O Conto do Cão Negro escrita por BlackLupin


Capítulo 4
Capítulo 04: Clube de Duelos




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Sirius acreditava que era bom em tudo o que fazia. Sabia que era arrogância, no entanto, também era um fato. Mesmo sendo um dos que mais havia recebido detenções na história de Hogwarts, tirava notas muito altas e só não era o melhor da classe, porque achava que o perfil de aluno estudante não combinava consigo.

No segundo ano, fizera teste para uma das vagas de artilheiro do time de quadribol da Grifinória e, junto de Tiago, fora selecionado imediatamente, trazendo a primeira vitória em anos na disputa pela Taça de Quadribol para a sua Casa. Também conhecia mais feitiços do que a maioria de seus colegas de turma e mais sobre os segredos do Castelo do que o próprio Filch.

Claro que não estava sozinho nesses feitos, pois possuía amigos igualmente brilhantes que estavam sempre com ele nesses momentos. É claro que ainda estavam no processo de descobrir como se tornarem animagos para ajudar Remo, porém, já haviam chegado mais longe do que até então. Sirius tinha esperança de que em mais um ou dois anos conseguiriam.

Além de todas essas façanhas, com exceção dos alunos da Sonserina e alguns poucos professores, a escola inteira parecia gostar dele e considerar ele e seu grupo muito popular, e por esse motivo, a vida social de Sirius nunca fora tão movimentada. Conseguira arrumar mais encontros com garotas em seu segundo ano do que muitos alunos mais velhos, o que acabava gerando uma série de comentários sobre a sua pessoa mesmo entre as estudantes dos últimos anos, curiosas sobre o garoto alto e magro.

Com isso em mente, não seria difícil concluir que Sirius tinha uma vida escolar agitada e que não havia espaço para o tédio entre tantas aventuras e encontros, contudo, com a chegada de seu terceiro ano, viu-se entediado como nunca. Mesmo com as matérias novas que os terceiranistas cursavam, não foi capaz de prender sua atenção a essa novidade. Ele queria algo novo e desafiador, mas não fazia ideia do que poderia ser.

É evidente que perambular pelo Castelo à noite, escondido sob a Capa de Tiago, tinha o seu atrativo, mas até mesmo aquilo parecia estar perdendo o seu encanto depois de três anos. Havia Hogsmeade, é claro, porém, os passeios tinham um intervalo muito grande entre si na opinião dele e para piorar, muitas vezes as garotas queriam que as encontrassem na Casa de Chá da Madame Puddifoot e passasse a sua tarde inteira lá, o que ele achava verdadeiramente aborrecido. Gostava das garotas, mas não queria desperdiçar seus passeios com elas em lugar de ir à Dedos de Mel ou ao Três Vassouras.

Uma das poucas coisas que fazia seu coração disparar de excitação eram os treinos de quadribol – ainda que fossem desgastantes na maioria das vezes. Isso e levar o corpo docente da escola à loucura.

Para o seu alívio o crescente tédio e falta de interesse pelas coisas ao seu redor chegou ao fim nas primeiras semanas de novembro. Descendo de seu dormitório numa manhã de sábado, deparou-se com uma cena curiosa: encontrou Flori na ponta dos pés, colando um cartaz roxo e cintilante no quadro de avisos. Aquilo lhe chamou a atenção, porque não era comum que os alunos pregassem algo no quadro, geralmente os avisos simplesmente apareciam do nada. Ou será que ele é que nunca notara?

Sirius desceu os degraus silenciosamente. A Sala Comunal estava vazia naquele instante. A maioria talvez estivesse aproveitando para se recuperar da semana de aulas ou então estavam à mesa do café da manhã, o que significava que ambos estavam sozinhos ali, mesmo que ela ainda não tivesse percebido a sua presença.

Levara muito tempo para que Sirius superasse o pé na bunda que levara da garota e levara mais tempo ainda para admitir a si mesmo que, apesar ignorá-la e tratá-la friamente sempre que seus olhares se cruzavam, gostava dela. Tentara sufocar aqueles sentimentos saindo com outras, porém, acabava por perder o interesse por elas rapidamente. A única que permanecera no fundo de sua mente por todo aquele tempo fora Flori. Justamente aquela que, na falta de uma expressão melhor, “partira” seu coração.

