A Harpa de Safira escrita por Haru


Capítulo 2
Colisão de estrelas




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/805957/chapter/2

Colisão de estrelas

Graças às suas asas, Kin estava a poucos metros de alcançar sua presa. Vendo que seria pego, o rapaz girou o corpo para baixo e jogou a harpa para quem o aguardava lá na entrada do hotel. Kin o desprezou, quis voar atrás do instrumento, o gatuno, entretanto, segurou-a pelo tornozelo. A atrasou o bastante para o aliado agarrar o almejado artefato e dar no pé.

A tirou do sério. Ela deu um giro mortal e o atirou com toda a força contra o chão. Foi um baita golpe, mas não o derrotou. O atingido saiu quase ileso de dentro da cratera aberta pelo impacto. Kin o ignorou, seu objetivo era o fugitivo que portava a harpa. Voou na direção dele. Mas o primeiro ladrão não a deixaria ir assim tão fácil.

Carregou as duas mãos com sua energia prateada, juntou-as, esticou-as para a frente e mirou-as em Kin. Quando ia efetuar o disparo e acertá-la nas asas, recebeu uma repentina joelhada na cabeça, vinda de trás. Foi lançado longe, terminou com a cara cravada no chão. Esperou a inebriante dor passar. Praguejando, retirou o rosto de dentro da terra e virou-se para ver quem o acertou. Havia a ponta de uma afiada espada de gelo a milímetros de sua garganta.

Arashi o rendia.

— Não se mova. — Ordenou o Guerreiro de Órion.

Das fissuras que cobriam o piso emergiu um brilho. O rapaz rendido enviou sua energia para o subsolo e, afim de se livrar da lâmina de Arashi, mandou para os ares toda a área onde eles punham os pés. Mesmo de onde estava, Kin sentiu os tremores. Olhou para trás, percebeu o que aconteceu e se preocupou com Arashi. Se falaram pelo comunicador. Arashi disse que estava bem, contou que se protegeu da explosão vestindo-se de uma armadura de gelo e pediu a ela que continuasse atrás da harpa. Assim Kin fez. Multiplicou em várias vezes sua velocidade de voo e adentrou na floresta para a qual o fugitivo correu.

Haru e Sora também estavam com problemas. Todavia, enfrentavam de uma só vez apenas um oponente. Levavam visível vantagem sobre ele. O sujeito saltou de um lado da cama para o outro afim de acertar Sora, Haru, que estava ao lado do amigo, trocou de lado e jogou sobre o meliante um lençol. O cegou. Sora preparou o punho e o socou com tudo de si: o acertou com tanta força que o coitado atravessou a parede do quarto em que estavam e a do quarto do outro lado do corredor. Tombou nocauteado. Enquanto os inquilinos deixavam assustados seus aposentos, os dois garotos olhavam desconfiados o cara que derrotaram. Podiam vê-lo através dos rombos nas paredes. Permanecia caído.

Um novo retalhador juntou-se ao lado que se opunha aos de Órion. Alguém que Sora e Haru conheciam muito bem. O dito cujo, coberto pela cortina de poeira que empesteava o corredor, entrou no recinto dos garotos de cabeça abaixada. A dupla não demorou a reconhecê-lo. Aqueles cabelos pretos e arrepiados com mechas loiras, a odiosa risada, as roupas cor de abóbora, parecidas com as de quem acabava de fugir da prisão. Sabiam que o encontrariam de novo um dia, só não passou por suas cabeças que seria ali. Nem que ele fosse tão mesquinho.

— Zero! — Disse Haru, irritado.

— Oi, amigos! — Cumprimentou-os. De repente, deu um chute na cama que os separava, um chute tão forte que ela destruiu toda a parede atrás deles e foi parar fora do hotel. Despencou das alturas.

Ao atingir o térreo, a cama só não esmagou uma menina que estava lá em baixo porque Arashi correu até a pequenina, a abraçou e se jogou com ela longe da zona de impacto. Deitou-a sobre si, protegendo-a também das consequências da manobra que teve que fazer para salvá-la. Abrindo os braços para que a baixinha saísse e, assustada, corresse até a mãe, o retalhador de Órion olhou para o alto, para o quarto de onde a cama veio. Sabia que o leito veio de onde Sora e Haru estavam. Sentou-se, agora procurando pelo bandido que rendeu momentos atrás. Tossiu duas vezes por causa da poeira em torno.

