Queridos Amigos escrita por Mithrandir127


Capítulo 5
Capítulo 5: Hóspedes indesejados


Notas iniciais do capítulo

Olá! Bem vindo ao capítulo 5 e gostaria de agradecer à aqueles que estão acompanhando. Espero que gostem da obra, e deste próximo capítulo.



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Jack estava morando no casarão velho de seu avô há alguns dias, e embora fosse uma casa que atendesse às mais variadas necessidades, o rapaz deprimido não via nada de especial.

Seus dias eram resumidos a acordar cedo, usando calças moletom cinzentas e camisas confortáveis de cores escuras junto de meias macias para deslizar no chão de madeira, tomar banho na água quente do banheiro, escovar os dentes e logo depois tomar o café da manhã. Depois assistia televisão, mexia no telefone, falava com sua mãe preocupada para dizer que estava bem, tocava o piano velho, visitava os quartos antigos e empoeirados que não recebiam hóspedes há muito tempo, preparava um almoço, limpava e arrumava o pouco que bagunçava e depois esperava o anoitecer, sempre com a cabeça cheia de pensamentos, com os cabelos bagunçados, suspirando em silêncio, demorava a acender as luzes da casa quando escurecia.

Ele sabia que sua mãe havia o mandado para lá para que talvez fosse possível resolver seus problemas que não compartilhava, mas à medida que os dias passavam, podia ouvir na voz de sua mãe pelo telefone uma preocupação que crescia, e por mais que apreciasse a viciante solidão venenosa, estava começando a achar aquilo infrutífero.

Jack estava na mesa da cozinha tomando o café da manhã quando ouviu a campainha tocar. Segurava uma caneca sobre a mesa e degustava de um pão saboroso quando virou o rosto enquanto usava suas roupas de dormir.

Abandonou a refeição e caminhou até a porta de madeira com uma maçaneta antiga e charmosa cheia de entalhes.

Abriu a porta de uma vez, pensando ser sua mãe, com quem não havia conversado ainda, mas se surpreendeu ao ver algo que não esperava.

À frente dele havia um rapaz de cabelos castanhos e de óculos com uma bolsa nas costas e segurando um gato preto nos braços. Do lado esquerdo dele uma jovem ruiva de cabelos cacheados com um pálido casaco amarelado. À esquerda da ruiva havia uma loira de olhos verdes. Todos parados diante da porta.

O rapaz castanho franzia levemente o cenho, revelando certo desconforto. A ruiva não se continha e manifestava sua completa decepção contorcendo a face, já a loira forçava um sorriso para o mesmo, mas este não era tão convincente.

Jack olhou-os sem entender, seus olhos azuis percorriam as três figuras à frente de sua porta enquanto abria a boca para tentar falar alguma coisa, mas apenas emitia um longo som: “Hã...”.

— Jack! – chamou uma voz familiar.

Os quatro se voltaram em direção à ela. Era Norte que tirava a mala rosa da menina loira do porta malas e começava a carrega-la, o idoso sorria, acenava e carregava a bagagem escadaria branca acima.

— Vô Norte?! O que está acontecendo?! – questionou Jack, os outros três voltaram-se surpresos para o albino quando o ouviram chamar o idoso de vô.

— Vamos entrar, depois conversamos! – falou já se aproximando dos outros jovens.

Merida deu um passo à frente ao ouvir o idoso, forçando Jack a sair da frente enquanto via aqueles estranhos passarem por ele contra sua vontade, adentrando a casa que apesar de tudo, havia se tornado seu santuário.

Soluço seguiu em silêncio atrás da ruiva. Rapunzel tentou pegar a bagagem, mas o idoso a impediu, assegurando para si a tarefa de carrega-la até o devido lugar, seguiu a frente dela e por último entrou a menina loira.

Jack olhou deles ao portal repetidas vezes, incrédulo e frustrado, depois bateu a porta.