Conseguira reconhecer isso em conversas com Remo. Adorava Tiago, é claro, mas por algum motivo, não se sentia valente o suficiente para falar aquele tipo de coisa com ele, mesmo porque, o amigo parecia estar passando por um conflito parecido com outra garota, cujo nome jamais dissera, mas que Sirius fazia uma boa ideia de quem poderia ser. Remo tinha mais jeito com as palavras e parecia menos propenso a zombar de sua cara, por isso havia confessado o que se passava em sua cabeça um dia desses. Mas mesmo com os conselhos de seu amigo ainda não sabia o que fazer e como deveria agir com ela. Flori não parecia mais detestá-lo com a intensidade de antes; algo lhe dizia que ela talvez se arrependesse da forma como haviam se separado no passado, mas era difícil ter certeza com as garotas.

Ele se aproximou lentamente e parou atrás da colega, lendo o cartaz por cima de sua cabeça.

— “Não seja um Trasgo, venha fazer parte do Clube de Duelos!”.

Flori virou-se assustada.

— Ah, o-oi. Que susto você me deu, Black. – Ela colocou a mão sobre o peito.

— O que é isso? – Perguntou, apontando o cartaz.

— Ah, estou pensando em montar uma banda de folk rock e estou à procura de pessoas interessadas. – Respondeu ela, sarcasticamente.

Sirius ignorou completamente o comentário mordaz e continuou:

— Qualquer um pode entrar? – Perguntou.

— Qualquer um que saiba empunhar uma varinha. Por quê? – Interpelou Flori, colocando as mãos nos quadris e olhando-o desconfiada.

Sua mente se iluminou de repente e ele abriu o primeiro sorriso empolgado em semanas. Ali estava o que estivera procurando. Sacando a varinha e conjurando uma pena do andar de cima, aproximou-se do cartaz e anotou o seu nome com um floreio, acrescentando, logo em seguida, três outros nomes.

— Quando posso começar?

A garota o encarava perplexa.

— Não pode estar falando sério.

— E por que não? – Quis saber.

— Bem, é que... não sabia que se interessava por esses cursos extracurriculares.

— O quê? Acha que não quero um currículo impecável para quando me candidatar a Ministro da Magia? – Provocou.

— Eu acho que para alguém como você ser o Ministro teria de nascer de novo, mas quem sou eu para destruir os sonhos de alguém, não é?

Sirius acabou soltando uma gargalhada e correu com a ponta da pena pela lateral da bochecha de Flori, perturbando-a.

— Me avise quando tiverem marcado a primeira reunião, tudo bem?

Ela assentiu, parecendo tentar se livrar de seu desconforto.

— Claro.

— Até mais. – Despediu-se Sirius, guardando a pena no bolso e subindo pelo buraco do retrato.

 

***

— Eu não acredito que você nos inscreveu no Clube dos Otários sem nem nos consultar! – Exclamou Tiago aquela noite em seu dormitório.

— Eu sabia que se perguntasse vocês não iriam aceitar. – Retrucou Sirius de maneira displicente.

— Ah, jura? Quanta perspicácia! – Debochou Tiago, polindo o cabo de sua vassoura com força.

— Quer fazer o favor de relaxar? Será somente uma vez por semana, nas terças. – Retrucou.

— E você acha que eu não tenho nada melhor para fazer do que participar de um clubinho estudantil? – Tiago rosnou.

— E tem? – Rebateu Sirius, erguendo a sobrancelha. – Além do mais, o que você acha que é o quadribol, se não um tipo de clube estudantil?

— Rá, rá! – Exclamou o garoto, largando a vassoura e apontando o dedo na direção do outro. – Não tente me enrolar, virando isso contra mim. Quadribol é quadribol, nada se compara. – Sentenciou.

