Blindwood escrita por Taigo Leão


Capítulo 7
Cartas para Maria


Notas iniciais do capítulo

Fiquei tão feliz pelas 100 visualizações que resolvi colocar esse capítulo aqui logo!
Espero que gostem e obrigado pelo apoio o/



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— Quem é você?!
Elaine perguntou para aquilo que se aproximava, mas não obteve uma resposta.
A sombra era de uma pessoa, Elaine tinha certeza disso. O formato lembrava muito um ser humano. Era um humano corcunda. Ao menos ele estava curvado enquanto andava.
Aquilo veio lentamente em sua direção, ainda falando algo para si mesmo, mas Elaine não ousou se mover. Ela continuou imóvel e manteve sua respiração baixa, embora estivesse ofegante, torcendo para aquilo simplesmente ignorar ela, mas sabia que essa opção não existia mais já que ela fez um grande barulho com a porta e acabou de gritar uma pergunta para aquilo.
Quando se aproximou mais, embora estivesse escuro, Elaine já conseguia entender um pouco o que era. Era um homem.
Ele caminhava devagar e estava tremendo um pouco. Seus olhos estavam arregalados e ele usava uma espécie de roupão azul escuro. Ele estava com a palma de suas mãos na direção de Elaine, em uma tentativa de passar segurança para ela e ao mesmo tempo se proteger de algo.
— ...E...Ei! Se acalme! Venha comigo, por favor! O que? Você pode confiar em mim! Venha logo... Você está aqui agora... Trancada, não está? Ela te trancou aqui? Droga... Venha comigo antes que ele apareça!
O homem se virou e voltou para o quarto de onde saiu, no final daquele corredor. Elaine relutou um pouco, mas após ele tomar um pouco de distância ela o seguiu, afinal não havia mais nada que ela poderia fazer ali neste momento.
Ela entrou naquele quarto e ele parecia com os de seu sonho. Havia uma cama suja e pouquíssimos móveis que não estavam nas melhores condições. O chão estava sujo. Todo o quarto estava.
— Hm... Feche a porta, por favor. – O homem se abraçou como se estivesse com frio.– você não devia estar aqui, realmente não devia. Sua sorte é que ele não apareceu com você ali no corredor. Que bom que você está aqui agora. E claro que eu sei que você nunca veio aqui. O barulho que você fez, quer chamar atenção de todos?
— Todos? Quem mais vive aqui?
— Nós. Todos nós. Quem é você? Bem, eu sou Luke.
— Luke, sou Elaine Campbell, cheguei recentemente em Blindwood.
— Céus... Sonho em sair daqui e você veio para cá. O que faz aqui? Não digo sobre Blindwood, digo sobre este andar.
Elaine explicou para ele sobre seu último sonho e sobre a mulher que viu em um lugar muito parecido com aquele. O homem escutou completamente calado, encostado na parede. Ele tinha um cabelo bagunçado e seu rosto possuía um pouco de barba, mas ele não era velho.
— Você tem sonhos relacionados a Blindwood mas não sabe nada sobre este lugar.
— Por isso estou aqui.
— E o que quer saber? Vamos, me pergunte. Estou trancado neste andar mas sei sobre todas as coisas. Eu sei mais do que devo, por isso estou aqui... Você vê como eles nos tratam? Vê como estamos largados aqui? Pois bem.
— Quem trata vocês assim? E quem são vocês?
— Nós somos os muitos que foram largados... Nós somos os oprimidos, os crucificados. Somos os que foram roubados. Não digo de coisas físicas, não faço mais idéia do que é ter algo físico, mas digo de interior! De... De alma, falo sobre alma! Roubaram nossa alma! Por isso estamos aqui. Somos desalmados. Todos nós. Não podemos ir embora.
— Sem... Alma? Quem mais vive neste andar?
— Eu não sei os nomes deles... Preciso de muito esforço para não esquecer o meu. Isso me assombra. Repito meu nome para mim mesmo muitas vezes ao dia, pois tenho medo de esquecê-lo. Nós não conversamos aqui, não há alguém para me dizer meu nome. E me diga: o que você é se você não tem um nome? Não existe problema em viver sem alma. Existem muitos assim por aí. Mas o nome... Seu nome! É algo único! Você não pode perder isso. Sem alma você continua sendo um humano. Sem nome... Você não é nada. Você é esquecido; Ninguém vai chamar por você. Ninguém vai chamar por mim...
O homem se aproximou da janela. A mesma estava completamente fechada, mas ele olhava para ela como se enxergasse através daquilo.
— Você vai encontrar outros aqui. Alguns deles são perdidos. Não possuem alma e nem nome. Não possuem nada. Eles apenas vagam por aqui sem ter para onde ir. Alguns nem se comunicam, mas estamos todos aqui. Todos nós.
— Faz tempo que você vive aqui?
— Eu não sei quando cheguei, mas parece uma eternidade. Não possuo calendário ou algo do tipo. Eu apenas vivo, não posso sair daqui. Mas você pode! Temos que pegar a chave. Essa garota... Você disse que... Hm.. espere! Ela deve estar no quarto "dela"... 328! Vá até lá.
— 328? Quem vive lá?
