Intertwined escrita por Tsukimiko san


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Isso nasceu de uma pequena epifania, mas, diferentemente da maioria das minhas pequenas epifanias, essa eu consegui terminar de escrever.
Aproveitem!
PS.: essa é a primeira vez que eu posto uma fanfic em pt-br usando aspas nos diálogos ao invés de travessões. Foi só um teste, eu genuinamente não tenho preferência entre um ou outro. Qual vocês preferem?



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Lan Wangji morreu aos cento e três anos, dormindo.

Qualquer um diria que sua vida foi a mais correta e gratificante possível para um cultivador. Ele foi justo e honrado, tornou-se um cultivador lendário que sempre aparecia onde o caos estivesse, ajudando as pessoas comuns sem aceitar nada em troca. Ele deixou sua família para trás, mas sem arrependimentos; seu irmão, filho e os próprios filhos que eles tiveram viveriam bem sem ele.

Ele certamente seguiria em frente e sua passagem para a próxima vida seria tranquila.

Então, por que o ilustre Hanguang-jun estava ali — uma figura de branco parada em frente aos portões da Cidade Fantasma?

Lan Wangji passou bastante tempo ali. Um espectro quase translúcido, uma brisa perceptível apenas para ele fazendo ondular seus robes alvos e cabelos branco-prateados — a única coisa que indicava a sua idade, em contraste com o rosto jovial de um cultivador parado no tempo.

De uma perspectiva externa, Lan Wangji não tinha nenhuma pendência na Terra. Mas ele mesmo sabia mais.

"Daozhang, como posso ajudá-lo?" uma voz gentil veio da sua direita. Lan Wangji virou a cabeça, encontrando um homem com um sorriso amigável no rosto. Ele também era um cultivador, a julgar pelos robes brancos que ele usava e a energia espiritual que Lan Wangji conseguia sentir vinda dele, pulsante e cálida como o sol. Mas, ao contrário dele, aquele homem pertencia ao mundo dos vivos.

Lan Wangji se curvou em uma reverência educada.

"Saudações, companheiro cultivador. Estou em busca de uma informação."

"O que daozhang procura?"

Lan Wangji respirou fundo, desnecessariamente, apenas para ter um segundo para se preparar.

"Estou procurando informação sobre uma alma. Um homem chamado Wei Wuxian já passou pela Cidade Fantasma?"

●∘◦❀◦∘●

"Então, você está me dizendo que essa pessoa morreu há oitenta anos sob circunstâncias bastante desagradáveis, e sua alma nunca foi encontrada," o homem, que pediu para ser chamado de Xie-daozhang, resumiu a história que Lan Wangji contou. Eles estavam passeando tranquilamente pela Cidade Fantasma e, apesar de ambos serem cultivadores, os demônios que habitavam o lugar nunca os incomodaram. Na verdade, vários deles eram abertamente amigáveis com Xie-daozhang, oferecendo presentes de origem duvidosa que ele rejeitava educadamente.

Lan Wangji recebia muitos olhares, mas com Xie-daozhang ao seu lado, ninguém se importou com sua presença.

"Mn," ele confirmou. "Eu não tenho certeza de como ele morreu, mas não foi pacífico. Eu…" Suas mãos se apertaram involuntariamente. Os calos nas pontas dos seus dedos nunca mais doeriam, mas as memórias de tocar uma mesma canção todos os dias não se apagariam facilmente. "Eu nunca desisti, mas falhei também."

"Por quê?" Xie-daozhang perguntou. Seu tom de voz era gentil, não o pressionando, mas convidando-o a falar. "Qual era seu objetivo?"

Lan Wangji ergueu os olhos para o céu avermelhado do Reino Fantasma. Wei Ying gostaria daqui, ele pensou. Caótico e vívido.

"Eu queria saber se a alma dele estava em paz," ele sussurrou. "Se não havia sido destruída em pedaços."

Xie-daozhang ficou em silêncio por um momento. As sobrancelhas de Lan Wangji se contraíram levemente.