— É isso mesmo! – Ajudou Pedro, que não conseguia montar direito numa vassoura nem para salvar a própria vida.

— Estão todos contra mim? – Aborreceu-se Sirius. Ele se virou para o outro lado do quarto, na direção de Remo. – Só falta você dizer que também não concorda comigo.

— Não estou dizendo que não acho uma ideia interessante...

— Viu só? Obrigado! Até que enfim alguém do meu lado!

— Ele ainda não acabou, panaca. – Indicou Tiago, entredentes.

— ...contudo – continuou Remo  sem se abalar pela interrupção -,  Tiago não deixa de ter uma certa razão; você deveria ter nos consultado antes.

Sirius suspirou.

— Foi uma decisão que tomei por impulso, ok? Vi o cartaz na Sala Comunal e resolvi nos inscrever. – Justificou-se.

— A questão é: por quê? – Tornou Remo. – Esse tipo de coisa não parece fazer o seu estilo. – De repente, uma expressão vaga e pensativa tomou conta do rosto de Remo e ele apertou os olhos. – Espera um pouco... não faz parte do Clube de Duelos também...

— Não importa! – Sirius ergueu-se na cama e o interrompeu antes que falasse demais. – Estão realmente me dizendo que vão deixar a oportunidade de enfeitiçar alguém passar só porque, por um acaso, esqueci de pedir sua permissão?

A carranca de Tiago pareceu diminuir e ele tentou esconder seu repentino interesse voltando à atenção para a vassoura.

— Você acha que vai ter gente da Sonserina nesse negócio? – Indagou ele, fingindo indiferença.

Sirius não fazia ideia de quem participava do Clube além de Flori, porém, não admitiria isso agora que estava prestes a convencer o mais cabeça-dura de seus amigos.

— É claro.

Ele ergueu a cabeça.

— Bom, então acho que realmente não tenho escolha a não ser aceitar.

 

***

Na terça seguinte, um número particularmente grande de alunos havia se inscrito no Clube de Duelos – provavelmente haviam ouvido falar que os Marotos estariam ali, o que acabou aumentando o interesse geral -, por isso o professor Flitwick, responsável e principal juiz do Clube, precisou usar o Salão Principal para a reunião. As quatro mesas haviam desaparecido, sobrando somente a dos professores, e deixando um enorme espaço vazio, perfeito para os alunos treinarem.

Para a sorte de Sirius, havia um bom número de estudantes da Sonserina, então de certa forma não havia mentido, mas Tiago não parecia ter dado muita atenção a isso. De fato, seu interesse estava totalmente voltado num pequeno grupo de alunas da Grifinória cochichando a um canto do salão.

— Eu não acredito! Evans também faz parte do Clube! Por que não me disse antes? – Ele se virou para o melhor amigo.

— Porque eu não fazia ideia. – Respondeu com sinceridade.

— Suponho que faça sentido, já que Flori faz parte. – Murmurou Remo, de maneira perspicaz.

— Assim como Marlene. – Provocou Sirius.

Curiosamente, Remo desviou o olhar, parecendo levemente corado e pôs-se a ler as regras do Clube, fixadas na parede perto da entrada.

— Bem, fico feliz em saber que aprova a ideia agora. – Continuou Sirius, ocultando um sorriso ao perceber que o amigo ainda não havia desgrudado os olhos das garotas.

— Está brincando? Não vejo a hora de duelar contra ela e acabar com aquele arzinho superior! – Exclamou Tiago, esfregando as mãos de empolgação.

Contudo, para a infelicidade de Tiago, seus planos foram frustrados pelo professor Flitwick, que naquela e nas próximas três aulas, dedicou-se a ensinar os feitiços e regras básicas para um duelo, visto a quantidade de integrantes novos que seu Clube havia adquirido. Sirius temia que em breve seus amigos perderiam o interesse e abandonariam as reuniões, embora reconhecesse que ele próprio já estava se cansando de aprender as mesmas coisas do primeiro ano, mas suas preces foram ouvidas na quarta aula e eles enfim iniciaram os duelos.