— Ela mesma! Do seu sonho. A pessoa que você me descreveu fica neste quarto. Essa mulher, ela pode estar lá. Talvez a sua espera, quem sabe. Aqui tudo é possível.
— A garota vive com ela?
— Não. Essa garota está por todos os lados, eu já vi ela antes. Não sei o que ela faz, mas ela está no hotel... Pelo que você me disse, acredito que esteja por lá mesmo, naquele quarto. Vá até lá, não perca tempo!
Elaine se dirigiu até a porta e parou após abrir a mesma, o homem ainda estava virado para a janela fechada.
— Eu voltarei para chamar por você. Não me esquecerei de seu nome, Luke.
—...Elaine Campbell.
Quando a porta se fechou, Luke permaneceu sozinho em seu quarto, virado para aquela janela. Ele tentava segurar um sorriso, mas já era tarde demais. Agora aquele homem sorria sozinho em seu quarto enquanto se abraçava virado para a janela fechada. Logo ele estava repetindo seu nome para si mesmo várias vezes.
Elaine saiu do quarto e fechou a porta. As luzes estavam apagadas. Ela passou pelos quartos, alguns não possuiam uma numeração. Elaine se lembrou do corredor para onde a garota correu antes de sumir, então decidiu ir até lá. Ali ela caminhou mais um pouco até que finalmente encontrou uma porta com a fechadura quebrada, mas havia a numeração. Lá estava ele, o 328.
O quarto estava totalmente escuro. A única luz presente era a que passava pelas frechas da janela, que quase não iluminavam o lugar, mas já era uma grande ajuda na visualização do todo.
Elaine viu uma cama e uma pequena mesa. Também havia uma poltrona velha e suja. Havia um tapete vermelho e branco no chão, que estava encardido, e marcações nas paredes feitas algumas com algo preto e outras com algo vermelho. Elaine não conseguia distinguir direito o que eram pela escuridão presente. A única coisa que reconheceu foram as marcações de barras, como fazem para marcar dias ou algo do tipo.
Ao lado da cama no quarto havia uma mesa de cabeceira e quando se aproximou, Elaine viu um prato branco com um pouco de cera de vela e um copo em cima dessa mesa. Havia um pouco de água no copo, mas parecia que já estava ali a um bom tempo. Tudo naquele lugar parecia que já estava ali a um bom tempo. A televisão que havia ali (que estava no chão) estava com a tela quebrada. Nessa mesa havia uma única gaveta e Elaine relutou em abrir ou não, mas logo optou pela primeira opção.
Dentro ela encontrou alguns papéis que pareciam ter sido arrancados de algum lugar e uma chave em cima deles. Era a chave do andar. Elaine ouviu passos no corredor, passos pesados. Ela pegou todos os papéis e a chave e colocou tudo no bolso de seu casaco. Logo ela andou depressa e entrou no guarda-roupa. Era um simples guarda-roupa de madeira e em sua porta havia uma espécie de buraco, como se alguém que já ficara ali antes o fez para olhar para fora. Dentro do mesmo haviam quatro cabides e em um deles havia um longo vestido branco.
Os passos se aproximaram mais e alguém abriu a porta do quarto, Elaine segurou a respiração. A silhueta que ela viu era grande e não carregava uma lanterna ou algo do tipo, ela apenas abriu a porta e permaneceu imóvel, como se procurasse por algo, mas não entrou no quarto.
Logo aquela silhueta fechou a porta e o barulho dos passos se afastou até que cessaram de uma vez.
Elaine estava assustada e achou melhor sair dali de uma vez. Ela saiu de dentro do guarda-roupa e tudo que queria neste momento era voltar para seu quarto, que naquele momento, lhe passava um ar de segurança. Ela queria um ambiente seguro, e aquele andar certamente não lhe proporcionava isso. Ela estava com medo.
Elaine rapidamente saiu dali, mas tomando cuidado para não fazer muito barulho. O andar estava silencioso e ela se indagou se deveria ir até Luke ou apenas ir embora dali de uma vez. Foi o que ela fez. Ela voltaria novamente.
Dessa vez a porta para as escadas estava aberta, pelo visto aquela presença que entrou no quarto veio de fora. Sorte de Elaine, ao menos agora ela tinha a chave e poderia voltar ali outra vez mesmo se estivesse trancada.
Elaine voltou para o quarto andar usando as escadas. No caminho que fez até ali não viu uma única pessoa. Ela ainda estava ofegante.
Elaine entrou e fechou a porta, sentando-se no divã e levando as mãos a cabeça até recuperar o fôlego. Ela então pegou seu diário e começou a fazer anotações sobre tudo que aconteceu até agora.
Agora mais calma, Elaine pegou aqueles papéis em seu bolso e começou a analisá-los com mais calma. Eles estavam com uma cor pouco amarelada e com um cheiro de poeira, indicando que já estavam ali a algum tempo. Os papéis possuíam palavras, mais do que isso, eram anotações. A princípio Elaine pensou se tratar de folhas arrancadas de um diário, mas no decorrer das mensagens percebeu o que eram aquilo.

