Depois do Crepúsculo escrita por FSMatos


Capítulo 13
Capítulo quatro




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NATALIE 

*2011*

 

Os quase três anos seguintes àquela calorosa conversa na biblioteca passaram voando. Me aproximar de Bella e criar um laço de amizade foi mais natural e espontâneo do que a maioria das interações humanas que eu conhecia, mesmo a minha família. - Ela gostava de cuidar de mim, blindando-me das fofocas sobre nós e nossa estranha aproximação, para que eu não ficasse incomodada e cortando as palavras maldosas de quem se aproximava para destilar veneno em nós duas. Eu não me importava que achassem que fosse um casal; no fim das contas, tratava-se apenas de rumores toscos. Eu a amava como um dos meus lindos irmãos e meus pais aprovaram com alegria nossa amizade. Eles estavam aliviados por eu finalmente ter trazido para casa uma amiga de verdade. Não me disseram isso, mas estava estampado em seus semblantes radiantes sempre que saíamos todos juntos em uma programação de família e ela estava ali, aproveitando o momento conosco.

Éramos a “dupla inseparável” do campus, por mais que muitas vezes eu soubesse que estava minando a paciência de Bella, mas isso era parcialmente culpa dela. À medida que eu demonstrava mais da minha pequena obsessão sobre sua existência, ela não se afastava, o que tirava  o meu medo de ser eu mesma com ela. 

Tratava-me como uma criancinha quando tentava argumentar com a minha teimosia, explodimos e deixávamos de nos falar, mas horas depois estávamos conversando uma com a outra de novo, com ela cedendo aos meus caprichos na maioria das vezes. Confesso que extravasava minha espontaneidade de propósito, não para irritá-la ou sobrecarregá-la, mas para trazer um pouco de vida a aquele rostinho apático. Ela parecia sempre se afundar quando as coisas começavam a cair na rotina e um pouco de agitação à sua mente distante a puxava para a realidade. E tinham as semanas que precediam as suas viagens de volta a Forks. Estes eram os piores períodos. - Haviam as olheiras e as frases ditas pela metade. Ela ficava sempre mais sensível a tudo, como se qualquer coisa pudesse desencadear seu estado depressivo.

Minha maneira pouco convencional de animá-la era o meu jeito de tentar ajudar. Por mais que suas emoções estivessem sempre ali, mais evidentes do que a da maioria das pessoas, eu nunca sabia o que ela queria de verdade, nas entrelinhas. Como se ela me bloqueasse naturalmente e sem ao menos notar. Então eu testei de tudo e persisti no que a fazia reagir de novo para a vida. Não era fácil; até eu, que estava sempre cheia de energia, ao final do dia estava esgotada.

Com o tempo, Bella passou a ficar mais respondona aos meus mandes-e-demandes, e eu a desafiava até o final. Desta vez, próximo às férias de primavera de 2011, eu estava mais do que determinada a não deixá-la ir para Forks. As olheiras e o mal-humor estavam voltando.

Era hora do almoço e eu a encontrei em seu restaurante preferido perto do campus, o qual ela dizia que a fazia lembrar de casa. Era um ambiente bem organizado, sem sombra de dúvidas, mas era muito escuro e a decoração parecia ter se perdido na década passada. Vê-la envoltas em sombras tirava totalmente o meu bom-humor. Ela merecia luz. O sol e a luz natural a deixavam radiante. - Sentei-me à mesa e fiz o meu pedido. Ela murmurou um “olá” nada simpático, talvez achando que aquilo me impediria de ressuscitá-la, enquanto vasculhava algo no celular. Quando o meu sanduíche chegou, comecei a falar:

— Sabe o que eu fiz hoje? - perguntei, mastigando ruidosamente, do jeito que eu sei que a faria olhar para mim.

Tiro e queda!

— Não faço a menor ideia… - Bella ainda não havia sido instigada o suficiente para brigar comigo com a minha falta de bons modos. - Mas seria a explicação para o motivo de você ter sumido a manhã toda.

— Verdade. - concordei, casualmente. - Estava na praia, com Brian. - Meu irmão mais novo. - Ele queria assistir a apresentação dos skatistas profissionais e mamãe não podia levar ele, então me ofereci. - Era mentira. Eu tinha sumido e parado de respondê-la de propósito, para criar a história perfeita que eu vinha montando há um bom número de dias. O passeio de verdade havia ocorrido no mês anterior. Eu tinha falado sobre ele, mas Bella estava tão absorta em sua própria falta de ânimo que claramente não se lembrava.

— Gentil da sua parte. - disse, totalmente alheia à verdade.

— Obrigada! Ele amou. Quando terminou, como estava quente, aproveitamos para tomar um pouco de sorvete e passear pela orla. Sabia que abriu uma nova agência de viagens perto da loja de artigos esportivos?

— Não, não sabia. - Seus olhos se estreitaram, desconfiados. - Imagino que vocês tenham parado para dar uma olhada.

— É claro! - exclamei, dando outra mordida nada delicada no sanduíche. Agora que eu havia parado para me sentar e comer, depois de ter rodado lojas e lojas atrás do que precisava, notei que eu realmente estava faminta. - Nunca se sabe quando haverá uma oportunidade esperando por você. Tive que entrar, ao menos para ver.

