A Garota que Eu Conheci na Igreja escrita por Binishiusu Sensei


Capítulo 22
Assunto Encerrado




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— Muito bem pastor, se é isso que o senhor quer - respondeu Jéssica, que mais uma vez, fitou Yumi com um olhar de quem está saboreando o sofrimento alheio.

Houve silêncio absoluto dentro da sala. Todos estavam olhando para a Jéssica, aguardado para saber o que a garota iria dizer. Yumi estava ofegante e não era mais capaz de disfarçar o seu desespero. Seu pai a observou, e também começou a parecer nervoso.

O ancião tarado que estava observando as pernas de Sara também estava olhando para Jéssica. Mas não era possível saber se ele estava prestando atenção na situação ou no corpo da adolescente diante dele. Cláudio, pai de Jéssica, estava em silêncio, com uma feição satisfeita, de quem está confortável com a situação.

Rodrigo estava atordoado e esperando pela frase de Jéssica. Mesmo já tendo se perdido nas nuances da conversa, estava ansioso pela confirmação da acusação. Sara, por sua vez, estava quase tendo um colapso. Sentia seu coração batendo com tanta força que estava quase doendo. Tentava pensar em estratégias para resolver a situação, mas, diante daquele nível de pressão psicológica, não estava sendo capaz de formular nada.

Por fim, o pastor, que não parecia muito contente com a atitude petulante de Jéssica, declarou - Então, você tem uma prova ou não?

— Sim pastor, eu tenho uma prova - respondeu Jéssica, com um sorriso debochado, enquanto revirava sua bolsinha em busca do seu celular.

Meu Deus, por favor, não. Não me diz que ela tirou uma foto nossa... Por favor, não seja isso. Eu não vou conseguir viver se me separarem da Yumi - pensou Sara, enquanto assistia o breve momento que precedia a próxima fala de Jéssica.

Então, num gesto teatral, Jéssica retirou o celular da bolsinha. Depois de mais um olhar para Yumi, seguido de um breve momento em que ela desbloqueou a tela e abriu a galeria de fotos, disse - pastor, essa aqui é a prova da minha acusação.

O pastor fez uma expressão de espanto. Então disse - me dê o celular, por favor, quero ver mais de perto. - Então, Jéssica foi até o pastor, deu um zoom na foto e entregou o celular pra ele. Por fim, o pastor disse - então está confirmado, a Sara e a Yumi estavam...

Após dizer essas palavras, o pastor segurou o celular na altura do rosto, para que todos pudessem ver a foto. Esta, mostrava o momento em que Sara e Yumi estavam se beijando no bosque. A foto havia sido feita com um iPhone, então por causa da qualidade, era indiscutível que as pessoas da foto eram elas.

  O ancião tarado olhou para a foto em silêncio. Cláudio fez uma expressão de satisfação. Jéssica ainda estava olhando para Yumi com cara de deboche. O pastor parecia espantado. Yuji estava imóvel, sem esboçar reação. Yumi estava chorando, tentando sem sucesso impedir que as lágrimas escorressem pelo seu rosto. Sara estava paralisada, não era capaz de falar, pensar e nem se mexer.

— Cláudio, se você tinha uma prova desde o início, por que você não me mostrou, pra que tudo isso? - disse o pastor, parecendo irritado.

— Perdão pastor, mas como eu disse antes, me pareceu relevante saber se elas iriam confessar ou não. O senhor concorda que isso mostra um ponto muito negativo no caráter das duas - respondeu Cláudio, de forma evasiva.

— Isso não justifica o fato de você não ter mostrado a foto pra mim antes. Depois discutiremos essa sua atitude - respondeu o pastor, mais irritado do que antes.

Então, pela primeira vez na conversa, o ancião que estava olhando para Sara se pronunciou. - Pastor, agora que esse fato foi esclarecido, qual vai ser a sua atitude? Elas não podem sair daqui sem uma disciplina, elas cometeram um pecado muito grave.

— Pastor, é óbvio que elas estão num relacionamento. Como são melhores amigas desde crianças, devemos considerar que elas estão fazendo esse tipo de coisa há tempos - disse Cláudio.

— Exatamente, mas elas são mentirosas, se perguntarmos, vão dizer que só se beijaram dessa vez - disse Jéssica, aproveitando a frase do pai.

— Concordo com a filha do Cláudio - disse o ancião tarado. - Elas não são confiáveis, não podemos considerar nada do que elas nos disseram.

— Pastor, elas cometeram uma abominação. Se o senhor permitir que elas continuem vivendo dessa forma, nenhuma das duas irá para o Céu - disse o ancião tarado, num tom que soava muito preocupado.