Os russos se isolaram dentro do grande quarto que o mais novo usava para se hospedar, estava com as belas lâmpadas apagadas, mas a clara luz dourada do sol entrava pelas janelas de vidro. O idoso e o jovem se olhavam de frente um para o outro, Jack com os braços cruzados e o corpo curvado, e o mais velho com a postura sempre erguida por baixo de seu casaco vermelho.

Enquanto isso deixaram os jovens sentados à mesa, Banguela caminhando com a calda macia erguida ao redor deles.

— Peraí, o que?! – questionou o mais novo ao ouvir as palavras do avô – Vovô por favor me diz que isso é brincadeira!

— Não! Você ouviu! Eles precisam de um lugar para ficar e eu ofereci este lugar à eles!

— Mas por quê?! Não podia arrumar uma suíte em um hotel cinco estrelas pra eles?! Deve ser bem com isso que eles devem estar acostumados, não falou que eles são riquinhos mimados?!

Os três ouviram isso da cozinha, e trocaram olhares, compartilhando o insulto.

— Isso é preconceito Jack.

— “Preconceito” ?! Qual é! Não disse que eles são de família rica?!

— Cristo pode ter dado preferência aos pobres, mas se você julga o que uma pessoa é através daquilo que ela tem você está sendo preconceituoso.

O mais novo revirou os olhos suspirando, depois olhou o avô de lado franzindo o cenho. O idoso permanecia sereno.

— O senhor disse que eu podia considerar essa casa como se fosse minha enquanto estivesse aqui!

— E ainda pode! Só que estes serão os seus hóspedes!

— Se dependesse de mim eles que dormissem num banco de praça! Eu não quero eles aqui!

Os adolescentes que ouviam de longe começavam a se sentir mais ofendidos do que tinham o hábito de ficar.

Merida, a menos paciente, foi a primeira a se levantar e caminhar até o quarto.

A ruiva arrombou a porta adentrando o local em meio a discussão.

— Você acha que eu estou aqui porque eu quero seu magrelo nojento?! – vociferou a ruiva franzindo o cenho com fúria em seus olhos azuis, seus cabelos cacheados pareciam voar enquanto gritava.

Jack ficou em silêncio, espantado e raivoso quando a ouviu.

Os demais hóspedes adentraram o quarto caminhando em silêncio atrás da escocesa.

— Senhor Norte, por que não me disse ontem que eu ficaria hospedada com outras pessoas?! Ainda mais com seu neto mal educado?! Quero dizer, sem ofensa.... – falou voltando-se para o idoso.

— Com todo respeito, mas eu concordo com a ruiva! – falou o castanho – Qual é! A gente chega aqui e ele já começa nos chamando de mimados e dizendo que devíamos dormir em um banco de praça?!

— Não disse que deviam dormir num banco de praça, mas se eu tivesse que escolher entre deixar gente estranha morar aqui e deixá-los fora dessa casa eu escolheria a segunda opção! – respondeu o platinado.

O castanho olhou de relance para o rapaz raivoso e depois voltou a falar para o idoso:

— Disse que ele não me incomodaria! Quando disse que já tinha alguém morando aqui achei que falava de um adulto, não de um hipócrita mimado! – falou voltando e balançando o rosto com escárnio vingativo para Jack.

— Tá chamando quem de hipócrita mimado?! – falou o platinado se aproximando ameaçadoramente de Soluço, que ficou no mesmo lugar, pronto para qualquer desafio.

Mas Norte impediu o neto o segurando enquanto levantava a voz: “Chega!”.

Todos se calaram, e voltaram-se para ele.

— Ah esquece! Eu não preciso disso! – disse Rapunzel pegando um celular grande e plano com capa rosada e um pingente com formato de astro solar pendurado por uma correntinha – Eu vou ligar pro meu pai vir me buscar!

Falou e se afastou ficando de costas para os demais, enquanto os mesmos a olhavam. Ligou para o pai e esperou-o atender.

— Rapunzel! – chamou Norte com sua voz alta e sotaque russo, tentando conversar, mas já era tarde, o Sr. Frederick já havia atendido.

— Pai, por favor vem me buscar! O Sr. Norte me trouxe para uma casa cheia de gente maluca!

