Jane Austen disse... escrita por Larissa Vitória


Capítulo 1
1. Boy meets girl (ou professor conhece a aluna)


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente! Depois de muito tempo sem escrever nada além das obrigações da escola e da faculdade, resolvi ver se ainda sei escrever ficção e escolhi o ship preferido de um dos meus livros preferidos para essa tentativa.

Espero que gostem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/805540/chapter/1

Carne nova em um ambiente cheio de adolescentes com hormônios à flor da pele é sempre um acontecimento. Não importa se a novidade em questão está teoricamente fora do alcance de todos eles.

 

Draco Malfoy, a carne nova da qual falamos hoje, já estava acostumado com o frenesi que antecipa sua chegada a novas escolas. Afinal, o que esperar de um professor com menos de 25 anos — e que, com sua ausência de barba e bigode, parecia ainda mais novo — em meio a alunas (e alguns alunos) no auge da idade do flerte?

 

A passagem por outros dois colégios antes de Hogwarts ajudou o professor de literatura a diminuir o desconforto em ser observado e comentado por todos ao seu redor. Além disso, sendo aquele um internato com um número pequeno de alunos, o impacto da rádio-corredor também era notavelmente menor.

 

Ainda assim, não houve como escapar dos olhares curiosos e das perguntas indiscretas.

 

— Conta, professor: solteiro, namorando ou casado? — perguntou Gina Weasley, uma de suas alunas do segundo ano, na saída para o primeiro intervalo.

 

O atrevimento o impressionou um pouco, mas, pelo que observou durante a aula, essa era uma das características da menina de cabelos ruivos.

 

— Desculpe a minha namorada, sr. Malfoy, ela não tem papas na língua — justificou, envolvendo a cintura de Gina, um garoto alto, magro e com cabelos negros apontando para todas as direções que se aproximava naquele momento.

 

— Deixa ela, Harry. Afinal, é uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, em posse de grande fortuna, deve estar procurando uma esposa.

 

Ser provocado com uma citação de clássicos da literatura no primeiro dia, esse sim era um acontecimento inédito. Draco virou-se para ver quem era a fã de Jane Austen e deu de cara com uma massa de cachos castanhos rodeando um rostinho delicado.

 

— Lá vem ela com mais uma frase que ninguém mais sabe de onde é… — rebateu outro aluno, que, pelos cabelos ruivos e olhos verdes, poderia muito bem ser irmão da garota Wesley — vamos, meninas, antes que Crabbe e Goyle acabem com todas as tortinhas de abóbora da cantina.

 

E antes mesmo que o professor pudesse perguntar qual era o nome da garota que já havia lido um dos títulos previstos no programa escolar — coisa rara em sua curta experiência com ensino de adolescentes — ela rumou para o pátio junto ao grupo de amigos.

 

—------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

 

Draco não pensou mais no assunto ao longo do dia, que passou voando em meio às perguntas, risos mal-disfarçados e cochichos dos alunos. Várias vezes surpreendeu grupos de garotas elogiando seus cabelos loiros e olhos cinzentos enquanto deveriam discutir a tarefa do dia (o que faz de um livro um clássico? Discorra sobre essa frase).

 

Até que, na última aula, lá estavam os volumosos cachos na primeira fileira da turma do 3º ano. Dessa vez, Draco reparou que os olhos da garota eram igualmente castanhos, em um tom quente e vivaz que o lembrou do outono, sua estação preferida do ano.

 

Além dela, Harry e o garoto ruivo também estavam na classe e agora ele saberia seus nomes. Sentindo uma curiosidade além do normal para o seu padrão — que se limitava ao nome e livro preferido dos alunos —, decidiu mudar um pouco sua apresentação inicial e primeira atividade da aula.

 

—Boa tarde, pessoal. Meu nome é Draco Malfoy e, como muitos de vocês já devem ter ouvido dos colegas mais novos, serei seu professor de literatura a partir de hoje. Responderei a qualquer pergunta a respeito da disciplina e das aulas, mas, antes, queria conhecê-los um pouco melhor.

 

Um muxoxo de reprovação foi a resposta para suas palavras, o que não surpreendeu o docente. Em sua época de aluno, Draco também odiava as apresentações de início de ano.