Bella riu, um sorriso singelo, mas verdadeiro. Aquilo aqueceu um pouquinho o meu peito. Ela não estava tão ruim quanto aparentava. Ainda poderia conversar com ela normalmente sem pisar em ovos, sem o risco de vê-la à beira de uma crise de ansiedade.

— E o que você encontrou? - perguntou ela, voltando sua atenção novamente para o celular. Vi de relance que ela estava lendo e-mails. Quem é que ainda se comunica por e-mails? - Para está tão agitada assim, deve ter sido algo muito empolgante.

Engoli a comida e me preparei para lançar.

— A agente de viagens estava oferecendo pacotes promocionais para uma viagem a uma cidade histórica da Toscana, por um preço ótimo. - disse, minha respiração se acelerando por causa da empolgação. Eu amava a Itália e a cultura italiana. Era meu sonho visitar. E a agente (que conscientemente também seria a guia) estava tão determinada em me convencer a ir e convicta de que conseguiria. Bem, ela estava plenamente certa! - Uma excursão, mais precisamente. Estava pensando se você quer ir comigo.

Bella me olhou novamente, seu semblante pensativo.

— Nossa! - Ela parecia realmente surpresa pelo convite, o que era estranho. Não era óbvio que eu iria querer ela comigo em um momento tão importante quanto uma viagem à Itália? Ela era minha melhor amiga, quase minha irmã, pelo amor de Deus! -  E quando vai ser?

Respirei fundo, pronta para o baque.

— Nas férias de primavera. - Outra mordida ruidosa.

Bella piscou algumas vezes.

— Mas na primavera eu vou estar em Forks. - disse ela, sua voz de repente parcialmente morta. Era como cravar gelo no meu peito. Quis me arranhar para arrancar a sensação.

— Você não precisa ir para Forks o tempo todo, Bella. - argumentei, permitindo que a minha voz ficasse suplicante.

— Eu só vou para lá três vezes por ano. - Além de sem vida, ela soou irritada. Assunto muito, muito delicado. Mas eu precisava continuar.

Eu poderia parar, mas não quis.

— Creio que uma vez a menos neste ano não será o fim do mundo para ninguém. - Agora eu estava sendo irritante e irritada. Eu estava irritada. Não queria ver ela se afundando de novo em merda. Ela sabe que estava se afundando em merda. Insistir no que lhe machuca não faz sentido.

— Eu prometi - O volume de sua voz aumentou só um pouco, demonstrando que ela estava querendo ser irredutível. - a eles que estaria lá, todos os anos. Eu devo isso a eles.

— E você quer estar lá?! - Outra mordida.

— Isso não é discutível… - Bella assumiu o seu tom autoritário, quando seu discernimento chegava à conclusão de que eu estava sendo impertinente. Se eu fosse uma desconhecida, talvez concordasse com ela. Talvez.

— Bella, você está exagerando. Algumas semanas a menos não vão mudar nada! - choraminguei, frustrada e totalmente no meu limite por ela ser uma maldita masoquista. E eu que me considerava a maluca da história! - Tenho certeza que eles vão entender se você disser que foi por causa dos estudos. - Eu sabia que ela odiava mentir e nem que era muito boa nisso, mas queria dar-lhe a oportunidade de ter algo na manga para usar, para poder se sentir livre daquele compromisso idiota.

— Literatura italiana não é a área em que pretendo me especializar. - resmungou ela. Já tinha ouvido aquela frase antes. Eu vinha tentando sondá-la a semana inteira sobre a possibilidade dela se interessar por outra área da literatura (e na viagem que eu planejava há semanas!) que não fossem clássicos ingleses, e ela repetidamente destacou sua falta de interesse em coisas mediterrâneas.

Fiz uma careta que ela não viu pois ainda estava com a cara enfiada no celular e seus e-mails antiquados e idiotas, grafando alguns ravioles com a mão livre e os comendo com delicadeza. Não havia notado que ela estava com o seu próprio prato de comida até vê-la comendo.

Dei outra mordida no meu sanduíche, de repente frustrada não só por sua constante recusa, mas também porque ele estava quase acabando. Deveria pedir outro?

— Sabe que fazer birra como uma criança não vai me fazer mudar de ideia. - suspirou, ainda sem erguer a cabeça para me olhar.

Seus olhos vagam pela tela do celular, a pequena ruga entre suas sobrancelhas se acentuando e seus lábios torcendo-se em uma fina linha rosa em seu rosto pálido como marfim, hoje mais pálido do que o comum por causa da falta de luz natural no ambiente.

Meu Deus, aquele lugar era definitivamente horroroso! Parecia um mausoléu. Não que eu tenha entrado em um para constatar minha afirmação.