"Wei Ying não era uma má pessoa. Eu nunca entendi por que ele escolheu aquele caminho, mas ele estava fazendo o certo." Lan Wangji estava cansado de ser a única pessoa que se lembrava de Wei Ying como ele realmente era. Cansado de carregar uma vida inteira de arrependimento por não ter escolhido agir antes que fosse tarde demais.

"Ah, não se preocupe, eu não estou julgando!" Xie-daozhang deu um sorriso pesaroso, carregando o peso e a experiência de uma alma antiga demais para seu corpo. "Fazer o certo… é algo que parece simples, mas requer muita coragem."

Era a primeira vez que Lan Wangji ouvia alguém dizer algo assim. Ele não podia dizer que Xie-daozhang estava errado.

"Eu só estava pensando… Esse é realmente seu último desejo? Saber o destino dessa pessoa?"

Lan Wangji assentiu com a cabeça. Ele nunca esteve sob qualquer ilusão que Wei Ying certamente voltaria; talvez, em outro universo, eles fossem capazes de se encontrar novamente naquela vida, por alguma reviravolta do destino. Mas não nesse.

No entanto, não saber se sua alma estava em paz, se ele estava sofrendo, o corroía por dentro. O silêncio que seguia cada sessão de Inquérito doía ainda mais.

"Eu não quero aumentar suas expectativas," Xie-daozhang disse, por fim. "Mas…"

"Mas?"

"Há mais ou menos oitenta anos, meu marido estava no mundo mortal procurando por um demônio que causou problemas na Cidade Fantasma e esbarrou em um espírito fragmentado," Xie-daozhang contou. "O espírito… não estava em bom estado. À beira de se dissipar. Meu marido guardou os fragmentos em uma bolsa prende-espírito e o deixou para se recuperar sozinho."

Se Lan Wangji ainda tivesse um coração funcional, ele estaria acelerado.

"Onde… onde ele encontrou o espírito?"

"Eu não tenho certeza sobre o nome… mas era uma montanha cheia de essência demoníaca e ressentimento."

Lan Wangji voltou-se para Xie-daozhang e, para a surpresa do último, se ajoelhou em uma prostração, dando pouca importância para a sujeira no chão.

"Por favor, Xie-daozhang, eu imploro. Eu preciso ver esse espírito."

"Ahh, levante-se, não há necessidade disso." Xie-daozhang agitou as mãos, sem saber o que fazer. "Vamos, eu vou levá-lo até meu marido. Ele quem monitorou o espírito pelas últimas décadas, ele vai te ajudar."

Lan Wangji se deixou ser ajudado a ficar de pé e conduzido pelas ruas da Cidade Fantasma, tentando desesperadamente abafar a esperança que nascia no seu peito sem batimentos.

●∘◦❀◦∘●

Eles encontraram o fantasma vestido de vermelho parado ao lado de uma barraca que vendia lanternas de papel, de braços cruzados enquanto ouvia o dono explicar alguma coisa. Pelas palavras que Lan Wangji conseguiu captar, era algo sobre o Festival do Meio do Outono — não faltam meses até o festival? De quanta preparação eles precisam?

"San Lang!" Xie-daozhang chamou. O fantasma virou na sua direção, sua expressão fria se derretendo instantaneamente em um sorriso largo.

"Gege! Você voltou cedo!"

Lan Wangji educadamente olhou para o lado quando Xie-daozhang ficou na ponta dos pés para beijar brevemente o fantasma nos lábios.

"San Lang, eu preciso da sua ajuda. Posso emprestá-lo?" ele se dirigiu ao dono da barraca, que assentiu freneticamente.

"Claro! Hua Chengzhu pode voltar depois…"

"Eu vou mandar Yin Yu," Hua Chengzhu disse, despreocupadamente, voltando toda a sua atenção para Xie-daozhang. "O que foi, gege? Eu preciso dar uma lição em alguém?"

