Amor de Mãe escrita por CecySazs


Capítulo 1
Único: Avó é mãe duas vezes


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!~



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Antigamente, Mitsuki não entendia porquê Inko dizia-lhe que após a chegada do tão desejado neto, ela havia se tornado mãe duas vezes. Quase sempre, durante esses momentos íntimos entre as melhores amigas, Mitsuki bufava e revirava os olhos em desdém, tratando de mudar o rumo da conversa rapidamente. Não a entendam mal... Não era como se ela desgostasse de crianças, muito pelo contrário! Era só que... 

Há quase trinta anos, ao tornar-se mãe e conhecer um amor único pelo serzinho estridente que trouxera ao mundo após um longo trabalho de parto penoso, feito a típica mamãe babona de primeira viagem, Mitsuki gostava de imaginar que em um futuro distante seria a vez da filha experienciar tal momento especial. E, em sua cabecinha tomada pela emoção, espontaneamente, fantasiava sobre ter uma criança ranhenta chamando-a de “vovó” enquanto andava atrás de Mitsuki por toda a casa. Entretanto, com o crescimento de sua menininha e a turbulência advinda pelo início da puberdade na adolescência, Mitsuki viria a descobrir que se tornaria mãe pela segunda vez… de um menino.

Se antes Mitsuki achava que o amor que nutria pela filha era o bastante e não poderia aumentar (pobrezinha, estava totalmente enganada), o nascimento de Katsuki viera não apenas para mostrar-lhe, mas, principalmente, transbordar o amor que nutria em seu âmago. Ela e o esposo observaram orgulhosamente as mudanças gradativas no corpo do filho quando Katsuki começou a transição de gênero; ambos acompanhando, anos após ano, seu amadurecimento até a chegada da vida adulta. 

Apesar de cercarem-no em uma sólida rede de apoio e acolhimento, fortalecida por toda a família buscando entender melhor as inseguranças e questões levantadas por Katsuki enquanto caminhavam ao seu lado desbravando a transsexualidade, seguiam paralelamente respaldados por acompanhamento psicológico. Afinal, nem sempre o forte amor de uma mãe conseguia suprimir os momentos de angústia vividos pelo filho, infelizmente… Ah, e como Mitsuki gostaria de poder explodir em milhões de pedacinhos cada um dos infelizes que ousaram invalidar e/ou ofender gratuitamente o seu Katsuki. 

Com o início da hormonização, os pais babões tiveram a oportunidade de observar Katsuki brilhar genuinamente… A própria atmosfera em torno dele mudou, e foi lindo vê-lo transcender. O enorme sorriso que ele ostentava a cada vez que se olhava no espelho — e reconhecia quem era na imagem refletida — tinha o poder de extinguir cada uma das noites insones causadas pela disforia (parte amenizada após a mastectomia masculinizadora, parte trabalhada em sessões de terapia); assim como as mudanças bruscas de humor causadas pela testosterona (e o breve surto de Katsuki com medo de já estar ficando careca, que rendeu-lhe uma incômoda dor de cabeça com a zoação por parte de Mitsuki durante semanas posteriores); incluindo alguns episódios insalubres de transfobia que, inclusive, ocasionaram uma séria briga com parte da família de Masaru. 

Até os dias atuais, o contato da pequena família Bakugō com eles era totalmente nulo.

Afinal, se Katsuki não fosse bem-vindo, automaticamente, eles também não seriam! E Mitsuki não fazia questão nenhuma de conviver com tais pessoas transfóbicas e de mentalidade tão retrógrada, defendendo sua própria família com unhas e dentes. Sempre. Eles que não ousassem se aproximar de seu filho novamente para destilar veneno sem fundamento… na melhor das hipóteses, que morressem engasgados com ele! 

Os anos foram passando, seu menininho cresceu e tornou-se um lindo homem (indubitavelmente um colírio para os olhos, diga-se de passagem). Como esperado de toda mãe coruja, Mitsuki não cansava de “vender o peixe” do filho para as amigas, bajulando-o com gosto e enaltecendo cada uma de suas conquistas na primorosa vida acadêmica que Katsuki naturalmente possuía — visto que sua criança sempre esteve acima da média quando comparada aos colegas de classe e amiguinhos da vizinhança. 

E fora justamente durante a época em que Katsuki estava na faculdade, que Mitsuki e Masaru acabaram tornando-se pais pela terceira vez... ao conhecerem Eijirō — o tal "Cabelo de Merda" que o filho vivia falando quando retornava para casa durante as férias. Sendo impossível não se encantar pelo sorriso fácil e o brilho — quase cegante — que emanava do simpático e lindo rapaz. 

Como mãe, Mitsuki estava completamente orgulhosa pelo filho ter encontrado uma pessoa que o respeitava, amava e fazia feliz. Ela sabia bem como Katsuki possuía um temperamento difícil (visto que ele sempre fora tão genioso quanto a própria), e, secretamente, junto ao marido, tinha muito medo de que acabasse sozinho; porém, mais uma vez, a vida surpreendera-lhes de modo positivo, e Mitsuki entendia perfeitamente o porquê de Eijirō apaixonar-se por seu filho: por detrás de toda aquela fachada de "bad boy" e humor ácido existia um rapazinho inseguro e louco para ser amado do jeitinho único (e especial) que era. 