Os três jovens rançosos se olharam ao ouvi-la falar. Norte segurou o riso.

— Ah, jura?! Tão cedo assim?! Lamento, mas não.

— O que?! Como assim?! – perguntou irritada e surpresa, se encolhendo e tentando falar sem que os outros escutassem.

— O doutor Benjamin disse que você poderia querer voltar para casa assim que passasse por alguma experiência difícil, e que se algo assim acontecesse era para eu dizer que não. Eu já sabia que isso ia acontecer, eu só não esperava que seria tão rápido.

— Pai! Por favor! O senhor não entende! Me leva pra qualquer lugar do mundo, mas me tira daqui! – falou cobrindo a boca perto do telefone.

— Aí loira! A gente escuta! – disse Merida.

A jovem de olhos verdes olhou para a mesma desgostosa, mas depois voltou a falar no aparelho.

— Se sente ameaçada aí?!

— Sim!

— Ameaçada de violência, ou até mesmo de morte?!

— Pode ser!

— Tem alguma prova? Algo que tenha visto e a assustado?!

A honesta Rapunzel suspirou baixando um de seus esguios braços junto de sua coluna magra e respondeu: “Não...”.

— Vamos fazer o seguinte! Fique aí no período de um mês, se encontrar alguma coisa estranha que a deixe assustada me avise e eu a busco, se depois que este mês passar você ainda quiser sair daí é só me ligar e eu arranjo um outro lugar para você ficar! Mas enquanto não for algo que realmente a ponha em risco você vai ter que lidar sozinha com seja lá o que for! Agora tchau, beijos, estou dirigindo tenho ir!

— Papai espera! – gritou Rapunzel, mas Sr. Frederick já havia desligado.

A loira voltou-se para os demais, com certo constrangimento.

Norte sorriu de relance, já Jack revirou os olhos com desdém, preferia ficar sozinho do que com aquelas pessoas.

— Quer saber?! Eu gostei da sua ideia! – falou Haddock gesticulando para Rapunzel – Você pode até não conseguir um outro lugar para ficar, mas eu aposto que consigo.

Soluço caminhava até a porta quando de repente Norte falou:

— Pretende ficar na casa de seu padrinho Bocão?!

— Como sabe? – perguntou voltando-se para o mesmo enquanto parava.

— A quem mais você iria recorrer?! – Haddock ficou em silêncio, olhando o mais velho com certa vulnerabilidade, sabendo que ele tinha mais para falar – Eu reconheço o sentimento paterno que aquele grande artesão tagarela e insensível tem por você, mas a verdade é que ele vai dizer ao seu pai onde você está, e ele provavelmente vai buscar você lá. Ele é o melhor amigo de seu pai, não recomendo que faça isso!

O mais novo baixou o olhar, se dando conta de que era verdade, seu padrinho e mestre o entregaria mesmo que não quisesse, devido à característica que possuía e que lhe deu o apelido.

Merida permaneceu em silêncio ouvindo tudo, fez o leve gesto de sair caminhando, mas a lábia de Norte também a segurou.

— Você também, Merida! Não tem outro lugar para você ficar! Pode até ir à casa dos sócios de sua mãe, eles a acolheriam, mas mesmo que dissesse que quer se aproximar deles ou de seus filhos, eles informariam seu paradeiro à sua mãe! Mesmo que você pedisse para não fazerem isso.

Um longo momento de silêncio se iniciou na sala. Nuvens negras começaram a cobrir Filótes, impedindo a divina luz do sol, fazendo a sala ficar escura.

Norte sorriu para eles, vendo que não tinham mais o que fazer senão aceitar a atual condição. Estavam todos no mesmo barco.

Bateu suas mãos grossas enfeitadas com grossos anéis de ouro, e falou:

— Sua mãe também não quer que você volte para casa tão cedo Jack! Todos vocês precisam de um lugar para ficar, e este é o único lugar adequado que tenho para oferecer para que todos fiquem bem hospedados!

De repente o celular de Norte tocou. O mesmo atendeu e conversou um pouco:

— Ah! Claro! Desculpe, eu já estou indo!