Como ainda havia uma grande quantidade de gente, o professor resolveu dividi-los em duas categorias: rapazes contra rapazes e moças contra moças e aqueles que fossem vencedores de suas respectivas categorias lutariam entre si. A perspectiva de duelar contra Lílian Evans, conhecidamente uma das melhores duelistas, bastou para deixar Tiago animado novamente e dedicar-se totalmente ao Clube, chegando a estudar feitiços novos em suas horas livres.

A competição dava-se da seguinte forma: cada participante começava o duelo com dez pontos e cada feitiço bem sucedido gerava mais dois pontos. Se o adversário conseguisse se proteger ou lançar um contrafeitiço, o outro perderia um ponto, enquanto um ponto seria acrescentado ao placar do defensor. Seria considerada vitória quando um dos adversários atingisse uma contagem de vinte pontos primeiro, ou um dos duelistas ficasse com zero ponto ou fora de combate. Todos começavam zerados no ranking oficial e cada vitória somava cinco pontos, os empates dois, e um ponto era subtraído das derrotas. Era contra as regras haver contato físico entre os duelistas e feitiços que poderiam causar sérios danos ou colocarem a vida do adversário em perigo, podendo ocorrer até a expulsão do Clube e/ou da escola.

Sirius achou a dinâmica de enfrentar diferentes pessoas e estilos de combate realmente divertida e não foi surpresa nenhuma para ele, conforme as semanas foram passando, estar entre os cinco melhores no ranking de duelistas, ficando atrás somente de Flori, sua amiga Lílian, Remo e um tal de Bertram Aubrey, um rapaz franzino e de nariz proeminente, que ele não tinha certeza se pertencia a Corvinal ou a Sonserina. Tiago vinha logo em seguida e Pedro estava entre os quinze melhores, subindo rapidamente graças aos sopros de Remo.

A cada semana, ao fim de uma reunião, aproximadamente cinco a dez pessoas eram desclassificadas do torneio por pontuação insuficiente e essas pessoas tinham a opção de permanecerem no Clube a fim de observar os demais e aprenderem algo com eles, ou irem embora. A maioria ficava com a segunda opção e não aparecia mais nas terças seguintes.

Conforme as semanas foram se passando, o grupo de alunos ficou gradativamente menor, porém, o professor Flitwick optou por continuar com a realização das reuniões no Salão Principal, visto que apesar da quantidade de estudantes, o lugar era largo o suficiente para realizarem seus duelos sem a preocupação de os garotos serem arremessados contra uma parede.

Pedro foi o primeiro dos Marotos a ser eliminado; perdeu contra um quintanista da Lufa-Lufa por quase dez pontos e decidiu não voltar mais nas próximas reuniões, sentindo-se envergonhado. Quando estavam nas semifinais dos garotos, Tiago e Sirius tiveram de se enfrentar, enquanto Remo daria combate ao tal de Bertram, contudo, Remo não pôde comparecer, pois a penúltima terça-feira de abril foi justamente o início da lua cheia, o que ocasionou na sua desclassificação imediata.

O duelo contra Tiago foi mais fácil do que o esperado; por serem amigos, Sirius conhecia muito bem o estilo dele e, aproveitando-se disso, conseguiu derrotar o garoto com um feitiço de desarmar e o feitiço das pernas bambas que o deixaram fora de combate, coroando Sirius como o segundo finalista da categoria dos rapazes. Quanto à das moças, sem espanto nenhum, as classificadas para a final foram Lílian e Flori. Na semana seguinte, ambas foram as primeiras a se enfrentarem e a forma como duelavam era como se aquela fosse à luta decisiva que decidiria o Campeão.

O embate foi difícil e permaneceu empatado boa parte do tempo, e as duas garotas pareciam exaustas, mas a vencedora no final foi Flori, que conseguiu vencer Lílian nos pontos ao defender-se com um feitiço escudo que ricocheteou e derrubou Lílian. Apesar de todo o esforço, as duas amigas pareciam satisfeitas consigo mesmas e congratularam-se pelo desempenho uma da outra. Com a campeã das garotas definidas, sobrava agora o duelo dos garotos.

