Ciúmes entre páginas escrita por WinnieCooper, p carter


Capítulo 1
Único


Notas iniciais do capítulo

Essa fanfic é como se fosse gêmea da outra que postamos ontem. Vocês entenderão quando lerem.
Eu só quero agradecer vocês que de alguma forma participaram do projeto esse ano, sendo leitores ou escritores. Não foi fácil administrar nesse dezembro. Mas vencemos.
Obrigada a Paty pela parceria e por sempre acreditar em mim e me conhecer melhor do que eu quando dizia que não daria conta.
Um lindo 2022 a todos e que esse novo evento na vida se torne único e modificador. ❤️



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Desde que me lembro, Hermione sempre tem um livro consigo. Na primeira vez que bati os olhos nela, ainda com onze anos, ela estava com um livro a tiracolo, falando rápido demais sobre como entendia tudo com seu nariz empinado e enrugado, eu amo esse nariz empinado e enrugado, amo o beijar e o deixar relaxado quando ela briga comigo por deixar a casa bagunçada. Mas entenda, estou cansado deles: dos livros. 

Eu sei, você deve estar se perguntando, como posso me cansar de objetos inanimados? Oras, é simples, eles tiram a Hermione de mim! 

Admito, são ótimos melhores amigos de minha esposa, nos ajudaram muito em Hogwarts, descobríamos sobre os mais profundos segredos, nos ensinavam as melhores poções e nos indicavam o caminho certo a seguir. Mas não gosto deles, os detesto, na verdade, por todos os lugares que olho em minha casa os vejo, estão por toda parte. 

Tem livros na cozinha porque minha esposa quer aprender a cozinhar, mesmo que cozinhar seja mais instinto que seguir palavras impressas. Tem revistas no banheiro para passar o tempo quando estamos ocupando o vaso sanitário, tem uma biblioteca enorme na estante da sala, todos os livros que ela estuda incansavelmente, sua profissão exige que ela saiba todas as leis e que entenda a história da magia. Temos livros no nosso quarto, esses ela lê para se distrair. Já viu alguém ler para se distrair? Até no quarto de Rose, que ainda é um bebê, temos uma pilha de livros. 

Bom, minha esposa lê, e ela gosta muito disso. Ela sorri com os olhos quando está concentrada neles, os livros, suspira e funga pelo nariz reagindo às palavras de sua história que lê para se distrair. Às vezes até chora. Se emociona e abraça o objeto dizendo obrigada. Que é o que está fazendo exatamente agora enquanto a observo de rabo de olho. 

— Ah, Rony, você devia ler esse livro, é tão emocionante, nos ensina tanto… Nunca vou esquecer tudo o que vivi com ele. 

Com essa fala de minha esposa você entende porque odeio esses objetos inanimados. Sua mais nova obsessão era um tal de Victor. Posso ouvir sua voz irritada dizendo: “Victor Hugo, Rony! É Victor Hugo”, mas a única coisa que meu cérebro capta é esse nome infeliz — Victor. Como se já não bastasse ter que dividir Hermione com livros, ainda tenho que dividir justamente com esse tal. Tudo começou quando ela decidiu apresentar a Rose um desenho trouxa chamado O Corcunda de Notre-Dame, explicando para nossa filhinha que, repito, ainda é um bebê, que se tratava de uma linda história que nos ensina a respeitar as diferenças. Rose a olhava atenta, ela adora observar a mãe, enquanto Hermione seguia entusiasmada contando que a história era baseada num livro desse tal de Victor. 

Na mesma noite ela já estava com um dos benditos livros de Victor na mão. E desde então não parou mais. Para minha infelicidade, Rose, ao invés de se assustar com o Corcunda, simplesmente adorou o filme e pedia todos os dias — todos os dias! — para assistir novamente enquanto Hermione fazia sua própria maratona de leitura. O favorito da vez era Os Miseráveis. Miseráveis mesmo, se é que me entendem. Havia até filme deles. Agora, quando não era o Corcunda, eram Os Miseráveis. Hermione quase me fez ir ao teatro assistir à peça. Eu sinceramente já não sabia mais o que eles poderiam inventar com essa história — anos depois descobri que não poderia estar mais enganado: fizeram um novo filme com as músicas da peça. Eu já estava no meu limite!