Guardou o aparelho de volta no bolso, depois disse:

— Desculpem, estou atrasado para uma importante reunião, desculpem ter que sair agora, mas em resumo: Jack! Reja a casa da nossa família e seja educado com nossos hóspedes, e quanto ao resto, fiquem à vontade, mas deem ouvidos ao meu neto! Tenho que ir! Aproveitem a estadia!

Falou e deixou os quatro dentro da sala escura, se encarando desconfortáveis.

Soluço, Merida e Rapunzel se sentaram sobre o sofá macio da sala, diante da televisão grande e moderna. Jack caminhava a frente deles de um lado para o outro, os braços atrás das costas e o corpo curvado, o cenho franzido enquanto resmungava consigo mesmo.

— Tá legal! Agora escutem! Eu não tenho escolha a não ser deixar que morem aqui! Mas tem algumas regras que eu tenho seguido e vocês também vão seguir! Sem barulhos muito altos, independente do que seja, vocês vão fazer a própria comida e limpar o que sujarem e bagunçarem e também não vão mexer em nada que não seja de vocês, entenderam?! – falou com intensidade na voz.

Os jovens hóspedes sobre o sofá vermelho o olhavam de baixo com desdém, ficaram em silêncio e de braços cruzados enquanto o rapaz de pé os olhava descontente.

Depois de um tempo Merida perguntou: “Já terminou?”.

— Já!

— Ótimo! – respondeu Soluço.

Os três se levantaram na mesma hora e deram as costas para Jack, que embora não tivesse ficado surpreso, olhou com desgosto.

Cada um carregou sua mala e foram de forma individual procurar seus respectivos quartos.

— Os quartos ficam por ali – apontou o platinado ao vê-los indo na direção contraria.

Os três pararam e seguiram sua orientação em silêncio.

Jack os olhou com certa fúria em seus olhos azuis, e via cada um selecionando seu quarto, sem sequer olhar uns para os outros, todos de cara fechada.

Quando todos escolheram um lugar e levaram suas malas batendo a porta, o platinado olhou para o pão sobre a mesa na cozinha escura. Não sentia mais fome, mas para não desperdiçar, comeu, e depois lavou a louça suja.

Depois também foi para o quarto.

A cama de solteiro com lençóis brancos de seu aposento ficava debaixo de uma janela de vidro que mostrava as nuvens negras e sombrias que cobriam o céu e deixavam seu quarto escuro.

A maioria das noites de Jack não eram boas, então estava cansado, e o estresse de receber hóspedes indesejados sem nenhum preparo trouxe à tona sua fadiga.

Deitou a cabeça sobre a almofada grande, branca e macia em sua cama, olhando para cima, sentindo o calor da frustração. Seu cenho estava franzindo e seu olhar zangado.

Pegou o celular de capa azul cintilante, olhou se tinha notificações, se sua mãe já havia ligado. Queria falar com alguém sobre isso, e embora a mulher que o criou não lhe desse tanta atenção, ainda era a melhor opção para tal.

Mas ela não ligou, e Jack também não se atreveria a ligar para ela.

Então apenas virou o rosto e adormeceu.

No quarto, Soluço tirava suas coisas da bolsa colocando-as sobre a cama enquanto conversava com seu atencioso felino de pé atrás dele.

— Eu sei que ele é um chato, e que essas meninas também são estranhas e antipáticas, mas vai ser temporário, pelo menos até o meu pai se acalmar ou eu arranjar um lugar melhor para ficar... Quem sabe minha mãe não me arruma um lugar assim...

De repente seu telefone tocou, era seu pai, mas o castanho apenas olhou com ar frio e desligou.

Haddock ficou chateado ao fazer isso, sentia seu espírito abatido, pois no fundo não queria agir dessa forma, mas seus sentimentos o obrigavam.

Percebeu que Banguela o olhava fixamente.

— Não me olha assim! Você não tem pai! Não entende sobre essas coisas...

De repente o celular de Soluço tocou de novo, e viu que era sua mãe. Atendeu.

— Alô?

