Primeira cadeira da primeira fileira escrita por Giuliana Murakami


Capítulo 1
Primeira cadeira da primeira fileira




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/805277/chapter/1

As mãos suavam tanto que Akko precisou limpá-las a cada cinco minutos na capa que usava para o seu primeiro show oficial.

"Certo, certo... Basta chegar lá e gritar 'Bem vindos ao mundo da magia'. Não é difícil, eu treinei isso a vida toda...", de um lado para o outro atrás das cortinas que a separava do público, Akko repassou em sua mente toda a apresentação ensaiada desde o último ano em Luna Nova.

O coração acelerado a impedia de ouvir o murmurinho ao redor, incluindo a equipe de apoio conversando entre si sobre os ajustes de iluminação e som. Akko não conseguiu discernir uma palavra do que diziam. Ela tocou no peito, sentindo o tamborilar frenético.

"Akko" , uma voz suave a chamou e ela se endireitou para mostrar mais confiança à sua sensei Chariot, que resolveu acompanhá-la nessa primeira apresentação. "Eu estava terminando de pedir aos rapazes da segurança que liberassem o acesso para a ala infantil do hospital conforme seu pedido".

"Oh, ariga... Digo, obrigada, sensei!", Akko deu um sorriso enviesado. Chariot pareceu perceber seu nervosismo disfarçado e deu um sorriso gentil, apoiando as mãos nos ombros da ex-aluna.

"Akko, você é uma bruxa talentosa e incrível! Tenho certeza que, independente de quantos espectadores você encontre essa noite, todos eles serão aquecidos pelo seu coração que tanto acredita no poder da magia".

Akko sentiu os olhos marejarem.

Oh, não, a maquiagem!
Dane-se. Ela se jogou trêmula nos braços de Chariot murmurando agradecimentos em um confuso japonês atropelado de inglês, finalmente deixando o tremor do corpo escapar.

"Agora, tome o tempo que for preciso! Respire fundo e manda ver"

Akko riu e então virou-se confiante para a cortina. Ainda faltavam alguns minutos, mas uma espiadinha não faria mal. Ela, acompanhada de uma sutil Chariot, enfiou a cabeça entre uma fresta minúscula que as duas abriram pela cortina.

Dentre todos os quase duzentos lugares, relativamente poucos estavam ocupados. Grupos de adolescentes se amontoaram em cadeiras espaçadas, grandes buracos preenchendo o vazio dos assentos entre eles e as famílias que tentavam entreter suas crianças, que mais pareciam irritadas do que ansiosas, algumas até distraídas com seus celulares e tablets.

Chariot deu um suspiro.

"Akko, é normal que não hajam muitos espectadores logo de cara... Não se sinta frustrada por meros números, tudo bem?"

Mas Akko mal escutou sua professora porque na primeira cadeira da primeira fileira, a única ocupada naquela fileira inclusive, estava Diana, seus cabelos loiros mesclados com o verde-chá ganhando destaque em meio à noite. Ela usava um casaco longo marrom, que lhe cabia bem ao corpo. Diana virou-se para trás, dando uma olhada no público ao redor enquanto guardava o que parecia ser seu ingresso na parte interna do casaco, totalmente alheia à sua observadora nos bastidores do palco.

Akko sentiu o coração acelerar, mas por um motivo diferente. Era o calor aconchegante que sempre tomava seu corpo quando via Diana. O monstro da ansiedade e do medo de falhar foi substituído pelo formigamento agradável que sentia quando estava perto daquela com quem salvou o mundo de um míssil raivoso e com quem compartilhou as estrelas após sua vitória. Aquela com quem teve o primeiro encontro romântico em um restaurante com talheres demais para o seu próprio bem; aquela com quem compartilhou o primeiro beijo, trêmulo, na Torre de Vigia onde aprendia mais sobre a constelação nos olhos azuis do que no céu; aquela para quem se confessou entre gaguejos e, mesmo assim, recebeu um sorriso gentil de volta e um abraço aconchegante e sem jeito de quem não tinha o hábito de abraçar tanto, mas que ao longo dos meses se mostrou ser a maior fonte de carinho de Akko. Mesmo sendo uma inexperiente em afetos físicos e demonstração pública deles, Diana conseguiu ser seu porto seguro.

Bastava estar lá, como sempre esteve e como estava naquele momento tão marcante na carreira artística de Akko.

"Akko", Chariot sussurrou, o tremor em sua voz fazendo a bruxa mais nova voltar à realidade, "Por favor, não fique triste! Eu garanto que não será assim sempre".

Foi então que Akko percebeu: estava chorando. Ela deu uma risada contida, limpando as lágrimas que escorreram pelo rosto com a capa azul que prendia das ombreiras vermelhas, a imitação do uniforme que Chariot usava quando se apresentava.

"Não se preocupe, sensei. Eu tenho mais do que o suficiente aqui".

Chariot olhou-a em confusão e então viu a figura estóica e atenta de Diana na primeira cadeira. Ela sorriu para sua ex-aluna que se atrapalhava em limpar as lágrimas de felicidade.

"Compreendo perfeitamente, Akko. Agora, vamos? Dê o seu melhor como sempre".

Akko não esperou mais. Assim que viu as luzes se apagando, deixando apenas um pequeno ponto do palco iluminado, ela gritou seu feitiço mais marcante e se transformou no ratinho de rabo de cavalo que ela faria ser amado por todas aquelas pessoas da segunda fileira em diante.

Porque ela sabia que sua primeira espectadora, aquela da primeira cadeira, já amava qualquer coisa que Akko pudesse fazer.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Primeira cadeira da primeira fileira" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.