 - Você é muito chata, Isabella Swan. - Eu a chamei pelo nome completo pois sabia que ela não gostava disso. - Não estou pedindo para que você destrate o seu pai, ou o seu namorado. - O que era plenamente verdade. - Mas eu queria fazer isso com você, entre nós, uma viagem só para as meninas. - Pois era o que ela precisava agora, ficar distante do que estava a deixando triste e sem vida. - Sabe o quanto eu quero praticar o meu italiano. - Lembrei-a, ciente que apelar para as minhas necessidades poderia fazê-la mudar de ideia. Bella era muito coração mole. - E o festival de São Marcos. Você tem que ver as fotos. - Vi ela encolhendo de vergonha enquanto eu deixava a empolgação tomar conta de mim. O restaurante estava praticamente vazio, então não havia ninguém que eu pudesse chamar a atenção. Talvez a garçonete. - É tão lindo! Tudo tão vermelho e tão cheio de pessoas, de todos os lugares do mundo. Os muros de tijolos antigos, as ruas estreitas. A praça principal. Tem o castelo! A guia me disse que vai levar o grupo para ver por dentro também. Chegou até dar um desconto para nós duas. - Um desconto extra barganhado com muita peleja, inclusive. - Por favor, Bella!

— Para com isso, Natie. - Bella largou o celular com um baque alto em cima da mesa, sem parecer ligar muito para a possibilidade de gerar um dano permanente no aparelho eletrônico. Ela me encarou, os olhos brilhando de raiva. Era melhor do que toda aquela melancolia velada. - Faltam três semanas até as férias de primavera. Eu não posso cancelar tão em cima da hora.

Senti o meu rosto esquentar e os olhos se encherem de água.

— Sua egoísta! - Eu quase gritei na cara dela, pois o que eu dizia era verdade: ela estava sendo muito egoísta, não comigo, mas consigo mesma.

— Olha quem está falando! - Dessa vez, Bella não se importou em manter o volume de voz educado. Tinha conseguido tirá-la do sério.

Estava feito.

Antes que ela visse as lágrimas, levantei-me rapidamente da mesa e atirei uma nota de dinheiro em cima da mesa, por educação, e lhe dei as costas. Fui embora o mais depressa que meus pés conseguiam ir. - Eu não gostava de instigar uma briga com ela. Me deixava sensível e me sentia culpada por atormentá-la. Porém, alguém tão cabeça-dura como ela só poderia ser dobrada a ferro e fogo, não menos do que isso.

Não sei como eu consegui dirigir sem bater em algum outro carro, mas quando eu estacionei na frente da casa da minha mãe, uma cortina de lágrimas ainda cobria os meus olhos. Entrei em casa correndo, não querendo que os vizinhos me vissem daquele jeito. Quando cruzei a porta e a fechei, ouvi passos na escada de alguém que foi checar quem tinha chegado. Logo ouvi a voz de Logan (gêmeo de Brian), bem alta acima da minha cabeça enquanto eu percorria o corredor até a cozinha:

— É Natie, mãe! E ela está chorando de novo!

Quando mamãe entrou na cozinha, dois minutos depois, eu estava na frente do forninho elétrico, admirando os bolinhos de mirtilo que assavam. Deixavam um cheiro maravilhoso através dos cômodos da casa. Céus, eu ainda estava com fome!

— Você e a Bella brigaram. - Não era uma pergunta. Eu a ouvi abrindo a porta da geladeira e a do armário. O cheiro era de suco de laranja com toranja, o meu preferido. 

— Sim. - choraminguei. - Por que ela nunca me ouve?

— Ela sempre te ouve. - Mamãe se aproximou, entregando-me o copo cheio de suco. Bebi um pouco e meu estômago aquietou-se, feliz pela frutose ingerida. Os bolinhos estavam quase no tom certo de dourado. - Mas isso não quer dizer que ela fará tudo o que você quer.

— Eu sei que ela não quer voltar para Forks! Eu vejo isso em todo maldito feriado importante. - bravejei. - Sério, isso realmente vale tanto a pena? Se torturar desse jeito?

— Ainda a história de Forks… - Suspirou. - Sabe, meu bem, você poderia resolver como gente grande: indo direto ao assunto. Se te incomoda que ela vá e fique tão deprimida, você deveria conversar com ela, ao menos tentar entender o porquê dela insistir.

Mordi os lábios pensativa. Mamãe tinha razão.

— Seria indelicado falar de algo para o qual ela não está preparada para falar. - E era verdade. Eu não poderia forçá-la. Já havíamos compartilhado todo tipo de assunto e experiências, mas sua cidade natal e tudo que envolve ela era um grande tabu, com exceção de seu pai e seu namorado. Porém, sempre tive a impressão de que algo mais havia acontecido ali além de uma simples história de uma adolescente que se mudou para morar com o pai depois que a mãe foi embora para ficar com o namorado. Deve  ter havido mais.

Mamãe envolveu os meus ombros em um abraço.

— Então ao menos tente ser paciente, tudo bem? Ela ama muito você. Ou não teria suportado seus caprichos todos esses anos. - Mamãe riu.

Também tive que rir.

— Eu também a amo muito, só não suporto que ela se destrua por tão pouco.

— Acha que família é pouca coisa?

— Não! Não é isso. Mas ela precisa pensar em si mesma de vez em quando. E vir para Jacksonville não foi um ato de pensar em si mesma. Ela só veio porque insistiram, senão ela ainda estaria enfornada naquela cidadezinha chuvosa e triste. - E talvez teria se casado com alguém que não ama, apenas por comodismo.

