A Neve do Ano Passado escrita por Valk


Capítulo 1
She's a fairytale


Notas iniciais do capítulo

Essa one é toda sua, Madu!

Tenham uma boa leitura e encontro vocês nas notas finais (e nos comentários, por favor)!

*Nisse: Gnomo
*Julenisse: Gnomo de Natal (mais importante que o Papai Noel na Noruega)

Música escolhida: Fairytale (Alexander Rybak)



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Todas as vezes que passo por essa rua sinto um cheiro doce no ar. É véspera de Natal em Stavanger. Aqui e no resto do mundo, Edward. Mas em Stavanger essa é a melhor época do ano, a mais especial, iluminada, doce, familiar e mágica época do ano. Há um sentimento palpável de que algo incrível e inesperado irá acontecer, como em um conto de fadas. 

Em Ovre Holmegate, a famosa rua dos prédios coloridos, um tapete de luzes foi estendido acima de nossas cabeças e daqui a pouco, quando a noite enfim chegasse, o brilho das pequenas lâmpadas se uniria ao brilho das estrelas e todos que passassem por ali ficaram encantados com o olhar voltado para o norte. 

Enquanto me aproximava da casinha rosa, a mais chamativa da rua, observei Katrina na calçada consertando a decoração das mesas. O perfeccionismo de Kate triplica nessa época, mas quem passa pelo Denali’s Pub não tem do que reclamar sobre o espírito natalino. Quem frequenta sabe que com apenas duas taças de vinho já é possível acreditar que o próprio Julenisse* fundou o lugar. 

— Feliz Natal, Edward! — gritou Kate assim que parei ao seu lado.

— Feliz Natal, pequena nisse*. — desejei enquanto abraçava minha prima. 

— Preparado para hoje a noite? — perguntou tão ou mais ansiosa que eu.

— Essa é a última vez que vou tentar, Kate. — disse com firmeza. 

— Mas Edward…

— Não, Kate. Esse já é o terceiro Natal que eu espero reencontrá-la. — a interrompi com pesar.

— Terceiro já? Isso é ótimo, Edward! — a olhei com espanto. — Três e nove são números da sorte na Noruega, não sabia? — perguntou Kate com um olhar raivoso.

— Mais mitologia nórdica? — questionei exasperado enquanto me sentava em um dos bancos que delimita a calçada do pub. 

— Tem te dado muitas respostas nos últimos anos, certo? Você não está em posição de duvidar de nada, Edward. — concluiu e me deixou sozinho.

Kate estava certa. Um homem de 26 anos apaixonado por uma… enfim, eu não estava em posição de duvidar de nada. Mesmo. Inclusive percebi que isso estava me causando problemas quando no mês passado peguei meus alunos discutindo sobre gnomos na porta do banheiro dos professores e até hoje não voltei a usá-lo.

Essa noite eu iria me apresentar no pub como faço todos os anos nessa mesma época. Dessa vez, Kate sugeriu tentar algo diferente e montou um palco na parte externa para que mais pessoas pudessem acompanhar o show. E eu também resolvi surpreender e trazer algo novo, uma música nova.

Essa seria a primeira vez que eu me apresentaria com a música dela. Uma canção que escrevi especialmente para me declarar e eu esperava que fosse recíproco. Eu precisava que fosse recíproco. 

Caminhei até uma sala que Garrett, marido de Kate, chamava de camarim e resolvi ficar escondido ali até que fosse a hora do show. Peguei o meu violino e, enquanto apoiava o instrumento sobre o meu ombro esquerdo e posicionava o arco corretamente sobre as cordas, olhei para minha imagem no espelho. 

Durante toda a minha adolescência, tocar violino era a forma que eu encontrava para mostrar o que eu sentia. Eu não era violinista porque amava sonatas e músicas clássicas ou ainda porque admirava Vivaldi ou Mozart. Eu sou violinista porque na hora da dor, da raiva, da paixão, da emoção, eu abraçava o violino com meu maxilar e ombro, movimentava o arco com leveza e sentia como se fosse uma parte do meu corpo produzindo seu próprio som. 

Quando escolhi cursar a faculdade de música, havia um objetivo muito claro na minha mente: eu entraria para a Orquestra Filarmônica de Oslo. Sairia em turnê por toda a Europa com o meu violino e, futuramente, poderia assumir a direção dos concertos. Enquanto não alcançava meu objetivo, eu só queria viver de música o máximo que eu pudesse.