"Não sei a quanto tempo vivo neste lugar. Perdi a noção do tempo quando me acostumei com a neblina e o ambiente. No começo eu fazia marcações nas paredes para tentar não me perder, mas eu apenas afugentava a idéia de que sempre estive perdida, então parei de marcar, isso me agonizava.
Lá fora as pessoas eram boas comigo. Todos me entendiam ou ao menos se esforçavam um pouco para tentar até que minha mãe quis vir para este lugar. No lugar alegre as pessoas me respeitavam. Eu era um ser humano."

"Ela estava cansada. Muito cansada. Eu entendo tudo, não foi fácil. Não a culpo. Minha mãe estava cansada, por isso me largou aqui e voltou para o lugar alegre. ELE disse que ela vai voltar um dia, mas eu não quero que isso aconteça. Não quero que minha mãe seja triste e sei que, próxima a mim, ela não pode ser feliz. Eu dreno sua alegria desde o momento em que comecei a me desenvolver, desde quando ela percebeu que eu era dessa forma. Ninguém pode ser feliz ao meu lado. Ela merece ser feliz."

"A mulher daquele dia diz que a loucura tomou conta de mim. Diz que estou possuída por algo. Ela não me entende. Ele não acredita nisso, então ainda vai deixar eu ficar neste quarto, ele disse isso e me deu dois vestidos brancos. Ele também não me entende, mas se comunica comigo através de perguntas. Ele é bom comigo. Não sei se ele era algo da minha mãe, mas ele é tudo que tenho agora desde que ela se foi.
A mulher disse que eu deveria ser normal, mas eu sou normal. Eu apenas não consigo falar como eles, mas sei o que eles falam na minha frente. São coisas horríveis. Horríveis. Eu escuto todos eles, todos. Talvez eles pensem que por não poder falar, não escuto também. Mas eu escuto todas as suas maldades, eu queria ser como eles... Eu queria poder responder... Será que se eu respondesse eles me tratariam como se tratam? Eu poderia finalmente ter um amigo neste lugar? Maria, por que eu não posso ser normal? Eu sou como você."

"Veja Maria, escrevo agora para que você entenda desde o início o que acontece comigo. Como é isso que eu chamo de vida mesmo sem saber se é uma. Essa é a minha condição, a terrível condição. Ele me trancou aqui. Diz que é para minha própria segurança. Ele disse que o vale não está pronto para mim, então eu preciso ficar aqui dentro.
Ele me traz comida e fica um pouco comigo, mas agora ele faz poucas perguntas. Ele para aqui e conta sobre sua vida, seus pensamentos. Ele me diz o que sente e olha para mim como se quisesse uma resposta até que a realidade cai em sua cabeça como um raio: não posso respondê-lo. Então ele se levanta e sai sem dizer nada, completamente desanimado. Mesmo assim está tudo está bem."

"Agora ele está estranho, as vezes ele não vem. Ele não fica aqui comigo, parece até que me evita embora continue me alimentando. Ele não me deixa sair! Quando vem ele não olha em meus olhos. Sinto falta de suas perguntas e as tentativas e paciência de tentar me entender. Sinto falta de ser sua única confidente. Sinto falta dos segredos que me foram revelados. Sinto falta da interação humana. Eu gostaria de ter companhia. Um dia você vem ficar comigo?"
Agora eu fico trancada aqui como um animal preso na jaula. Esse quarto é a minha jaula, faz tanto tempo que não saio daqui que não me lembro nem o número do mesmo. Trezentos e alguma coisa. O que eu sou? Quem sou eu? Onde está minha mãe? Eu gostaria que ela estivesse aqui.
Para onde foram todos vocês e por que não me levaram junto? Maria, me responda. Espero que amanhã seja melhor do que hoje. Deus queira que amanhã seja melhor do que hoje. Dias melhores virão?"

