Te amavi escrita por Eliz de Liz


Capítulo 3
Capítulo III: High Enough


Notas iniciais do capítulo

bem, como começo essa introdução?
essa história recebeu destaque no Social Spirit e eu estou extremamente feliz por isso e motivada a continuar.
aqui está a continuação dela que eu já deveria ter postado por aqui.



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Durante um intervalo de milissegundos, perdi os sentidos. A vista escurecida, os barulhos ficando gradativamente mais distantes e menos audíveis e o equilíbrio evidentemente afetado. Cambaleei levemente para trás e empurrada para frente por alguma outra pessoa que provavelmente desejava passar por aquela multidão dançante.

Estava vivendo um sonho? Ou um pesadelo?

O problema… Bem… Quanto mais se tenta fugir do problema, mais rápido ele o persegue, isto é fato. Mas como raios justamente isso foi acontecer?

O problema é que se encontrava à minha frente ninguém além de Maurício. Não bastasse o catastrófico choque que era vê-lo dessa forma, tão repentina, inesperada, improvável, impensada… Agora encontrava-me unida ao seu corpo, com o rosto envolvido pelos braços que prontamente me prenderam, sentindo o aroma que por tantas vezes imaginara, mesmo que inconscientemente. O frescor invadiu minha mente, de forma que encontrava-me inebriada, extasiada quase que mesmo embriagada. Se eu pudesse apenas interromper o tempo naquela cena e me permitir viver apenas a parte ludibriante, gostosa, paradisíaca da situação que pressentia que viria a enfrentar — a inevitável confusão gerada por minhas últimas atitudes — , faria-o muito feliz.

Mas minha fantasia foi quebrada por fortes braços me devolvendo ao meu lugar de antes, antes do meu desequilíbrio. Apesar disso, nossos corpos não se distanciaram. Suas mãos se moveram à minha cintura, e eu ainda pousava as minhas sobre o seu peito.

Vagarosamente, ergui meu rosto em direção ao seu.

— Você tá bem? — Ele perguntou realmente desassossegado. Eu o encarei tão profundamente que me senti em uma espécie de hipnose. Nossos olhares se solidificaram um no outro e eu pude ver tudo com que, em muitas noites, sonhei tão repetidamente. Os olhos levemente monólidos, os traços grosseiros, mas tão graciosos e a boca avermelhada… Ah, com seus lábios contornados e tentadoramente prazerosos naquele momento.

— Eu… — Comecei a responder e assim me dei conta de o quão arfante estava por conta dos últimos acontecimentos. Nervosa e enérgica, fechei os olhos tentando respirar fundo.

Como conhecer alguém que já se conhece?

— Tô bem sim, obrigada. — Ri amarelo.

— Que bom... — Havia um certo nervosismo em sua voz cuja natureza não conseguia identificar. — Mônica. — Completou, como se tivesse proferido uma insanidade, um palavrão dos mais crassos. Não por sua entonação, mas pelo silêncio que se seguiu até que eu tomasse a palavra.

— Maurício, é muito bom que a gente tenha se conhecido pessoalmente. — Ri nervosa, disparando a primeira frase que me veio à mente. — E-eu realmente não esperava encontrar você por aqui… Quer dizer, São Paulo é tão grande e eu nunca imaginei, sabe? —  Continuei mesmo sem graça pelo show de generalidades que havia dado. — Imaginei que um dia a gente pudesse vir a se conhecer, só não imaginei que seria hoje. Quero dizer, não que seja ruim… Eu só tô meio nerv… 

— Mônica, — Ele me cortou, para o meu alívio. Não sei o que poderia falar tentando preencher um silêncio naturalmente constrangedor. — Tá tudo bem. Eu também tô muito feliz em te conhecer. — Ele disse, tímido. Quase não ouvi o que dizia com aquela música. — Tem muitas coisas que eu gostaria de entender, mas não sei se esse é o momento. — Completou respirando fundo.

Tentei mediar os rumos que aquele diálogo tomava.