— E você resolveu que brigar como um toureiro contra um touro teimoso foi a melhor forma de lidar com a situação?

— É o que funciona. - Dei de ombros.

— Vocês duas são estranhas. - Mamãe estava rindo de novo. Ela me puxou para sentar à mesa. Pegou algumas luvas antitérmicas e tirou os bolinhos do forno. Apoiou-os na bancada para que pudessem esfriar, depois veio se sentar comigo. - Você é igualzinha ao seu abuelo, sabia? Ele também era um ser humano irredutível.

— Já me disse isso…

— E agora?

— Agora é preciso esperar. Sei que em alguma hora ela vai ligar para mim. Se ela não estiver irritada demais.

— Ela nunca está irritada demais para falar com você, flor. Fique tranquila.

— Claro… - murmurei.

Passei o resto do dia na casa dela, conversando com os meus irmãos e comendo bolinhos deliciosos. Ter o estômago cheio me deixou feliz, um pouquinho. A imagem de uma Bella cinzenta não deixava a minha mente.

Cheguei em casa por volta das sete e meia da noite. Meu pai e minha madrasta estavam assistindo televisão. Eu podia ouvir minhas irmãs no outro andar discutindo enquanto jogavam videogame.

— Oi, N! - Eu ouvi Clear, minha madrasta me cumprimentar quando me viu subindo as escadas para o quarto. A comida da mamãe era maravilhosa, mas não tinha me animado o suficiente para conversas muito longas. Não enquanto aquele bendito telefone não tocasse com o número e nome da Bella brilhando na tela. Era Forks, afinal. Forks e as malditas promessas “invioláveis”. - Chegou tarde. Jantou na sua mãe?

— Oi. Jantei. - respondi, ainda nos degraus. - Eu tenho que subir para fazer uma revisão.

— Está tudo bem? - Foi a vez do papai falar comigo. Ele me olhava com aquela cara séria que todo pai faz quando percebe que tem algo de errado e quer saber do que se trata.

Assenti e dei um sorriso.

— Sim, só estou um pouco cansada. - menti. - Os gêmeos não largaram do meu pé enquanto eu não fiz tudo que eles queriam. Acho que é o karma. - Eu ri, tentando deixar o clima mais leve. E os pentelhos realmente tinham me dado uma canseira, porém, mais ajudou do que atrapalhou o meu humor.

Papai franziu o cenho.

— Tem certeza?

— Sim, pai. Boa noite. - Voltei a subir as escadas, antes que ele fizesse mais perguntas.

Cumprimentei as minhas irmãs antes de me trancar no quarto e olhar o celular. Nenhuma ligação perdida. Pensei em eu mesma ligar e implorar para que ela fosse comigo para Itália. Mas eu não poderia fazer. Não cabia a mim decidir.

Resolvi que iria estudar um pouco, compensar o dia perdido de aula. Mandei mensagem para alguns colegas e eles me mandaram o material que foi trabalhado durante as aulas perdidas.

Por volta das dez e meia, quando os meus olhos estavam ardendo e meus nervos pareciam fios desencapados contra a pele nua, a tela do meu celular brilho, o nome e foto de uma Bella com o rosto sujo de protetor solar e um chapéu de palha na cabeça apareceu. Eu tinha tirado aquela foto em nossa última ida à praia, no início do ano. Ela não me deixou postar em suas redes sociais, o que era uma pena. Ela parecia uma menina feliz nela, como se fosse adolescente de novo.

Atendi no segundo toque. Nem um pouco desesperada.

— Sim? - Resolvi que seria seca com ela. Ela precisava pensar que eu não estava abalada por ter brigado com ela, ou ela poderia tentar me contornar.

— Quando é a viagem? - Bella foi direta.

Meu coração vacilou e continuou batendo, um pouco mais rápido.

— E isso realmente importa para você? - Torci para que ela não percebesse que eu estava ofegante. Funguei para disfarçar.

— É claro que importa, sua tonta mimada. Achei que quisesse que fizéssemos isso juntas. - Seu tom de voz era o familiar som da derrota, como se ela estivesse se rendendo.

Perdi a habilidade de falar por alguns segundos.

— Quer dizer - Cacete, eu estava chorando! - que você vai comigo?

Eu a ouvi bufar.

— É óbvio.

Eu sabia que valeria a pena!

— Obrigada, Bella! Eu te amo tanto. - Eu já não conseguia mais controlar o fluxo de lágrimas. Elas simplesmente saiam, junto com todo o meu alívio e gratidão ao universo.

Bella riu e eu pude perceber que ela estava aliviada também. Será que ela tinha ficado tensa com a nossa briga tanto quanto eu?

— De nada, Natie. - Bella estava feliz. - Mas você ainda não disse quando vai ser a viagem.

Enxuguei as lágrimas rapidamente.

— Vai ser uma semana antes do festival. - Voltei a falar normalmente, sem a voz embargada. Eu explodia de alegria, isso sim! - Vamos ficar hospedados na cidade até o grande dia. Então voltamos para casa. - Mal podia esperar pelos dias de passeio que se seguiriam. Com sorte, eu conseguiria tirar todo aquele drama da mente dela e a faria relaxar, como uma boa férias de primavera exigia.

