Respeito escrita por Silver Lady


Capítulo 5
Cupcakes




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     Adora tentava ser otimista:

—Não é tão ruim assim. Não estamos dentro de outro pântano nem caímos no meio de outro bando de ex - soldados da Horda. Aliás, eu lembrava da Capitã… da Octavia mais… como é que eu vou dizer...? — lançou um olhar para Catra, pedindo ajuda.

— Ranzinza? Eu nem sabia que ela cantava! Se é que dá pra chamar aquilo de cantar! Tem certeza que ela não teve aulas com o seu amigo pirata?

— Agora que você falou, ela tinha dito mesmo que desistiu da pirataria porque seu navio teve um “acidente”! Aposto que esse acidente tinha bigode! — Adora fez os gestos de quem acende uma tocha — Aventuraaaa!

As duas caíram na risada. Infelizmente, sua alegria não encontrou eco nos companheiros.

—Meninas? Será que podem...? — Bow sussurrou, apontando para uma exausta Glimmer.

—Está tudo bem, Bow — ela abanou a mão, como se tentasse tranquilizá-lo, mas seu sarcasmo era evidente —Adora tem razão, não foi tão ruim desta vez. Eu só trouxe a gente para um dos piores lugares do mundo: Crypto Castle! Aargh! Eu ODEIO este lugar!

—E isso que você consegue passar naqueles corredores estreitos — Swift Wind observou, também irritado — Imagina eu, que entalei três vezes! Isso é discriminação com os cavalos!

—Você não teria entalado na terceira se não se exibisse pro Soda Pop — Adora observou — Eu avisei.

Estavam percorrendo a ponte de pedra que levava ao castelo de Dryl, depois de se despedirem dos empregados. Desde que Glimmer os teleportara naquela manhã, vinham passando de um lugar para outro, com uma frustração crescente. Pra não dizer que tudo era ruim, Catra não enjoava mais tanto com os teletransportes contínuos.

— Pelo menos tivemos sorte de Melog ter achado o Soda pra nos guiar pelo labirinto. E ainda ganhamos cupcakes quentinhos! — Bow mostrou a caixa de papelão onde a Padeira havia acomodado os minúsculos doces.

—A gente devia comer isso logo — Swift Wind lançou um olhar guloso para a caixa — Não tem o suficiente pra dividirmos com todo mundo, quando a gente voltar.

—Se a gente conseguir voltar — Glimmer sentou-se, desanimada, numa das pedras da trilha. Melog esfregou-se nela, tentando consolá-la —Você poderia levar a Adora e o Bow de volta, pro meu pai e a tia Casta saberem que eu estou bem. Depois volta para buscar o resto de nós —fez um carinho distraído no gato.

—Até que enfim! —Catra comemorou —Estou falando nisso desde que você levou a gente para aquele pântano cheio de mosquitos! Mas não acha que seus parentes ficariam mais tranquilos se o cavalo levasse VOCÊ primeiro?

Glimmer arregalou os olhos. Desabou de vez:

—Tem razão. Estou tão cansada que nem consigo mais pensar direito! Aaai! — botou as mãos na cabeça.

—Obrigado pelo golpe de misericórdia —o arqueiro olhou feio para Catra, enquanto se sentava ao lado da namorada. Adora sentou-se do outro lado, também dando apoio.

Swift Wind pesou a sugestão:

—É claro que eu posso te levar pro seu pai. Junto com... — olhou para Adora, que discretamente apontou para Catra; o unicórnio se fez de sonso, desviando os olhos para Bow —... um acompanhante. Mas será que precisa? Por que não tenta mais uma vez?

Glimmer abanou a cabeça, recusando tanto a sugestão quanto o cupcake que Bow lhe oferecia:

—Eu poderia levar a gente para algum lugar mortal, como a cratera de um vulcão.

— Acho que não existem mais vulcões ativos em Etéria — observou o rapaz.