"Não é isso." Ele sacudiu a cabeça com um suspiro falsamente exasperado. "É sobre aquele espírito. O que você deixa na biblioteca."

Hua Chengzhu ergueu as sobrancelhas. "O que tem ele?"

"Há uma chance que eu o conheça," Lan Wangji se pronunciou, atraindo a sua atenção. Hua Chengzhu olhou para ele por alguns segundos, seu único olho estreitando-se enquanto o analisava. Lan Wangji tinha a fama de um rosto estoico e inexpressivo, mas aquele fantasma de vermelho pareceu conseguir ler algo no seu semblante. Hua Chengzhu estalou a língua e tirou um par de dados de dentro das suas roupas.

"Se prepare." Hua Chengzhu jogou os dados para o ar. Em um piscar de olhos, os três estavam em uma grande biblioteca — maior que a biblioteca dos Recantos da Nuvem, séculos e séculos de conhecimento e artefatos raros acumulados em um único cômodo.

Hua Chengzhu foi até uma bancada nos fundos da biblioteca, onde estava desenhado um arranjo complexo que, em outra ocasião, teria despertado mais curiosidade e fascínio em Lan Wangji. No centro do arranjo repousava uma pequena bolsa, as cordas que a fechavam amarradas firmemente.

"Você pode tocar, mas não abra. O espírito pode se dispersar," Hua Chengzhu disse, atrás dele. Lan Wangji assentiu com a cabeça e se aproximou da bancada.

Uma mão ligeiramente trêmula roçou o tecido da bolsa. Lan Wangji olhou, em silêncio, por um, dois, três segundos.

Seus dedos se recolheram.

"É ele," ele sussurrou. "É Wei Ying."

Quando Lan Wangji tocou a bolsa, ele apenas ouviu, na sua cabeça, uma voz fraca que ele pensava que tinha esquecido.

Lan Zhan.

●∘◦❀◦∘●

Eles emprestaram para Lan Wangji a cabana no topo do Monte Taicang.

"Um lugar com bom feng shui deve ajudá-lo a se recuperar," Xie-daozhang explicara, mostrando a ele o interior da cabana e as árvores de bordo ao redor. "Também, já que ele te conhece, ele deve aceitar sua energia espiritual mais facilmente."

Lan Wangji segurava a bolsa firmemente, mas com gentileza, enquanto ouvia as instruções.

"Sabe…" Xie-daozhang dissera, sentando com Lan Wangji nas escadas em frente à casinha. "Antes de ser um fantasma poderoso, uma vez, San Lang quase foi dissipado completamente, despedaçado por uma maldição."

Xie-daozhang levou uma mão ao peito, como se estivesse cobrindo algo escondido sob as suas roupas.

"Quando ele viu seu Wei Ying naquela montanha… bom. Talvez ele tenha se lembrado de algumas coisas quando decidiu salvá-lo.”

Lan Wangji pensou em como Hua Chengzhu era obviamente forte agora, transbordando de energia espiritual e com uma legião de fantasmas e demônios sob seu controle. 

"Como ele se recuperou?"

"Teimosia. Ressentimento. Mas, acima de tudo, amor." Xie-daozhang sorrira para ele. "Amor é muito, muito poderoso."

Mais tarde, Xie Lian estava sentado no divã na Mansão do Paraíso, com a cabeça de Hua Cheng apoiada no colo enquanto distraidamente acariciava seus cabelos macios. Hua Cheng estava contente em fechar o olho e deixar Xie Lian fazer o que quisesse — se ele fosse um gato, ele estaria ronronando.

"San Lang," Xie Lian chamou, recebendo um "hm?" em resposta. "Por que você decidiu ajudar Lan Wangji?"

Hua Cheng abriu o olho e lhe lançou um sorriso travesso, mostrando as pontas das suas presas.

"Gege me pediu, como eu poderia recusar?"

Xie Lian balançou a cabeça e lhe deu um peteleco na testa. Hua Cheng não mentiria para ele; mas ele sabia que aquela era uma meia-verdade.