Sirius mal podia conter sua empolgação; se conseguisse se livrar de mais aquele obstáculo significaria que enfrentaria Flori na final. Depois que entrara para o Clube, passara a conversar mais com a garota, criando o começo do que parecia uma amizade sincera entre ambos e, quando as amigas não estavam por perto, ela até conseguia respondê-lo sem o costumeiro tom de zombaria. Quando se deu conta de que uma coisa daquelas poderia acontecer, um plano começou a se formar em sua mente, tornando a sua vitória na categoria dos rapazes não somente merecida, mas necessária. Era essencial que ele vencesse Aubrey para que pudesse colocar em prática o que vinha maquinando nas últimas semanas.

Os dois garotos foram até o centro do Salão e o restante dos participantes fez um círculo à sua volta ao longo das paredes. Um círculo não muito grande, diga-se de passagem, já que poucos dos eliminados resolveram continuar, somente os que já haviam feito parte do Clube nos últimos anos e os três Marotos, que mesmo desclassificados vieram desejar boa sorte a Sirius. Ambos fizeram uma breve reverência e enquanto posicionavam suas varinhas, Sirius sorriu com confiança, fato que pareceu desestabilizar seu oponente, rendendo segundos vantajosos ao outro. Mal Aubrey recuperou a compostura, Sirius gritou o feitiço do corpo preso e o garoto tombou para trás como uma estátua de pedra, gerando a vitória mais rápida da história do Clube de Duelos.

Com os dois campeões selecionados, o professor Flitwick anunciou que o embate final aconteceria dali a um mês, dando aos dois duelistas tempo o suficiente para se prepararem.

Ainda se gabando de sua vitória impressionante a quem quisesse ouvir, Sirius se dirigia à torre da Grifinória com mais alguns companheiros de Casa logo em seu encalço.

— Inclusive – continuava ele em alto e bom som, para que o grupo de garotas logo atrás pudesse lhe ouvir -, minha vitória é tão certa, que quase não tem graça. Acho até que seria capaz de aumentar as apostas para ficar mais interessante.

— Minha nossa, como você se acha, Black. – Resmungou Flori. – Quem disse que você vai ganhar?

Sirius parou e ficou de frente para ela e as outras.

— Eu sei que vou ganhar. – Retrucou. – Quer apostar?

— E por que eu faria isso? Já iremos ganhar um troféu do professor Flitwick.

Ele deu de ombros, como se dissesse que não se importava.

— E qual a graça nisso? Qualquer um pode ganhar um troféu. Agora, em uma aposta... tem o fator pessoal que torna tudo mais emocionante.

— O que é que você tem em mente? – Indagou a garota, desconfiada.

— Flori, pare de dar trela para esse tratante e vamos logo! – Impacientou-se Lílian, puxando a amiga pelo braço.

— Espera um pouco, Lily. – Pediu ela, erguendo o braço livre. – Deixe ele falar. Vamos ver se o prêmio dele é mais tentador do que o troféu de ouro do professor Flitwick e o impulso na nota de Feitiços.

Lílian pareceu sufocar uma resposta, mas baixou o braço, enquanto Sirius abria um sorriso provocativo.

— Certo, a aposta é a seguinte... se eu ganhar o duelo final, você terá que me beijar no meio do Salão Principal, diante de toda a escola. – Propôs.

Flori arregalou os olhos e pareceu corar ligeiramente no corredor mal iluminado, enquanto Lílian soltava uma exclamação indignada e Marlene e a outra amiga um gritinho excitado. Os garotos, posicionados ao redor de Sirius, pareciam querer desaparecer entre as paredes diante do atrevimento do companheiro. Remo chegou até a esconder o rosto atrás da mão devido ao constrangimento.

— O que me diz? – Indagou Sirius após alguns segundos.

— Vamos, Flori. – Decidiu Lílian, pegando a outra pelo braço novamente. – É óbvio que esse idiota só está querendo lhe tirar do sério.