— De fato, pastor, elas precisam ser disciplinadas e separadas. Se o senhor não se assegurar disso, o culpado por elas irem para o inferno será o senhor. Por favor, pastor, faça o que deve ser feito - disse Cláudio, de forma muito incisiva.

— Não fale isso como se eu fosse um leigo no assunto, Cláudio - respondeu o pastor, visivelmente irritado.

— Sim, precisamos separá-las e dar uma disciplina pra cada uma... - Disse o pastor, antes de ficar em silêncio, imerso em pensamentos.

Nesse momento, Sara se sentiu horrível. Se alguém lhe pedisse para descrever a sensação, não saberia como formular. Nesse momento, pensava - Então é assim que termina? Seremos separadas? Seremos punidas por amar? É assim que vai acabar nossa história de amor?

— Yuji e Rodrigo, tomem as providências necessárias para encerrar o relacionamento das suas filhas. Não permitam nem que elas sejam amigas. A disciplina de cada, além da separação, será de ficar um ano sem poder realizar atividades na igreja. Como elas ainda são menores de idade, acredito que possam se recuperar dessa doença e possam ser normais de novo - disse o pastor, precisando recuperar o fôlego antes de continuar.

— Esse é o motivo pela qual não irei pedir que elas sejam retiradas da lista de membros da igreja. O sucesso disso depende da forma como vocês irão administrar a recuperação delas. Sejam eficientes e façam tudo o que for necessário. - Disse o pastor, fazendo um breve momento de silêncio.

Então, ordenou - Cláudio, ache uma pianista para substituir a Yumi, precisamos de uma nova pianista regular.

De súbito, Sara sentiu uma mão pesada lhe dando um tapa no meio do rosto. Ficou atordoada por um segundo, depois, olhou para quem havia lhe dado o tapa.

Viu que tinha sido o seu pai. Ele estava ofegante, com os olhos esbugalhados é muitíssimo irritado.

— Pastor, peço desculpas por ter cometido essa falha na criação da minha filha. Não se preocupe, irei me encarregar de fazer o que o senhor pediu. Sei exatamente o que fazer.

Sara, que ainda estava sentindo a dor do tapa, percebeu que havia começado a escorrer sangue do seu nariz. Olhou para o pai com cara de espanto, perplexa com a atitude dele. - Ele me bateu? Simples assim? Na frente de todo mundo? Que vergonha, o que ele tem na cabeça? - Ainda estava com esses pensamentos quando sentiu mais um tapa, que dessa vez acertou na parte esquerda do seu rosto.

— Pastor, da minha parte esse assunto está encerrado. Minha filha será disciplinada em casa de uma forma condizente com a gravidade do pecado que cometeu. Esse tipo de coisa nunca mais irá se repetir. Yuji, não quero mais saber da sua filha se aproximando da minha. Venha Sara! - Vociferou Rodrigo, agarrando Sara pelo braço e a puxando com força.

— Não, espera, me deixem explicar - berrou Sara, vendo Yumi chorando enquanto a olhava de volta.

— Senhor Rodrigo, por favor, não machuque Sara - disse Yumi, como se ela mesma estivesse sentindo dor.

Rodrigo pareceu não se importar com o pedido. Apenas puxou Sara junto de si e a tirou de dentro da sala. Ele bateu a porta ao sair e continuou puxando-a pelo braço. Quando estavam quase de volta ao carro, Sara implorou - pai por favor, me deixa voltar lá. As coisas não precisam acabar assim, eu e a Yumi estarmos juntas não é um pecado ou uma coisa ruim.

— Cala a boca! - Vocês estão completamente erradas. Isso não é natural, não é assim que as coisas funcionam.

— Pai, por favor - implorou Sara.

— Já mandei calar a boca. Entra no carro.

Sara não entrou, ficou parada, olhando para o pai. Em resposta, Rodrigo a empurrou para dentro do carro e fechou a porta. Então, ligou o carro e foram pra casa. O caminho de volta foi mais caótico do que o de ida. Rodrigo estava descontrolado no trânsito. Dirigiu em alta velocidade e sem nenhum cuidado. No meio do caminho, por pouco não atropelou um pedestre desatento.

Não tem mais nada que possa fazer? Será que eu deixei passar alguma coisa? Precisa ter um jeito, não posso desistir ainda. A Yumi ainda deve estar lá, agora toda a atenção da conversa vai ser concentrada nela. O que a Jéssica vai fazer? Agora que eu não estou lá ela vai conseguir manipular a conversa livremente.