—Então um ninho de cobras venenosas. Ou um poço de areia movediça. Sei lá! —Glimmer atirou as mãos para o alto — Não vou continuar arriscando suas vidas! —baixou os olhos para os joelhos, depois lembrou de uma coisa —E se você tentasse contatar Entrapta de novo?

Bow ligou seu tablet. Swift aproveitou-se da distração deles para comer o cupcake rejeitado por Glimmer. Catra e Adora trocaram olhares cúmplices.

— Nossa. Você não conseguem mais fazer nada sem ela? — provocou a gata, imediatamente ganhando olhares feios — Talvez a gente devesse mudar o nome do grupo pra Esquadrão dos Melhores Amigos e Meia.

Adora aproveitou a distração para abrir a caixa deixada ao lado de Glimmer e surrupiar três bolinhos – um para ela, um para Catra e outro para Melog. Swift Wind também se serviu de novo.

—O data pad dela ainda deve estar na torre — Bow constatou, desanimado. Preocupado também: se Swift Wind notara a presença de Hordak, os outros perceberiam também, e isso causaria problemas a Entrapta; porém preferiu não dar voz a algo que nem sabia se estava acontecendo.

—Se ao menos eu tivesse ouvido quando Entrapta disse que tinha calculado as consequências de libertar a magia do Coração de Etéria! — desabafou —O que foi que deu em mim? Eu sempre presto atenção, mesmo quando não entendo metade do que ela diz!

Adora deu uns tapinhas no ombro dele:

—A culpa não é sua. Todos nós tínhamos preocupações demais e não queríamos ter que pensar no que fazer depois que derrotássemos Horde Prime – SE a gente conseguisse. Como She-Ra, eu é que deveria ter ouvido qualquer coisa que ela descobrisse sobre o Coração de Etéria, por mais cansada que estivesse.

Catra grunhiu. Quando os Melhores Amigos viravam os Maiores Emos, faziam até Hordak parecer o rei da alegria:

— Se abriram um concurso de “Eu Devia Ter Ouvido a Entrapta,” o prêmio é meu, porque fui eu que abri aquela porcaria de portal, apesar dos avisos dela! Mas está feito e não posso voltar atrás! Se vocês tem energia pra remoer, usem-na pra pensar num jeito de nos fazer voltar! Que foi? — estranhou porque, longe de se aborrecerem ou levarem sua explosão na brincadeira, ficaram todos olhando para ela, admirados.

Glimmer explicou, com os olhos ainda redondos:

—É que é estranho ver você como...

—A voz da razão —Adora terminou —Quase sempre é o Bow quem nos dá a real.

—Ou eu, não se esqueça — Swift Wind acrescentou, enciumado — Que nem quando te mostrei que era besteira ficar dormindo no Palácio de Cristal, como a Light Hope queria. Também fui eu quem...

Catra fechou-lhe a boca:

—Você teve uma ideia, não foi, Adora? Está com a cara de “eu vou detonar!”

Bow se assustou:

—Por favor, não! Esta ponte é muito frágil!

Adora parou de sorrir e se virou para eles:

— Eu não vou detonar nada. É que Swift Wind me lembrou porque eu tinha ido ao Palácio de Cristal. Estava tentando achar uma cura pra Glimmer depois que ela perdeu os poderes, lembram?

—É claro. Nunca vou esquecer — respondeu a própria, com um arrepio.

—Quando conheci Light Hope, ela me explicou que a Black Garnet fez você perder a conexão com sua runa. Mas depois ela mentiu pra mim, dizendo que eu ainda não tinha aprendido o suficiente pra poder te curar.

—Aí você se sentiu tão mal que decidiu ficar lá com ela. Essa Light Hope era uma Shadow Weaver eletrônica — Catra concluiu com ódio, lembrando-se de como o programa a torturara com lembranças dolorosas para afastá-la de Adora — E daí? Glimmer está mais que conectada à runa dela, agora. Meu estômago que o diga.