Miserável era o nome do livro, peça, filme, musical, mas miserável se encontrava eu! Eu era o miserável em pedir esmolas de atenção da minha esposa por causa desse livro. Se não era o Victor a receber sua atenção, Rose pegava o resto para si. Eu estava realmente incomodado com essa situação toda. 

— Devia tentar ler se está com tanto ciúmes assim de um autor de livro. 

O quê? Que audácia a dela dizer que estou com ciúme de um autor de livro! Olhei emburrado para ela. 

— Ou melhor, ciúmes de um livro em específico. Os Miseráveis é um ótimo clássico para começar sua vida de leitor de livros trouxas. 

Livros trouxas. Livros trouxas! Eu não lia nem para estudar para as provas em Hogwarts. Eu não lia nem para fazer as redações quilométricas do Binns em História da Magia. De certo, vou ler um livro trouxa para me distrair! Especialmente um que rouba a minha esposa de mim e que ainda foi escrito por um tal de Victor. 

Peguei o exemplar na mão numa manhã que Hermione resolveu dormir um tempo a mais. Ela nunca fazia isso. Rose estava ressonando do lado dela na nossa cama, as duas abraçadas, uma das imagens mais lindas que já presenciei. Queria tanto um segundo filho, faz algumas semanas que pedi a Hermione para parar os remédios, mas ela sempre muito metódica e organizada descartou na hora dizendo que tinha planos para Rose crescer até os 4 anos para depois querer um segundo filho. Não tive outra reação a não ser aceitar.  Estranhamente naquele dia eu estava com insônia. Eu falei de manhã ali em cima, mas, na verdade, estava mais para madrugada: eram cinco da madrugada quando abri os miseráveis na nossa sala para folhear. 

Eu percebi que o livro era pesado, mas todos os livros de Hermione eram pesados. Fui logo começando a ler pela parte principal, ou seja, abri pelo final e pensei em começar a ler como o livro terminava. 

Vai me dizer que você nunca fez isso? 

Oras é uma ótima estratégia, devia tentar. Porque assim que bati o olho no final da página, no canto direito, onde estava escrito a quantidade de páginas que o livro tinha, eu quase desmaiei. 

Mil quinhentas e onze páginas!

Isso mesmo! Mil, quinhentas e onze páginas. 

Mil! Mil! Não só mil! Mil e mais metade de mil! 

É claro que achei ele grande demais, pesado demais, mas estava acostumado a ver minha esposa com vários exemplares parecidos com esse. Mas mil! Mil e quinhentas páginas?! 

Dá pra assassinar pessoas com esse livro, e não é pelo peso dele, mas sim pela quantidade de páginas. 

Só Hermione para amar isso. O que me deu mais raiva ainda do Victor. Que audácia a dele escrever um livro gigante, de mais de mil e quinhentas páginas, e ainda se chamar Victor. 

Eu bem que tentei estabelecer uma relação mais saudável com ela e seus livros, como fiz quando ela estava obcecada por flores e canteiros, mas ler sobre flores e entender sobre elas não me fazia enfartar por elas simplesmente existirem. 

— O que está fazendo? — a voz dela soou atrás de mim e eu senti meu coração disparar. 

Hermione me observava no sofá com o objeto que poderia enfartar famílias inteiras na mão. Fui pego com a prova do crime. 

— Está tentando ler Victor Hugo? — ela riu com um ar presunçoso na cara. Uma das minhas feições preferidas dela é essa quando ela descobre algo com seu cérebro brilhante. 

— Eu? Eu tentando ler? Estava só tirando ele do caminho, deixou ele no sofá ontem. 

— Sei. — ela levantou as sobrancelhas sabendo que eu mentia. Eu nem lembrava de onde tinha tirado o livro essa manhã, mas Hermione parecia saber que o livro não estava no sofá. — Sabe Ron, estive realmente pensando e… Queria tanto ver aquela peça de Os Miseráveis, vai estar em cartaz até sábado. Podemos deixar a Rose com Harry e Gina e… 

Revirei os olhos diante do pedido dela, todos os dias eu só escutava ela falar de Os Miseráveis.