Ela está fazendo isso para prejudicar a Yumi. Mesmo me esforçando ao máximo, tudo o que eu pude fazer foi atrasar a o plano dela. Eu preciso voltar lá, ou a Jéssica vai atacar a Yumi com tudo o que ela ainda tiver.

— Pai, por favor, precisamos voltar agora - implorou Sara mais uma vez.

Rodrigo não respondeu. Apenas continuou dirigindo, com os olhos na rua e bufando, parecendo muito bravo.

— Pai, você não precisa encerrar a discussão dessa forma. Nós podemos voltar lá e conversar. Já disse, não há nada de errado no que estamos fazendo. Amar é uma coisa boa - disse Sara, tentando ser persuasiva.

— Isso não é amor, garota. O que vocês fizeram foi uma abominação, é uma forma de adultério - respondeu Rodrigo, num tom cortante.

— Pai, nem eu nem ela ficamos com outras pessoas. Fomos fiéis uma à outra desde o dia um. Isso não é adultério, é amar - respondeu Sara, se esforçando para parecer convincente.

— Você não entendeu nada! Já disse que isso não é amar. Vocês são duas garotas, não tem como vocês namorarem e se amarem. Deus não aprova isso, ele fez Adão e Eva, um homem e uma mulher. Essa é a única possibilidade - respondeu Rodrigo, precisando se esforçar para falar enquanto dirigia.

— Claro, Deus fez um homem  e uma mulher heterossexuais para começar a humanidade com pessoas que teriam filhos, para que o mundo ficasse cheio de pessoas. Mas o mundo já está cheio de gente, eu me relacionar com uma mulher não causa prejuízo nenhum pra ninguém. Pai, é uma questão de lógica! - Disse Sara, dessa vez perdendo a paciência.

— Eu já mandei você calar a boca. Quem não entendeu a lógica de como as coisas funcionam é você. Fica quieta, não quero mais ouvir sua voz - respondeu Rodrigo, desta vez, mais contido. Porém, parecendo fazer um esforço considerável para não se render à própria raiva.

— Pai, por favor me leva de volta. Isso que está acontecendo não é justo - respondeu Sara, olhando fixamente para o pai. Com um olhar que implorava pela aceitação do seu pedido.

— Eu te ensinei que isso é errado. A igreja te ensinou que isso é errado. A igreja sempre está certa no que diz, então, você está indo completamente contra tudo o que te ensinamos e ao que é correto - respondeu Rodrigo, parecendo menos contido.

— Pai, isso não é contra nenhum princípio do cristianismo, não afeta em nada minha religião - respondeu, de forma sincera.

— Se você acha que isso não afeta a sua religião é porque você não entendeu nada do que te ensinamos - respondeu Rodrigo, no mesmo tom de antes. Nesse momento, chegaram em casa.

— O mandamento diz não "adulterarás". Nunca adulterei e nunca farei isso porque iria machucar a pessoa que eu amo. Não é isso o que importa num relacionamento entre duas pessoas? Amar, respeitar, entender e apoiar? - Indagou Sara, num tom de voz que indicava que ela de fato acreditava nas próprias palavras.

— Isso que você fez com a sua amiga não foi amar, foi estragar uma coisa básica da vida. Homens ficam com mulheres, é assim que funciona. É a natureza, Deus fez assim, é uma coisa óbvia. É igual um furo de tomada... Só funciona se tiver macho e fêmea.

Credo, ele realmente pensa isso? - Pensou Sara, ainda se esforçando para continuar sua argumentação.

— Eu odeio esse tipo de gente. Eles não prestam, são doentes, loucos, depravados e estranhos. Todos eles vão pro inferno por causa disso. Você é minha filha, não vou permitir que você faça esse tipo de coisa nunca mais na sua vida - disse Rodrigo, ofegante e parecendo prestes a tomar uma decisão.

— Eu falei pro pastor que esse era um assunto encerrado e que eu iria fazer o que precisa ser feito. O que eu vou fazer daqui pra frente pra consertar a merda que você fez é culpa totalmente sua. Desce do carro! - disse Rodrigo, que logo saiu e fechou a porta.

Não adianta eu ficar aqui só pra contrariar ele... Que sensação horrível, é como se a minha vida estivesse desmoronando. Mesmo assim, não posso ficar sem fazer nada, preciso continuar tentando. Parece impossível de resolver, mas eu ainda tenho determinação sobrando. Não vou desistir agora.

Mesmo dizendo essas palavras de encorajamento para si, sua determinação estava por um fio. Sara estava bem perto de não conseguir mais administrar as próprias emoções naquele momento.