— Soluço?! Ah! Graças a Deus você está bem! – respondeu uma Valka aflita.

— Oi mãe, estou...

— Onde você está? Por que não me ligou?

— Arrumei um lugar pra ficar...

— Onde? Onde fica?

— Desculpa, mas eu não posso dizer...

— O quê?! Por que não?! Aconteceu alguma coisa?

— Não! – respondeu quase rindo – É só que... Se eu disser onde estou pode ser que a senhora ou o meu pai venha me buscar e eu não quero que isso aconteça... Eu só quero ficar longe de todos...

Ouviu a mãe suspirar desgostosa pelo telefone.

— Tá bem! Mas podia pelo menos ter ligado! Tem ideia de como fiquei preocupada?!

Enquanto conversava com a mãe, Soluço viu Banguela roçar com suas garras afiadas na porta de madeira do quarto. Abriu-a para que o felino passasse.

— Eu sei, me desculpa.

— Seu pai e seu irmão também ficaram preocupados... – Soluço endureceu o rosto ao ouvir isso – Eles querem falar com você...

— Eu não quero falar com eles!

— Tá bem! Tá bem! Mas não desliga! – gritou ofegante – Você está bem mesmo? Não precisa de nada?

— Se eu precisar eu ligo para a senhora.

Ia tirando o telefone do ouvido quando de repente ouviu Valka gritando.

— Espera! Me manda pelo menos uma foto sua dentro de um quarto pra eu ter certeza de que você está mesmo bem e não dormindo na rua!

— Já vai – respondeu sorrindo.

O mais novo ligou a câmera frontal do aparelho e se enquadrou mostrando o papel de parede antigo e florido atrás de si junto da cama e um guarda roupa. Estava prestes a tirar a foto quando se deu conta de que seu rosto estava infeliz, então forçou um sorriso e tirou a foto.

Ao mandar a foto, Valka respondeu: “Ótimo! Tome cuidado! Qualquer coisa me ligue!”.

— Tá bem mãe, pode deixar!

— Eu te amo filho!

— Também amo a senhora. Beijos.

Desligou o telefone e voltou a guardar suas coisas.

Merida não tinha coisas para guardar, já que nem malas tinha, nem tinha levado nada além de seu telefone e as roupas do corpo. Então olhava as roupas que haviam no guarda roupa, eram roupas velhas e de sair.

Procurava o que vestir, já que sentia agonia usando aquelas mesmas roupas.

De repente sua mãe ligou, mas ela não atendeu. Também sabia que seu divertido pai não ligaria tão cedo já que estava viajando à negócios para a Escócia, e Elinor não o incomodaria por causa disso.

A ruiva estava dividida, em parte se sentia mal por brigar com a mãe, mas também desdenhava as ligações dela.

De repente encontrou um sobretudo feminino longo, e o vestiu, usando-o fechado no lugar de sua camisa, calça e casaco. Puxou seus volumosos cabelos para fora da roupa.

Se olhou no espelho e viu que esta lhe cobria bem, e se sentia confortável com ela.

Então saiu para comer, pois já era hora do almoço.

A escocesa demorou para se adequar à cozinha nova, mas sua audácia a fez aprender rápido a localização das coisas.

Era amante de carne, então foi o que procurou primeiro na geladeira, e encontrou alguns filés de salmão congelados. Normalmente pegaria vários, mas como a casa não era sua pegou apenas um.

Molhou com a água fria da torneira, depois secou com uma toalha de papel. Passou azeite em ambos os lados do filé com um pincel culinário. Colocou a frigideira sobre o fogo e por fim pôs o peixe com a pele para cima. Esperou alguns minutos e depois virou, temperou da forma que conhecia e logo depois diminuiu o fogo e tampou a frigideira.

Olhava regularmente, posicionada ao lado do fogão como um guarda costas.

Desligou quando viu a carne ficando rosada.

Pegou um prato, colocou a carne sobre o mesmo e deixou sua refeição sobre o balcão da cozinha. Voltou-se para a louça suja e ficou de costas para sua comida enquanto a lavava. A geladeira ficava perto da lavadora e depois que terminou de lavar, Merida buscou algo para beber junto da carne.