— Certo. - murmurou, pensativa. - E quanto a minha passagem? Não acha que está em cima da hora…

— Não, não! Eu comprei junto com a minha. - Eu ri, deliciada por já estar com tudo pronto. Quando lancei a ideia da viagem há algumas semanas para a minha família, papai se ofereceu para pagar tudo para nós duas. “Um presente de Natal e aniversário adiantado” foi o que ele disse. Por mim, tudo bem. Era um presente mais do que perfeito. - Estava convicta de que você iria ceder aos meus encantos. 

Ela riu.

— Você, Natalie, é uma manipuladora cruel. - Ela usava o seu tom de voz incrédulo. Mais uma vez, eu consegui surpreendê-la.

Talvez eu fosse. Mas, neste momento, quem se importava?

— É o meu charme.

— E para onde nós vamos?

— Não leu o link que te mandei?

— Não.

— Ah, Bella, - Suspirei. - se eu sou manipuladora, você é claramente displicente. - Ignorando completamente o meu entusiasmo.

— Só quando me convém. Fala logo. Para onde?

Fiz alguns segundos de silêncio, tomando o fôlego necessário.

— Para a magnífica, histórica e misteriosa - Pausa dramática, pois eu não me aguentava de entusiasmo. - Volterra!



Era tudo mais lindo e mais encantador do que pelas fotos. As ruas, as casas, as pessoas e a comida. Foram seis dias de puro divertimento para mim e Bella. De vez em quando ela reclamava da quantidade de dinheiro que eu estava gastando com ela, mas eu sempre cortava as suas queixas, reforçando que aquilo não era só um presente para mim, e sim para nós duas.

— Seus pais são muito gentis comigo. - disse ela uma vez, enquanto tomávamos café-da-manhã em nosso quarto. Estávamos lá por causa da minha enxaqueca que talvez tenha sido causada por um leve abuso de álcool meu no dia anterior. Eu havia dito para ela ir comer na mesa destinada aos hóspedes, mas ela preferiu ficar comigo e garantir que eu estaria bem alimentada e hidratada. Portanto, trouxeram, além da comida, uma pequena mesa de dois lugares para nós. Sentamos perto da janela, admirando a linda paisagem e o relógio da praça a distância. - Nem sei como eu poderia agradecer eles por isso. - Ela gesticulou ao redor, apontando para o pequeno quarto antigo.

Dei de ombros.

— Papai gosta de abraços e tortilhas. Você pode levar uma travessa inteira para ele e ele te amará mais ainda. - Eu ri, pois era verdade. Papai era fácil de ser agradado. - Mamãe, basta que você a agradeça e continue sendo a fiel escudeira da sua filhinha querida. - Eu pisquei teatralmente para ela, arrancando uma gargalhada.

— Como se eu tivesse alguma escolha. - comentou.

Fiz uma careta, porém, fiquei quieta. Tinha prometido a mim mesma que não iria me meter em assuntos delicados, apenas fazer com que ela se esquecesse deles.

— Bem, - disse ela, assim que terminou sua parte da comida. - vamos descansar hoje. Amanhã é o grande dia, afinal. Sei que vai querer estar bem para que possamos aproveitar tudo. Beba um pouco mais de água e deite-se.

— Sim, senhora. - concordei, pois eu realmente sentia que precisava dormir um pouco.

À noite, pedimos pizza e assistimos a um filme na recepção. Estava em italiano, mas tinha legenda, então acabou não sendo um problema para Bella.

Por volta das cinco da manhã, senti o meu corpo despertar com um som sutil e familiar. Me mexi um pouco e olhei a mesinha de cabeceira que dividimos, confirmando as horas no rádio-relógio. Olhei para Bella. Mesmo na pouca claridade gerada pela lua, pude ver que ela também parecia estar um pouco agitada em seu sono. Seu rosto estava tenso. Pude jurar que ele brilhava um pouco, como se lágrimas escorressem por ele. Aquilo me assustou e eu dei um salto da cama, mas antes que pudesse tocá-la para despertá-la do que imaginei ser um pesadelo, seu lábios se moveram e ela falou:

— Edward… - Sim, ela realmente estava chorando. Mas não era um pesadelo, dado o tom de lamento em sua voz quando ela disse o nome deste homem desconhecido. - Eu não quero… eu não posso matar você. - Bella soluçou e se encolheu, abraçando os próprios joelhos e fechando-se como uma bola.

Assunto delicado assunto delicado assunto delicado…

Sentei-me na minha cama e continuei a observá-la, minha mente mais alerta do que nunca. - Será esse o motivo das tristezas dela, esse tal de “Edward”? Edward. Um nome que poderia facilmente pertencer a um vovô de noventa anos. Mas ela nunca mencionou alguém com este nome. Assunto delicado, lembra? Seria alguém que ela conheceu, com certeza. Um coração partido? Bem, deve ter sido uma desilusão e tanto para que ela não queira comentar sobre ele com ninguém, nem mesmo comigo.

Bella se mexeu mais um pouco e se aquietou, voltando a ficar em silêncio.

