável jaqueta de Fred.

A porta do quarto é aberta e entra uma enfermeira acompanhando a médica. Aperto o tecido da jaqueta em ansiedade. Detestava hospitais e tudo que estivesse ligado a eles. Olho por todo o quarto, mas não havia qualquer sinal da presença de meu amigo.

— Bom dia, senhorita Storm! — Diferente do que deveria acontecer, o sorriso reconfortante da médica não me passa nada bom. — Sou a doutora Anne Von Klein e essa é a senhora Margareth Wildergard. Seu namorado exigiu sua alta e só concordei por seu irmão ter vindo pessoalmente se responsabilizar com seus cuidados. A senhora Wildergard vai apenas retirar o acesso e trocar seu curativo. Como está se sentindo?

— Namorado? Irmão? Estou um pouco confusa e com sono.

As informações dadas pela médica tentam fazer algum sentido em minha mente, mas não consigo pensar em quem encaixaria nas descrições feitas.

— O senhor Lewis não é seu namorado? — Os olhos escuros da mulher alta e magra se direcionam para a jaqueta em minhas mãos. — O senhor Alexander Storm não é seu irmão?

— ¡Santa madre de Dios! — A vontade de bater nos dois idiotas surge, porém me contenho, já que essa poderia ser a chance de sair logo daqui. — Desculpe, doutora. É que aquele bastardo ficou emocionado demais quando acordei e me pediu em casamento. Fui dormir achando que estava noiva. — Um bico se formou em meus lábios e fingi secar uma lágrima no canto dos olhos. — Tenho nove irmãos. Cinco rapazes e quatro garotas. Só não consegui associar qual dos meninos deve ter vindo.

—Ah, claro! — Se não fosse necessário sustentar a pequena mentira, teria levantado e dado uns bons tapas na médica, por perceber pena em suas expressões. — A sonolência é normal por causa das medicações. Precisará apenas tomar cuidado para não molhar o curativo durante quatro dias. O senhor Storm vai retirar os pontos, então ele vai explicar o procedimento a ser adotado após isso. Não levante peso e está liberada para exercícios físicos leves. Sugiro caminhada e alongamentos. — A loira se aproximou para ver como estava o ferimento assim que a enfermeira retirou o curativo antigo. — A vermelhidão e o inchaço devem permanecer por mais dois dias, se passar disso, retorne ao hospital. Já prescrevi alguns analgésicos e antitérmicos ao seu irmão. Assim que a senhora Wildergard terminar, está liberada para ir. Precisa de ajuda para trocar de roupa?

Balanço a cabeça em negativa, reprimindo as reclamações pelo ardor que se intensificara. A médica saiu do quarto e não demorou muito para que a enfermeira seguisse o mesmo destino. Respiro fundo e, com dificuldade, levanto da cama para ir até o banheiro. Resmungo por não achar nenhuma muda de roupas a vista, tendo que esperar alguém chegar para pedir os itens que precisava.

— Violet?

Estranho reconhecer a voz de Lis, porém enxugo o rosto antes de sair do banheiro e sorrir para ela.

— Você vai ser a minha babá? — Questiono com ironia, cruzando os braços ao encará-la.

— Nem por todo dinheiro do mundo! — Recebo a sacola que ela me entrega, verificando o conteúdo e meneando a cabeça em um agradecimento silencioso. — O chefe me ofereceu uma mãozinha para ser indicada na super equipe. Só preciso entregar suas coisas, telefone e avisar que a Tola já está no Solo. Daisy vai ajudar o Artie a organizar nossos priminhos no ônibus e você vai organizar seus convidados.

— Edgar vai dar uma vaga para você na equipe de confiança dele, apenas por me entregar algo? — A situação era estranha demais para conseguir conter meus questionamentos. Aceito a ajuda para vestir as roupas. — Desembucha logo, Katrina!

— Tenho uma missão, Violet. Apenas faça sua parte e me ajude com a minha.

Seu sussurro em meu ouvido foi o suficiente para entender que mais coisas aconteceram enquanto estava apagada. Saímos do hospital poucos minutos depois e ficamos aguardando algo na entrada. Ambulâncias iam e vinham, trazendo a dúvida se não deveríamos esperar no estacionamento.