— Espera um pouco. – Repetiu novamente, sem sair do lugar. – Quer saber? Tudo bem.

Sirius não conseguiu esconder seu espanto. Não achou que seria tão fácil convencê-la ou se sequer conseguiria. Suas próprias amigas boquiabriram-se diante de sua resposta.

— Ótimo. – Seu sorriso aumentou.

— Eu ainda não terminei. – Anunciou Flori. – Eu aceito a sua proposta, mas se eu ganhar... quero que me dê a sua vassoura.

Dessa vez foram os garotos que se mostraram perplexos.

— Ficou maluca? – Intrometeu-se Tiago, tomando as dores do amigo. – É uma Nimbus 1001, a vassoura mais rápida do mundo!

— Grande coisa. – Disparou Lílian, irritando o garoto. – É só uma vassoura idiota.

— Você é uma vassoura idiota! – Redarguiu Tiago. – Eu não espero que entenda algo de quadribol, mas até uma tapada como você sabe o que uma vassoura dessas representa!

— Representa que você é um inútil, cujo talento depende exclusivamente de um pedaço de madeira voador!

Sirius resolveu intervir antes que Lílian e Tiago puxassem as varinhas e lançassem azarações um no outro.

— Tudo bem, eu aceito. – Disse.

— Você perdeu o juízo! – Assombrou-se Tiago, olhando-o abismado, enquanto os dois selavam seu acordo com um aperto de mãos.

— Não se preocupe, eu não vou perder. – Declarou Sirius, lançando uma piscadela ao melhor amigo.

 

***

O dia do duelo finalmente chegou. Não foi um evento tão grande quanto uma partida de quadribol, é claro, mas havia um bom número de pessoas no Salão Principal; aparentemente todos os que haviam se desclassificado no decorrer do ano haviam comparecido e, inclusive, trazendo convidados. Era como se soubessem que havia uma grande aposta em jogo, não que Sirius achasse que alguém do grupinho da outra noite tivesse contado, mas definitivamente havia um ar de expectativa no Salão.

Ele não estava preocupado. Flori era uma adversária formidável e não seria tolo a ponto de subestimá-la, afinal, vira em primeira mão do que a garota era capaz, porém, já havia formado uma estratégia em sua cabeça e acreditava que a partir dela sairia vitorioso. Seu plano consistia numa tática muito simples: começaria atacando, usando feitiços ofensivos, não dando espaço para brechas, daquela forma a garota não teria escolha a não ser se defender e não teria tempo para pensar em algum contrafeitiço ou azaração para impedi-lo.

Eles se postaram no meio do Salão e daquela vez o círculo em volta dos duelistas era muito maior, chegando a contornar todo o Salão. Flori parecia nervosa, contudo, quando inclinaram-se para a reverência, seu rosto assumiu um tom sério e determinado. Empunharam suas varinhas e tão logo o professor Flitwick fez sinal para que começassem, Sirius lançou a azaração das cócegas, no que Flori se defendeu com o feitiço escudo.

O duelo foi longo e cansativo; mesmo Sirius sentia-se quase esgotado, suando como nunca. Ele atacava sem parar e em determinada altura, querendo terminar logo o combate, acabou se descuidando e vários feitiços voltaram nele, fazendo com que perdesse alguns pontos. Agora, tomando cuidado, quando lançava algo contra a garota e um novo feitiço escudo era erguido por Flori, ele mesmo conjurava um, para que ricocheteasse para longe; daquela forma nenhum dos dois perdia pontos, o que, consequentemente, acabou fazendo com que a batalha durasse muito mais.

Suas pernas começavam a fraquejar gradativamente conforme seus feitiços repelidos por Flori voltavam em sua direção. Concluiu que estava em grande desvantagem agora, porque enquanto tudo o que a garota precisava fazer era se defender e aguardar que o cansaço o vencesse, Sirius precisava gritar seus feitiços, erguer um escudo e rapidamente lançar outra azaração, antes que Flori o fizesse. De repente o seu plano não pareceu mais tão genial. Não podia perder, precisava ganhar aquela aposta!

