Problemáticos escrita por Ghostwriter


Capítulo 8
Terra e Tinta pt 2


Notas iniciais do capítulo

Voltamos com o POV do Castiel e barraco.



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Castiel POV

— E aí, gatinho? 

— O que diabos você tá fazendo aqui, Debrah?

Debrah sorriu de forma simpática. Às vezes era difícil pensar que ela era a mesma pessoa de antes, de alguma forma toda a sua expressão tinha mudado mas os olhos ainda era os mesmos. Só que tudo parecia mais ensaiado. Talvez enganasse os seus novos amiguinhos, mas eu não ia cair nessa.

— Sabe, você não é a única pessoa nessa casa com quem eu tenho relações. - Ela respondeu e parecia achar graça da minha apatia.

— Ele não está. - Fechei a porta atrás de mim, ficando do lado de fora com ela, na calçada. 

— Ah, nesse caso serve você mesmo. Que cara é essa? Nem parece que você queria me ver até esses dias. Não vai nem me convidar para entrar? 

Senti a irritação subir pelo meu corpo, o sangue parecia correr mais rápido e mais quente. Tentei manter a calma, não queria que ela pudesse usar isso para tirar alguma reação de mim. Me encostei na porta e cruzei os braços.

— O que você quer? Eu não tenho o dia inteiro.

— Bom, eu queria conversar com você sobre algumas coisas, talvez uma parceria… 

— Tá escrito idiota na minha testa? Eu não tenho nada pra falar com você, especialmente uma parceria.

— Ah, qual é? - Ela jogou os braços pra cima. - Me ouça primeiro, você sabe que eu sempre tive boas ideias. Vamos, eu te pago um café e um pão de queijo.

Curioso e com o ego um pouco inflado por ela parecer precisar da minha ajuda eu cedi. A comida grátis ajudou também, não dá pra negar. Fomos para o café perto do parque e nos sentamos numa das mesas. A garçonete trouxe os cafés e um pão de queijo para mim e uma torta holandesa para Debrah. Era meio nostálgico estar ali com ela, alguns meses antes nós sentariamos um do lado do outro, segurando as mãos por cima da mesa e falaríamos de qualquer coisa. Agora a pessoa sentada na minha frente parecia uma estranha, suas roupas, cabelo e sorriso não mudaram tanto, mas os olhos sim. O anel prateado na sua mão esquerda também não costumava estar ali. Ela percebeu e abriu um sorriso irritante e petulante. 

— Você gostou? - Ela estendeu a mão na minha direção. - Foi um presente do Caio. 

Empurrei a mão dela da minha cara. Aquilo realmente me deixou puto. “A audácia da filha da mãe”. Traidores, os dois. 

— Incrível! - Respondi com sarcasmo. - Foi com o dinheiro que vocês conseguiram roubando as minhas letras e vendendo para aquela produtora? 

— Você ainda tá bravinho com isso? Eu já disse, não tem nada que nenhum de nós possa fazer sobre isso. Eu e o Caio temos muito mais química como músicos do que com você junto. - Ela me lançou um olhar malicioso. - Como casal também, você sabe. Uma pena que você tenha descoberto daquele jeito, mas sabe, foi pelo melhor. 

— Você vai ficar falando do seu romancezinho ou vai logo falar pra que você me chamou aqui?

— Você é muito fácil de irritar, gatinho. É muito divertido. Relaxe, eu só estou te perturbando. Eu admito que você realmente tem algum talento escrevendo músicas, o que acha de nós fazermos uma parceria em que você compõe e nós interpretamos? 

— E por que eu faria isso? Como você mesma disse, eu sou bom nisso, posso usar pra mim mesmo.

— Não seja ingênuo. Não se lembra das aulas de física? Inércia, gatinho. Um corpo em movimento tende a continuar em movimento. Um corpo parado tende a ficar parado. Eu e o Caio somos os corpos em movimento aqui, nós estamos em ascensão, você é um anônimo qualquer. É mais fácil as letras serem usadas pra gente do que pra você. Em troca, nós podemos montar um contrato com a produtora e você vai receber os créditos pela composição. Pode começar a criar contatos a partir daí e quem sabe um dia ter a sua própria banda. 

