Inventei Você? escrita por Camélia Bardon


Capítulo 7
Sugestões, conselhos e vestidos




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Esperei até que ele fechasse a porta para respirar aliviada.

Agora era só torcer para Matthew não dar para trás no acordo. Porém, pensando pelo lado que ele estava disposto a vir até aqui – e veio! – para se resolver comigo, não acreditava que esse seria o caso.

Pelo menos se eu não saísse dessa com a reputação assistida de Healdsburg, eu teria um belo entretenimento para rir com Noelle daqui a alguns anos.

Por falar na Nona, do momento em que Matthew havia tocado a campainha até ele partir, muito convenientemente ela não havia deixado o segundo andar. Era por esse motivo mesmo que Walt estava tão desesperado para permanecer ao meu lado – a dona tinha tomado chá de sumiço! Logo lá estava ela, descendo as escadas como se não soubesse de nada.

— O bonitão já foi?

Senti minhas bochechas pegando fogo. Era verdade o que ela dizia, porém.

— Já. E ele tem nome.

— Mas cá entre nós, podemos chamá-lo de Matthew Bonitão quando ninguém estiver olhando.

— Não, não podemos. Corta essa, Nona.

Noelle resmungou indo sentar-se no sofá com ares de rainha. Walt foi rebolando atrás dela, como o fiel escudeiro que era.

— Tá bem. E o que vocês decidiram?

Enrolei uma mecha de cabelo nos dedos, sorrindo um tanto quanto boba demais, eu precisava admitir. Era difícil não reagir como uma boba alegre com um elogio quando não se recebia quase nenhum, portanto me dei o direito de uma dose de autocomiseração.

— Matthew aceitou ficar do meu lado por um tempo, enquanto estiver aqui. Em troca, eu sirvo de modelo e consultora. Ele é bem legal, na verdade.

— Como assim “modelo e consultora”? — Noelle ergueu uma sobrancelha.

— Bem, pelo que entendi ele precisa de dicas sobre combinações de flores e... Pediu para que eu fosse sua modelo para a base do seu quadro — sorri simulando uma cara convencida. — Ele disse que meu rosto é perfeito. Não sei como não derreti depois de uma dessas.

— Ninguém mandou inventar justo um cara que corresponde ao seu tipo, agora tudo que ele disser você vai mais babar do que prestar atenção — Noelle gargalhou. — Fique esperta, viu, querida? Artistas geralmente têm o péssimo costume de bajular mocinhas apenas para se aproveitarem e conseguirem uns beijinhos fáceis. Sei disso porque li na internet.

Ri de nervoso junto a ela, massageando as têmporas com as pontas dos dedos.

— Não corta o meu barato, viu? Não é esse tipo de artista. Pelo menos, não pareceu. E eu também não sou uma mocinha, Nona. Se for eu o difamo para a cidade inteira, aí May Geller vai ter todos os motivos do mundo para colocar a boca no trombone dessa vez.

— É engraçado você tentando ser intimidadora, minha querida... Mais um pouco e você consegue, continue tentando.

— Belo apoio moral, Nona — abri um sorriso amarelo, me jogando no sofá confortavelmente. — O que importa é que nos entendemos. O resto é mera conveniência.

Noelle assentiu com a cabeça, esticando as canelas finas, Queria eu chegar à idade dela com um corpo daqueles... Bem, tudo é possível nos sonhos, certo?

— Não diga isso. Podem se tornar grandes amigos além da conveniência... Ou mais.

— Eu sei, por isso mesmo não vou cuspir para cima. Não tenho dúvidas de que ele é uma ótima pessoa, mas... — suspirei, esticando também minhas pernas. — Eu mesma não tenho nada de interessante para contribuir numa amizade. Nem sei por onde começar.

— Aceita sugestões?

Ergui uma sobrancelha, me virando para ela com curiosidade. Provavelmente parecia uma criança antissocial pedindo para a vovó fazer biscoitinhos para levar para a escola no dia seguinte só para parecer mais legal. Não que eu tenha feito isso, longe de mim...

— Pode dizer, Nona.

— Por que não pede uma ajuda para sua nova amiga, Sarah? Ela parece entender tanto de como fazer amizades como falar com garotos. Se escolher as palavras certas, não vai parecer patética fazendo isso.

Sempre certeira...

Apesar da falta de delicadeza, Noelle tinha um bom ponto. Sarah era gentil, mesmo sendo uma cabecinha de vento. Eu também era maluca, então supus que haveria compreensão mútua naquele caso. Ergui o olhar para ela com um sorriso.

— Sabe que você tem razão, Nona?

— Claro que tenho. Vamos, vá ocupar sua tarde de domingo, eu e Walt ficaremos bem.

Assenti com a cabeça, mais alegre com o plano mirabolante se estendendo diante dos meus olhos. Meus dias de “pobre Cecilia” haviam acabado, e eu poderia muito bem comemorar isso. Certo?

 

Sarah topou na hora, como imaginei que faria. Fiquei feliz, tanto pela resposta positiva quanto pelo “olá” amigável que Matthew me mandou mais tarde para estabelecer contato. Permaneci olhando para sua foto de perfil por alguns minutos – afinal, tudo que é bonito merece ser admirado de um jeito saudável –, concluindo que 1) ele não sabia tirar selfies, 2) isso era provavelmente um bom sinal e 3) meu caminhão fictício já estava soterrado com tanta areia.

Como a adulta responsável que eu era, me comprometi a buscar Sarah em sua casa com meu lindo carro usado. Sua mãe aprovou, contanto que voltássemos antes das 22h. Mal sabia ela que às 22h30 eu já estaria dormindo o sono profundo. Então, fomos nós duas animadíssimas compartilhar a noite de domingo indo até o shopping.