O pai da menina que ele salvou veio sorridente lhe agradecer pelo feito.

— Ei, valeu por aquilo! — Disse o homem, um tanto nervoso pelo que presenciou. — Como podemos retribuir? Quer que eu pague suas despesas?

Arashi ia aceitar pegar a mão dele para ficar de pé, um novo ataque, no entanto, impediu-os. O indivíduo que rendeu há uns minutos voltou e atacou-os com uma espada. Para salvar a vida do pai da menina, Arashi o empurrou da frente e recebeu parcialmente o corte no peito. Mas agarrou a espada entre as mãos. Quebrou-a no meio. Após partir a arma do oponente em duas, desferiu um soco contra o rosto dele. Viu-o se esquivar. Atacou com mais um, o alvo escapou de novo. Avançou com uma chuva de socos. Por mais veloz que fosse, não acertava nenhum.

O prédio atrás deles vibrou. Arashi se distraiu. Aproveitando-se disso, o ladrão tentou tirar o pé do solo para contra-atacar. Deu-se conta de que seus dois pés estavam presos na terra, congelados. Arashi o esmurrou com tanta força no rosto que o nocauteou de primeira. Depois disso, seu primeiro ímpeto foi ir pra onde Kin estava para ajudá-la se ela estivesse em apuros, mas Sora aterrissou ao seu lado.

— Vai atrás da Kin. — Pediu. Sora conseguiria localizá-la com muito mais facilidade e rapidez. — Eu vou ajudar as garotas.

— Falou! — O Raikyuu obedeceu.

Desceu porque Haru pediu, o ruivo queria lutar contra Zero sozinho. O conflito estava igualado. Ao menos assim descrevia-o quem olhasse relaxadamente. Um não acertava o outro, fosse soco, fosse chute, cotovelada, joelhada, os ataques das duas partes passavam longe do alvo. Entretanto, Haru dava seu máximo desde o início. Zero sorria, era desleixado de propósito. Não demorou a levar uma porrada no peito, capotar para trás e colidir com a parede. O sorriso inescrupuloso, que tanto irava Haru, não saía dos lábios dele. Haru correu até onde estava Zero e tentou pisá-lo no rosto, errou, Zero saiu da frente e se reergueu. Voltaram ao duelo de socos.

Haru bloqueou com a mão esquerda o cruzado de direita de Zero e contra-atacou dando uma cotovelada no queixo dele. Em seguida usou o braço direito para prensá-lo na parede. Tinha-o encurralado. Num gesto surpreendente, Zero cabeceou Haru no nariz. O ruivo recuou alguns passos com a face coberta de sangue. Zero o socou no queixo, no olho e, por fim, no estômago, o deixou de joelhos. Haru tentava entender o que aconteceu. Como ele ficou tão forte em tão pouco tempo?, se perguntava, envolvendo a barriga com os braços. Na última vez que lutaram terminou em empate. Talvez levou até certa vantagem sobre quem o espancava agora.

Zero o agarrou pelos cabelos. Alçou a tez de Haru para olhá-lo nos olhos.

— Não vai mais nem revidar? Na última vez você me acertou tanto! — O provocou. Deu dois socos na cara de Haru, o viu tombar tonto para a esquerda. — Vamos lá, Haru! Eu vou te contar um segredo. — Se agachou, aproximou-se dele e sussurrou: — Eles estão aqui pela harpa, vieram por causa dessa historinha de domínio universal, mas eu vim por vocês! Disse que ajudaria eles porque sabia que eles te localizariam, mas eu não dou a mínima pra isso... Você e seus amiguinhos me humilharam tanto que eu treinei, passei todos aqueles dias de lá pra cá tentando ficar mais forte. — Explicou-se. Devidamente de pé, pediu: — Não estrague tudo... Resista um pouco mais! Te matar assim não terá graça! Pense na sua irmã, não tem ninguém melhor do que você pra encontrá-la! — Jogou no ar. Disse as palavras mágicas para convencer o garoto a lutar.