Senti o sangue ferver, dessa vez realmente não tinha como segurar. 

— Já que os dois gostosos são tão incríveis, procurem outro otário pra escrever pra vocês! E que coragem falar de eu ter uma banda quando a banda era minha e vocês que foderam o rolê todo! Aliás, você que FODEU todos os meus amigos e me apunhalou pelas costas. Eu prefiro nunca mais encostar num instrumento do que trabalhar com você ou com aquele traidor outra vez. Que vocês se explodam, eu não dou a mínima. Se for aparecer na minha casa combina com o Hugo, não quero ver a sua cara nojenta de rata nunca mais!

Ela revirou os olhos. Isso era ainda mais irritante. Em algum nível eu queria que ela brigasse comigo de volta, que usasse alguma desculpa pelas coisas que ela fez e tentasse se fazer de vítima. Tanto porque eu queria brigar mais quanto porque eu queria ver algum resquício da Debrah que eu conhecia. A pessoa que era sempre legal com todo mundo, que defendia até a fofoqueira da Peggy quando ela arranjava encrenca com as pessoas por contar os segredos de todo mundo no blog dela ou Nathaniel quando ele ficava sendo um chato insuportável robô da diretora. Agora ela não parecia nem legal nem doce e olhar pra ela me encheu de uma raiva amarga que me fazia ter vontade de virar a mesa e quebrar as coisas. Levantei rápido, sem nem ter tocado na comida na minha frente, e fui embora. Antes que eu estivesse muito longe eu ouvi ela falar.

— Avisa o Hugo que a Marjorie quer notícias dele.

Puto da vida, eu andei sem rumo pelo parque e antes que percebesse, estava na casa do Lysandre outra vez. Bati na porta e dessa vez Lysandre veio me atender. Não precisei dizer nada, ele me olhou e abriu caminho para eu passar. Fui direto para a garagem, e fiquei andando em círculos até ele chegar. Como eu esperava, ele desceu com uma caneca de chá na mão e estendeu para mim. Qualquer outro dia eu teria rido da cara dele, mas com o ódio que eu estava sentindo, com a clara noção de que mais um pouco eu teria um ataque cardíaco ou qualquer coisa do tipo, aceitei a caneca e virei a bebida quente de uma vez. O chá queimou a minha língua e a minha garganta. Tinha um gosto amargo e alguma coisa que só pode ser comparada com gosto de mato.

— Que merda era essa? - Perguntei.

— Chá de boldo com losna. Faz bem para o fígado. - Ele respondeu, meio sério e meio aflito.

— É a pior coisa que você já me deu. 

— Não esperei que você fosse virar tudo assim. A água ainda estava fervendo.

— Quem está fervendo sou EU! Aquela maluca apareceu em casa! 

Lysandre arregalou os olhos. Contei tudo que tinha acontecido e ele ficou pensativo. 

— Mano, eu odeio ela! Eu queria ser indiferente e mostrar que ela não é tudo isso mas não dá, tudo que ela e aquele escroto do Caio fizeram me deixam tão puto que se eu pudesse quebrava uma cadeira na cabeça de cada um! - Falei alto, ainda com ódio.

— Eu realmente espero que você não faça isso, mas eu entendo o sentimento. - Lysandre respondeu. - Mas falando sério, você não acha que seria uma boa oportunidade? Ela é escorregadia mas talvez realmente possa ser útil pra você.

— Lysandre, quem você acha que eu sou? Eu quero ter a minha banda e ser reconhecido por isso, mas não assim, ainda mais as custas dela. Simplesmente não dá pra confiar, eles já me ferraram uma vez, eu não vou esperar pela próxima. 

Ele acenou a cabeça, concordando, mas ainda parecia inseguro. 

— Mas sabe… - Eu disse. - Se ela veio falar comigo sobre as letras então eu acho que nós temos chance, Lysandre! Se nós dois nos empenharmos nós podemos formar uma banda com outras pessoas! Nós temos mais técnica que eles!

