Inventei Você? escrita por Camélia Bardon


Capítulo 13
Dupla dinâmica, passado e exibições


Notas iniciais do capítulo

Hoje eu tô postando no dia certo xD daqui a alguns capítulos finalizamos o primeiro arco da história! Ainda não sei quantos serão no total, mas serão 3 arcos. Ou seja, talvez fique grandinho, mas prometo que de monótono só tem o cotidiano da cidade.



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— Você fez o quê?

Por algum motivo, eu tinha entendido muito bem tudo o que Matthew me disse, porém as palavras saíram da minha boca no automático. Era uma reação de descrença, não pela proposta ser absurda, mas por ela existir. Nesse caso, eu também queria ter certeza de que não era nenhuma extensão dos meus pensamentos. Era tudo muito parecido com a sensação de estar cantando algo no subconsciente e a pessoa ao lado cantar a música em voz alta.

— Eu sei — foi sua resposta óbvia em retribuição à minha pergunta óbvia. O bom é que eu não estava esperando nada diferente disso, mesmo. Daí, ele repetiu para consolidar a ideia: — Eu sei. Mas já está feito.

A vida inteira o assunto “Nona e o senhor Bell” tinha sido uma lacuna a ser preenchida. Mas eu não invejava Matthew por saber da história antes de mim – muito menos por ele não dividi-la comigo. Até fazia sentido que o senhor Bell nunca tenha feito confidências comigo. Eu era praticamente neta de sua ex-noiva, e ele havia me visto crescer. Era bem mais fácil se abrir com Matthew. O problema é que Nona jamais iria se abrir com Matthew, bicho-do-mato que era. Para que aquele plano desse certo, eu também teria que sondar o outro lado da história. E isso não seria nada fácil.

— A sua sorte, Matthew, é que eu sou uma mulher muito, muito boa.

— Não tinha notado até então — ele abriu um sorriso adorável. Que cínico! — Então... Clube de Costura, hein?

Ergui uma sobrancelha, esparramando os braços pela bancada. É verdade, nossa relação era permeada por pequenos favores – inocentes e que na verdade ninguém ficava contando o que cada um devia. Mas imagino que toda a questão do Clube de Costura era parte da estrutura social de Healdsburg, então eu também precisava fazer minha parte.

— Ah, então — ofereci meu lugar na cadeira em frente ao computador enquanto pegava outra para me acomodar ao seu lado. O domingo estava bonito lá fora, com a placa de “estamos abertos” voltada para dentro. — É uma tradição antiga dos Goodwin, sabe? As Goodwin faziam parte da Cruz Vermelha, desde a época da Primeira Guerra. Então... Mesmo sendo uma cidade pequena, elas juntaram forças com as outras famílias antigas... Os Bell, os Sharpe, os Graham, os Geller... E arrecadaram fundos para o Exército. Ainda que o país só tenha entrado no final, elas fizeram uma espécie de... Mutirão de cobertores, roupas, mantimentos... Era pouco, mas foi suficiente para qualquer um que recebeu na Entente. Sabe? Todo mundo passa essa história para frente quando alguém novo entra no Clube.

Matthew abriu um sorriso doce. Naquela hora, minha mente mandou outro lembrete de que ele era um homem admirável em inúmeros aspectos. Desviei o olhar para o computador.

— Na verdade, é... Muito legal. Então, hum... O Clube se mantém de pé para manter a memória viva da ocasião?

— É sim — sorri, ligando o dispositivo. — Só que não para fazer roupas para soldados. Fazemos doações para orfanatos e para mães de baixa renda. É feito um anúncio todos os anos, e as entregas são feitas mensalmente por Pat Graham... Fica limitado para a Califórnia, mas... Já é algo...

— Correção: É uma ocasião para caridade e fofoca?

Não tive como segurar a risada. Matthew me acompanhou, girando na cadeira de rodinhas para descontrair.

— Ok. Eu vou te buscar. Quando é?

— No sábado! — sorri de orelha a orelha. — Acaba às 18h30, geralmente. Acha que dá tempo?

— Dá sim, eu saio às 18h. Quer dizer, eu teria que vir a passos de tartaruga para demorar meia hora.