Ela desceu do carro e entrou com Rodrigo dentro de casa. Rodrigo entrou na frente, Sara foi logo em seguida e fechou a porta. Logo após o momento em que Sara fez isso, Rodrigo lhe acertou mais um tapa no rosto. Este foi bem mais forte do que o anterior.

Ao receber o tapa, Sara titubeou e quase caiu. Então, com a dor do tapa, sentiu um novo pensamento e aceitou a dura realidade daquele momento - entendi... É isso, eu perdi. Não tem como eu convencer o meu pai. A mente dele é fechada demais. Ele nunca vai aceitar o tipo de pessoa que eu sou. Ele nunca vai entender a forma como eu amo a pessoa que é especial pra mim. Ele nunca vai me aceitar.

Agora, não importa o quanto eu implore ou argumente, ele não vai me levar de volta pra igreja. A Yumi está lá, sozinha, sendo massacrada pela Jéssica. Meu pai não vai permitir que eu volte lá e a ajude. Não vou poder proteger a pessoa que eu amo. Nesse momento, não posso nem proteger a mim mesma.

Sara ainda estava se recuperando do tapa, quando recebeu mais um, com a mesma força do anterior. Dessa vez, por não estar bem equilibrada, tropeçou e caiu. Então, Rodrigo disse - isso é o resultado do que você fez. Esse é o resultado do pecado que você cometeu.

Ao ouvir essas palavras, Sara começou a chorar. Estava sentindo dor por causa dos tapas, mas o seu choro era por ter falhado em cuidar da Yumi. Rodrigo viu que Sara estava chorando, mas não se compadeceu. Em vez disso, agarrou Sara pelo braço, a levantou do chão e a empurrou.

— Vai pro seu quarto - berrou Rodrigo.

Atônica, Sara obedeceu. - É igual quando ele me batia quando eu era criança. Ele não mudou nada. - Com esse pensamento, ela acessou aqueles velhos sentimentos negativos e de dor que vinham do seu relacionamento com o seu pai. Nesse momento, entrou num estado emocional que apenas sentia nesse tipo de situação.

Mais lágrimas escorreram pelo seu rosto enquanto ia até o quarto. Seu pai foi junto com ela. Ao entrar, tirou a cinta que estava usando na calça e a dobrou. Sara olhou para Rodrigo e entendeu o que aquilo significava. Então, instintivamente, fez igual quando era criança, virou de costas para o pai e se ajoelhou no chão. Pronta para ser punida pelo seu erro.

No breve momento antes de receber o primeiro golpe, as lembranças das outras vezes em que tinha sofrido violência física voltaram para a sua mente. Então, a memória das dores antigas foi interrompida pela dor do momento presente. A cinta tinha lhe acertado no ombro e em parte das costas.

Ao sentir o golpe, Sara contraiu toda a sua musculatura. - Isso realmente doeu. Ele não vai aliviar as cintadas, ele vai me bater com toda a força que tiver. - Então, sentiu medo. Se sentiu pequena. Se sentiu como uma criança que era incapaz de amarrar os próprios sapatos. Logo após, veio a segunda cintada, a terceira e a quarta...

Depois de passar vários minutos apanhando, Sara já tinha perdido a conta de quantos golpes tinha levado. Não conseguiu mais organizar seus pensamentos depois da vigésima cintada. Estava sentindo muita dor e estava chorando como quando era criança, com muitas lágrimas nos olhos e gemidos de dor. Suas costas estavam cheias de cortes, vergões e hematomas.

Estava sentindo uma dor como nunca havia sentido. Aquela, sem dúvida havia sido a pior surra da sua vida. Então, por estar com o braço cansado de tanto golpear, Rodrigo se retirou do quarto. Parecia cansado e estava ofegante. Sara o observou fechando a porta do quarto ao sair.

Ela estava jogada no chão, sem ter forças para sair do lugar. Não conseguia se mexer sem que sua dor aumentasse ainda mais. Naquele momento, Sara estava sentindo a maior dor física que havia experimentado em toda sua vida. Somado a isso, lidava com a dor emocional de ter sido maltratada pelo pai; lidava com a preocupação com Yumi, que havia ficado sozinha na reunião com o pastor; lidava o medo de nunca mais poder ficar junto da pessoa que amava e lidava com a culpa por não ter impedido isso tudo de acontecer.

Então, segundos antes de perder  a consciência por causa dos ferimentos, disse em pensamento - Yumi... Eu tinha prometido que não iria deixar que descobrissem sobre nós... Por favor, me perdoa.

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Obrigado a todes por terem lido. Até a próxima sexta-feira amigues ;)


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