Não havia necessidade de perguntar; eles estavam casados há tempo o bastante para Xie Lian ter uma boa ideia da resposta.

Afinal, se alguém seria capaz de entender a expressão de um homem que se agarrou a um fino fio de esperança por mais tempo que deveria ser possível — esse alguém era Hua Cheng.

Xie Lian só pôde se inclinar e puxar seu marido para seus braços, apertando-o firmemente.

●∘◦❀◦∘●

Sendo um fantasma, Lan Wangji não realmente precisava de uma casa, mas uma pequena parte da sua mente aproveitava aquela pequena indulgência. Não por ele mesmo, mas por estar com Wei Ying, continuamente transferindo energia espiritual e falando com ele.

Ele não sabia se o espírito dentro da bolsa podia ouvi-lo, ou se a voz que ele ouviu antes, chamando-o, fora apenas uma resposta inconsciente. Mas ele conversava com Wei Ying do mesmo jeito.

Lan Wangji falou mais do que ele falou a vida inteira. Ele levava a bolsinha em passeios pela montanha, contando sobre A-Yuan, os Recantos da Nuvem, os juniores que ele viu crescer se tornarem sêniores e cultivadores competentes e virtuosos.

Mexendo nas flores que cresciam junto à casa apenas para ocupar as mãos, ele contou sobre Jin Ling, como o shizhi que Wei Ying nunca pôde conhecer criou um forte laço de amizade com Lan Sizhui e os outros garotos da mesma geração.

Sentado embaixo de uma árvore de bordo, em voz baixa, ele contou sobre Jiang Wanyin, tentando ao máximo deixar seu próprio desgosto pelo líder de seita fora da sua fala, como ele criou Jin Ling e comandou a seita YunmengJiang até a sua morte, pouco tempo antes de Lan Wangji.

Deitado na cama, seu espectro leve mal envergando o colchão, ele também sussurrou memórias do seu próprio passado, enterradas debaixo dos anos. Ele contou a história da sua mãe, de visitas mensais e de se ajoelhar na neve. Ele confessou que ficou com o par de coelhos que Wei Ying havia dado para ele na adolescência e, apesar dos originais não estarem mais nesse mundo há muito tempo, os fundos dos Recantos da Nuvem nunca mais se veriam livres de coelhos. Ele disse, a voz carregada de culpa, que foi ele quem lhe roubou um beijo na Montanha da Fênix em um momento de perda de autocontrole.

Ele repetiu as palavras que disse a Wei Ying naquela caverna há tantos anos e o assegurou várias e várias vezes que as cicatrizes que ele carregou nas costas até sua morte foram sua própria escolha. Nunca seria culpa de Wei Ying. Ele faria tudo de novo.

Às vezes, ele contava sobre caçadas noturnas peculiares que ele teve em todos os seus anos como Hanguang-jun, imaginando as reações de Wei Ying a cada uma delas, ou como ele mesmo resolveria os problemas. Como os dois resolveriam os casos juntos, se tivessem tido a oportunidade.

Quando ele não tinha nada para contar, ele cantava. Ele não tinha sua guqin, então apenas restava cantarolar, especialmente as notas mais que familiares de WangXian, até sua mente exausta sucumbir ao sono, mesmo que seu corpo espectral não precisasse dormir.

Se Lan Wangji estivesse vivo, sua voz estaria rouca, sua garganta arranhada. Mas ele não era limitado por isso, então ele continuava falando, continuava cantando.

Ele perdeu a noção do tempo. Poderiam ter se passado dias, anos ou séculos quando as amarras da bolsinha se afrouxaram sozinhas.

Lan Wangji tentou fechá-las, em pânico, temendo que a alma ali dentro ainda não estivesse forte o suficiente e se dissipasse — apenas para a bolsa cair das suas mãos quando uma figura apareceu em um piscar de olhos e colidiu contra ele.