Abri um sorriso maldoso, apoiando um cotovelo na mesa. Ele ergueu uma sobrancelha, tentando conectar meus pensamentos à minha face.

— O que foi? Que cara é essa?

— Nada! É que é engraçado maquinar as coisas desse jeito. Faz parecer que eu sou uma vilã caricata... Ainda que eu não esteja fazendo nada de errado.

Obviamente, eu não iria dizer que era um tanto excitante demais a perspectiva de ser vista como a musa da vez. Eu não precisava provar nada para ninguém, mas... Honestamente? Essa nova vida estava bem mais agitada e significativa. Não era chantagem. A mim, tudo parecia um grande faz-de-conta.

— Tipo a Jessie e o James? — Matthew arriscou de automático, mas acrescentou por garantia: — De Pokémon?

— Eles são estilosos — gargalhei. — Mas não vou pintar o meu cabelo. Se quiser, posso pensar em perucas ou spray. Se bem que azul no seu cabelo iria ficar combinando com os olhos, deveria investir!

Matthew gargalhou, jogando os pequenos cachos para trás. Ri junto a ele, diminuindo para um sorriso mínimo quando ele se voltou para mim. Sua expressão era muito curiosa, então permaneci olhando.

— Quer dizer que somos uma dupla?

O computador ligou, então o desbloqueei para ter qualquer vantagem que fosse.

— Por quê? Estava pensando em me passar a perna, Carpenter?

— De forma alguma! Deixe-me recapitular, então. Temos o jantar agora, sábado o Clube de Costura...? Só?

— E só. A menos que tenha algo que eu não saiba.

Matthew abriu um sorriso de lado como se houvesse mesmo algo que eu não soubesse, o que me enviou um arrepio por toda a coluna. Engoli em seco, afastando meus pensamentos libidinosos da cabeça antes que se tornassem algo que eu não podia controlar.

Quem diria que algum dia eu teria pensamentos libidinosos? Naquele passo eu seria uma devassa de romances de época em dois tempos. Uma libertina. Seria revolucionário.

Notando que eu estava rindo sozinha em voz alta, tratei de me recompor e abrir o programa que usava para arquivar o caixa da floricultura. Ao meu lado, Matthew me acompanhava muito solícito. Fiquei feliz de poder ensinar algo, para variar. Depois disso, como prometido, mostrei a ele minha consultoria com Sarah de livros que estavam em alta. Ela, por si só, não era nenhuma leitora assídua, mas conhecia os pormenores das redes sociais e como encontrar nelas as informações que precisava.

Passamos a tarde ali. Notamos isso apenas quando escureceu, e Nona e a senhorita Georgette vieram nos buscar para o jantar. As duas pareciam ter sido feitas uma para a outra, com exceção das aparências físicas. Ao passo que Nona era alta e magérrima, a senhorita Georgette era bem baixa e roliça. Ambas faziam parte do time de idosas que preferiam exibir o estado civil à idade – e estavam vestidas para matar. Meu estômago, pelo menos, já estava pronto para esse evento.

Como duas crianças, eu e Matthew comparecemos apenas pelo cheiro. Os movimentos foram organizados e extremamente satisfatórios de se observar: diante dos nossos olhos, uma travessa de bolo de carne recheado com queijo e bacon, uma jarra de suco de melancia e macarrão com brócolis. Minha barriga roncou consideravelmente.

— Caramba, até a ração do Walt parece apetitosa hoje! — elogiei enquanto esperava minha vez de me servir. — Apesar de não me sentir particularmente disposta a experimentar...

Foi um verdadeiro escândalo – e olhe que a piada nem tinha sido tão engraçada. Matthew engasgou-se com seu suco, Nona abriu um sorriso com os lábios comprimidos e a senhorita Georgette desandou a rir. Eu viria a entender após algum tempo que, quando se está alegre, qualquer acréscimo é motivo para sorrir mais um pouquinho.

Eu e Matthew trocamos um olhar cúmplice por trás de nossos copos de suco de melancia. Pude ver que Nona e a senhorita Georgette faziam o mesmo de seus lados da mesa, porém os meus planos e os de Matthew passavam longe de suas confabulações casamenteiras.

Ah, eu mal podia esperar.