Eu me deitei também, mas não consegui dormir. O que era uma grande merda pois com certeza estaria com olheiras durante o dia todo. - Minha mente voava com as mais possíveis alternativas. Pensei até em ligar para Charlie ou Renee e perguntar quem ele era, mas creio que estaria indo longe demais. Em vez disso, resolvi perguntar para ela depois. Provavelmente a resposta que eu receberia seria uma mentira. E se fosse, eu fingiria que estava tudo bem e confiaria nela. Eu ainda tinha uma promessa de honra a ser cumprida, afinal. Ela merecia tal consideração.



— Ela está bem? - perguntou a senhoria do meu lado, tirando-me da divertida conversa que eu tinha com os seus netos, dois meninos suíços adoráveis. Felizmente, eles conheciam o italiano, além do alemão que aprenderam enquanto cresciam. Eu amava crianças. Elas eram tão divertidas e verdadeiras.

Olhei para o lado, para Bella, e ela estava pálida como um papel e prestes a cair.

— Bella! - Eu chamei ela, mas ela não me respondeu. Apenas me encarou com aquele olhar vazio e desnorteado. - Bella, você está bem? - Eu toquei nela e ela estava fria como um animal morto. Esfreguei um pouco os seus braços para aquecê-la.

— Algum problema? - Um dos guardas que estava organizando a fila se aproximou para ver o que estava acontecendo, realmente preocupado.

— Acho que ela teve uma pequena queda de pressão. - comentei, tentando soar tranquila. É claro que eu não estava. Bella estava atônita. Nunca tinha visto daquele jeito. - Mas ela comeu, então deve passar logo. - Eu o tranquilizei e a todos ao redor que nos olhavam.

— Você tem certeza, minha jovem? - perguntou a idosa. Ela também esfregava o outro braço de Bella para ajudá-la a recuperar um pouco da temperatura corporal perdida. - Ela parece gelo!

— Sim, ela só precisa andar um pouco. - falei, sem ter tanta certeza.

Logo a guia estava nos chamando para acompanhá-la. Saiu do pequeno restaurante do castelo e nós a seguimos. Enganchei o braço de Bella e segurei sua mão para apoiá-la. Ela se firmou em mim de bom grado.

— Está pronta?

Ela assentiu e começamos a acompanhar a multidão.

Não consegui aproveitar o passeio pelos cômodos e galerias do castelo. Meu foco estava em Bella e em mantê-la de pé e firme. As pessoas tiravam fotos de tudo e de vez em quando, alguém dava uma garrafinha de água para nós duas. Consegui fazer com que Bella bebesse um pouco, mas ela não quis ir ao banheiro durante a pausa. O que mais me preocupou foi o grande lance de escadas que tínhamos que subir até a próxima recepção, entrada do torreão do castelo. Felizmente, a esta altura, Bella estava menos pálida, porém, tropeçou algumas vezes nos próprios pés. Obviamente, ela não estava cem por cento bem, então a mantive junto a mim.

Um lindo rapaz de olhos verdes e calorosos cumprimentou a todos quando chegamos à recepção superior. Passamos por ele, entrando em um corredor de carpete cinza industrial. À nossa frente, portas ornamentadas com esmero, mas a guia nos levou para uma escondida na parede, de madeira e pequena, pela qual só poderia passar uma pessoa por vez.

Senti Bella dar um solavanco, fazendo nós duas pararmos. Ela tinha soltado a minha mão e agarrado o meu pulso com firmeza, cravando as unhas nele. Doeu, mas eu não protestei. Seu semblante mostrava que ela havia voltado a si completamente, o que teria sido um alívio se não fosse por sua expressão de puro medo. 

— Pre-precisamos sair daqui. - Ela sussurrou, como se temesse ser ouvida por alguém. Porém, quase todos estavam dentro do torreão e já fazia meia hora que ninguém mais prestava atenção em nós duas.

Bella começou a tremer e seus olhos estavam avermelhados. Eu estremeci, o medo dela me atingindo, mas ainda querendo entender o porquê dela estar assim.

— O que está acontecendo? - Eu também sussurrei, com medo de que se eu falasse em um volume de voz normal, isso a deixaria mais instável.

Ela balançou a cabeça, recusando-se a dar explicações.

— Não é hora para isso. - respondeu, e então começou a me arrastar pelo caminho de volta, muito apressadamente, encontrando novamente o equilíbrio dos pés.

Eu a acompanhei, com medo de sabe-se lá o quê, mas confiante que Bella me explicaria quando achasse adequado. Talvez se sentisse mais à vontade quando estivessemos em nosso quarto na hospedaria, entre quatro paredes e longe de qualquer um que a tenha deixado amendrotada.

Andamos alguns passos antes de ouvir a voz da guia as nossas costas:

— Algum problema, senhoritas?

Droga, precisava pensar rápido.

— T-temos que ir ao banheiro. - Maldição! Por que eu tinha que gaguejar?