— Hermione, eu que sou um miserável. Eu! Entenda! Eu não aguento mais ouvir falar desse livro. 

Um argumento plausível você há de concordar comigo, mas Hermione começou a rir. Riu tanto ao ponto de colocar suas mãos sob a barriga. 

— Vou assistir à peça, nem se for só eu e Victor Hugo.

— Victor? — Ela tinha coragem de dizer que iria com Victor ver a peça? 

— Oras, levarei o livro na bolsa. Ciumento. 

Foi desta forma que Hermione me convenceu a assistir à peça. Lá estava eu em plena sexta-feira à noite vestindo um bendito fraque — que desta vez não era nem de perto tão ridículo quanto o do baile de inverno — e tentando aprumar os cabelos. Hermione já me esperava impaciente no andar de baixo. Quando ela estava prestes a gritar o terceiro “Ronald, pelo amor de Deus, vamos nos atrasar!”, eu apareci esboçando um sorriso inocente que foi respondido com um revirar de olhos de Hermione. 

Sugeri que aparatássemos em um beco próximo a West End, mas Hermione insistiu em ir de carro, então acabei cedendo já que era ela quem iria dirigir. Enquanto íamos em direção ao Teatro Sondheim, ela me explicava que a rua era quase uma Broadway londrina, devido a grande quantidade de teatros e espetáculos. A pergunta que fica é: o que é uma Broadway? Mas, tudo bem. Pelo menos por enquanto ela não falava sobre o tal de Victor.

Mas, minha tranquilidade não durou muito tempo. Afinal, estávamos indo assistir a peça, não é mesmo? Acho que foram as duas horas e meia mais longas de toda a minha vida! Devo ter cochilado na música do padre porque senti um beliscão de Hermione no meu braço na mesma hora em que o padre começou a cantar alto abafando meu “AI!” — juro por Deus, ela calculou a hora de me beliscar! Os prós e contras de se casar com uma sabe-tudo. 

— Ronald, você está dormindo no meio do espetáculo! — ela disse sussurrando para mim.

— Eu não estava dormindo! 

— Eu te ouvi roncando daqui! Francamente! 

— Você só pode estar ouvindo coi.. 

— Silêncio! — ouvimos alguém reclamar perto de nós e nos calamos. Hermione automaticamente voltou a ficar vidrada no espetáculo. E eu… Bem, pelo menos eu estava lá. Quer dizer, eu não entendia como um livro de mil e quinhentas páginas podia ter música. Pelo menos não achava que livros trouxas tivessem esse tipo de coisa. Além do mais, era difícil se concentrar com aquela cantoria toda. Música atrás de música atrás de música… Céus, aquilo não ia pra canto nenhum… Mas, devo admitir que a música seguinte me manteve acordado: não tinha como dormir com as mulheres se estapeando enquanto cantavam! E depois a mulher cantando que sonhou um sonho!

— Rony, você está chorando?

— … Não! É que… A Fantine perdeu tudo, Hermione! E ainda morreu!— eu fui obrigado a admitir. Até porque a mulher tinha mesmo perdido tudo! O cabelo, os dentes… Nem perto da filha ela podia ficar! Eu não tinha mais o emocional de uma colher de chá, no fim das contas. E a maldita música da morte ainda era parecida com a do sonho! Mas, para todos os efeitos eu estava entediado. 

Lá pelo meio da peça ainda apareceu uma mulher tão desprezível quanto Bellatrix Lestrange. Simplesmente insuportável! Eu tive que me forçar para não revirar os olhos. Mas, céus! O ritmo era bom! Agora o elenco inteiro da peça estava no palco cantando. A música era incrível e, devo admitir, fiquei impressionado com a sincronia. 