 

Finalizado o jantar, insisti em levar os dois para casa. A senhorita Georgette não era orgulhosa que nem a Nona, então eu senti que marquei um ponto com a guardiã de Matthew. Quer dizer, apesar de ela também saber que eu era uma farsa, creio que consegui convencê-la de que eu não era nenhum mau-caráter. Leal a Matthew, a senhorita Georgette não me contou absolutamente nada sobre o quadro.

A segunda-feira foi bastante atarefada. Com a chegada do Dia do Memorial, as encomendas e pedidos na loja triplicaram. Eu e Noelle corremos de um lado para o outro, porém conseguimos descasar ao final do dia por não termos ninguém para homenagear. Nona sempre ficava um tanto esquiva nesses tipos de feriados, porém eu me mantinha quieta em meu canto. Eu torcia para que o novo plano entre eu e Matthew me revelasse o suficiente de seu passado para que eu pudesse ajudá-la com suas questões pendentes. Amor se tratava daquilo... Afinal, ela já tinha me ajudado tanto...

O restante da semana dividiu-se ente trocar mensagens com Matthew e Sarah, comprar mais linha para os trabalhos no sábado, maquinar alguma forma de encaixar um encontro com a Nona e o senhor Bell e, é claro, nas horas vagas assistir Velvet. Recentemente, descobri que iriam lançar uma série derivada no próximo ano, então não poderia estar mais animada por conteúdo novo de algo que eu já conhecia.

Enfim, o sábado chegou com a perspectiva de uma dose de exibicionismo. Agora que eu já tinha certeza de que Matthew apareceria por lá, podia ficar despreocupada com o que podia ou não dizer. Não precisava de mais mentiras. Naquela tarde/começo da noite, Sarah Palmer terminou de me apresentar à Ed Sheeran enquanto dividimos os fones de ouvido, e eu pude ter minha consciência remida por não estar inventando história. Matthew viria, seria uma prova viva para as velhas fofoqueiras de plantão, e eu poderia viver em paz.

Naquela reunião, dei início a uma touca – a qual, sim, eu planejava inserir um pompom bem fofo – e admirei o trabalho das mais novas. Pensar em caridade naquela faixa etária era algo bastante admirável. Foi naquela reunião, inclusive, que descobri que May Geller tinha aptidão para moda e costura. Comentei sobre Velvet para ela – abrindo mão do meu ciúme em nome do bem maior – e fiquei feliz por conseguir fazer com que ela também me visse como uma pessoa que tinha gostos em comum, não só a pré-velha que lhe dava caronas ocasionalmente. A única que eu tinha dificuldades de me conectar era Angie, mas eu ainda tinha esperanças de reverter esse quadro.

Quando terminamos a sessão coletiva de costura e a maioria se dispersou para aproveitar dos petiscos, olhei pela janela e vi que Matthew me aguardava do lado de fora, recostado na pilastra da varanda. Abri um sorriso de felicidade e gratidão genuína e peguei apenas uma metade de sanduíche para não fazer desfeita do capricho de Nancy Goodwin, então anunciei com certo orgulho:

— Meninas, eu já vou indo... Minha carona chegou.

As minhas meninas vieram se avizinhar ao meu lado, cada uma eufórica em seu próprio nível, já as mais velhas emitiram um “uh” em risinhos maliciosos. Noelle não foi naquele dia, porque a semana havia a esgotado, entretanto eu ficaria muito feliz de atualizá-la do caso. Limitei-me a sorrir de forma bastante blasé, ao passo que Sarah suspirou.

— Isso é tão fofo... Ele veio te buscar, Ceci!

— Ele é bastante bonito, mesmo — Angie olhou por cima do ombro, dando o braço a torcer.

May apenas engoliu em seco, meneando a cabeça. Quanto a mim, bem... Eu não podia julgá-la nem um pouco. Tive a mesma reação que ela. Porém, enquanto elas focavam na beleza de Matthew e em seus supostos atos de romantismo para comigo, tudo em que eu conseguia pensar era em como eu gostaria que aquilo fosse real... E em como tudo acabaria em breve.

Eu só podia torcer para o tempo pegar leve comigo, enquanto isso.


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