Havíamos andado apenas cinco metros quando a mulher nos alcançou e nos contornou, colocando-se entre nós e a porta para a recepção. - Vê-la ainda me deixava tonta: ela era alta, pernas torneadas e muito linda. Seus olhos tinham um tom violeta fora do comum, que julguei serem resultado do uso de lentes de contato. Seu cabelo cor de mel estava ondulado nas pontas, e seu lábios tinha batom vermelho carmim, combinando com vestido muito colado e botas de cano alto. Muito pálida e muito linda. Agora que eu não focava em nada que não fosse somente a Bella, pude sentir o desejo dela intenso sobre nós, o mesmo desejo que me convenceu a comprar as passagens e o pacote de viagens. Mas mais do que isso: havia o desejo de se saciar. Era uma sensação medonha. Era como olhar uma predadora.

Senti o meu corpo arrepiar inteiro e Bella começou a tremer de novo, porém, mais intensamente.

—  Mas a pausa para o banheiro já foi dada. - Ela usou o tom de voz que a minha mãe usava quando estava tentando apaziguar uma briga minha com os meus irmãos. Fraternal, mas totalmente falso, por mais que perfeito. - Nós e seus colegas de viagem temos hora sabia?

Mesmo assustada, vi quando a Bella ajustou sua postura para responder a mulher. Qual era mesmo o nome dela?

— Não…

Mas sua fala foi interrompida pelo som estrangulado de dezenas de gritos vindos do torreão. - Virei-me a tempo do barulho me atingiu como uma bolada no peito e senti o meu sangue gelar nas veias. O terror me cercou e quis vomitar.

Um rosnado gutural soou atrás de nós, fazendo os cabelos da minha nuca se arrepiarem, e como numa alucinação de ácido ou qualquer coisa do gênero, senti o meu corpo sendo arrastado em uma velocidade digna de desenhos animados, em direção ao torreão.

Bella ainda estava comigo, eu podia senti-la. Fomos lançadas para longe e caímos sobre objetos um pouco duros e um pouco macios. Parte daquela sensação horripilante já tinha ido, mas os vestígios dela ainda permaneciam. Olhei para baixo de mim para entender onde tínhamos caído, mas minha visão ainda estava turva. - Entretanto, não o suficiente para que eu não reconhecesse que haviam corpos mortos embaixo de mim.

A sensação de enjoo e pânico voltaram, fazendo meu estômago se torcer como uma cobra raivosa. Um grito aterrorizado escapou dos meus lábios, seguido de jorros de vômito por cima daqueles rostos retorcidos. Ouvi quando a Bella vomitou ao meu lado. Eu estava prestes a desmaiar também. Podia sentir.

Isso não pode ser real…

— Esses tolos são engraçados. - Alguém falou, um homem, eu acho. Não conseguia levantar a minha cabeça para olhar. Não poderia. Aqueles olhos sem vida me prendiam… - Elas têm um cheiro ótimo, mas não acho que vou querer me alimentar delas depois disso. - Uma gargalhada retumbante. Eu não consegui entender. Do que ele estava rindo?

— B-b-bella… - Me ouvi tentando falar, tentando alcançá-la, mas minha mente, meu corpo, não estavam mais aptos a fazerem os movimentos, serem ágeis ou minimamente eficientes. Ainda sim, com muito esforço, senti sua pele quente em meus dedos e meus olhos a viram, um pouco embaçada. Ela estava péssima, talvez menos horrorizada do que eu, mas tão ruim quanto.

Senti um puxão violento no couro cabeludo. Em menos de meio segundo, não haviam mais corpos sob mim e meus pés se debatiam no ar. Eu gritei, tentei arrancar a mão de quem me segurava dos meus cabelos, mas aquilo era duro feito rocha e frio como gelo. Minhas unhas não conseguia machucar. Era mais provável que as arrancasse se tentasse muito.

A mão me lançou para longe e eu me choquei contra uma grande parede de pedra. O impacto me fez perder o pouco ar e eu vi estrelas. Acho que ouvi algo dentro de mim se partindo e fazendo eco. Caí de bruços sobre o chão, o que fez piorar mais ainda o que quer que tivesse quebrado dentro de mim. Eu tentei respirar, mas doía. Acho que era a minha costela. Já tinha quebrado o braço antes, em uma briga, mas nunca uma costela. Jesus, a dor era pior do que eu me lembrava.

— NATALIE! - Ouvi Bella chamar-me desesperadamente. Ouvi os seus passos e a ouvi cair de novo.

Olhei para o lado obrigando-me a ver através das lágrimas e da dor cruciante. Bella estava em cima da pilha de corpos novamente e uma figura vestindo um manto cinza estava bloqueando o seu caminho, como se para impedi-la de se levantar de novo. Ouvi sua voz aveludada murmurar, mas eu não entendi o que ele dizia. Alguém deu um muxoxo; uma garotinha de cabelos curtos e loiros, tão pálida quanto a guia, sentada em degraus que levavam até três grandes cadeiras de madeira. Ela estava coberta por um manto quase negro e, se não fosso por minha visão embaçada, eu poderia jurar que seus olhos era vermelhos como rubis.

— Sabe o quão feio é brincar com a comida, Demitri? - disse a garotinha, sua voz fina e infantil confirmando minhas suspeitas sobre a sua possível idade.