— Eu…Acho que poderíamos conversar. Temos tanto pra conversar, aliás. — Ri, mais uma vez, sem graça. Olhei ao redor. Avistei um ponto um pouco mais calmo, em um dos cantos daquele andar. A iluminação rústica não seria muita, mas suficiente para que avistássemos nossa feição. — Mas, antes… Vou resolver uma coisa.

Andando pelo meio daquele aglomerado, tentava desesperadamente encontrar Magali. Vi seu vestido esvoaçante e corri até ela.

— Magá… — Puxei levemente sua mão, tirando-a daquela transe em que se encontrava ao dançar. Mais perto da luz, ela me encarava hesitante pelo meu tom. — Você não imagina quem eu encontrei aqui.

— Não mesmo… — Estava pensativa. — Quem você tanto teria pra encontrar? A hipótese mais provável seria um ficante, né? Mas você nunca se envolveu com ninguém, Mô… — Deu um riso leve. Repentinamente, parou… — Pera aí. Não é possível que seja aquele Mauro… Maurício, né? Tenho pra mim que ele nem existe. Pelo menos do jeito que você falava dele pra mim, nem parecia que uma pessoa assim existiria. — Ela riu novamente, brincalhona.

— Simplesmente sim! — Afirmei a última palavra com muita ênfase. — Nunca achei que eu iria encontrar ele por São Paulo a menos que a gente marcasse. E, de repente, eu esbarro com ele numa sexta-feira qualquer. Eu realmente não entendo, minha mente deu um bug total. — Refleti sobre o que ela havia dito. — Mas… Pera aí… Como assim parece que ele nem existe? Eu nem falava nada demais, Magá.

— Mônica, Mônica… — Ela passou o dedo sobre meus cabelos. — Sua autopercepção tá fraquíssima. Tá tão na cara que você fala dele como se estivesse perdidamente apaixonada. E eu, sinceramente, não duvido que esteja. Se nunca refletiu sobre isso, acho que chegou a hora de você refletir. E agir. — Ela falou meio zombeteira. — Mas sério, amiga. Acho que vocês têm muito a conversar. Deveria ir lá falar com ele.

— Eu… Não acho que definiria o que sinto por ele como paixão. Acho que pode ser, no máximo, uma admiração muito grande. — Ri como se estivesse desconfiada de minha própria fala. — Mas acho que vou mesmo conversar com ele. Agora que a gente se conheceu pessoalmente, acho que poderíamos falar de várias coisas que já falamos por mensagem. — Disse, pensativa.

— Vai lá, por favor. E depois me conta tudo. — Ela sorriu. — Eu tô morrendo de vontade de ficar aqui, dançando. A gente se encontra mais tarde. Me manda mensagem.

***

Chegando perto dele, meu coração já palpitava loucamente de novo. O nervosismo de conhecer o conhecido.

— Do Contra… — Aproximei-me e ele estava de costas. A jaqueta de couro mostrava um estilo singular, com a combinação que ele fazia entre as peças. — Agora vou começar a te chamar assim, se acostume… 

— Sempre foi assim, Mô. — Riu brincalhão. Andamos em direção ao canto mais isolado do andar. — Cara, como é que você decidiu vir aqui? Tipo, o quão improvável era de a gente se encontrar… 

— Pois é… — Suspirei ridente. — Sempre tento me encontrar com a minha amiga em um lugar que a gente não conheça. Ela me mandou mensagem com o nome desse pub e eu logo de cara achei as fotos muito fascinantes, principalmente pelo contraste que dá pra ter entre a vista dos prédios e a decoração daqui… — Continuei. — E acabamos nos decidindo por vir aqui. E você? — Enruguei a testa, realmente curiosa.

— Eu? Tava andando pela Augusta, eu sempre gosto de passar por aqui, é bem legal que parece que pega todas as tribos de São Paulo e coloca numa rua só. — Rimos. — E aí eu olhei esse lugar. Me chamou a atenção pelos mesmos motivos, eu diria. — Ele pausou e bebeu um gole da cerveja. — Eu sempre me entretenho observando as pessoas. E aí, de repente, eu vi um rosto muito conhecido. — Ele riu. — E era você.