—Mas só porque Adora conseguiu me reconectar, já que todas as runas das princesas estão diretamente ligadas à She-Ra! —Glimmer explicou, animando-se — Se naquele tempo ela ainda estava aprendendo a usar seus poderes, agora pode cuidar do meu excesso de energia com uma mão amarrada nas costas!

Adora já estava invocando a espada. Todos fecharam os olhos, para não ficarem ofuscados pela transformação. Apesar de já terem presenciado a cena inúmeras vezes, ninguém conseguiu deixar de admirar novamente a fulgurante figura de branco e dourado.

— Nunca vou me acostumar com isso — Catra murmurou.

— Bem-vinda ao clube — Bow sorriu para ela, por uma vez recebendo outro sorriso de volta.

A protetora e a rainha de Etéria ficaram de frente uma para a outra.

—Não tenha medo. Agora sei o que fazer — o tom de Adora/She-Ra era sereno.

—Nunca tive medo de você — Glimmer sorriu-lhe com amor e confiança.

Adora colocou as mãos em cada lado do rosto da amiga, como tinha feito com Hordak. Desta vez, não havia nenhuma presença maligna, apenas um calor agradável. Fechou os olhos, pensando nas runas e em sua conexão com as princesas. Sim... podia senti-las, tão naturalmente quanto sentia as batidas do próprio coração. Estava flutuando agora num vácuo escuro, onde pulsava uma rede de fios infinitos, com diferentes cores e espessuras. Cada fio estava ligado a um ser de Etéria que possuía mágica, em maior ou menor quantidade. E alguns fios brilhavam demais. Em vez de suas luzes serem agradáveis e reconfortantes, elas piscavam e agitavam-se de maneira agressiva.

—Não é só você. Estou sentindo uma grande perturbação... não tenho certeza, mas acho que Perfuma está com problemas.

—Foco! — Catra avisou — Perfuma tem outros amigos pra ajudá-la. Se preocupe em resolver o problema da Glimmer e o nosso!

Adora franziu a testa. Catra tinha razão, ela devia dar prioridade a quem estava mais próximo..., mas alguma coisa lhe dizia que era possível cuidar das duas. Abriu os olhos, soltou Glimmer e afastou-se um pouco, ao mesmo tempo em que fazia a espada reaparecer.

—Adora? O que está fazendo? — perguntou Bow.

Adora cravou a espada no chão, com menos violência do que quando restaurara a natureza de Etéria. Ajoelhou-se com as mãos no punho da arma e fechou os olhos, concentrando-se no que desejava encontrar. Sim... ali estavam eles. Os fios mais grossos e em número menor representavam as ligações entre as princesas elementais e suas runas. Localizou o de Perfuma, verde e grosso como um tronco de árvore. Ele se agitava e retorcia, parecendo torturado pelas constantes faíscas que o percorriam. Silenciosamente, Adora chamou-as para si, absorvendo-as e depois dispersando-as no vácuo, transformadas agora em pequenos pontos de luz flutuantes que se espalhariam depois, pelo ar e pelo solo de Etéria. Fez o mesmo com as sobrecargas de Glimmer e dos outros amigos que tinham poderes. Cuidaria do resto da população no dia seguinte, depois de um bom descanso e uma refeição.

O processo todo não levou mais do que alguns minutos. Abriu os olhos: seus amigos não tiravam os olhos dela – podia apostar até que não haviam piscado.

— E então? — Glimmer indagou ansiosa.

—Reconduzi o excesso de energia para os elementos do planeta. As outras princesas também vão poder voltar a usar seus poderes normalmente, mas com um esforço muito menor — Adora explicou, depois de voltar ao normal.