Rapunzel estava em seu quarto, de joelhos sobre o chão de madeira enquanto olhava as coisas em sua mala deitada e aberta. Buscava tomar banho e trocar de roupa.

Pegou sua toalha e separou um conjunto de roupas, logo depois fechou a mala. Levantou-se só com a força das pernas porque suas duas mãos estavam ocupadas. Colocou a roupa sobre a cama para aguardá-la após o banho, e usou a mão livre para esfregar os joelhos doloridos e sujos.

Quando levou a mão delicada ao rosto se deu conta de que havia poeira em seus dedos finos de unhas bem feitas.

 Olhou para uma estante perto dela e caminhou até a mesma. Passou-lhe o dedo indicador, fazendo um risco na mesma, olhou para o dedo e esfregou a poeira com o polegar.

Olhou ao redor. Viu as paredes, os móveis e o teto empoeirados.

—Que horror! – sussurrou com os olhos verdes voltados para o alto.

De repente, Jack acordou em seu quarto, estava escuro, então chegou a pensar que já era noite, mas logo se lembrou que era apenas um dia comum em Filótes.

Olhou o telefone e se deu conta de algumas ligações perdidas de sua mãe, havia esquecido que havia deixado seu celular no silencioso.

Considerou retornar as ligações, mas algo o impediu, sentiu um golpe preciso e profundo tal qual o de uma agulha no coração, e seus olhos refletiram relutância.

Então apenas deixou o celular sobre a estante perto da cama e saiu em direção à porta.

Assim que saiu do quarto escuro e passou para um ambiente um pouco mais iluminado, parou para permitir a adaptação de seus olhos, viu Merida na cozinha terminando de lavar alguma coisa, fungou com certa satisfação ao olhar para ela. Mas assim que pôs o primeiro pé fora do quarto, sentiu algo estranho no mesmo.

Olhou para baixo olhando a sola branca de seu pé direito e viu algo estranho, algumas finas linhas escuras presas no mesmo.

Pegou uma para ver de perto. Assim que se deu conta do que era, não hesitou em gritar:

— Quatro olhos!

Merida saltou os ombros ao ouvir o grito e voltou-se para o ser gritante segurando uma jarra de vidro contendo uma bebida alaranjada. Rapunzel que saía do quarto também, parou para olhá-lo.

O platinado caminhou raivoso até o quarto do castanho. Bateu na porta repetidas vezes chamando: “Quatro olhos, abre a porta!”.

A porta foi aberta abruptamente com um Soluço raivoso e debochado dizendo: “Olha só, o meu nome é Haddock!”.

— Tá! “Haddock” – falou com desdém – Já viu que o seu gato está deixando pelos pela casa toda?!

— O quê?! – o castanho olhou sobre o ombro de Jack e viu que de fato, haviam vários pontinhos escuros espalhados pelo chão da casa – Hum... – comentou Haddock com tom de sarcasmo – É um gato, isso é comum de acontecer.

— E daí que é comum?! Não é disso que eu estou falando! Quem é que vai limpar?!

— Cala a boca! Eu sou o dono do gato, ele é responsabilidade minha! É óbvio que eu vou limpar! – respondeu passando pelo platinado empurrando-o para o lado – Aliás, vou fazer melhor do que isso, vou passar uma escova nele que vai tirar dele todos os fios soltos e vai fazer ele parar de soltar pelo! Mas se quiser pode continuar torrando a paciência, quem sabe isso não faz os pelos sumirem magicamente?!

— Espera! – disse a ruiva, interrompendo a discussão, olhando sobre a mesa e perguntando – Cadê minha comida? Quem pegou ela?!

De repente Merida viu de relance, Banguela no canto da parede com um filé de salmão assado na boca.

Naquele momento Rapunzel abandonou a discussão e voltou aos seus afazeres.

A ruiva gemeu de raiva e vociferou.

— Gato idiota! – deu a volta no balcão e começou a ir na direção do felino enquanto gritava – Seu gato idiota roubou minha comida! Eu vou matar ele!