Silêncio. Música ao fundo.

— Que foi muito doido a gente se encontrar aqui, foi. Mas foi bom. Como que você está em relação à faculdade?

— Tô indo. É cansativo, mas muito recompensador. Eu tinha te falado que entrei pra um projeto de pesquisa acadêmica, né? — Confirmei. — Então… Estamos fazendo um experimento voluntário com pacientes sobre uso de Cannabis sativa pra tratamento de dor crônica. 

— Que incrível! De verdade! — Realmente achava. — Tenho uma colega com fibromialgia, seria muito legal mesmo que os tratamentos se expandissem. — Pontuei, curiosa. — Quais estão sendo os resultados?

— Pois é, eu considero que vá ajudar muita gente. É necessário a gente começar a se abrir pra mais possibilidades. Todo medicamento que existe já passou por uma fase de ser considerado “inapropriado”. Mas o nosso projeto está direcionando para confirmar a hipótese de que pode sim funcionar em alguns casos. — Disse ele, com um brilho extraordinário nos olhos. — Incrível, né?

— Muito mesmo. — Apoiei meu rosto sobre as mãos, escorando o braço sobre a grade de ferro ao nosso lado. — Imagino que você vai ter muito sucesso nesse projeto. E como pesquisador também. — Sorri grande.

— Espero muito que sim. — Ele disse radiante. — E você? E o estágio no fórum? Como que tá a faculdade?

— Cara… Eu sinceramente não sei se o curso me deixa louca de tão inconcebível que é ou de tanta coisa que eu tenho pra fazer. Mas é simplesmente incrível, a cada dia eu tô mais apaixonada pela teoria do direito e espero entrar futuramente pra área acadêmica. — Eu estava realmente exultante, compartilhando uma parte de mim. — Eu me sinto bem explicando, me sinto bem ajudando, me sinto bem apresentando trabalho, o que pra mim era meio que impossível na faculdade. Mas… Basicamente, virei entusiasta da teoria.

— E eu imagino o quão bem você explica… Já sabe escrever tão bem, articular isso deve ser natural pra você. — Disse-me.

— Ah, e tem mais. Consegui um estágio na vara de violência doméstica. Todos os dias é uma luta. Todo dia é assustador. Mas é muito gratificante — Enfatizei naturalmente as palavras. — saber que posso estar ajudando de alguma forma. O trabalho tem as limitações naturais, mas não deixa de ser extremamente importante.

E continuamos conversando muito.

***

Não sabia exatamente o quanto de cerveja havíamos tomado, mas simplesmente fomos pedindo conforme a conversa embalava. E já beirava uma hora da manhã.

— Sabe… — Falei risonha, sentindo minha voz trêmula. — Eu realmente queria saber uma coisa. E a gente não falou sobre isso. — Exprimi a última frase em voz baixa, todavia ele pareceu ouvir.

— O quê? Duvido que a gente não tenha conversado sobre alguma coisa hoje. — Riu baixinho.

Anormalmente, aproximava-me dele. Segurei seu queixo e cravei meus olhos nos seus como nunca antes. 

— De um tempo pra cá, eu tenho quisto muito tentar uma coisa. Não sei bem o porquê e acho que não nem tinha percebido até então. — Delicadamente, me vi passando o indicador sobre seus lábio inferior. — Eu me questiono dia e noite sobre o que a gente construiu até aqui. Nossas conversas, nossos gostos e tudo que a gente compartilhou um com o outro. E você tem ocupado muito mais a minha mente do que deveria. — Encarei seus lábios, com um sorriso de canto. 

Percebi um Maurício sem reação. Olhava-me estático. Sem nem piscar.

Aproximei-me, na ponta dos pés, e beijei o canto de sua boca.