— Fechado demais, risco triplicado. — Lis, como sempre, sabia ler as expressões de qualquer pessoa e respondeu aquilo que me atormentava. — Estamos adiantadas. Nossa carruagem deve chegar em dois minutos. — Parecendo verificar algo ao redor, a morena de sorriso ladino apoiou o braço sobre meus ombros. — Não faça birra como uma criancinha, mas você vai ser deixada de fora dessa vez. Por causa desse alvo gigantesco no meio da sua testa. Teu cão de guarda suspeita que o alvo seja nossa família no geral, enquanto o chefe ainda acha que são seus belos olhos que estão causando tanta confusão. Independente do que seja, suas férias chegaram. Aproveita pra dar uns amassos no homem das cavernas.

Acerto uma cotovelada em suas costelas, me desvencilhando de seu quase abraço quando o jeep estacionou bem à nossa frente. Busco a arma em minhas costas no momento em que uma moto vermelha estaciona ao lado do jeep, revirando os olhos por não encontrar nada.

— Bem, sua carruagem chegou e meu cavaleiro também. Até daqui algumas horas.

Assisto Lis ir até a moto, subir na garupa e segurar a cintura do motoqueiro com certa intimidade, antes do mesmo acelerar e se distanciar. Entro no jeep e me acomodo, descansando a cabeça no encosto para tentar tirar um cochilo no caminho para casa.

— Desculpe pela mentira, mas era o único jeito deles me deixarem passar a noite com você.

— Prefiro que me leve para um restaurante, na próxima. — Sorrio de lado, provocando Frederick como de costume. — Ainda tenho tempo para dormir? Me sinto acabada.

— Quero passar em um lugar antes de irmos pra casa.

Fico em silêncio, sem entender o que se passava com o homem ao meu lado e dou de ombros para seu pedido. Demoro alguns minutos encarando seu rosto, percebendo naquele momento que ele sempre estava ao meu lado e o quão estranho fora não o encontrar quando acordei.

Remexo-me incomodada no banco, reconhecendo a praça que estávamos nos aproximando. Foi ali que nossa foto oficial aconteceu e virou nosso ponto de encontro para comemorar o sucesso das missões.

Sentia-me sufocada em estar novamente naquele lugar, depois de tantos meses. Sigo Lewis em silêncio até o maior banco dali, sentando-me sobre a mesa como há muito tempo não fazia. Meus olhos passam pelos traços masculinos, indecisa se ficava ou não satisfeita ao notar que ele cortou o cabelo. Ainda estava um pouco grande, mas nada que desse para esconder seus pequenos olhos azuis.

— Pensei muito antes de te trazer aqui. O ideal seria o cemitério, só que não era pra ser uma despedida tendo os túmulos dos nossos amigos de testemunhas. — O novo comprimento parecia incomodá-lo, já que suas mãos iam constantemente aos fios escuros para bagunçá-los. Ou talvez fosse apenas nervosismo. — Você cresceu, ratinha. Mais do que imaginei que faria em tão pouco tempo. Não é mais minha aluna impulsiva e inconsequente, que sempre me fazia ter que salvar o dia por ficar paquerando os caras que tínhamos de prender ou matar. — Um meio sorriso surge em meus lábios, lembrando da época que só pensava em me divertir e deixava o trabalho em segundo plano. — Foi nossa última missão como líder e subordinada e me sinto orgulhoso por ter saído ileso, graças a sua cobertura. Me orgulho ainda mais de ter testemunhado o momento em que você assumiu sua própria equipe.

Ambos sorríamos por lembrar de todas as dificuldades que enfrentamos até chegar ali. Mas o sorriso de Lewis sumiu e sua mão esquerda veio de encontro ao meu rosto.

— Não podemos esquecer dos nossos amigos. O anel que entregamos aos familiares era uma réplica, sem o localizador. — Franzo o cenho confusa com o rumo daquela conversa, já que não fazia sentido aquela confissão. — Os anéis originais estavam com seus donos. Fui desativar os localizadores dos nossos, depois que você saiu da sala de emergência. Encontrei Odile, Bass e Wes em pontos diferentes da cidade.

Estremeço com a informação, arregalando os olhos e levando as mãos aos lábios. Havia algo de estranho ali. Deveria ser uma piada de muito mal gosto, pregada por Jason.

— Eles estavam distantes demais de onde a emboscada aconteceu, ratinha. E estavam se movendo. — Minhas mãos descem devagar, buscando apoio em seus antebraços. — Nós vamos descobrir o que aconteceu e eliminar de vez esse fantasma que nos assombra há tanto tempo.

— Os anéis podem ter sido roubados, certo? — Questiono com a voz trêmula, apertando ainda mais a pele quente abaixo de minhas palmas, sem perceber que minhas unhas começavam a machucar. — Sanders me quer ao lado dele. Pode ser algum truque para me levar até algum dos esconderijos dele.