Antes mesmo que se formassem em seus respectivos cursos, o casamento ocorreu. Era algo que naturalmente aconteceria, um fato incontestável — não sendo surpresa para ninguém, inclusive. 

Eijirō e Katsuki trocaram os votos matrimoniais em uma cerimônia minimalista numa praia ornada por girassóis (os preferidos de Kirishima), tendo os pais e os amigos íntimos como testemunhas perante um lindo e memorável pôr do sol à beira mar. Tal evento acabou mostrando-se uma pequena competição de lágrimas; com Mitsuki saindo vitoriosa ao ter chorado mais do que os próprios noivos durante o decorrer da cerimônia. 

A pobrezinha nem imaginava que o próximo anúncio que a faria verter lágrimas de felicidade ocorreria 5 anos após o “sim” dos noivos naquele singelo altar…

 

Era uma pacata noite de terça-feira, Masaru e Mitsuki assistiam uma série qualquer na Netflix em um confortável silêncio compartilhado pelo casal, que somente era quebrado pelo barulho sonoro da televisão, quando, repentinamente, Katsuki irrompera pela porta de entrada feito um tornado em forma humana, com Eijirō a tiracolo. Ambos estando visivelmente agitados, porém, ostentavam pequenos sorrisos mal contidos em seus rostos aflitos. 

— Filho?! Que susto, Katsu… Aconteceu alguma coisa, rapazes? — perguntou Masaru, obtendo como resposta do genro um sussurrado pedido de desculpas pela chegada afobada na residência. 

Enquanto Eijirō coçava a nuca sem-jeito ao alternar o peso do corpo entre os pés, Katsuki deliberadamente ignorou a pergunta do pai e avançou pelo cômodo parcialmente iluminado pela televisão, aproximando-se dos pais sentados no sofá para estender em direção à mãe um envelope branco ligeiramente amassado. 

— Que merda significa isso aqui, pirralho? — Mitsuki indagou ao filho, abrindo e desdobrando o papel enquanto tentava ler seu conteúdo na parca luz. Ao seu lado, Masaru inclinou o corpo em sua direção, com um olhar curioso emoldurado pelos aros grossos do óculos de grau que usava. 

— A velhice está comendo seus neurônios, é? Desaprendeu a ler, bruxa velha? — Katsuki implicou de modo automático, tentando camuflar a ansiedade crescente através de insultos vazios ao recusar-se, outra vez, responder a pergunta feita pela mãe. (Ainda sem desviar o olhar dos pais, pois não queria perder a reação deles, Katsuki pediu ao marido que ligasse a luz do cômodo.)

Sob a iluminação plena, Masaru e Mitsuki conseguiram esclarecer a dúvida em questão.

Em mãos trêmulas, o casal leu e releu, totalmente em choque, o resultado do exame de sangue feito por Katsuki e a contagem alta de Beta HCG em seu organismo… O teste de gravidez escrachando o POSITIVO no rosto do casal; e se Mitsuki já não estivesse confortavelmente sentada em seu sofá, ela tinha plena certeza de que teria caído no chão devido ao impacto da súbita notícia caso estivesse em pé. Puta que pariu, eles seriam avós!

Há muito tempo, tanto ela quanto o marido, haviam compreendido e, principalmente, respeitado a escolha de Katsuki em não ter filhos (fossem biológicos ou adotivos). Desde o dia de tal conversa, nunca mais tocaram no assunto durante os momentos em que partilhavam em companhia do filho — e genro. Portanto, a estranheza momentânea para com o teste positivo era totalmente justificável, visto que ainda era difícil para o casal assimilar o fato exposto de modo tão repentino… Katsuki era um verdadeiro sádico de merda por jogar de forma abrupta essa “bomba” em seu colo. 

— KA-KATSUKI!? QUE PORRA É ESSA AQUI, CARALHO?!

— Tch. Não ficou óbvio, cacete!? ESTOU GRÁVIDO, PORRA! 

Porém… quando Katsuki havia mudado de opinião? Ele e Eijirō planejaram… Ou a gravidez teria acontecido de modo que fosse uma surpresa até mesmo para os futuros papais? Seria possível…? Os questionamentos surgiram em meio ao turbilhão de emoções na mente de Mitsuki (que viria a descobrir, momentos depois, que os futuros papais tinham planejado com muito carinho e cuidado a gestação, tendo o casal secretamente buscado orientação médica e seguido o tratamento indicado para conseguirem engravidar e trazer tal surpresa para as famílias de ambos), e a felicidade que recaiu instantaneamente sobre ela, e Masaru, transbordou em forma de lágrimas por seus olhos arregalados. 