Um par de braços envolveu seu corpo em um aperto firme, uma corrente de murmúrios abafados de “Lan Zhan, Lan Zhan, Lan Zhan, Lan Zhan” sendo repetidos contra seu peito, e Lan Wangji quase se sentiu vivo de novo.

●∘◦❀◦∘●

“Eu amo você.”

“...”

“Não é por gratidão, eu juro. Eu tive tempo para pensar nisso, muito antes de você chegar.”

“...” 

“Você é o melhor, sabia? Me diga, Lan-er-gege, como eu poderia não amar você?”

“... Mn.”

“‘Mn’, que ‘mn’?! Bobo, não chore por minha causa.”

“Wei Ying está chorando também.”

“... Agora você ri de mim! Lan Zhan!”

●∘◦❀◦∘●

“Vocês querem que eu despache as suas almas?” Xie Lian perguntou, alternando o olhar entre Lan Wangji e Wei Wuxian.

Os dois se entreolharam e assentiram ao mesmo tempo.

Xie Lian sorriu, sentindo uma pontada no coração vendo as suas mãos entrelaçadas. Muitos oficiais celestiais, nos seus séculos de vida, se tornavam insensíveis aos infortúnios dos mortais; as histórias de separação e tragédia eram tantas que elas se mesclavam em uma única grande verdade — a vida humana era curta e rica em adversidades.

Oficiais celestiais, por vezes, se esqueciam de que um dia foram humanos também.

Xie Lian nunca esqueceu. E nunca deixaria de empatizar com cada uma das histórias que encontrou.

"Muito bem." Ele ergueu as mãos, prestes a fazer o feitiço. "Espero que suas próximas vidas sejam mais gentis."

"Gege, espere," Hua Cheng disse, atrás dele. Ele não havia dito nada até então, deixando Xie Lian lidar com a situação enquanto ficava escorado em uma das árvores de bordo. O vermelho das suas roupas se confundia com o vermelho das folhas que caíam quando ele andou até o casal de fantasmas.

"San Lang?"

Hua Cheng ergueu a mão. Na sua palma, surgiu uma pequena coluna de fumaça vermelha, que logo se dissipou. Descansando na sua mão, havia um novelo de linha carmesim.

Xie Lian arregalou levemente os olhos, relanceando seu próprio dedo médio, onde um bonito nó vermelho se destacava contra sua pele levemente bronzeada.

"Vocês querem se encontrar em outra vida?" Hua Cheng perguntou.

Wei Wuxian e Lan Wangji não hesitaram e responderam em uníssono. "Sim."

O fio na sua mão se desenrolou sozinho, como uma serpente. "Isso vai ligar as suas almas. Vocês entendem o que isso significa?"

Os dois se olharam de novo, parecendo ter uma conversa silenciosa. Lan Wangji assentiu com a cabeça e Wei Wuxian deu um sorriso resplandecente, que quase trouxe vida ao seu rosto mortalmente pálido, e fez o mesmo.

“Ótimo.” As pontas do fio se enrolaram ao redor dos pulsos de Wei Wuxian e Lan Wangji. Xie Lian olhou para Hua Cheng e sacudiu a cabeça com um sorriso carinhoso. 

"Vocês estão prontos?" ele perguntou quando o fio se estabeleceu em seus braços, o escarlate se destacando contra a pele branca como papel típica dos mortos.

Recebendo uma afirmação, Xie Lian começou a pequena cerimônia. Não era particularmente difícil, especialmente com almas que estavam dispostas a partir. 

Na frente deles, as formas de Wei Wuxian e Lan Wangji tremularam. No lugar dos espectros com o aspecto deles em morte, dois adolescentes apareceram por um instante. O jovem Wei Wuxian deu um sorriso travesso, dando um puxão na fita de testa do jovem Lan Wangji.

"Te vejo depois, Lan Zhan!"

Lan Wangji sorriu, uma curvatura quase imperceptível nos lábios.

"Mn."

Os dois fantasmas desapareceram em fagulhas.

