O Conto do Cão Negro escrita por BlackLupin


Capítulo 9
Capítulo 09: Uma Brincadeira que Dá Errado




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Vários meses haviam se passado desde a noite no banheiro dos monitores e, embora sua aparência não tivesse mudado em nada, Flori não se sentia mais a mesma. Era como se aquela noite tivesse sido o estopim de algo e desencadeasse um sentimento que ela mal podia controlar, levando a si mesma e a Sirius a escaparem de seus dormitórios por várias noites durante as semanas de aula para se encontrarem no mesmo lugar. Algumas vezes, ambos perdiam a noção do tempo e acabavam adormecendo por lá, acordando somente quando ouviam o sinal que indicava o início das aulas tocar. Quando isso acontecia, eles só tinham tempo de se vestirem, conjurar suas coisas com o feitiço accio e correr para a primeira aula do dia.

Suas amigas começaram a perceber sua ausência à mesa do café da manhã e ao notarem suas olheiras e ar esbaforido quando se juntava a elas na classe, começaram a se preocupar que talvez estivesse com algum tipo de doença. Marlene chegara até mesmo a levantar a hipótese de que aquilo era obra de alguma azaração de alguém, talvez de algum aluno da Sonserina que a detestava, ou uma das rejeitadas por Sirius. Flori as tranquilizava, afirmando que se sentia ótima, contudo, tampouco lhes dizia qual era o seu “problema”.

Lílian era muito esperta e foi a primeira a descobrir o motivo de seu ar cansado pela manhã. Ela já havia notado que, nas aulas obrigatórias em que todos participavam, Flori e Sirius chegavam praticamente ao mesmo tempo, e tanto a amiga quanto o rapaz apresentavam uma aura desleixada quando isso acontecia, como se tivessem acabado de sair da cama, e visto que os dois eram namorados, não foi difícil juntar dois mais dois e chegar à resposta. De início a garota tentou negar, mas vendo que Lily derrubava todos os seus argumentos com provas concretas, acabou confessando, o que gerou um olhar escandalizado e uma bronca digna da professora Minerva da parte de Lílian.

Ainda que soubesse que a amiga tinha razão quando lhe dizia que aquilo era extremamente errado e que deveriam parar enquanto nenhum dos professores havia descoberto ainda, Flori não conseguia acabar com aquilo. Ou, melhor dizendo, não queria. Ela gostava da sensação de perigo que aqueles encontros lhe causavam; apreciava saber que o que faziam era condenável, por isso continuou.

Além do mais, aquelas eram as únicas ocasiões em que ela e Sirius podiam ficar juntos, sem que um de seus amigos – leia-se Tiago – ficassem fungando em sua nuca o tempo todo. Não usavam o banheiro apenas para “momentos de luxúria”, como o rapaz gostava de chamar, mas também aproveitavam para conversar e contar como haviam sido seus dias. Às vezes, tinha tempo até mesmo para fazer os deveres, no entanto, Sirius nunca a deixava terminá-los completamente, o que acabou afetando o seu desempenho durante as aulas.

Lílian não costumava se meter nas decisões de vida de suas amigas; se Flori não se importava de namorar um biltre como Black não era problema seu, porém, quando viu que aquele caso começava a prejudicar sua amiga, precisou intervir; não podia deixar que ela jogasse tudo o que havia conquistado nos últimos quatro anos no lixo por causa de um garoto, ainda mais quando o garoto em questão era Sirius Black.

Levou muito tempo para que conseguisse fazer a garota voltar à razão; sempre que podia, a atacava com argumentos mais do que lógicos para que parasse de se encontrar com ele durante a noite e focasse sua atenção nos estudos novamente. Curiosamente, suas preleções pareciam surtir mais efeito durante a lua cheia, que era quando Sirius, por algum motivo, não podia se encontrar com ela; segundo Flori, ele alegava que deveriam tirar uma época do mês para colocarem os trabalhos em dia e nem ele e nem seus amiguinhos eram vistos pela Sala Comunal durante esse período, por isso Lílian aproveitava aquelas abençoadas oportunidades para tentar enfiar um pouco de juízo na cabeça de Flori.