— Sabe que não, ratinha. — Os polegares se  movimentam em minha face, possivelmente tentando limpar o rastro das lágrimas. — Nem mesmo Edgar sabe dos rastreadores e só contei a você quando restava apenas nós dois. É impossível acessar o sistema sem o programa de proteção ativo. Não há a menor possibilidade do panaca desconfiar disso, já que todos sabem que as joias são apenas uma identificação.

Fecho os olhos, lutando contra os sentimentos que ameaçavam paralisar-me. Por um lado, a possibilidade que três dos nossos amigos estivessem vivos traz uma alegria sem tamanho ao meu coração. Porém, essa mesma alegria vem acompanhada da dúvida. Dúvidas essas que levam minha mente aos piores cenários, já que me recusava a acreditar que eles escaparam da explosão e estiveram vivendo suas vidas sem se importar com a dor que os sobreviventes estivessem sentindo.

O toque do meu celular, alertando a chegada de uma mensagem, me tira dos 'e se' no exato momento que a possibilidade de traição surge. Retiro o aparelho do bolso da jaqueta azul que usava, franzindo o cenho com a notificação de um e-mail de meu pai. Minha boca se abre em surpresa e o desespero surge ao compreender o conteúdo contido ali.

— O que houve? — A voz de Fred não é o suficiente para me acalmar e começo a hiperventilar. — Ratinha, respira. Devagar.

Demora um pouco, mas consigo acompanhá-lo na respiração, o que me acalma e dissipa a crise de ansiedade que ameaçou surgir. Sem coragem de proferir as palavras contidas na mensagem de meu pai, entrego o telefone a Lewis e permito que ele leia, baixando a cabeça para evitar ver suas reações.

"Mi ventania, serei breve em minhas palavras, pois há muito o que resolver aqui. É com imensa tristeza que a informo sobre seu casamento.

Sei o quanto lhe desagrada esse assunto, mas mi ciclone casou-se ontem, dando início aos acordos que viemos recebendo. As coisas aqui no Solo estão calorosas, graças a su mama y mi ciclone.

Pequeña, estou lhe escrevendo apenas por não haver argumentos a serem utilizados em favor de sua vontade e do acordo que fez com Orchid. Arthur, Lótus, Alexander, Úrsula Lis, Roger e mi maresia já possuem acordos fechados. Hector é o marido de sua irmã, portanto seu matrimônio está definido e o noivo escolhido, para podermos dar seguimento aos casamentos de Arthur e Lótus.

Gostaria de poder fazer algo a mais por você. Por favor, avise ao senhor Lewis que ele será nosso convidado de honra, uma vez que ainda não pude agradecê-lo apropriadamente por tê-la salvo naquela tragédia.

Querida, seu noivo passará o feriado no Solo e lhe será apresentado logo após nossa reunião. Lembre-se de sua posição e importância em nossa família.

Mi corazón es tuyo,

Papa."

— Lola é uma louca que faz jus ao apelido de demônia! — Minha cabeça permanece baixa, concordando silenciosamente com suas palavras. O ódio que sentia por minha irmã só era menor do que o desespero por não encontrar uma saída. — Ratinha, você sabe o quanto detesto ficar repetindo minhas palavras, então enfie logo na sua cabeça que ninguém, absolutamente ninguém, vai tocar em você enquanto eu estiver aqui! — Seus dedos vão até meu queixo, erguendo minha cabeça para encarar seus olhos. Sou surpreendida ao encontrar o sorriso em seu rosto. — Acha mesmo que vou ficar assistindo um almofadinha qualquer tentar tomar minha ratinha de mim? Se matar o noivo for muito ofensivo para seus pais, não me importo de sequestrá-la.

Não me contenho e desço da mesa para abraçá-lo. Descanso minha cabeça em seu peito, ficando completamente tranquila ao ouvir que as batidas de seu coração estavam normais.

— Agora vamos. Tenho que conversar com seu pai antes dessa reunião e preciso esclarecer algumas coisas com você, dependendo do que for resolvido entre ele e eu.

— E eu tenho que preparar o jantar. O que acha de sopa de irmã demônia como entrada? Anciãos ridículos ao molho parece ser um excelente prato principal.

Sorrio ao escutar sua risada, permanecendo abraçada a ele enquanto caminhamos de volta ao jeep. Lembro do ferimento em minha cintura e da recomendação da médica sobre exercícios físicos. Dou de ombros, sem realmente me importar se abriria um ou dois pontos ao bater em Lola.


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