Glimmer respirou fundo e desapareceu, depois reapareceu no lombo de Swift Wind e depois atrás de Bow e Catra, fazendo a gata pular de susto:

—Eeeeiii!!! Avise antes! — ela gritou, mas Glimmer já havia sumido de novo. Teleportou-se para vários pontos, saltando e rindo:

—TÔ DE VOLTA!!! E não estou mais cansada! Obrigada, Adora! — teleportou-se para junto da melhor amiga e deu-lhe um abraço apertado.

Os outros já estavam comemorando. Bow chegou a tirar Melog pra dançar e depois abraçou Catra - que, para sua própria surpresa, não ficou brava. Desta vez, foi Swift Wind quem os trouxe de volta à realidade:

—Embora eu esteja tão feliz quanto vocês, será que agora podemos voltar? Tô morrendo de fome e cansado de ficar olhando essas pedras sem graça.

—Desculpe, eu já tinha esquecido... — Bow abriu a caixa dos cupcakes, só para ter uma surpresa — Mas... gente! Isso não se faz!

Dentro da caixa, só havia um bolinho, frio e solitário.

Adora, Catra e os bichos fizeram carinhas tão inocentes que Glimmer achou graça:

— Não podia esperar que todo mundo apertasse o cinto até que você se lembrasse de servir. Guarde esse pra Entrapta. Ou coma. Vamos sair daqui, que eu também estou cheia deste lugar.


 

* * *

— Até parece. Entrapta vai insistir, você vai recusar de novo e os três vão ficar nessa lenga-lenga até amanhã. Estou exausta, com fome e não dou a mínima se você está tentando manter o que sobrou da sua dignidade!

“Que merda.”

Era a primeira vez, em toda a sua vida regulada, que Hordak soltava um palavrão, mesmo em pensamento. Conhecia muitos palavrões, pois diversas vezes brigara para Imp não repetir os que ouvia dos soldados. Para ele, falar em órgãos genitais e excrementos na hora da raiva era outra mania eteriana, e muito nojenta. Mas, no momento em que viu Catra de volta à sua vida, Hordak finalmente entendeu que algumas vezes só um palavrão bem cabeludo pode expressar seus sentimentos.

Apesar da queixa, Catra sorria enquanto caminhava na direção deles, com o ar satisfeito de um gato que acabou de comer um prato de sardinhas. Sua cauda chegava a ondular. Adora e quase todos que vinham atrás estavam sérios ou carrancudos. Scorpia e um clone (devia ser o que Entrapta chamava de Errado), não faziam cara feia, mas pareciam preocupados. Swift Wind era o único além de Catra que parecia satisfeito: estava mastigando alguma coisa. Havia duas mulheres que Hordak ainda não conhecia. Porém, o que chamou mais sua atenção, foi o estranho animal que caminhava à frente da sua ex-capitã: um felino com cauda e juba transparentes, que não constava em seus registros sobre a fauna de Etéria. “Um kritiano!” pensou “Mas Horde Prime havia exterminado sua espécie!”

As expressões sérias se desmancharam com os gritos de alegria dos salvadores de Entrapta. Frosta e Micah praticamente pularam em cima de Glimmer; Perfuma quase sufocava Bow enquanto Adora era recebida por Netossa e Mermista. Até Sea Hawk, que veio correndo aparentemente do nada, juntou-se ofegante ao grupo.

Apenas Entrapta não saiu do lugar. Também estava contente, chegou a rir quando Sea Hawk e Swift Wind começaram a cantar e todo mundo reclamou; mas era como se aquela comemoração não lhe dissesse respeito. Permaneceu ao lado de Hordak e, de vez em quando, lançava olhares compridos para Emily. O ex-vilão percebeu que ela estava ansiosa para cuidar da robô, mas temia deixá-lo sozinho de novo.

— Vamos examiná-la — sugeriu —Já me sinto melhor.