 

— Galera, sei que isso é um pouco chato, mas insisto em fazer algumas perguntas a todos. Como já estão às portas da formatura, terei menos tempo com a turma e essa apresentação vai me ajudar a me acostumar mais rápido com vocês — com essas palavras, algumas caras irritação suavizaram-se — Prometo que seremos breves, me contem apenas o nome, livro favorito, hobbies e o que vocês pretendem fazer depois do ensino médio. 

 

E assim foi feito. Draco chamava os nomes de acordo com a lista de presença e, um a um, conheceu um pouco mais sobre seus alunos. Alguns deles eram realmente curiosos. 

 

Seamus Finnigan, por exemplo, revelava que seu hobbie era inventar os mais variados dispositivos eletrônicos quando foi interrompido pela classe. Fazendo uma algazarra, os alunos gritavam que sua atividade preferida era na verdade era explodir as invenções.

 

Também descobriu que Harry era na verdade Harry Potter, filho de um famoso artilheiro e cujas paixões também giravam em torno do futebol. Fã do esporte, o professor prometeu que estaria na arquibancada do próximo jogo.

 

Quando chegou a vez da garota de cabelos castanhos, Draco ajeitou-se na cadeira para ouvir a apresentação, atribuindo a curiosidade excessiva meramente à citação de Jane Austen dita por ela em seu encontro anterior.

 

— Sou Hermione Granger, meu livro favorito é “Cem Anos de Solidão”, do Gabriel García Márquez e meus hobbies são ler e…

 

— Ser a sabe-tudo mais irritante de Hogwarts — gritou o ruivo no fundo da sala, provocando o riso dos colegas

 

— Sem interrupções pessoal — pediu Draco, temendo que Hermione ficasse ofendida. Mas suas preocupações foram deixadas de lado quando notou o olhar divertido da aluna.

 

— É, isso também, obrigada por me lembrar, Rony! — ela deixou escapar um riso abafado antes de retomar a fala — Para terminar, quando me formar pretendo trabalhar em ONGs de defesa dos animais.

 

Agora Draco estava definitivamente intrigado. Os sabe-tudo que conheceu até agora, em três anos dando aula, eram um pouco mais ambiciosos e costumavam mirar sempre a medicina ou o direito

 

Também o surpreendeu o fato de que uma pessoa que cita Jane Austen e leu Gabriel García Márquez no ensino médio não quisesse ser escritora, e sim ativista da causa animal. E a surpresa foi tanta que ele só percebeu que ainda encarava Hermione em silêncio quando ouviu os risinhos do restante da turma.

 

— É… obrigada pela apresentação, senhorita Granger. Escolha interessante de profissão e livro. E, pelo que ouvi mais cedo, você também gosta de Jane Austen, estou certo?

 

— Uma das minhas preferidas, professor. Sempre com uma citação adequada para todos os momentos da vida — respondeu Hermione, mostrando que também não havia esquecido de seu encontro anterior com o professor.

 

Decidido a não provocar outro momento constrangedor, Draco tratou de ignorar o ar maroto da aluna e chamou o próximo na lista. Ao final das apresentações, que ainda duraram mais 10 minutos, ele caminhou até a lousa e escreveu a mesma pergunta que fez em todas as outras classes: O que faz de um livro um clássico?

 

O professor gostava de iniciar suas aulas sempre com essa reflexão. Apesar de simples, a pergunta o ajudava a conhecer melhor o nível de conhecimento literário da turma e também a justificar a escolha de livros que leriam nos próximos meses.

 

— Quem pode responder esta pergunta e… — a mão de Hermione rasgou o ar antes mesmo que Draco concluísse a fala — diga, senhorita Granger, citando exemplos, se possível.

 

— Apesar de não existir uma resposta única para essa questão, um clássico é um livro que reflete os valores do período em que foi escrito, mas também é atemporal, ou seja, permanece atual em qualquer época que seja lido. Outra característica marcante é a universalidade e a possibilidade de provocar novas percepções e sentimentos a cada leitura — Draco já estava impressionado com o início da resposta, mas o que veio a seguir o surpreendeu mais ainda — Como diz Ítalo Calvino, clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer.