Flori só abriu realmente os olhos em meados de abril, quando foi uma das únicas a receber a ordem de praticar os feitiços e lições extras tanto de Flitwick quanto de Mcgonagall. Foi apenas então que ela percebeu que havia exagerado na sua dose de indisciplina e que se continuasse daquela forma talvez não estivesse preparada para os N.O.M.s, e também não prosseguisse para o próximo ano. Diferente de Sirius que parecia simplesmente saber das coisas, ela precisava estudar com atenção para que conseguisse gravar o que os professores diziam, por conta disso, teve uma conversa franca com ele e disse que não poderiam continuar se encontrando com tanta regularidade. Obviamente, ficou estampado em seu rosto o desânimo de Sirius, entretanto, agindo como um verdadeiro cavalheiro, ele não protestou uma única vez e compreendeu o lado da namorada, mesmo porque, continuavam com aquilo pelo menos três vezes durante a semana, sem contar os sábados e domingos, de modo que ele não tinha do que reclamar.

Somente com a chegada de junho é que os encontros precisaram parar de vez, pois Flori aproveitava todo o seu tempo livre para revisar os assuntos que poderiam cair nos exames. Ela teria feito os estudos de bom grado com Sirius, no entanto, o rapaz não parecia interessado e dizia que dar uma passada rápida em tudo o que haviam aprendido um dia antes dos exames era suficiente para ele. Sirius parecia decididamente chateado que nem nos finais de semana ela quisesse tirar um tempo para ele e por isto acabou se afastando dela. Agindo dessa forma os dois não brigavam, mas também não resolviam seus problemas.

Foi somente durante o exame de Defesa Contra as Artes das Trevas que eles se falaram normalmente. Sirius estava sentado exatamente na frente de Flori e já deveria ter terminado o questionário há algum tempo, pois sentava-se descontraído na cadeira, apoiando-se sobre as pernas traseiras, como era de seu feitio. Flori baixou a pena e flexionou os dedos da mão esquerda, sentindo-os rígidos. Sirius olhou-a de soslaio e murmurou:

— Já terminou, toupeirinha? – Perguntou.

Ela revirou os olhos; não gostava daquele apelido, mas quanto mais lhe pedia para não chamá-la assim, mais o rapaz fazia questão de usá-lo. Apostava que fazia aquilo só para irritá-la.

— O que você acha, Snuffles? – Retrucou. – Por que eu largaria minha pena e desperdiçaria minutos preciosos do meu exame se não tivesse terminado?

Apelidara-o assim, pois Sirius costumava esfregar o rosto na curva de seu pescoço tal qual um cachorro. Ao contrário do que sua expressão carrancuda enunciava, o modo como seus olhos faiscavam quando usava aquele nome lhe diziam que ele gostava.

— Alguém está irritada. – Observou. – Não me diga que ainda está zangada por ter confundido o feitiço Descendio com o Ascendio?

— Eu já tinha até me esquecido disso, muito obrigada por me lembrar! – Bufou.

Sirius acabou rindo, um som que ecoou um pouco mais alto do que o normal por conta do silêncio. O professor Flitwick olhou em sua direção e ele disfarçou ao inclinar-se sobre o exame, fingindo acrescentar algo a uma pergunta.

— Achei que os Marotos fossem mestres na discrição. – Sussurrou num tom de provocação.

— E somos. – Afirmou Sirius. – Não viu que consegui despistar o Flitwick?

Dessa vez foi Flori quem teve de se esconder atrás do pergaminho para sufocar uma risada.

— Sabe, eu... eu senti falta de ver você assim... relaxada. – Murmurou.

Ela suspirou.

— Eu sei o que quer dizer. Parece que estou ligada no 220 direto nas duas últimas semanas.

— 220? – Repetiu Sirius, confuso.

— Ah. – Ela deu uma risadinha. – É uma expressão dos trouxas. Você já ouviu falar de energia elétrica, não?

— Por alto. É como os trouxas conseguem enxergar durante a noite e no escuro, não é?

— Simplificando bastante... é basicamente isso, e estar ligado no 220 significa que eu não parei por um minuto, como se eu estivesse ligada numa tomada, cuja voltagem é de 220 volts. – Explicou. – Entendeu?

— Não muito. – Admitiu Sirius, olhando para frente com um olhar vago.

Flori supôs que ele estaria imaginando que ela estivesse literalmente plugada a uma tomada nas últimas semanas e acabou sorrindo novamente.

— O dia que você for à minha casa eu lhe mostro como funciona. – Prometeu.

— Isso é um convite? – Ele apoiou o espaldar da cadeira na mesa de Flori e olhou-a de lado.

— Talvez. Porém, eu teria que preparar meu pai antes, pois se ele o visse entrando pelo nosso portão com esses cabelos compridos e essa expressão de rebelde sem causa, e eu o apresentasse como meu namorado, ele certamente teria um ataque do coração.

Sirius assentiu gravemente.

— Nunca é um bom sinal matar o seu sogro na primeira visita. – Concordou. – Mas... você não me obrigaria a cortar os cabelos, não é? – Indagou ele, parecendo em pânico de repente.