O sorriso agradecido de Entrapta chegou a lhe dar um nó na garganta. Imediatamente, ela começou a tagarelar sobre o que poderiam fazer; não era muito, porém mais tarde, com as peças que havia no esconderijo - um depósito abandonado da Horda - ela pudesse até fazer algumas mudanças em Emily, mais tarde. Hordak seguiu-a em silêncio, aliviado por terem uma distração, antes que os rebeldes (continuava a chamá-los assim na falta de outro nome, pois sem Horda não haveria mais rebelião) lembrassem da existência deles. Não podia fazer muito sem suas ferramentas, mas segurou a perna de Emily enquanto Entrapta aparafusava. Enquanto faziam isso, Hordak notou que as vozes dos rebeldes pareciam irritadas. Discutiam e apontavam os restos da planta-monstro. Uma voz estridente gritou: “Ela salvou meu pai do chip! E salvou você, que quase nos afogou!”

Pelo jeito, Mermista estava levando uma bronca. Hordak sentiu-se vingado. Teria sorrido, se não estivesse preocupado com Entrapta. Ela parecia concentrada no seu trabalho, mas tanto foco também podia ser um esforço deliberado para ignorar a discussão.

— Vai mancar um pouco, mas ela vai poder caminhar até o esconderijo. Lá, poderei fazer outras melhoras. Eu andava mesmo pensando num upgrade…. não que você estivesse ruim antes, Emily... — ela acariciou a robô, que respondeu com um “bip” e se esfregou em seu cabelo.

Hordak ia dizer que seria mais provável ela encontrar o que precisava na Zona do Medo, quando um grito de mulher os interrompeu:

— Entrapta!

Scorpia e Hordak Errado corriam na direção deles. Chegaram tão de repente que Hordak recuou para lhes dar passagem. Scorpia agachou-se na frente de Entrapta e deu-lhe um rápido abraço. Errado ajoelhou-se e passou à inventora o data pad, o que muito a alegrou; porém, quando ele viu Emily com o “olho” quebrado, começou a soluçar.

Hordak ficou de pé, olhando perplexo enquanto as duas mulheres consolavam o coitado. Ele mesmo havia chorado em momentos sombrios de sua vida, mas só algumas lágrimas discretas... Está bem, admitia que sempre pensara que era o único da sua espécie que chorava. Nunca tinha imaginado que veria outro clone perder a compostura.

— Micah nos contou o que aconteceu — Scorpia explicou, oferecendo um lenço a Errado, assim que ele se acalmou —Que coisa horrível! E coitadinha de você, Emily! Como é que você está, minha fofa?

Emily soltou uns bips, como se dissesse “Eu vou ficar bem”, recebendo um abraço conjunto de Scorpia e do chorão.

Hordak sentiu-se desconfortável. Embora achasse impressionante Entrapta ter dado uma consciência a Emily, para ele não passava de um robô. Agora via que, para outras pessoas, ela era mais do que isso. Assim como ele não era só um clone.

—Há peças para consertá-la na Zona do Medo. Imagino que sua rainha vá devolvê-la a você, junto com a Black Garnet — sugeriu desajeitadamente.

Os recém-chegados congelaram na hora. Scorpia olhou para Hordak como se ele estivesse pelado, mas Errado iluminou o rosto, como só naquele momento houvesse percebido a presença de outro clone. Levantou-se num pulo e agarrou as mãos do colega:

—Irmão! Perdoe-me por não tê-lo cumprimentado adequadamente! Mas saiba que fiquei excitado ao saber que um de meus irmãos havia se juntado à luta contra as mentiras de Horde Prime! Ainda mais se tratando do Irmão Hordak. Irmão Entrapta me falou de você! — piscou.

O ex-vilão corou, sem saber porquê. Olhou para as mulheres, pedindo socorro, mas elas claramente se divertiam com a interação entre os dois clones. Scorpia mal conseguia abafar o riso com as pinças.

— Expliquei pro Hordak Errado o que significa uma piscadela, mas ele ainda não pegou a manha — Entrapta explicou, sorrindo — E não consigo fazê-lo entender o que é gênero. Talvez seja melhor chamá-lo de “Erradinho”, de agora em diante, pra evitar confusão. Não fui eu que dei o nome.