●∘◦❀◦∘●

Era final de tarde. Os corredores estavam vazios, livres de estudantes, o dia letivo tendo acabado há horas. Apenas se ouvia o murmúrio das vozes de alunos que permaneciam em grupinhos no pátio, matando tempo antes de irem para casa.

O silêncio foi quebrado por passos apressados. Tecnicamente, Wei Ying não deveria estar correndo, mas ninguém estava lá para chamar sua atenção. 

Seus amigos o estavam esperando lá fora; ele deveria se apressar, pegar os livros que ele esqueceu na sala de aula e ir embora. Mas, quando Wei Ying estava saindo da sala, ele ouviu algo quebrar o silêncio de dentro da escola.

Era uma música, no piano. Wei Ying lentamente parou seus passos, sentindo uma pontada no peito que o deixou inquieto. 

Onde era a sala de música mesmo? Aquela era sua primeira semana na escola, ele não teve tempo de conhecer todos os lugares. Guiado pelos seus ouvidos e por uma intuição que ele não conseguia explicar,  Wei Ying percorreu corredores e subiu escadas até parar em frente a uma porta entreaberta.

Silenciosamente, Wei Ying empurrou a porta com as pontas dos dedos e passou pelo vão. Então, ele o viu.

Um garoto estava sentado em frente ao piano da sala de música, de costas para Wei Ying. Seus dedos elegantes dedilhavam uma canção, o ritmo melancólico e intenso. 

Wei Ying prestou atenção sem soltar um barulho. Ele só percebeu que estava chorando quando uma lágrima transbordou dos seus olhos e escorreu pela maçã do rosto.

Ele secou os olhos bruscamente com as mangas da camisa pouco antes da canção chegar ao fim. O outro garoto deslizou os dedos pelas teclas do piano, sem pressioná-las. Ele não notou a presença de outra pessoa na sala até Wei Ying bater palmas, o som alto sobressaltando-o.

"Tão bonito!"

O outro virou no banco e seus olhos se encontraram. Wei Ying parou, incapaz de desviar o olhar. Era como se todo o mundo tivesse prendido a respiração, os arredores se desvanecendo completamente exceto pelos dois.

Pelo canto do olho, Wei Ying viu algo fino, comprido e de um vermelho vibrante dançando na luz dourada do fim de tarde. Mas quando ele olhou, não havia nada.

Wei Ying mirou o garoto novamente; ele não havia desviado o olhar. Seu rosto não mostrava nada, mas seus olhos, quase da cor do pôr-do-sol, pareciam frágeis como vidro.

Wei Ying sorriu, querendo ver aquele rosto impassível se iluminar com um sorriso também.

"A música que você tocou é muito bonita, gege. Qual é o nome?"

●∘◦❀◦∘●

"Com licença, esse assento está livre?"

Wei Ying olhou para o homem à sua frente, para sua expressão gentil e sorriso educado, e prontamente sacudiu a cabeça, se afastando um pouco para dar espaço para ele no banco do parque.

"Obrigado." O estranho sentou e gentilmente depositou algo nos seus braços sobre suas pernas. Wei Ying espiou, curioso, e se surpreendeu ao perceber que era um gato — preto, de pelo brilhante e suave, enrolado confortavelmente no colo do homem como uma grande bola felpuda. Uma cauda se movia para lá e para cá de vez em quando e um ronronar baixo se fazia ouvir, mas o gato não deu mais nenhum sinal de agitação, perfeitamente contente em cochilar ali.

O homem acariciou as costas do gato e olhou para Wei Ying.

"Você está esperando alguém ou só passando o tempo?"

Wei Ying não tinha problemas em jogar conversa fora com estranhos, então voltou-se para o outro e sorriu.

"Estou esperando alguém. Ele foi comprar bebidas."

"Hmm, não se esqueça de se hidratar, o verão está rigoroso esse ano…" O gato soltou um miado que estranhamente parecia um resmungo e se encolheu mais contra o corpo do homem. Ele deu risada e coçou suas orelhas. "E você odeia o sol. Eu sei, eu sei."