Na época, minha irmã Rosalie e minhas primas Irina e Tanya tinham uma banda chamada ‘Kos’ e começaram a me encaixar em suas apresentações.  Eram noites em pubs, finais de semana em festivais de rua e durante dois anos isso me deu uma nova perspectiva sobre a música. Por isso, quando no meu primeiro teste de audição para a Filarmônica me disseram que eu não tinha a elegância e a postura clássica de um violinista, eu aceitei com um aceno, mas não me rendi.

Ainda na faculdade me especializei em performance, e não mais por causa da orquestra, mas porque a minha paixão pela música implorava para que eu não desistisse. E eu continuei a tentar a vida apenas com meu violino. Hoje posso dizer que consegui e muito disso eu devo à ela

Fechei os meus olhos e pude sentir o perfume dela. Dava para ouvir as batidas do meu coração prestes a explodir no meu peito. Ela estava aqui, de alguma forma que eu ainda não entendia, ela estava em todos os lugares. Comigo. Há cinco anos. 

Comecei a afinar o violino com calma e, quando o som soou agradável aos meus ouvidos, dei início a introdução da música nova. Logo nos primeiros acordes me lembrei de como conheci a minha garota e sorri. Uma viagem de 7 horas de carro em um fim de semana comum mudou a minha vida. Em todos os sentidos. Tudo o que eu queria enquanto pegava a estrada que me levava de Oslo para Stavanger era um pouco de inspiração, mas ganhei bem mais que isso. 

 

23 de Abril de 2016

 

Depois de tanto tempo na estrada, eu desejava algumas horas de sono para estar no meu melhor estado, mas se eu quisesse mesmo entrar para a Orquestra Filarmônica de Oslo, eu precisava de cada minuto do meu dia buscando inspiração. Por isso, assim que cheguei em Stavanger, procurei o serviço de balsa para garantir minha ida até Florli. Lá era o meu destino final.

Assim que entrei na embarcação, subi até a parte mais alta e olhei para a imensidão do mar que iria ser o meu chão pelos próximos noventa minutos. Fiz uma prece para que esse momento fosse bom, inspirador, apaixonante e libertador. Era o que eu desejava passar no solo que iria compor para a audição da Filarmônica.

— Parece que o vento vai nos levar sentindo daqui de cima, né? — disse uma garota ao meu lado me assustando. Essa garota já estava aqui quando cheguei? Não ouvi nenhum passo se aproximando. Eu estava divagando tanto assim? — Me desculpe se te assustei, não era minha intenção. — acrescentou com a voz doce e abaixou a cabeça com um sorriso sem graça.

— Não precisa se desculpar, eu estava distraído com a paisagem. — disse enquanto a observava virar o rosto em minha direção novamente.

A garota tem um rosto semelhante ao de uma boneca, parecia milimetricamente calculado e bem desenhado. O Sol, mesmo fraco nessa manhã, incidia sobre os seus olhos e cabelos castanhos, mudando-os de tom, iluminando todo o seu rosto. Confesso que perdi o fôlego por alguns segundos, ela é linda, naturalmente linda, uma beleza incomum por aqui.

— É a sua primeira vez aqui? — perguntou enquanto gesticulava apontando o fiorde ao nosso redor. 

— Já naveguei por aqui antes quando era pequeno, mas nunca cheguei a Florli. Você já? — perguntei e a observei soltando uma risadinha que me encantou e ao mesmo tempo me deixou intrigado. O que era engraçado? 

— Já perdi a conta de quantas vezes estive aqui. — disse sorridente. — É como se essa montanha fosse minha. — completou com um suspiro. Eu poderia dizer que ela era uma amante da natureza, uma ambientalista talvez? 

Quando pensei em perguntar mais sobre quem ela era, uma voz saiu do alto-falante convidando os tripulantes a caminharem para o lado direito da balsa. A garota fez um sinal para que eu fosse na frente e, quando me aproximei da borda do barco e olhei para cima, senti o impacto de estar naquele lugar. Não dava para ver o fim daquela montanha e isso ao mesmo tempo que me apavorava, me emocionava.

Mesmo não sendo religioso, olhar para a natureza naquele lugar era como contemplar Deus. Quanto mais eu admirava o que estava diante dos meus olhos, mais perto de uma oração os meus pensamentos chegavam. 

Olhei na direção da garota que acabei de conhecer e ela também me observava… encantada? Quando pensei em falar algo, ela colocou a mão em meu rosto e enxugou uma lágrima que involuntariamente saiu dos meus olhos. Sem graça, dei um passo para trás.