— É claro que não. – Afirmou Flori, enquanto Sirius deixava um suspiro de alívio escapar de seus lábios. – Mas é bom saber que sempre posso impedi-lo de fazer algo ameaçando-o com uma tesoura. – Brincou.

— Ora, você não seria cruel a esse ponto, hein, toupeirinha?

— Experimente.

— Flori... – Começou ele, agora num tom um pouco mais sério. – Eu estava pensando...

— O-oh. – Disparou a garota.

Ele a ignorou e continuou.

— Já que os exames estão chegando ao fim... o que você acha de voltarmos ao nosso velho lugar? – Perguntou.

— Você diz... – e apesar de já estar sussurrando, ela baixou ainda mais a voz – o banheiro...?

— Isso.  Estava pensando em irmos até lá esta noite.

— Mas faltam apenas alguns dias... esperava revisar um pouco de Transfiguração hoje.

— Quem você quer enganar, Flori? Você é uma das mais brilhantes da nossa classe, até do Castelo. Vai tirar essa de letra! – Assegurou Sirius. – O que me diz?

— Hum...

— Vamos lá... faz tanto tempo. Eu estou me sentindo chateado sem você.

— É por isso que quer me encontrar então. – Concluiu. – Está entediado.

— Não, você me entendeu errado. Eu estou com saudades.

— Mais cinco minutos! – Anunciou a voz de Flitwick, deslocando-se entre os alunos.

Sirius calou-se quando o professor passou perto deles e acompanhou seu trajeto com os olhos. Quatro mesas à frente, Tiago se virou a lançou um sorriso ao amigo, ao qual Sirius respondeu erguendo o polegar. Flori o encarava embasbacada; ele não costumava dizer aquele tipo de coisa com frequência e quando o fazia sempre a pegava desprevenida. Ela não soube o que responder de imediato, tão comovida sentia-se, e contentou-se apenas em observá-lo com adoração. Passado alguns segundos, ele voltou-se para ela novamente:

— E então, o que me diz?

— Eu... eu vou tentar.

— Não pode simplesmente responder com um sim, não é? – Adivinhou ele, enquanto o professor ordenava que os alunos baixassem as penas e convocava as centenas de pergaminhos que voaram em sua direção e o derrubaram.

— Qual seria a graça? – Rebateu Flori, pegando a mochila e se levantando.

— Prometa que estará lá no horário de sempre. – Pediu Sirius, segurando-a pelo pulso e impedindo que continuasse seu caminho.

— Caramba, como você é insistente, Snuffles. – Suspirou. – Eu já disse que darei o meu melhor para tentar comparecer.

— Você é terrível.

— Dizem que os semelhantes se atraem.

Ele sorriu e, aproveitando-se de sua distração, inclinou-se sobre a namorada e roubou-lhe um beijo diante dos estudantes que começavam a se dispersar. Flori sentiu o rosto pegando fogo quando ele a largou e havia um sorriso triunfante em seu rosto cafajeste. Ela suspirou aborrecida; mesmo depois de todos aqueles meses, ele ainda conseguia deixá-la desconcertada.

— Nos vemos à noite. – Despediu-se, indo se juntar a Tiago, que o aguardava impaciente.

 

***

Quando desceu para o café da manhã no dia seguinte, Flori encontrou Sirius à sua espera na Sala Comunal. Ela já sabia que o encontraria ali antes mesmo de sair do dormitório, já que não havia ido até o seu encontro na noite anterior. Ele parecia tão irritado, que não notou a expressão perturbada na face da namorada ou então teria pensado duas vezes antes de disparar:

— Caramba, Flori! Fiquei esperando por você a noite inteira! Desde quando você gosta de me fazer de palhaço?! Poderia ter ao menos me avisado, você me viu saindo daqui ontem! Poderia ter dito alguma coisa! O que deu em você?

— O que deu em mim? – Repetiu ela. – Eu é que deveria fazer essa pergunta. – Disse num tom calmo, tentando controlar a raiva que fervia em seu interior.

A reprimenda de Sirius morreu em sua garganta. Ele pareceu notar pela primeira vez que havia algo errado.

— O que está dizendo? – Indagou num tom alerta.

— Snape! – Gritou de repente, assustando-o.

Uma expressão culpada apareceu no rosto de Sirius, porém, ele logo a transformou num sorriso displicente.

— Ah, isso? Você viu o que aconteceu? – Perguntou num tom mais relaxado.

— Não. – Negou. – Depois que os exames acabaram eu subi para uma última revisão em Transfiguração, mas Lílian me contou. Ela estava transtornada com a atitude de vocês!