"Maria, por favor me ajude. Você é minha única companhia, você é a única coisa que me mantém sã aqui. Onde está você agora? Escreva para mim... Essas folhas foram o que me restaram, elas são exatamente tudo que eu tenho além de você. Arranquei-as do caderno dias antes dele tomá-lo de mim. Oh, que sorte tive, minha intuição me ajudou. Não consigo entender por quê ele fez isso, ele está tão zangado agora. Eu não fiz nada, mas ele continua assim.
Não sei mais o que é o brilho do sol. Vivo neste quarto onde a solidão habita, completamente sozinha. Eu não escuto mais nada, ele não volta para mim. Escuto alguns passos nos corredores, mas essa gente é muito estranha e tenho medo de todos eles. Tenho medo deles ainda não estarem prontos para mim. Minha alimentação é o pouco que guardei nos armários então espero que ele volte logo. Tudo que não posso escutar, tudo que não posso ver, é muito doloroso. Volte... Voltem para mim... Não me larguem aqui.
Maria, você também vai me abandonar?"

"Não há mais ninguém. Ninguém virá. Minhas velas estão acabando, agora ficarei no escuro. Estou com fome, estou sozinha. Maria... Escrevo para você mas não sei se estas cartas podem lhe alcançar. Sinto que estou inalcançável agora. Completamente cortada do mundo exterior. Este é o meu mundo agora, repleto de melancolia e solidão. Não sei nem ao certo se minhas cartas chegam até você, mas escrevo torcendo para que sim. Espero que cheguem em alguém. Fazer isso é minha salvação, apenas isso me retira da loucura: imaginar que alguém está lendo sobre minha situação.
Meus gritos silenciosos não são escutados por ninguém, agora sei que eles nunca foram. Minha dor lhes é indiferente. Eu sou indiferente.
Eu choro todas as noites, não vou mais lhe enganar Maria. Me pergunto se o céu ainda se lembra de mim, faz tanto tempo que não o vejo. Não vejo nem outras pessoas. Não posso ver nem a mim mesma, não há espelho neste quarto. Tenho medo de esquecer como é um rosto humano. Será que um dia eu verei o mesmo céu novamente? Será que um dia verei um sorriso novamente? Eu quero voltar para o lugar alegre. Sinto que estou me afogando neste quarto pequeno. Me afogando em um abismo grande demais para voltar. Não poderei sair sozinha. Eu estou afogando...
Maria, você ainda é minha amiga? Onde você está agora? Você se lembra de mim? Maria... Não me esqueça Maria..."

A última estava com todas as letras maiúsculas e ao final de sua última palavra havia um risco forte que foi feito na folha. Talvez a pessoa que escrevesse aquilo não terminou sua mensagem, mas aquilo era tudo que Elaine tinha em mãos.

"MARIA. MARIA. VOLTE PARA MIM MARIA. EU NAO QUERO FICAR SOZINHA. EU TENHO MEDO DO ESCURO. MARIA. MÃE. ALGUEM ME AJUDE. EU QUERO SER NORMAL. POR QUE NÃO POSSO SER NORMAL? EU QUERO..."

Este foi o fim.
Elaine estava pasma. Quem era a pessoa por trás destas mensagens? Será a mesma mulher de seu sonho? Algumas partes indicavam que sim, como o vestido branco que era sua única peça de roupa e também a mesma da mulher do sonho.
Muitas perguntas cresciam em sua mente agora. Perguntas como quem é o homem que prendeu a remetente das cartas no quarto, quem é a remetente e quem é a destinatária, que por acaso era a única pessoa com o nome revelado: Maria. Quem é Maria?
Elaine leu palavras e sentiu uma grande parcela de dó e remorso pela situação da pessoa que escreveu tudo aquilo. Ela não conseguia imaginar como tudo isso pôde acontecer com uma pessoa sem mais ninguém saber e se perguntava em que estado de espírito essa pessoa estava enquanto escrevia tudo isso. Solitária, era uma pessoa deveras solitária. Elaine não tinha muito o que fazer agora. Ela precisava de respostas. Novamente possuía dúvidas, mas não possuía respostas. Ela saiu de seu quarto e foi até o quarto da pessoa que lhe indicou ir até o terceiro andar e conhecer tudo aquilo. Ela foi até o quarto de Agatha.


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Notas finais do capítulo

Eu estava em muita dúvida se nomeava esse capítulo como "Estranho Infeliz" ou como "Cartas para Maria". Foi a segunda opção :v
O estranho não teve tanta importância quanto as cartas, mas eu realmente gostei desse nome.



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