Haru se fez intangível ao fundir seu corpo com a luz que invadia o recinto e o chute que Zero pretendia dar nele não significou nada. Em seguida, quis aplicar um gancho no queixo do cretino que falou de sua irmã, Zero deu um salto mortal para trás, pegou impulso na parede e voou sobre Haru, colocou-o para dormir com um poderoso soco.

Desapontado, viu que só restava matá-lo. Ficou forte demais para seu próprio bem. Andou até os escombros, escolheu a maior entre as pedras e usou ela para dar cabo do menino. Foi detido pelas correntes de gelo que, surgidas de suas costas, se enlaçaram em seus braços e os atraíram para o lado. Arashi, Yue e Naomi estavam ali. Entraram no quarto através da parede destruída pela cama que Zero chutou.

Uma nuvem de vapor negro pairou ao redor de Zero e, quando se desfez, tanto as correntes conjuradas por Arashi quanto o vilão desapareceram junto. Um horrível cheiro de enxofre ficou. Arashi não viu nada daquilo com bons olhos. Por que ele fugiria, se era verdade o que falou para Haru? Alguma coisa planejava. Deixou para as garotas a tarefa de socorrer Haru e pensou nisso consigo mesmo. O comunicador tocou, provavelmente era Kin — e esperava que fosse, estava preocupado com ela e com a harpa. As notícias da loira não eram nada boas: ela não conseguiu pegar o ladrão.

— Tudo bem. Se acalma. — Tentava consolá-la. — Ainda temos umas dezessete horas antes do dia acabar, vamos achá-los e recuperar a harpa. Volta e traz o Sora, com as habilidades dele e do Haru vamos rastreá-los em minutos. — Apostava.

Kin e Sora se reuniram com eles ali naquele mesmo quarto e, aguardando o despertar de Haru, que dormia mais do que a cama, conversaram sobre o que fazer. Naomi curou as feridas de todos. No meio do tratamento dos machucados do irmão menor de Kin, a sensação estranha que teve quando estava com a harpa a atacou novamente. Teria ido de cara no chão se Yue e Sora não a tivessem pego. Todos concordaram que, entre eles, ela era a que mais precisava de um descanso. Recomendaram-lhe que fosse dormir, prometeram ter a solução quando ela acordasse. A francesa pouco pôde dizer contra.

Os quatro que restaram acordados acharam bom sair para procurar. Yue e Sora saíram primeiro, Kin e Arashi foram em seguida. Um tempo após, inquietos, Yue e Arashi formaram uma dupla e vasculharam a região novamente, Sora e Kin saíram para fazer o mesmo depois que os dois voltaram. Zero resultados. Faltando apenas seis horas para o universo entrar em colapso, o quarteto parecia sem esperanças.

Não entendiam como aqueles caras se escondiam tão bem. Yue tinha poderes sensitivos, podia captar e distinguir a energia de uma mosca em qualquer canto imaginável do planeta. Nunca se sentiram tão frustrados. Kin estava tão mal, com tanta culpa, que mesmo deitada na cama não dormiu. Sentado aos pés da cama que Naomi e ela dividiam, Arashi não tinha o coração em estado muito diferente do seu.

Sora ainda não se deu por vencido, ficou a poucos passos da borda do rombo na parede do quarto usando seus dons sonoros para desmascará-los. Nada feito. A resposta veio para Naomi, em sonhos. A harpa estabeleceu com ela uma conexão mística durante o tempo no saguão, viu bondade em seu coração e a contatou. Quando sua experiência onírica terminou, a francesa saiu da cama assustada, com desespero no olhar e o rosto rubro. Respirava como se todo o ar lhe escapasse.

— Calma, Naomi! — Kin foi até ela, a tomou pela mão para tranquilizá-la.

— Você está segura! — Arashi, tomando-a pela outra mão, assegurava. Com mais alguns segundos repetindo essa frase, conseguiu que ela se sentasse.

Yue saiu para buscar água, voltou com um copo cheio e deu-o para Naomi. A garota bebeu tudo como quem acabava de sair de um deserto, não sem derramar parte nas pernas por causa das tremedeiras de suas mãos. Ao fim, anunciou:

— Eu sei pra onde eles fugiram coma harpa!