Num arroubo de frustração, Sirius lançou uma série de feitiços estuporantes jogando três, quatro, cinco feitiços na direção dela e quebrando seu escudo. Flori se lançou ao chão no instante em que percebeu que não poderia segurar os ataques e, aproveitando-se da expressão de espanto de Sirius, ergueu sua varinha debilmente e um jato poderoso de água saiu de sua ponta, atingindo o rapaz em cheio no rosto e desequilibrando-o pelo susto. Aproveitando a primeira oportunidade desde que haviam iniciado aquele duelo, Flori gritou:

 Engorgio!

A cabeça de Sirius duplicou de tamanho e com o súbito peso, ele pendeu para frente e caiu, não antes de a garota desarmá-lo com um grito final:

— Expelliarmus!

A varinha foi arrancada da mão de Sirius e voou graciosamente até ela, que a apanhou no ar. O salão prorrompeu em palmas meio segundo depois e em seguida o professor Flitwick apareceu com o troféu em mãos, sorrindo orgulhosamente ao entregá-lo para a garota.

 

***

No dia seguinte Sirius saía da torre Comunal da Grifinória bem cedo e se dirigia até o saguão. Seus amigos haviam se oferecido para acompanhá-lo numa espécie de cortejo, porém, ele os rejeitara, afirmando que gostaria de fazer aquilo sozinho. Encontrou Flori esperando por ele na escadaria de mármore.

— Dia. – Cumprimentou Sirius. – Aqui está.

Ele estendeu o braço e passou-lhe a vassoura, admirando pela última vez seu cabo escuro como mogno, as cerdas bem aparadas e a empunhadura vermelha como rubi. A garota a pegou e analisou-a com um sorriso satisfeito nos lábios.

— Sinto muito. – Lamentou, parecendo sincera.

Sirius deu de ombros.

— Trato é trato. – Murmurou. – Eu já quebrei minha palavra para você uma vez e não pretendo fazer isso de novo.

Flori segurou no cabo da vassoura com força, remexendo-se desconfortável.

— Eu sinto muito por ter feito sua cabeça virar um balão. – Disse por fim, recuperando-se.

— Não se preocupe com isso. Confesso que lembrando agora... até que foi engraçado. – Ele soltou uma risada e ela acabou acompanhando-o. – Foi uma ótima partida. – A garota concordou. – Mas me diga... aquele feitiço da água... de onde foi que você o tirou?

— Francamente, não faço ideia de onde ele veio. – Confessou Flori. – Não sei como aconteceu. Tudo o que eu fiz foi... erguer minha varinha e... eu não sei, parece que ela fez o resto. É loucura, não? – Indagou aflita.

E Sirius percebeu que aquilo a vinha preocupando mais do que deixava transparecer. Ele procurou acalmá-la, tocando de leve em seu antebraço.

— Estamos cercados por magia, Flori. Já vimos e soubemos de tantas coisas estranhas... você honestamente acha que o fato de sua varinha querer ajudá-la é algo ruim?

— Tem razão. – Ela sorriu. – Foi um golpe de sorte, no entanto.

Ele sacudiu a cabeça.

— Não foi mesmo. De alguma forma ela deve ter traduzido o que se passava na sua cabeça e tomou a decisão por você. Não teve nada a ver com sorte. – Decretou. – O que é uma pena, porque eu realmente queria... – Ele se interrompeu.

Flori ergueu a cabeça e encarou-o com intensidade, parecendo tentar decifrá-lo, como fizera há alguns anos, em um lugar muito próximo daquele em que se encontravam agora. Apesar de sua inquietação, não desviou os olhos, procurando manter o olhar firme como o dela.

— Sirius... – Flori o chamou e ele não pôde evitar um arrepio; desde o seu namoro de uma semana, ela nunca mais o havia chamado assim. – Por que você quis participar do Clube de Duelos? Qual era o verdadeiro motivo?