— Ora, ora, quem é que está chorando agora? — não resisti e alfinetei minha esposa, que apenas revirou os olhos e aceitou o lenço que eu lhe oferecia. Depois disso, ainda deve ter tocado mais umas dez mil músicas, mas só consigo lembrar da moça que cantou sozinha no palco — ela era muito boa mesmo! —, e do tal Jean Valjean que também cantou sozinho em algum momento. Jean Valjean! Eu havia até aprendido o nome do cara. Tinha simpatizado mesmo. Imaginem meu choque quando no final da peça o cara simplesmente morre! Isso mesmo: morre!

— Como assim ele morre, Hermione? Que espécie de história é essa que mata o personagem principal? Isso deveria ser proibido!  — eu perguntava a ela enquanto voltávamos para casa. 

— Mas, faz parte da história, Rony! E não foi só ele que morreu.

— Pior ainda! A gente passou duas horas e meia no teatro pra no final todos eles morrerem??? É um absurdo! E aquela moça! Acho que é Eponine, certo? Ela cantou aquela música bonita pra no final morrer? Eu nunca mais ponho os pés aqui! — eu disse, completamente indignado enquanto minha esposa ria. Isso mesmo, ela ria da minha cara! — Eu não vejo graça nenhuma, Hermione. 

— Como você é dramático, Ronald!

— Dramático? Eu?? E esse seu Victor Hugo que sai matando personagens por aí? 

— Quer dizer que se você fosse escritor não mataria ninguém?

— É óbvio que não! Não sei que graça você vê nesse seu Victor Hugo. 

— Eu vejo muita graça, inclusive. Tenho certeza que ele gostou da peça. — então ela havia trazido aquela monstruosidade de mais de mil páginas ao teatro! 

— Sabe, Hermione, acho que você precisa conhecer o conceito de limites. 

— Como é que é?

— Ora, você acabou de dizer que tem certeza que o Victor Hugo gostou da peça! Na certa, você deve ter trazido o livro pra cá. 

— É que ele sempre anda comigo! É melhor você ir se acostumando!

— Pois se fosse pra você sair com um livro, eu nem teria ido! — suspirei frustrado. — Eu nunca vou me acostumar com isso! 

 — Então você tem nove meses para mudar de ideia.

— Nove meses? — perguntei enquanto assimilava o que ela me dizia. Hermione sorriu e acenou com a cabeça. — Quer dizer que você…

— Sim, Rony! Nós vamos ter mais um bebê! — naquele instante, eu não resisti e agarrei minha mulher no meio da rua. A levantei no ar e girei completamente extasiado de alegria. Sob os protestos de Hermione, enfim a coloquei no chão. Avistei um casal desconhecido que passava perto de nós naquele momento e simplesmente berrei “NÓS VAMOS TER UM BEBÊ!”. O homem pareceu se assustar quando ouviu minha voz, mas ele e a esposa sorriram amigavelmente e nos felicitaram. Era minha deixa: corri em direção ao estranho. E foi assim que abracei Draco Malfoy no meio da rua, mas a adrenalina do momento era tanta que nem liguei.

— Então, só pra confirmar: você não trouxe o livro com você, certo?

— Não, Rony! Eu não trouxe. Pelo menos não esse. — ela falou a última parte quase sussurrando; mas, para mim não era nenhuma novidade: Hermione sempre andava com um livro na bolsa. — Mas, de qualquer forma, se for menino acho que já tenho um nome. — ela completou depois que me recuperei do surto de felicidade. 

— Hermione, se você falar Victor… — eu comecei a protestar antes mesmo que ela sequer sugerisse uma blasfêmia dessas.

— Hugo!

— Hugo?

— É. Hugo! H-U-G-O. Hugo.

— Hmmm. Só Hugo, né? Hugo. — eu falava como se estivesse experimentando o nome. — É! Hugo é bem melhor que Victor! 

E era mesmo. E melhor que o nome, era o garotinho de cabelos vermelhos e olhos castanhos que peguei no colo naquela manhã de agosto. Tão pequeno e tão perfeito que eu mal podia acreditar que era meu filho. Agora eu tinha uma flor e um escritor. E pensar que um dia eu torci o nariz para os dois! Mas, é quase como eu disse da última vez: foram entre as páginas que o ciúme nasceu, mas foi entre elas que o meu mais novo autor favorito apareceu.  


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