Zero e o meliante perseguido por Kin estavam num grande campo aberto, por incrível que pareça. Sem árvores, sem edifícios, casas. O que os ocultava era uma imensa barreira redonda e invisível que tinha o poder de isolar completamente do mundo exterior quem ficava dentro dela. Toda forma de vida em seu interior tornava-se imperceptível para todos os sentidos existentes e, além disso, a energia de quem ali se encontrava se circunscrevia aos seus limites. A barreira criava todo um mundo a parte, podia-se dizer. Zero não gostava nada, nada daquilo. Só aceitou seguir Hiroo porque o desgraçado tinha a Harpa de Safira sob seu poder.

Hiroo era um homem alto, robusto e de cabelos quase raspados. Em seu rosto não havia nenhuma característica chamativa, qualquer um que o olhasse o descreveria como um sujeito normal. Não fosse o grande manto negro que ele vestia agora. Tudo nele irritava Zero, porém. O silêncio entre eles, que já se alastrava há horas, fazia essa raiva crescer. Veio ali para lutar, não para ficar meditando.

— Muito bem! Agora que tenho a harpa, todos os reinos da Terra de Áries se renderão aos meus desejos! — Finalmente falou alguma coisa. Dirigiu-se a Zero, que passou esse tempo todo sentado numa pedra, olhando o nada. Ao ouvi-lo falar, entretanto, Zero virou-se para trás, o fitou por cima do ombro. — Só preciso que você me ponha em contato com os líderes mundiais, eu vou te dar a chance de ser útil na minha ascensão! Vamos fazer história!

O garoto deu uma risada discreta.

— Claro! — Concordou, caminhou até Hiroo e, ensopando as mãos na sua névoa negra de poder, a alçou até o ombro dele. Num gesto imprevisível, o decapitou. — Espero que isso sirva para sua ascensão... no inferno!

Não deixou o corpo sem cabeça cair por terra, revirou-o, pegou a Harpa de Safira e o chutou para longe de si.

— Chamativo como sempre, Zero. — Essa foi a voz de Sora. O Raikyuu vinha acompanhado de Kin, Arashi, Naomi e Yue. — Valeu por se livrar do maluco aí... Mas passa a harpa pra gente, passa. Vamos pular direto pro final.

— É. — Zero jogou a harpa para cima. — Vamos direto pro final! — Exclamou. Ia destruí-la com seu poder, mas Haru a salvou quando converteu-a momentaneamente em luz, fez o tiro que ia despedaçá-la passar direto por ela. O instrumento caiu intacto, mas ainda nas mãos de Zero. — Chegou quem estava faltando! O meu favorito... eu podia jurar que te deixei mais surrado. Eu sabia que se matasse o incompetente do Hiroo vocês conseguiriam me achar, só não pensei que seria tão rápido! Muito bem! Ninguém aqui tá afim de conversar, venham tomar a harpa de mim!

Escondendo-se dentro de uma esfera de poder da cor da névoa que trouxe ao campo instantes passados, Zero imunizou-se a todos os ataques que os guerreiros de Órion combinaram para derrotá-lo. Todos foram desintegrados facilmente, exceto o de Kin. O disparo de luz dourada da retalhadora bateu na esfera e explodiu, lançando Zero para fora dela. O forçou a forjar outra para se guardar do ataque aéreo de Naomi. Arashi foi o único que se deu conta desse singular ocorrido. Sora, Kin e Naomi continuaram a tentar perfurar a estranha defesa, só os golpes de Kin surtiam algum efeito, pois o impacto da explosão do poder dela e o de Zero o abalava dentro do casulo.

Arashi deduziu que, para não ser jogado fora da defesa pelos tiros de Kin, Zero embutiu mais poder nela. A reforçou. Cansado de apenas ser o alvo, Zero lançou esferas contra seus três atacantes, que habilmente esquivaram-se delas. O nevoeiro e a fumaça se espalharam para cegá-los e sufocá-los. De onde estava, Arashi o viu nitidamente apenas afastar Sora e Naomi com golpes superficiais mas avançar sobre Kin com assustadora sede assassina. Antes que ele pusesse as mãos nela, Haru a fez intangível, então a investida fulminante de Zero passou direto por Kin. Arashi prestou atenção no ruivo. Ele e a Kin são quem o Zero mais teme, concluiu.