— Me sentirei honrado com qualquer nome que me der. Se o Irmão Hordak não se importar — Erradinho piscou de novo.

—Eu... de modo algum — na verdade, importava sim, e ele ergueu o dedo — Você é quem deve se importar. Um nome é parte da sua identidade; ele diferencia você de seus outros irmãos. Assim como sua aparência — olhou os uniformes deles de cima para baixo.

À medida que Erradinho escutava, seus olhos brilhavam cada vez mais:

—Tem razão! Preciso aprender a cultivar minha individualidade, como meus irmãos de Etéria! Obrigado, Irmão, por seus sábios conselhos! — deu um abraço tão apertado em Hordak que o clone mais velho pensou que suas costelas iam estalar e voltou sua atenção para Emily.

—PFFFFLMMMFFFTTTT!!!

Scorpia ainda estava tapando a boca com as pinças. Seus olhos pareciam duas bolas de tênis; suas bochechas já estavam roxas, tão infladas que pareciam a ponto de estourar. Hordak quis xingá-la, mas ainda estava lutando para recuperar o ar que seu “irmãozinho” lhe arrancara, por isso só conseguiu fazer olhos assassinos para sua ex-subordinada. Foi a gota d’água para Scorpia destapar a boca e dar uma boa risada. Entrapta e Erradinho ergueram os olhos e sorriram, mesmo sem entender o que se passava. Ao ver isso, Hordak se tocou do ridículo da situação e acabou rindo também, uma risada seca e curta. Sem saber porquê, rir o fez sentir-se um pouco melhor.

— Desculpe, senhor... Hordak. Mas achei tão fofo ver o senhor com um irmão mais novo! Sempre achei que o seu problema fosse a falta de uma família. Sem ofensa — Scorpia olhava para os lados, embaraçada.

—Não me ofendi — Hordak apalpou o peito dolorido (em parte, era verdade) — Mas você não parece surpresa em me ver… Scorpia.

Ela parou de sorrir:

— Oh, bem. Eu sabia que nos encontraríamos de novo. Bom, não tinha certeza, assim, absoluta. Mas sabia que, se o senhor estivesse vivo, Entrapta daria um jeito de achá-lo. Ela sentia muito a sua falta.

Um estranho calor encheu o seu peito. Não era nada de novo, o que ela dizia: Entrapta já lhe dissera a mesma coisa antes de serem separados pelas princesas conspiradoras. Porém, ouvir isso de outra pessoa, que convivera com ela quando ele não podia, era reconfortante.

—Obrigado — murmurou.

Felizmente ele não podia ler pensamentos, porque Scorpia sentia que ia morrer de tanta “fofura”: “As orelhas dele se mexem! Como é que eu nunca reparei antes nessas orelhinhas?! E os olhos, então? São tão grandes e redondos, agora que ele não os aperta mais pra fazer cara de mau!”

Olhou para as pinças, tentando disfarçar:

—Obrigada também, por não ter matado Perfuma. Quer dizer, sei que está com raiva dela. Mas Perfuma não é daquele jeito a maior parte do tempo. E ela é uma amiga muito querida minha.

“Primeiro Catra, depois a quase assassina de Entrapta. Essa mulher tem um péssimo gosto,” Hordak pensou, mas a verdade é que estava sem jeito. Era a segunda vez que lhe agradeciam hoje, e sempre a troco de nada.

Desviou o olhar:

— Mesmo eu sei que a magia nem sempre desaparece com a morte de seu criador. Não há o que agradecer.

— Como não? Você acabou de confirmar que eu estava certa a seu respeito! — disse a voz de Adora.