— Eles dois conhecem a maior parte dos músicos decentes da cidade e querendo ou não são bem influentes, todo mundo quer estar próximo deles, onde que a gente vai arranjar alguém pra terminar a banda? Nós precisamos de um baterista e de um baixista pelo menos…

— Olha, se eu consegui achar você eu não duvido que nós vamos conseguir achar outros caras que já  tenham tido problemas com eles. É uma questão de tempo, eles vão fazer isso outra vez, eu tenho certeza.

— Conte comigo, eu vou perguntar por aí então. Mas acho então que era melhor nós pensarmos em pelo menos mais quatro músicas, pra chamar atenção e mostrar que nós somos sérios. 

Uma batida na porta nos interrompeu e a cabeça de Leigh apareceu na entrada do quarto. 

— Desculpa interromper vocês, mas os coelhos fugiram outra vez, vocês podem me ajudar? 

Lysandre ficou logo de pé e eu me levantei com preguiça. Quando a raiva passou me senti muito cansado e enquanto subia pelos degraus eu pensava no passado. A banda que eu tive, os amigos que me abandonaram, o sucesso da música que era minha e a pessoa que eu mais gostei roubou. Me sentia um idiota ingenuo. Mesmo a Debrah, que sempre parecia tão bem intencionada e amiga de todos, tinha sido capaz de me dar uma rasteira quando eu menos esperava. “Uma rasteira não, um gancho de direita”. O sol do lado de fora ia desaparecendo, mas ainda dava para ver muito bem as manchas brancas, pretas e castanhas entre a grama verde e a terra laranja do quintal, os tais coelhos. Leigh segurava vários nos braços e tentava impedir que eles pulassem de volta para o chão, andando rápido em direção ao cercado onde os coelhos ficavam. Tentei fazer o mesmo, segurando uns dois coelhos e levando eles para o cercado. Antes que pudesse chegar lá, um coelho pulou na minha frente e eu pisei em falso, perdi o equilíbrio e caí. Em cima do cercado. Uma das tábuas de madeira que sustentavam a estrutura se envergou com o meu peso, puxando a rede de arame junto comigo. Os coelhos fugiram do meu braço antes que eu caísse, então sem problemas com isso, mas com o cercado destruído, os coelhos que já estavam presos fugiram outra vez. 

Além de terra laranja na minha roupa e tinta vermelha na minha pele, agora eu estava também na merda dos coelhos. Levantei rápido sacudindo as roupas. Leigh parecia estar se segurando para não rir. Lysandre suspirou. 

— Esses meninos da cidade… - Leigh disse rindo baixinho.

Ajudei a arrumar o cercado que eu destruí e pegar os coelhos. Leigh me ajudou a me limpar como pôde e tirar a merda dos coelhos e a terra laranja das minhas roupas. Voltei para casa e vi Hugo no sofá, esticado com a cara virada para baixo. Ainda estava com as roupas do trabalho.

— Vai dormir no seu quarto, ninguém é obrigado a ouvir o seu ronco.

— Oi pra você também, Castiel… - Ele respondeu com a voz abafada. - Foi dar rolê hoje?

— Estava na casa do Lysandre. - Respirei fundo. - A Debrah passou aqui pra atazanar, ela disse que a sua mãe quer saber de você. 

Vi Hugo ficar tenso. Até ele parecia ter medo da mãe, o que era engraçado. Qualquer outro dia eu teria me divertido enchendo o saco dele sobre isso, mas dessa vez deixei passar. Fui para o meu quarto, onde Dragon estava dormindo em cima da minha cama. Tomei outro banho e deitei na cama, empurrando Dragon, que se esparramava pelo espaço todo. Do outro lado da parede ouvi um choro baixinho no silêncio da casa. “Ela está chorando outra vez”. Ignorei e fechei os olhos, essa tinha sido outra coisa que eu tinha que me acostumar. Além do Hugo ser a pessoa mais maluca, a irmã mais nova dele parecia ser a mais chorona. 

— Que seja, boa noite Dragon… - Falei sozinho.

Dragon respondeu com um ronco irritante e se esparramou pela cama. Algumas coisas realmente não mudaram, afinal.


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Notas finais do capítulo

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