Confirmando a teoria do guerreiro glacial, Zero partiu para cima de Haru. Arashi estava logo ao lado dele vendo tudo, não ficaria parado depois do que descobriu. Cobriu-se com uma espessa armadura de gelo e entrou na frente da mãozada que o vilão queria acertar em Haru. Levou o golpe no peito, os dedos do inimigo romperam metade de sua armadura. Eu estaria morto se não fossem essas camadas de gelo, teve certeza, estupefato.

Arashi levou as mãos ao braço do oponente, segurou-o firme, girou e, com força, o arremessou para bem longe de si. No percurso, Zero capotou na terra algumas vezes e teve que fazer algumas cambalhotas para voltar a ficar de pé, mas uma parede de gelo surgiu inesperadamente em suas costas e o parou bruscamente. Kin foi voando na direção dele o mais veloz que podia. Depositou toda a força no braço direito, gerou uma espada nessa mão e, num ataque direto, tentou apunhalar Zero no peito. O alvo da loira, por reflexo, moldou na frente da arma dela uma defesa com a energia escura, se protegeu. Isso só fez atrasar a punhalada de Kin, para se salvar mesmo Zero teve que pular para o lado e recuar. Detalhe que Arashi captou.

— Você também notou, né? — Yue saiu de onde observava e falou com o guerreiro glacial. — As defesas dele não dão conta dos disparos e da arma de luz da Kin.

— Sim. E já sei como fazer para acertá-lo. — Revelou, em resposta.

O dom sonoro de Sora veio a calhar mais uma vez. Arashi ensinou sua estratégia a ele que, por fim, a ensinou aos outros quatro. Tudo sem Zero ouvir uma só palavra. Ao sinal de quem concebeu o plano, todos atacaram de onde estavam, sem precisar sair do lugar. Como o esperado, Zero se refugiou na mesma bolha de antes. Seguindo o combinado, Kin infundiu mais poder em seu último tiro, Yue lhe deu uma estimativa de quanto poder Zero usava na defesa e isso lhe permitiu fazer um disparo mais poderoso do que o escudo esférico do inimigo. A explosão ocasionada pelo contato com a defesa de Zero foi poderosa o bastante para jogá-lo fora dela.

Foi a vez de Haru agir. Ele transformou Kin e a guerreira, tão veloz quanto a luz, moveu-se para a frente de Zero. Meteu a espada no coração dele. Pelo menos foi o que pensou. Não lhes dando tempo nem para comemorar, Zero deu um cruzado de direita na cara da dona da espada que transpassava seu peito e mirou nela a mão repleta de poder. Arashi criou um par de asas nas costas, foi voando até lá, a tomou nos braços e saiu da rota do ataque. Fora de perigo, deixou-a no chão e lhe cedeu a mão para ajudá-la a se levantar.

— Foi mal. — Se desculpou, um pouco tonta. — Eu devia ter finalizado... acho que errei o alvo.

— Não foi culpa sua. E não, você não errou. — Alegou, confiante do que dizia. Elevou o queixo de Kin com um carinhoso e delicado gesto de dedos, queria examinar a área de seu rosto em que viu o oponente golpeá-la. Ficou vermelha, apenas. Provavelmente nem inchaço apareceria. Voltou os analíticos olhos azuis claros para Zero. Um tanto temeroso, disse: — Tem alguma coisa errada com esse cara.

Reforçando o que Arashi acabou de dizer, Zero retirou de si a espada de Kin como quem simplesmente espantava uma poeira da camisa.

— Me dando trabalho mais uma vez. Não importa o quanto eu treine, vocês sempre ficarão no meu caminho. — Monologava. Apesar de suas palavras, transpirava animação. Estendeu os braços para os lados e os desafiou: — Certo! Me mostrem como escapam disso!

Zero se tornou o centro de uma força atrativa diante da qual nada se mantinha estático. As montanhas se abalavam, a Terra inteira tremia, o espaço se contorcia. O escudo esférico de antes se formou ao redor dele, reduzindo a cinzas o que quer que tocasse. O chão sob seus pés desintegrou-se em segundos, ele e o globo de poder flutuavam cinquenta metros acima do piso. Um conjunto de nuvens cinza escuras reuniu-se no céu, o clima repentinamente mudou para nublado. Todo o planeta se agitou na presença daquela força. Hayate olhou pela janela de sua sala. Soube na hora que tinha a ver com Kin e os outros.