"E você? Está esperando alguém?" Wei Ying questionou.

"Não, não." Ele sacudiu a cabeça. "Eu só queria caminhar um pouco." Então, seus olhos relancearam o que Wei Ying estava segurando nas mãos e deu um sorriso. "Ahh, eu suponho que você e a pessoa que você está esperando não estão só passeando."

Wei Ying sentiu o rosto esquentar e tentou se convencer de que era o sol. Ele brincou com as folhas que despontavam do caule da rosa vermelha que ele segurava, sem conseguir sufocar um sorriso.

"Mn. Uh… é o nosso primeiro encontro. Oficial. Como namorados."

O homem suspirou. "Ahh, amor jovem é tão…"

Wei Ying deu risada. "Você não é tão mais velho que eu."

O outro riu de volta. "Mnn, você tem razão!"

Naquele momento, o gato preguiçosamente ergueu a cabeça. Wei Ying percebeu que ele só tinha o olho esquerdo; o direito estava fechado, com pequenas cicatrizes selando as pálpebras.

O gato olhou fixamente para Wei Ying; mais especificamente, para sua mão.

Wei Ying olhou para o próprio pulso por reflexo. Por uma fração de segundo, ele pensou ter visto uma sombra vermelha contra a sua pele, mas quando ele piscou, o traço de cor desapareceu.

"Uh? Ele quer que eu faça carinho?" Quando ele estendeu a mão, o gato silvou, irritado, e quase arranhou seus dedos com as garras. "Woah, acho que não."

O homem riu e, com uma única carícia, o gato se derreteu novamente no seu colo, esfregando a cabeça contra seu braço.

"Não se sinta ofendido, ele é assim mesmo." Então, ele olhou para algo acima do ombro de Wei Ying e se levantou, acomodando o gato novamente nos seus braços. "Bom, vou deixá-lo com seu namorado, então. Foi bom conversar com você!"

Wei Ying virou a cabeça e avistou Lan Zhan se aproximando de longe. Uh? Como ele sabia que aquele era seu namorado? Ele não era o único à vista que estava segurando bebidas da máquina da entrada do parque nas mãos.

Wei Ying virou a cabeça novamente, mas o homem já havia se afastado, caminhando sob a sombra das árvores e conversando em voz baixa com seu gato.

"Wei Ying?"

"Ah, Lan-er-gege, você realmente lembrou o meu favorito!" Ele pegou a lata de refrigerante apimentado das mãos de Lan Zhan.

"É claro que sim." Ele se sentou do seu lado, abrindo sua própria garrafa de chá gelado suave. O paladar de Lan Zhan era tão entediante. Wei Ying o amava. "Quem era aquela pessoa?"

"Não sei." Ele deu de ombros. "Ele conversou um pouco comigo e foi embora. O gato é esquisito, mas ele é simpático. Por quê?"

Lan Zhan olhou na direção de onde o homem e o gato haviam há muito desaparecido. Wei Ying esperou, encostando a cabeça no seu ombro e tomando um gole da sua bebida. Enfim, ele disse:

"Nada. Só achei ele um pouco familiar."


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Notas finais do capítulo

> Nesse universo, o Wei Wuxian nunca conseguiria voltar no corpo do Mo Xuanyu, porque a alma dele estava danificada demais e ele realmente se dispersaria. Hua Cheng não impediu a ressurreição salvando ele, foi tudo culpa desta escritora que vos fala, perdão xD
> Hua Cheng é canonicamente um shapeshifter. No meu headcanon, isso inclui animais também (além das borboletas). Gege acha as formas de gato e raposa particularmente adoráveis, então Hua Cheng as assume mais frequentemente.
> Eu tenho o headcanon que, no pós-canon, os Hualian também se tornam conhecidos como divindades do amor, especialmente dos amantes desafortunados. Para ter sorte no amor, reze para o Príncipe Herdeiro e o Rei Fantasma; eles o abençoarão. Atenção: sempre os venere juntos!
Muito obrigada por ler, até a próxima :)



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