 

Mitsuki foi tirada de suas lembranças pelo toque estridente — e irritantemente contínuo — da campainha, trazendo-a de volta para a realidade e lembrando-lhe das visitas que estavam para chegar. Um singelo sorriso ornava o rosto dela quando devolveu o porta-retrato que admirava em mãos de volta para a bancada, ao lado dos outros que compunham a decoração da pomposa lareira na sala.  

Ela deslizou distraidamente os dedos no vidro que protegia a fotografia de Katsuki concentrado em comer o hamburguer que enchia-lhe as bochechas pela mordida bem dada no lanche que segurava, ostentando um olhar satisfeito para a câmera além da protuberante barriga de 7 meses exposta e levemente suja de tinta por estar pintando o quarto de Kanae, sendo abraçado lateralmente por Eijirō que segurava o rolo de tinta na mão livre e acenava em direção a Masaru que tirara a foto na época.  

Enxugando a lágrima fujona que teimosamente escorreu por seu rosto com a lembrança da ocasião retratada na fotografia, Mitsuki gritou a plenos pulmões um: “Essa porra não é buzina, não, ô, caralho!” enquanto seguia em direção a porta de entrada com passos apressados. 

Ela sabia bem que o filho ficava apertando desaforadamente a campainha somente para perturbá-la os nervos, visto que ele tinha essa mania insuportável desde quando ainda era um moleque! Porém, não seria esse comportamento típico de Katsuki que estragaria a manhã do sábado, pois, apesar do modo grosseiro de estarem anunciando a chegada em sua casa, era factível que os avós corujas estavam contando os dias, as horas e cada minuto para a chegada da pequena Kanae. 

Afinal, Kanae ficaria sob seus cuidados (após uma acirrada disputa com as avós maternas, que felizmente tinham um compromisso inadiável e cederam a contragosto o final de semana para os avós paternos) para que os pais pudessem curtir o final de semana num chalé romântico nas montanhas, que Mitsuki pouco se importava onde era ou como chegariam até o local. O único pensamento que permeava tanto sua cabeça quanto a de Masaru era o plano — que logo seria posto em prática — de mimar Kanae durante as 48h que estivessem em sua companhia. 

— Oi, vovó! — A doce voz infantil preencheu os ouvidos de Mitsuki assim que abriu a porta, e de modo automático, ela espelhou o enorme sorriso pontiagudo que era direcionado para si. 

— Oi, amorzinho de vó! Que saudade! — Rapidamente, Mitsuki pegou a neta dos braços do genro, apertando-a em um enorme abraço de urso. O vestido florido de Kanae cheirava à colônia infantil, e seus cabelos loiros estavam presos em uma maria-chiquinha alta. — Você está linda, Nana! 

— Oi para você também, mãe… — resmungou Katsuki, ignorando o dedo do meio que Mitsuki levantou em sua direção, devidamente escondido nas costas pequeninas da neta. Ele passou por ambas e deixou a bolsa vermelha personalizada de Kanae em cima do sofá. — As coisas dela estão aqui. Acho bom você nos ligar caso aconteça alguma coisa… — Katsuki cruzou os braços quando não teve resposta, rolando os olhos para a afronta de Mitsuki em ignorá-lo enquanto enchia Kanae de beijinhos e elogios pela vestimenta. Bufando, ele ralhou para a mãe: — Oi! Tá me ouvindo, velha? 

— Tá, tá… Eu já sei! — Mitsuki desdenhou das palavras do filho com a mão livre, gesticulando para que fossem embora logo. — Podem ir porque Kanae está em ótimas mãos. Aproveitem, e adeus! 

Antes que Katsuki ralhasse de novo, apressadamente, Mitsuki fechou a porta na cara dele e de Eijirō — que ria da interação sempre “acalorada” entre os dois. Ela deu uma risada maldosa para os xingamentos que escutava vindos do outro lado da porta, enquanto seguia em direção a cozinha com Kanae no colo. A menina tagarelava sobre a semana na escola e os desenhos que gostaria de colorir com os avós, gesticulando efusivamente as mãos numa mania herdada de Eijirō quando estavam animados demais com determinado assunto para controlarem as mãos.

Da janela aberta do cômodo, Kanae e Mitsuki observavam o carro vermelho estacionado na calçada e acompanhavam Katsuki e Eijirō acomodando-se dentro do veículo. Contudo, antes que o casal saísse de fato, Eijirō virou em direção à cozinha, e Kanae prontamente retribuiu o aceno animado e os beijinhos no ar dele em despedida.  

— Olha só quem chegou… — a voz masculina reverberou pela cozinha, chamando a atenção de ambas.

— VOVÔ! VOVÔ! — Kanae disse, abrindo os bracinhos em um convite mudo para que Masaru a pegasse no colo.

Enquanto Mitsuki admirava os olhos infantis de tom avermelhados brilharem em animação pela simples interação com o avô, junto com o tão característico sorriso de dentes pontiagudos emoldurando o rosto infantil, um pensamento agridoce surgiu em sua mente e Mitsuki bufou uma risadinha… No final das contas, ela realmente precisava concordar com Inko: avó era mãe duas vezes. 


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