O sol brilhava por trás dela, iluminando seu cabelo num halo, em contraste com a rainha e o rapaz que andavam perto lado dela e tinham seus rostos nas sombras. Entrapta virou-se para dizer “oiiiii!”, depois baixou a máscara e voltou a examinar Emily, fingindo estar muito ocupada. Scorpia permaneceu agachada ao lado dela, mas olhava nervosa para os lados. Só Erradinho parecia alheio à súbita tensão.

Hordak ajeitou a roupa e empurrou o cabelo bagunçado para trás. O que quer que acontecesse com ele, manteria seus últimos “vestígios de dignidade.”

Adora, por sua vez, mal conseguiu disfarçar o choque: o uniforme dele estava rasgado e sujo, com arranhões nos braços e nas pernas causados pelos espinhos do monstro vegetal. Havia um hematoma no lado direito do rosto, que só poderia ter sido causado por um soco.

— Sinto muito. Não devia ter deixado vocês sozinhos sem explicar para todo mundo o que aconteceu — as palavras praticamente saíram sozinhas de sua boca.

Hordak arregalou os olhos. Entrapta descobriu o rosto e chegou a se levantar, a fim de acompanhar melhor a conversa.

—Adora, você tinha todo o direito de descansar — Bow observou, em tom de censura. Podia não ter dito nada, pois os dois ex-inimigos se encaravam como se não houvesse mais ninguém ali.

—Por que está me pedindo desculpas? — Hordak explodiu, para surpresa geral.

Ele tremia. Primeiro lhe agradeciam, agora se desculpavam com ele? Era mais do que podia suportar! Cerrou os punhos e baixou a cabeça, como se fosse avançar em alguém; os acompanhantes de Adora recuaram, porém ela se manteve firme no lugar.

—Fui eu que atraí tudo isto para mim! E para Entrapta! — ele explodiu — Se soubesse o que ela sofreria por minha causa, teria ido embora assim que você me libertou! Ou me rendido imediatammffff... — uma mecha de cabelo tapou-lhe a boca.

Entrapta estava ao lado dele com os olhos zangados e úmidos, os lábios apertados numa linha fina. Adora sorriu tristemente, embora estivesse lutando para não chorar também:

—Ela tem razão, Hordak. Pouco tempo depois que deixei a Horda, fui levada a acreditar que protegeria meus amigos se me afastasse deles. Mas eles vieram atrás de mim e se colocaram em perigo — deu um rápido sorriso para Bow e Glimmer atrás dela —Uma das piores coisas que podemos fazer com as pessoas que amamos é abandoná-las, porque passa a mensagem que você vai ficar muito bem sem elas. Mesmo que não seja verdade.

Catra, que se aproximara com cuidado para não ser vista por Hordak, empalideceu por baixo do pelo. Quantas vezes não chorara escondida, pensando como Adora deveria estar feliz sem ela? Sea Hawk e Mermista trocaram olhares. Perfuma arriscou uma olhadela envergonhada para Scorpia, mas virou o rosto quando os olhos das duas se cruzaram. Já Hordak e Entrapta coraram, olharam um para o outro e desviaram o olhar. Era a primeira vez que alguém os encorajava a ficarem juntos, e Adora claramente insinuava que eles tinham bem mais do que amizade. Alguns ficaram enternecidos, mas outros estavam chocados e até com nojo.

— Está dizendo que devemos aceitar o rela... a amizade de Entrapta com esse ditador? — Castaspella se aproximou — Glimmer, você não vai falar nada sobre isso?

Glimmer não podia responder porque estava dividida. Por um lado, a ideia de Hordak namorando alguém era... eca! Por outro, não queria brigar com Adora novamente. E mesmo se quisesse, tinha quase certeza de que Bow e Catra apoiariam sua melhor amiga. Mais importante, ela havia trazido todos para aquele lugar bem a tempo de ouvir o desabafo de Entrapta. Quando a ouviu dizer que não entendia de amizade, sentiu um nó na garganta. O que tinham feito a ela para que pensasse assim?