Ouvi quem ela acabara de nomear como “Demitri” bufar. Ele se virou na minha direção e veio até mim. Analisou-me de cima a baixo, como se para checar o estado em que eu estava. Assim como a menina vestida em roupas mais escuras, ele também era muito pálido, exceto pelo tom de oliva que cobria sua pele acima da palidez doentia. Ele também era bonito; talvez, com exceção dos olhos, que eram carmins e brilhantes. Se não fosse pela costela quebrada, eu poderia dizer que aquilo era real e não uma alucinação provocada pelos meus sentidos afetados. Talvez seja um pesadelo. Talvez eu acorde logo…

Sem aviso prévio, Demitri fez um pequeno movimento com o pé direito, tocando-me. Ou pensei que ele iria me tocar; outro estalo mais alto soou em meus ouvidos e creio que por todo o torreão. - Não consegui evitar urrar de dor. Ou era para ser um urro; saiu mais como um gemido agudo e patético. Eu me sentia um animalzinho indefeso.

Pesadelos não deveriam doer tanto.

— Ela parece bem viva para mim. - ele resmungou, talvez irritado pela garota ter implicado com o seu comportamento. Eu não sabia. A única coisa que entendia naquele momento era a dor e o ato de respirar que estavam me matando. E Bella, que assistia tudo com a expressão mais agonizante possível. - Apesar de que não estou mais com a sede de antes. Mas pombinhas doces como esta aqui, - Senti uma mão dura em minha cabeça, acariciando o meu cabelo. - são únicas.

— Tira as mãos dela. Natalie não tem culpa de nada. Deixa ela ir.

Do que diabos a Bella estava falando? Culpa?

Uma risada conjunta de mais pessoas ao nosso redor me pegou de surpresa. Havia mais gente? Eu não queria levantar a cabeça e olhar ao redor para ter certeza. Não queria me mexer. Estava doendo demais. Não era um pesadelo, era?

— Qual é o seu nome? - perguntou.

— Bella.

— Considera-se culpada de alguma coisa, minha querida Bella? - Sua voz era puro sarcasmo e risadas.

— Por não ter uma boa memória. - Bella era puro remorso.

— Então veio ao lugar certo, Bella! - A voz alta e entusiasmada de Demitri me assustou e eu estremeci, o que foi uma péssima ideia. O menor movimento me fazia ver estrelas e a minha cabeça girava, tamanha era a dor. - Temos aqui alguém muito bom com lembranças esquecidas.

— Ora, poupe-nos dos seus teatrinhos, Demitri! - A garota falou de novo, impaciente. Ouvi algo caindo sobre o chão de pedra e a Bella afar. Ela foi derrubada? Tentei me movimentar mais uma vez, porém, estava no limite e provavelmente iria desmaiar se forçasse um pouco mais.

Ouvi passos também, de pelo menos meia dúzia de pessoas e coisas sendo arrastadas e levadas para algum lugar fora dali.

— O mestre não merece ser pertubado por tão pouco.

— Então acorde a minha pombinha, Jane. - choramingou Demetri, falsamente. - Ela dormiu bem no início. As coisas perdem a graça quando elas não estão acordadas.

— Você é patético. - resmungou Jane.

Se a dor em meu tronco era como a de um braço quebrado, experimente ter a sensação de mil, não, dois mil braços sendo quebrados por todo o seu corpo, ao mesmo tempo. Meu corpo que eu havia lutado para permanecer imóvel, agora dobrava-se compulsivamente, como uma minhoca em agonia. A princípio, o choque da nova dor tirou-me o fôlego, mas logo eu o recuperei. Gritei, a plenos pulmões, tão alto que fazia meus tímpanos doerem.

Ouvi novamente passos, desta vez uma corrida. Quando as mãos quentes e macias de Bella me alcançaram, a dor parou e eu fiquei grata por sentir apenas as minhas costelas naquele momento. Ela virou o meu corpo para que eu ficasse de costas no chão. Tentei olhá-la diretamente, mas meus olhos não conseguiam uma direção, como se estivessem soltos nas órbitas. Muito menos achava a minha voz. O meu corpo não me pertencia mais e eu era pura desordem.

Agarrei-me a ela para tentar levantar, mas devo ter apenas a machucado. Minhas pernas não me obedeciam, minhas emoções também. Eu chorava copiosamente. Quando finalmente consegui me erguer um pouco, desabei, tomada por aquela pontada alucinante em minha lateral. Alguém riu.

Antes que pudesse me recompor um pouco de novo, senti o meu corpo ser erguido do chão, mas não tão agressivamente como antes. Desta vez era Bella quem me levava, me arrastava. Não sabia de onde ela tinha tirado forças, mas ela estava conseguindo. Pisquei um pouco e vi a porta de madeira. Estávamos nos aproximando dela. Bella estava determinada em nos tirar dali.

— Jane. As pombinhas planejam fugir.

Uma risada infantil chegou até nós.

Avançamos um pouco mais, chegando mais perto. Acho que eu acordaria do pesadelo em breve. Pesadelo…

Então, mãos frias e rígidas estavam em mim novamente, apertando onde mais doía. Eu teria vomitado de dor; em vez disso vi estrelas, bilhões delas.

Desta vez, não pude escapar da inconsciência.


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Notas finais do capítulo

Capítulo seguinte, como o prometido.

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