 

A brincadeira de Jane Austen já havia sido interessante, mas responder uma pergunta com tamanha segurança e citando Ítalo Calvino era demais para seu cérebro de professor acostumado com alunos preguiçosos e pouco esforçados. E Hermione ainda não tinha terminado:

 

— Alguns exemplos de livros clássicos são a Odisseia e a Ilíada, de Homero, Édipo Rei, de Sófocles, a Eneida, de Virgílio, A Divina Comédia…

 

— Tá bom, Hermione, ele já entendeu que você sabe a resposta, já pode parar de falar! — a garota foi novamente interrompida pelo protesto do ruivo, que agora Draco sabia ser realmente irmão de Gina Weasley.

 

— Rony, não tenho culpa se foi conteúdo demais para o seu cérebro aguentar — rebateu Hermione sob os risos dos demais alunos.

 

Draco ainda não tinha certeza se aqueles dois eram amigos ou não pelo nível de provocação, mas ainda estava impressionado demais com a resposta dela para prestar atenção na situação:

 

— Certo, certo… vamos acalmar os ânimos, pessoal. Senhorita Granger, obrigada pela resposta, foi muito precisa. É isso mesmo, turma, clássicos são registro históricos, mas também livros com característica atemporais e que dizem respeito a questões universais da humanidade — falar sobre um de seus temas preferidos na literatura o ajudou a recuperar a compostura — Já ouvimos alguns bons exemplos de clássicos e estudaremos alguns deles ao longo deste ano, especialmente os que fazem parte das listas dos vestibulares mais importantes do país.

 

Enquanto falava, ele reparou que Hermione escrevia furiosamente em seu caderno.

 

— A lista da Fuvest [vestibular da USP] de 2023 a 2026, por exemplo, já foi divulgada e será um dos nossos guias. Vamos começar com dois autores que são donos de alguns dos nossos maiores clássicos nacionais: Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade.

 

A aula prosseguiu sem muitas intercorrências. Apesar das eventuais brincadeiras, o professor ficou aliviado ao perceber que a maior parte dos alunos prestava atenção em suas palavras e parecia disposta a dar uma chance à matéria.

 

Quando tocou o sinal, Draco notou que a aluna que o intrigava foi uma das primeiras a deixar a sala. Ela parecia estar com muita pressa para chegar a algum lugar e ele ficou tentado a seguí-la para descobrir o que era tão urgente. “Seguir uma aluna? Que ideia absurda!” refreou-se em pensamentos.

 

Mas, no final das contas, acabou indo parar no mesmo lugar que ela. Após juntar os papéis e documentos que espalhara sobre a mesa, Draco rumou para a biblioteca — um dos lugares mais bonitos de Hogwarts, em sua opinião — em busca de alguns livros para as aulas de amanhã e deu de cara com Hermione sentada em uma das primeiras mesas reservadas aos alunos.

 

Ao seu redor Draco viu cópias de “Química Avançada”, “Biologia para o vestibular” e “Os princípios da Matemática”. Para sua surpresa, sob a mesa também estavam “Alguma Poesia”, de Drummond, e “Quincas Borba”, de Machado de Assis, os livros sobre os quais conversaram na aula. A garota folheava o último dos dois títulos e fazia anotações coloridas em um caderno.

 

Enquanto esperava que Madame Pince, a bibliotecária, o atendesse, Draco reparou que a aluna parou de escrever e observou a entrada da biblioteca por vários minutos, quase sem piscar. Como a fila ainda era longa, o professor decidiu devolver na mesma moeda a provocação que a aluna lhe fizera mais cedo. Aproximando-se sem que ela, ainda perdida em pensamentos, notasse sua presença, disse suavemente:

 

— Esperando o seu Mr. Darcy, senhorita Granger?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam do capítulo?

Me contem, por favor. Qualquer comentário/conselho é válido para uma autora enferrujada.

Se a vida não atrapalhar, pretendo postar um capítulo por semana. Me digam também: vocês gostam de histórias mais curtas ou longas?

Beijos e até o próximo capítulo!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Jane Austen disse..." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.