Arashi teria sido o primeiro a morrer se Kin não tivesse cravado uma espada bem fundo na terra e o agarrado pela mão.

— NÃO! — Ela gritava, o ensurdecedor som dos destroços indo até Zero e das montanhas chacoalhando encobria sua voz. Desesperada, implorou: — Arashi! Não solta a minha mão, amor!

Arashi segurava agora com as duas mãos. Sussurrou "sinto muito" para a amada, que leu isso em seus lábios e chorou pesarosamente. Pegou na mão dele com mais força, não desistiriam. Se recusavam a aceitar que era o fim.

Não tardou para que, como previsto, o solo que sustentava a lâmina dela se partisse, a arma se soltasse e o casal voasse junto para cima da esfera consumidora. Yue, Naomi, Sora e Haru vinham logo atrás, quem salvou as vidas de todos foi Haru, convertendo Zero e a esfera em luz. A atração já não exercia efeito algum sobre eles. Todos caíram sentados, tudo se acalmou. Zero riu. Sabia que Haru não suportaria manter todos a salvo por muito tempo com aquela técnica. Todos sabiam. Isso os preocupava. Precisavam fazer alguma coisa urgentemente se quisessem escapar com vida.

O poder de Haru se esvaía como água descendo pelo ralo.

— Vão embora! Eu não vou aguentar... por mais tempo! — Dizia-lhes ele, de mãos alçadas.

— Não vamos te deixar aqui, ruivo! — Avisou Sora.

— Não mesmo! — Bradou Kin, de longe. Mesmo que quisesse fugir, não poderia, a atração produzida pelo poder de Zero foi tão forte que encheu seus braços e pernas de dor.

Haru e Zero eram os únicos de pé. Entre o Sexteto de Órion, ninguém tinha a menor noção do que fazer. A esperança os abandonou, a morte soava certa.

Contra as expectativas de todos, o primeiro poder a perder consistência foi o de Zero. A esfera que o envolvia começou a se apagar. Graças a seus poderes sensitivos, Yue foi a primeira a notar isso. E não deixou passar. Saltou para o ponto onde ele flutuava, depositou toda a força no punho direito e, quando Haru deu a brecha, o socou no meio do rosto. Nocaute. A harpa caiu pra um lado e Zero, pro outro. Não contente, apavorado com a possibilidade do miserável voltar a si, Haru canalizou uma ofuscante luz vermelha sobre ele e, com um gesto de mão, mandou-o literalmente para as estrelas.

Kin e Arashi socorreram Haru, impediram-no de cair. Sentaram-se atrás dele e deitaram-no em suas pernas.

— Conseguimos, irmãozinho! — Kin festejou.

Ofegante, morto de cansaço, Haru sorriu. Então olhou para as alturas. Algo lhe dizia que aquela não foi a última vez que viu Zero. Naomi reconheceu algumas das expressões faciais que o adversário exibiu antes de ser atingido por Yue. Zero cometeu o mesmo erro que ela: segurou a Harpa de Safira por tempo demais. Isso provocou sua perda de domínio sobre si e sua consequente derrota, teorizou a francesa.

...

O Templo das Musas existia há milhares e milhares de anos, ou seja, muito antes da divisão do mundo em reinos. Antes mesmo dos seres humanos se unirem para formar a civilização. Ele cobria um território de mais de trezentos metros de extensão, o ponto mais alto de seu teto atingia setenta metros de altura e os muros que o compunham eram brancos como a neve. Nenhuma sujeira os tocava e, como que por mágica, nunca foi necessário retocar sua cor, muito menos fortalecer suas estruturas. Até mesmo o ar que se respirava perto dele parecia mais puro, as plantas pareciam mais verdes e vigorosas do que as de qualquer outro lugar.

Os seis Guerreiros de Órion que vieram com a harpa descobriram que só alguém de coração puro podia entrar lá sem morrer instantaneamente. Eles muito discutiram sobre isso, sentados nos degraus de concreto da entrada do templo.

— Eu passo. — Sora sabia que não tinha nenhuma chance de voltar com vida.

