Desafios escrita por André Tornado
A palavra doce reverberando na consciência, convocando memórias esparsas como flocos de neve tresmalhados pelo vento frio nortenho.
Mãe…
Palavra doce, que amarga na ponta da minha língua. Apetece-me sonhar mas não tenho forças. Apetece-me lembrar-te mas não tenho paciência para a dor. Por isso invento um mundo ao contrário, onde os planetas cabem na minha mão, onde há bicicletas vogando no céu.
Eras tu, ali, paciente, a ensinar-me com um sorriso, as loucuras da imaginação. Havia aviões que despediam flores, havia peixes e polvos que nadavam entre laranjas de pedra num jardim congelado no tempo, havia letras refulgentes com novas capas. Entre a neve, entre os meses de novembro e de janeiro, entre os dias frios e cinzentos que se tornavam quentes contigo.
E era eu, ali, ansioso, a impregnar-me com as tuas ideias loucas de um mundo ao contrário. De mãos dadas, não havia pele com pele pois tínhamos luvas calçadas, a lã áspera, de tão usada, retinha o calor dos teus dedos contra os meus. Sempre gostei da tua mão quente, delicada e pequena, mas grande o suficiente para fechares a minha mão totalmente nessa caixinha mágica.
Sinto-te a falta como um amputado sente falta da perna decepada num estúpido acidente. Quando chega novembro, quando chega a neve, o meu céu enche-se de ti.
Estás algures, na fímbria das minhas auroras solitárias, a tua voz suave ensinando-me que nunca se deve parar de sonhar. Sou eu, o teu filho. Imaginas-me, também, desde esse lugar que cheira a enxofre, onde pairas descrente?
Invento essa lembrança para te ter mais perto. A neve cobre o mundo, cobre-me como mortalha alva, fechando-me contigo, para sempre. Mãe, sou o teu filho amado que aprendeu tudo o que lhe ensinaste.
Não quer ver anúncios?
Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!
Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!