Soluço correu até o felino e o pegou no colo, deixando o filé mastigado no chão. Abraçou-o para protege-lo da ruiva nervosa e violenta. Banguela chiava para a mesma enquanto seus pelos ficavam eriçados.

— Dá um tempo ruiva! Ele é só um gato! E o prato favorito dele é peixe, ele não tinha como saber que ele era seu.

Merida terminou de se aproximar de Soluço quando respondeu: “Claro que não! Ele deve ter achado que foi o acaso que preparou o salmão e o deixou em cima da mesa! É só um animal burro!”.

— Não chama ele assim!

— Espera! – disse Jack, interrompendo a outra discussão enquanto se aproximava dos dois – Ruiva! Essa é a roupa da minha avó?!

Merida olhou para baixo e logo depois comentou consigo mesma: “Sério?! Por que eu só uso as roupas dela?!”.

— Você pegou a roupa do guarda roupa?! – vociferou o platinado.

— “Você pegou a roupa do guarda roupa” – repetiu com desdém, pontuando redundância da frase, para o desgosto do garoto russo – Esperava que eu ficasse nua?!

— Não sei! Mas não devia ter pego a roupa dela!

Soluço tentou se desvencilhar da discussão, contudo foi chamado de volta à ela quando Jack vociferou: “Espera aí! Não pense que vai sair daqui sem limpar os pelos do seu gato!”.

— É! E nem pense que eu esqueci do que seu gato idiota fez! – gritou Merida.

— Ah, deem um tempo! Ele não fez nada de errado e nem é perigoso! Não tem culpa de soltar pelos ou de sentir fome!

— Tá, mas você é o dono dele, então a culpa é sua por ele estar com fome e soltando pelos!

— Olha, eu sei que você não liga, mas minha vida está uma bagunça agora, então desculpa por não ter tempo de cumprir com meus afazeres no momento!

— E você! Trate de tirar as roupas da minha avó! Você não tem mais roupas?!

— Ah, claro que eu tenho, mas eu não trouxe nenhuma pra cá! E não pretendo ficar com uma roupa suja o tempo todo e se você quer ver uma garota pelada já te aviso que vou arrancar seus olhos antes dessa garota ser eu!

E voltaram a discutir em trio, com Banguela chiando o tempo todo nos braços de Soluço.

Rapunzel caminhava longe deles indo em direção ao seu quarto, carregando um aspirador de pó antigo.

Olhou-os de longe enquanto tentava se esquivar da briga.

Ligou o aspirador na tomada e começou a aspirar seu quarto com a porta aberta, contudo, não esperava que o som do mesmo fosse tão alto, o que interrompeu a briga dos três jovens que chamaram a atenção dela.

— Loira!

— Loira!

— Loira!

— Desliga isso!

— É barulhento!

Rapunzel desligou, mas sem ouvir direito o que diziam.

— O quê?

— Deixa o aspirador desligado! É barulhento e incomoda muito! – gritou Merida.

— Mas meu quarto está empoeirado! E vocês gritando incomoda muito mais! – respondeu a loira, começando a franzir o cenho.

— Problema seu! – respondeu a ruiva novamente.

— Eu não vou dormir num quarto todo empoeirado! Desse jeito eu posso até pegar uma alergia!

—  Ah! Pelo amor de Deus! – gritou Jack pondo as mãos sobre a face erguendo a mesma, cheio de estresse – Eu digo que é para arrumarem o que bagunçam, não mexerem nas coisas da casa e não fazerem barulho, e vocês conseguem quebrar todas as regras em menos de um dia!

— Você começou essa discussão! – afirmou Rapunzel.

— É, não vem querer colocar a culpa na gente! – disse Merida.

— Só sei que nada disso tinha acontecido antes de vocês virem para cá!

E voltaram a discutir. Rapunzel se aproximou do resto, e agora gritavam os quatro, uns para os outros, sem se escutar, e sem ter lados, cada um gritando por si mesmo.