— Eu também. — Naomi pensava como ele, levantou-se e se afastou.

Yue não via porque não ela.

— Eu vou. — Disse, de pé, estendendo a mão para Kin.

Sora não perderia essa chance de tirar onda com a cara dela.

— Você? Tá brincando, né? — Comentou, rindo.

A enfureceu.

— O que é que você quer dizer com isso, hein?! — Mandou ele se esclarecer, mostrando os punhos.

Naomi entrou na frente e apartou a briga.

— Calma, mademoiselle! Eu acho que todos sabemos quem é a escolha mais óbvia...

Kin, convencida, se espreguiçou e disse:

— Tá, eu vou, não precisam pedir.

Arashi ficou de pé e envolveu os ombros dela com o braço para prendê-la no lugar.

— Hum... Kin, acho que ela tá falando do Haru. — Apontou. 

A loira pensou melhor.

— É, cê tem razão. — Concordou, entregando a harpa para o ruivo. Deu dois tapinhas na mão de Arashi. — Depois do que nós dois fizemos ontem a noite, nem sei como conseguimos chegar nas escadas do templo.

Esse comentário o desconcertou completamente, torcia para ter sido o único que o ouviu.

— Põe gelo no queixo e para de falar besteira, vai. — Suplicou. Deu a ela uma toalhinha com os cubos de gelo que ele mesmo fez, para ela aplicar na área que Zero a acertou.

Haru obedeceu sem questionar. Quando chegou na grande porta de madeira maciça do local, bateu duas vezes. Ela se abriu sozinha. A luz do sol, vinda de uma fresta do teto, iluminou o baú dourado de metal onde Haru deveria deixar a harpa. Ficava no centro do templo e antes fora oculto pelas sombras do edifício. Por intuição, o baixinho foi até lá. Temor adentrou em seu coração. Subiu a pesada tampa do baú com cuidado e, com muito mais cuidado, deitou a harpa num tecido marrom claro macio, ao lado dos outros quatro instrumentos sagrados: uma trompa de ouro, uma flauta de prata, uma cítara de bronze e um violino de esmeralda.

Fechou o baú e respirou fundo quando o viu brilhar. Presumiu que aquilo foi um sinal de que cumpriram sua missão. Pronto para ir embora, ansioso por isso, deu as costas ao artefato e andou na direção da saída.

— Haru. — Uma suave voz feminina chamou seu nome, lhe dando um susto tremendo. — Não tenha medo.

— Quem tá falando? — Procurou ao redor. Não viu ninguém, um arrepio o percorreu por inteiro. — Como sabe o meu nome?!

— Não importa. — Disse a voz, no mesmo tom. — Obrigada por trazer a Harpa de Safira e nos ajudar a manter o universo em equilíbrio. Diga aos seus amigos que somos gratos. Como podemos demonstrar? Peça qualquer coisa.

O ruivinho colocou a mão no queixo e pensou. Nada lhe ocorreu. Em sua ingenuidade, não fazia a mais remota ideia do poder que tinha nas mãos.

— Eu adoro música! Se não for pedir demais, deixa a gente ouvir a orquestra! — Desejou.

Os espíritos se agradaram de tão puro pedido.

— Tudo bem. — A voz consentiu. Queria fazer mais por eles: — Antes de ir, escute. Fiquem sempre juntos, protejam uns aos outros. Tem alguém com quem vocês devem se preocupar, alguém que vai ameaçar todo o universo.

Haru achava que sabia de quem eles estavam falando:

— O Zero.

— Não. Santsuki Raikyuu. — A voz o corrigiu, chocando-o. — Ele roubou a Harpa de Safira, há mil anos.

— C-como?! Eu nunca pensei que alguém pudesse viver tanto tempo...

— Ninguém pode. Mas Santsuki não é um ser comum. Nós não sabemos o que ele é, mas podemos dizer como pará-lo na próxima vez que ele atacar.

O garoto se prontificou a ouvir.

— Por favor, digam!

Haru ouviu as instruções com o dobro de atenção. Ao fim da primeira explicação, os espíritos materializaram uma pequena caderneta e repetiram tudo para que ele anotasse. Mal via a hora de contar tudo isso para Kin e seus amigos, de ver a reação deles.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Harpa de Safira" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.