— Então foi por isso que você não apareceu ontem à noite? Por causa do Ranhoso?! Eu não acredito que estragou a nossa noite por causa desse cretino, Flori! – Exclamou Sirius, incrédulo.

— Você é quem estragou tudo, Sirius! Você e Tiago o atacaram, Lílian me contou tudo!

— Ora, é claro que pra Evans eu e Tiago somos os vilões! Ela sempre nos odiou e está sempre tentando colocá-la contra mim, enchendo sua cabeça de minhocas! – Bradou Sirius, empertigando-se como um cão de caça preparando-se para atacar.

— Ah, então ela mentiu? – Zombou Flori.

— Por acaso ela lhe disse que o seu adorado Snape a chamou de sangue ruim? Você dentre todas as pessoas sabe como isso é ofensivo!

— Então quer dizer que foi a partir disso que vocês o atacaram. Não foi antes. – Constatou.

— Bom... quero dizer, ele mereceu. – Balbuciou.

— Foi antes? – Insistiu Flori, de maneira irredutível.

Ele baixou os olhos por um momento.

— Foi antes. – Respondeu por fim.

— Eu sabia. Lílian me contou que vocês dois o enfeitiçaram do nada. E pensar... – Sua voz falhou por um momento, lembrando-se de que chegara a discutir com a melhor amiga, declarando que Sirius jamais faria uma coisa dessas. - ...e pensar que eu duvidei dela. Por que fez isso? O que ele fez pra vocês?

O rapaz pareceu irritado.

— E de que isso interessa? Por que de repente todo mundo virou fanático por esse cara? Acha que ele é santo? Acha que Snape não tenta nos azarar pelas costas sempre que tem a oportunidade?

Flori levou um susto, ela nunca soubera daquilo. E, supondo que ele dizia mesmo a verdade, conseguia entender o motivo da rixa dos garotos. Contudo, aprendera desde cedo que as coisas nunca se resolviam com mais agressividade.

— Eu entendo, Sirius, mas... Talvez se dissesse a um dos professores... – Argumentou a garota.

— Ora, Flori, em que mundo você vive? Você acha que os professores vão perder tempo com brigas entre alunos? Nós não somos bebezinhos que precisam ser vigiados vinte e quatro horas por dia!

— Ainda assim, você não deveria revidar. Desse jeito as coisas entre vocês nunca irão mudar.

— Se acha mesmo que vou aguentar calado enquanto um sujeitinho daqueles me ataca, então não me conhece tão bem quanto imaginei! – Disparou Sirius, zangado.

A expressão de Flori enrijeceu.

— Tem razão, eu acho que não o conheço mesmo. – Declarou. – Pensei que fosse uma pessoa diferente.

Ele a olhou espantado por um momento, porém, mais uma vez seu rosto se transformou.

— Sempre soube que eu não costumo fazer o que os outros fazem. Sempre soube que não estou nem aí para o regulamento. – Retrucou.

— Isso é totalmente diferente de quebrar as normas da escola e ganhar detenções! Azarar outras pessoas... isso só significa que você é um mau-caráter!

— O que foi que você disse? – Assustou-se Sirius, recuando alguns passos.

— O que você ouviu. Eu deveria ter dado ouvidos à Lílian antes, mas pensei... pensei que conseguiria fazê-lo mudar, mas não dá para alterar a natureza de uma pessoa. Evidentemente, você não se arrepende de nada do que fez, você é mau, Sirius, e eu não quero continuar com alguém assim.

— Vai mesmo terminar comigo? Por causa de uma brincadeira?! – Exclamou.

— Eu aposto que Snape não achou nada engraçado. – Redarguiu Flori.

— Pois eu achei! Foi hilário. Mas você está errada, eu me arrependo de algo sim: me arrependo de não ter sido eu mesmo que o fiz passar por aquela humilhação! Foi pouco.

A garota o encarava horrorizada.

— Como pode dizer isso?! – Ela colocou as mãos diante do rosto.  – Ninguém merece passar por uma coisa dessas! – Afirmou.

— Quer saber? Se mesmo depois de ele chamar gente como vocês de sangue ruim, você e sua amiga ainda conseguem encontrar desculpas para esse cara, então são duas idiotas! – Declarou.

— É talvez eu seja. – Concordou Flori. – Eu sou mesmo uma idiota por me apaixonar por um cretino como você. Por que não me faz um favor então e nunca mais dirige a palavra a mim ou qualquer uma de minhas amigas?

Ela não deu tempo para que Sirius respondesse e passou por ele, deixando-o sozinho na Sala Comunal com a expressão de alguém que acabara de ser estuporado.

 


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