De repente Jack se deu conta de que as vozes altas de todos poderia não ser um estorvo só para ele, então ergueu os braços magros com as palmas abertas tentando acabar com a discussão.

Mas estava falando agora com alto controle, o que tornava sua voz mais baixa, e consequentemente inaudível em meio a discussão.

Franziu o cenho e apertou os dentes por baixo da pele alva. Caminhou em direção à cozinha, pegando uma resistente tábua de vidro.

Os outros três viram Jack se aproximar deles com o objeto transparente. Quando viram ele levanta-la ficaram em silêncio e assustados antes mesmo do platinado a jogar com força contra o chão.

O que esperavam era ouvir o som inconfundível de vidro quebrando e sentir os estilhaços se espalhando para todos os lados e para cima, cortando todos, mas o que ouviram foi um estrondo alto e assustador, e viram o objeto permanecer inteiro.

Jack sabia que a tábua não ia quebrar, já vira ela cair antes, várias vezes, e sabia de sua localização desde o primeiro dia que se hospedara na casa velha do avô.

Os outros três olharam traumatizados e em silêncio para o platinado, sentindo ainda o pequeno ataque cardíaco que o ato inesperado de Jack lhes provocou.

O platinado voltou-se para eles, um tanto ofegante, olhando-os com seriedade, sabendo que agora lhe dariam atenção.

—Agora escutem! – falou baixo, quase sussurrando – Se ficarmos discutindo assim, os vizinhos ou qualquer um que passar perto da casa vão ficar vindo aqui incomodando a gente, já que nós começamos a incomodá-los antes! Então que tal fazermos um acordo? Não vamos incomodar uns aos outros, ok?! Cada um vai cuidar da própria vida e fingir que não tem mais ninguém aqui! Eu não quero vocês aqui, e vocês com certeza não queriam estar aqui, mas nenhum de nós tem escolha, então que tal cada um cuidar da própria vida e resolver os próprios problemas pra que a gente possa se separar e nunca mais se ver o quanto antes, hein?! Eu garanto que não vou incomodar vocês se vocês não me incomodarem e cumprirem com as regras da casa! Não pensem que as regras são minhas, mas do meu avô, que tal?!

Os três o olhavam agora com calma, Merida foi a primeira a responder.

—Eu topo! – falou olhando para os outros dois.

—Eu também! – disse Soluço.

Rapunzel suspirou, não tinha certeza de que resolveria seus problemas tão cedo, mas deu a mesma resposta.

—Ótimo! – respondeu Jack, com olhar razoável – Cada um cuide dos seus afazeres, eu vou pro meu quarto.

Merida voltou para a cozinha na intenção de cozinhar outro filé de salmão e colocou um avental para não sujar a roupa que usava emprestada. Soluço colocou Banguela em seu quarto com o salmão roubado, e Rapunzel fechou a porta do quarto em que estava hospedada enquanto limpava o mesmo.

Jack voltou para o próprio cômodo, mas ao invés de entrar, ficou na porta, esperando Haddock terminar de varrer os pelos de seu gato, Merida terminar de comer, lavar o que sujou e manter a roupa intacta, e Rapunzel terminar de usar o aspirador de pó e devolvê-lo para o lugar onde pegou.

No fim de tudo, cada um foi para o seu quarto, ficarem isolados uns dos outros. Jack ainda permanecia na porta, quando de repente, ouviu seu celular tocando.

Fechou a porta do quarto, pegou o telefone, sentou-se sobre a cama e começou a conversar com a mãe.

—Oi mãe, desculpa, eu estava dormindo.

—Tudo bem, mas eu fiquei preocupada. Como você está?

—Estou bem. O vovô me deu alguns hóspedes que eu não estava esperando, mas apesar de não gostar deles, acho que não vão me incomodar tanto.

O solitário e isolado Jack sentia a presença estranha de seus hóspedes solitários e isolados enquanto dizia essas coisas.

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Só pra constar a receita do salmão da Merida, eu peguei da internet. A história da tábua de vidro foi inspirada de uma experiência na vida real.
De qualquer maneira, agradeço à todos que leram o capítulo. Comentem o que acharam.



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