***

Narração por Do Contra

“I don’t like anyone better than you, it’s true

I’d crawl a mile in a desolate place with the snakes, just for you

Oh, I'm an animal, hand me a Tramadol, gimme the juice

You are my citadel, you are my wishing well, my baby blue”***

Estava absolutamente em síncope. Todo meu corpo formigava com sua aproximação.

Sentia como se estivesse de mãos atadas ou os pés fixos ao chão. Inerte. 

Minha imaginação nunca dimensionou tão precisamente o abalo que a sua simples presença traria. Eu poderia fantasiar de tantas possíveis maneiras, mas nunca chegaria perto da sensação ímpar que era ter seu corpo apenas próximo ao meu.Simplesmente já não computava minhas próprias ordens perto daquela mulher. Havia abaixado todas as guardas.

— E você tem ocupado muito mais a minha mente do que deveria. — Ela disse num tom arteiro. 

Apenas conseguia olhar seu rosto.

As sobrancelhas grossas, penteadas; as maçãs das bochechas avermelhadas e os olhos escurecidos, arregalados, refletindo a fraca luz amarela que nos rodeava e transmitindo-me uma sensação por mim inexplorada. E os lábios… Ah, os lábios carnudos tingidos de vermelho cereja, que pareciam suplicar alguma reação minha. Pareciam convidar-me a ter uma viagem alucinógena e real.

Fui tirado dessa espécie de hipnose quando senti seus lábios delicados tocando o canto dos meus.

 

Senti os batimentos aumentarem e uma descarga de adrenalina passar por cada mínima extensão do meu corpo, eriçando-o. Os olhos esbugalhados apenas encaravam a moça que dominava e retinha todas as minhas emoções naquele momento.

Abruptamente, senti o mesmo ímpeto que a dominara em mim. Um calor, uma vitalidade em mim.

Afastando levemente os lábios após aquele beijo duvidoso, convidativo, ela firmou seu olhar no meu. Olhei-a com um apetite pela sua presença nunca antes por mim sentido.

Puxei-a bruscamente para mim, grudando seu corpo ao meu. Ouvi sua arfada seguida de uma respiração descompassada. Surpresa e abrasada.

Aproximei meus lábios de sua orelha, roçando-os sobre ela. 

— Era isso que você queria? — Perguntei baixinho, envolvido por toda aquela onda de coragem cuja origem não sabia definir. Com as mãos sobre a sua cintura, apertei-a contra mim. — Porque eu sinto como se tivesse esperado por isso há muito tempo. 

Prendendo, agora, seu cabelo, trouxe-a pra mim. Quando nossos lábios se encontraram, senti como nunca havia me sentido antes. Pressionávamos nossos lábios com uma voracidade insaciável. Saboreava aquela sensação, extasiado.

“I used to like liquor to get me inspired

But you look so beautiful, my new supplier

I used to like smoking to stop all the thinking

But I found a different buzz

The world is a curse, it’ll kill if you let it

I know they got pills that can help you forget it

They bottle it, call it medicine

But I don’t need drugs

'Cause I'm already high enough

You got me, you got me good

I'm already high enough

I only, I only, I only got eyes for you”

Ela intensificou a pressão, colocando nossas línguas em contato. Pressionei seu corpo contra barra metálica. 

— Você não ouse parar isso jamais. — Ela riu enquanto tomava o fôlego. 

— Se você deixar, eu não tenho garantia nenhuma de que vou parar. Ri, aproximando meu rosto do seu. Beijei a lateral de sua bochecha, descendo ao seu pescoço. Ouvir seu suspiro me dava energia. — Acho que achei uma compulsão que não vou conseguir superar.

Invertendo nossa postura — com as mãos sobre o meu peito —, ela me disse:

— E nem se atreva.

 


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Notas finais do capítulo

***Música: High Enough, K. Flay. (simplesmente perfeita, vejam o clipe).

se gostaram, por favor comentem!
foi por conta de um comentário que eu voltei a escrever esta história.
obrigada por ter lido :)



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