Micah, percebendo o apuro da filha, falou por ela:

— Não temos que aceitar nada, Cas. A decisão é de Entrapta. Também não estou feliz com isso, mas nunca vi ninguém abraçá-la como Hordak abraçou quando a salvou das plantas. Nem mesmo Scorpia. E nós devemos muito a ela, você sabe.

— Exatamente por isso! Entrapta é uma criança, ela não...

— Entrapta tem trinta e um anos — Spinnerella informou docemente — Ela me contou enquanto removia o chip do meu pescoço.

— Ela me contou também — Scorpia acrescentou — Quando a gente ainda morava na Zona do Medo. Aposto que Hordak também sabe.

Ele confirmou com cabeça, muito sério. Por dentro, se mordia de vontade de rir das caras daqueles rebeldes. Alguns se beliscavam. Swift Wind perguntou se Entrapta fizera alguma experiência em si mesma para não envelhecer (ela disse que não)e Netossa perguntou de brincadeira a Spinny se não deveriam pedir emprestado o creme facial da inventora. Bow era o mais chocado de todos:

— Entrapta, você nunca nos disse... quer dizer... sempre pensamos que você tinha... mais ou menos a mesma idade de Adora... ou de Mermista, no máximo! Uns dezoito, dezenove e olhe lá!

— Tenho vinte e um anos — rosnou a sereia — Você esteve na minha última festa de aniversário!

— Eu concordo com ele, meu amor — Sea Hawk falou, galante — Você aparenta uns dois anos a menos.

—Você nunca me perguntou — Entrapta respondeu ao arqueiro — Achei que não interessava. Gosto de você, da Adora e até da Glimmer, mas vocês só me procuram pra falar de trabalho.

—“Até da Glimmer”? — Catra deu uma cotovelada na amiga brilhosa — Ai! Gostei dessa Entrapta de língua afiada.

Hordak franziu uma “sobrancelha” para ela, mas estava se divertindo demais para se irritar com a gata:

—Entrapta é muito mais do que um suporte para suas aventuras — sorriu, malicioso — Qual é o alimento favorito dela? Qual a sua sobremesa favorita?

— Comidas pequenininhas! — Sea Hawk levantou o braço alegremente. Mermista, a seu lado, fez “uugh” e resmungou que todo mundo sabia disso.

— A comida favorita dela é sopa — Scorpia respondeu — Pelo menos acho que é. Em tigelinhas, é claro. Ela adora sopa de galinha e legumes.

— Irmão Entrapta gosta de minicupcakes de chocolate — Erradinho lembrou — Eu estava aprendendo a fazer, antes de chegarmos a Etéria.

Bow tirou do bolso o resto de um cupcake muito amassado que guardara para a amiga inventora, olhou para ele e tornou a escondê-lo, antes que alguém reparasse.

Entrapta riu deliciada:

—Os dois acertaram! Bom, quase. Minha sopa favorita é a de ervilha! E adoro cupcakes decorados com bichinhos, só que não quis exigir demais do Errado! Mas vocês chegaram perto e é isso que importa!

Scorpia e Erradinho levantaram os braços e deram hurras. Os outros só acompanhavam aquela ceninha que teria sido ridícula em outras ocasiões, porém agora dava no que pensar. Especialmente para o atordoado Trio dos Melhores Amigos. “Suporte para suas aventuras”? A patada, não, o coice de Hordak acertara em cheio!

Felizmente, Spinnerella desviou as atenções:

— Adora, Netossa nos disse que Entrapta alegou ter sido salva por Hordak outras vezes, inclusive de Horde Prime. Não que eu esteja duvidando dela, mas você sabe alguma coisa sobre isso?

— Sei e posso mostrar — Adora sorriu, agradecida pela mudança de assunto— Mas acho que vai ser mais confortável se a gente voltar primeiro para o abrigo, não acham? Demos uma passada rápida pelas despensas de Bright Moon, antes de vir pra cá.

Ninguém se opôs.


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