— Obrigada pelo convite, senhorita Lewis — Sarah abriu um sorriso enorme, passando o cinto de segurança ao redor do corpo. — Fiquei muito feliz... O domingo estava mesmo um tédio.

Foi impossível não rir de suas colocações animadas. Eu havia pulado essa parte da adolescência de passear com as amigas, então o faria agora sem escrúpulos.

— Ah, Sarah, pode me chamar de Cecilia. Não sou tão mais velha que você, sabia?

— Claro que sabia, é mais por educação... Por exemplo, a senhorita... Digo, você... Pode chamar a senhorita Mendez de Noelle, agora se eu fizesse isso seria forçar intimidade. Pelo menos, se ela não me desse a permissão antes.

Concordei com a cabeça. Ela tinha um ponto.

— Vou chamá-la de Cecilia começando por agora — Sarah concluiu com um sorriso.

— Muito bem. Boa menina. O que vamos fazer lá?

Sarah piscou para mim, estendendo uma mão para ligar o rádio. Foi uma boa jogada. Automaticamente, ela começou a cantar junto.

— Ah, então é isso que está tocando hoje em dia — divaguei, prestando atenção às batidas e à música. — Que interessante.

— Você nunca ouviu Ed Sheeran?! — Sarah pareceu abismada com a minha ignorância musical. Depois disso, jamais poderia culpar Matthew por não conhecer Carpenters. — Essa música é do ano passado, esse cantor tá bombando ultimamente.

— Hum... Acho que eu parei de acompanhar música quando terminei a escola, querida.

Sarah me olhou de soslaio, um tanto constrangida.

— Ah, é?

— Uhum... Acho que vou precisar de umas aulinhas sobre isso também — ri fraco. — A última coisa que me lembro de estar bombando no rádio é Pussycat Dolls. E Nelly Furtado. Só, eu acho.

— Um clássico — ela sorriu. — Eu ouvia bastante quando era criança. Não se preocupe, vamos te atualizar. Mas, por hoje, vamos só comprar alguma roupa nova e ir ao cinema.

Ri de nervoso, fazendo a curva para pegar o caminho do que podíamos chamar de shopping por ali. Sarah apressou-se em acrescentar:

— Não que tenha algo de errado com as suas roupas, longe disso, eu te acho muito estilosa. O princípio das compras sem consumismo aplicado não envolve agradar homens ou rejeitar nosso próprio gosto. Envolve renovação da autoestima. Um bom homem é aquele que te acha um mulherão toda produzida ou mendiga num fim de semana de inverno... Mas, para isso, a mulher precisa chegar com confiança.

— Uau, Sarah — pisquei bastante impressionada com sua maturidade. — Onde aprendeu tudo isso?

Sarah sorriu, com as bochechas coradas.

— Meus padrões de expectativas masculinas vêm de livros e filmes fofos. Não é impossível de se encontrar, então... — ela deu de ombros.

Assenti com a cabeça, estacionando o carro. Enquanto Sarah destravava o cinto de segurança, comentei com um suspiro:

— Sabe, Sarah? Eu acho que somos nós que aceitamos muito pouco. Aí quando aparece um homem que nos trata igual rainha, é mais do que merecemos... Mas é assim que sempre deveria ser, certo?

— A senhorita está certíssima, senhorita Lewis.

Olhei-a com o nariz franzido, fazendo-a rir generosamente.

— Desculpe, é a força do hábito. Você está certíssima, Cecilia.

— Assim está melhor. Vamos indo?

— Demorou!

 

Nosso “dia de compras” foi uma visita entusiasta à loja de departamento, que era o que a mesada de Sarah podia pagar – apesar de me oferecer para pagar o vestido que ela escolheu, havia certa sensação de conquista em poder comprar algo com o dinheiro que ela havia poupado, então quem seria eu a interferir? – e o que mais casava com seu gosto pessoal. Também escolhi um vestido para chamar de meu grudinho: amarelo, com estampa de margaridas, decote de coração e com uma saia assimétrica. Era lindo.

Sarah tinha toda razão, era mesmo uma elevada na autoestima.

Após isso, fomos assistir ao terceiro filme da nova franquia dos X-Men – alegrando minha versão mais nova que ainda vivia dentro de mim, apenas um pouco mais tímida – e, apesar de não ter acompanhado os filmes anteriores e ter ficado um pouco perdida, prometi à Sarah que o faria o quanto antes. E era verdade, no meu bloquinho de notas agora continha os tópicos “Ed Sheeran” e “X-Men: filmes novos”.

Rimos muito e, por incrível que pareça, tudo que Sarah dizia (mesmo que um pouco enfeitado demais, vamos combinar) fazia muito sentido. Ainda que ela acreditasse que eu estava pedindo por algo romântico, era bom ver que fazer amizade não era tão complicado como eu havia acreditado por um bom tempo. A receita era simples: seja você mesma, seja agradável e seja uma bobalhona quando conveniente.

Naquela noite, deixei Sarah Palmer em casa às 21h30, não roubei Walt de Noelle para ter com quem dormir... Até mesmo dispensei com gentileza meu episódio diário de Velvet. Naquela noite, pendurei meu novo vestido do lado do armário... Um lembrete sutil de que amanhã seria um novo dia, nem tudo estava perdido e que eu poderia sim ser divertida.

Era hora de fazer as pazes com o meu grande amor do passado.

Meu Deus. Reformulando meus posicionamentos...

Naquela noite, dormir foi mais custoso do que imaginei.


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