Era quase como se ela soubesse. No entanto, Flori não era capaz de ler pensamentos, certo? Ele esperava que não, pois se pudesse descobrir o que se passava por sua mente naquele momento, ela provavelmente o esbofetearia, e com razão. Não se sentia apto a responder. O que Flori diria? Ela já não o havia rejeitado antes? Não sabia se poderia aguentar aquilo de novo calado. Além do mais, agora que estava finalmente se dando bem com a garota... ela até o chamara pelo primeiro nome, não queria estragar isso.

— Havia algo mais, não havia? – Insistiu.

Sirius se decidiu. Ele suspirou antes de responder.

— Era o seu cartaz, sabe? – Murmurou, baixando os olhos num movimento muito convincente. – Eu realmente não queria ser um trasgo.

Flori o fitou momentaneamente sem reação e então caiu na risada.

— É impossível falar sério com você, Black.

“E voltamos ao sobrenome”, suspirou o rapaz.

— Eu sou sério. – Retrucou, não conseguindo manter a carranca por muito mais tempo.

— Oh, é sim. Você é o “Sério Black”. – Provocou Flori, rindo ainda mais alto. – Bom, eu preciso ir. – Anunciou por fim. – Quero testar minha nova vassoura. Até mais.

Ela se virou e acenou para ele, dando-lhe uma piscadela e descendo com pressa os degraus da escadaria. Sirius a acompanhou com os olhos até que desaparecesse lá fora. Ainda não sabia se sentia contente ou desanimado com aquela conversa e concluiu que aquele geralmente era o efeito que Flori costumava lhe causar. Ele se virou e subiu os degraus restantes muito lentamente.

Estava virando um corredor no segundo andar quando esbarrou com Tiago.

— E então? Como foi? – Indagou ele, dando-lhe um sorriso solidário.

— Não irei negar dizendo que não doeu passar minha vassoura a ela, mas...

Porém, o que quer que fosse dizer foi interrompido pela intromissão de alguém às costas deles.

— Ora, ora. Se não é o notório Sirius Black. – Disse uma voz carregada de sarcasmo.

Os dois se viraram e depararam-se com Bertram Aubrey parado a alguns passos de distância. Ele se aproximou; ostentava um sorrisinho debochado no rosto franzino.

— Afinal você não é bom em tudo, hein? – Provocou. – É claro, ninguém consegue ser perfeito. Mas acho que a derrota deve ser ainda mais humilhante quando vem de uma sangue ruim.

— Seu desgraçado! – Gritou Tiago, puxando a varinha e avançando na direção de Aubrey.

O amigo não ia com a cara de Flori, contudo, Sirius sabia que não suportava esse tipo de ofensa com quem quer que fosse. Ele mesmo sentiu o sangue afluir à sua face e seus ouvidos zumbindo de raiva, porém, ele colocou a mão diante de Tiago, impedindo-o de prosseguir e, tomado de uma frieza que não sabia possuir, sorriu de maneira indolente para o outro.

— Tem razão, Aubrey. – Concordou. – Como vê, não dá para ser bom em tudo. Aliás... tem um feitiço que, inclusive, sei que posso melhorar.

Antes que o outro tivesse tempo de reagir, Sirius sacou a própria varinha e gritou:

— Engorgio!

A cabeça do garoto triplicou de tamanho, aumentando cada vez mais até ficar do tamanho de um globo espelhado. Tiago riu e após se recuperar das gargalhadas, resolveu ajudar o melhor amigo, fazendo a cabeça de Bertram inchar ainda mais.

Se o professor Flitwick não estivesse passando pelo corredor naquela hora, certamente teriam feito algo pior, tamanha era a fúria de Sirius. Todavia, foram obrigados a parar e após ouvirem um sermão inflamado na vozinha esganiçada do professor, receberam uma detenção dupla e, para piorar, Sirius e o restante dos Marotos foram expulsos do Clube de Duelos para sempre.

Foi com pesar que voltou à Sala Comunal da Grifinória naquela noite. Além da injustiça queimar em seu estômago, teve de suportar o olhar de decepção no rosto de Flori, justo agora que começava a finalmente se tornar sua amiga.


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