— Não acredito que estou chorando por isso. — disse tentando fazer graça da situação. Ela pareceu não se importar e colocou a mão em meu ombro.

— Fico feliz que seja capaz de se emocionar com todo esse verde, eu posso arriscar que você é um artista. — disse enquanto semicerrava os olhos, me analisando. — Músico, talvez. — concluiu.

— Músico. — confirmei e ela abriu um sorriso imenso por ter acertado. — Mas duvido que seu palpite seja por causa das minhas lágrimas.

— Agora você me pegou. — rindo mais uma vez como se nossa conversa fosse a mais divertida, ela me confidenciou: — A sua bolsa me disse muito.

Olhei para o banco onde havia apoiado o case do meu violino e acabei rindo junto com a garota. Não dava para esconder que eu carregava um instrumento ali. 

— Estou tentando compor uma música e vou usar essa viagem como inspiração. — expliquei. 

— Se eu te ajudar com uma vírgula, vou cobrar os créditos, viu? — disse de um jeito divertido, cheia de pose. 

— Sinto muito, mas essa composição é diferente.

— Como? — perguntou confusa.

— É uma sonata de violino. Uma música sem letra, só a melodia. — expliquei do jeito mais simples que consegui, não sabia qual era o conhecimento que ela tinha sobre música clássica.

— Entendi. — respondeu simplesmente olhando para frente. 

Alguns minutos se passaram enquanto eu me perguntava o que ela estava pensando para não ter feito nenhum outro comentário, mas sua risada me chamou a atenção.

— O quê? — questionei confuso.

— Eu não entendo nada de música. Eu só entendi a palavra violino, me desculpe. — afirmou com um pesar divertido e eu acabei rindo junto com ela.

— Você compreendeu o mais importante, eu sou um violinista. — disse com um ar um pouco orgulhoso, confesso. — Isso basta.

A garota me olhou ainda com um sorriso no rosto e assentiu. 

— Isso basta. — repetiu.

Logo sentimos o movimento da balsa diminuindo, olhei para frente e percebi que chegamos em Florli. Caminhei ao lado da morena e, ao chegar na escada, desci na sua frente e ofereci minha mão para servir de apoio. A escada era estreita e a garota carregava uma mochila quase maior que ela. Não queria que sofresse algum incidente.

— Obrigada… — disse deixando no ar o desejo de saber meu nome.

— Edward. Edward Cullen.

— Edwards. Como um príncipe nórdico. — disse divertida fazendo uma leve reverência. Ri da sua conclusão. Peguei sua mão direita e depositei um beijo como um bom cavalheiro.

Antes que pudesse perguntar seu nome, o responsável pelo barco parou próximo aos tripulantes — estávamos em 8 no máximo — e passou algumas instruções para quem desejava subir a Florli 4.444 e para os menos aventureiros que ficaram por ali mesmo.

Quando o grupo começou a se dispersar, fiquei um pouco perdido. Eu não estava realmente pensando em subir, queria apenas entrar um pouco pela mata, passear por aquela pequena vila e encontrar um lugar tranquilo e silencioso para compor. Era apenas isso até a garota ao meu lado pegar minha mão e fazer um sinal com a cabeça em direção à escadaria. 

— Você vai subir, certo? — perguntou com um olhar desconfiado.

— Eu não estava pensando nisso na verdade. — disse meio inseguro.

Entenda. Florli 4.444 tem esse nome por um motivo de tirar o fôlego. É a maior escada de madeira do mundo com 4.444 degraus que te levam direto ao topo da montanha. Não duvido nada que a vista lá de cima seja incrível, mas subir 270 andares era inimaginável. 

— A vila é muito bonita e tem uma queda d’água logo ali. — disse a garota me apontando o caminho que estava à minha direita. — Mas o que você encontra enquanto sobe é melhor que tudo isso. 

A ‘garota da balsa’, como resolvi chamá-la, tinha um olhar sonhador voltado para a escadaria. Era como se algo mágico pudesse descer dali a qualquer momento. Reuni mentalmente tudo o que eu havia pesquisado sobre o local para decidir se valia a pena o desafio.

Para subir os 4.444 degraus leva uma hora e meia dependendo do ritmo e da disposição dos aventureiros. Nesse exato momento não passava das 11 da manhã e a próxima balsa só sairia às 18. Dava tempo de subir e voltar ao porto tranquilamente.

— Se você subir os primeiros quinhentos degraus, vai ter uma vista privilegiada para te inspirar. E, se não quiser continuar, é só dar meia-volta.

— Acho que não trouxe suplemento suficiente para isso. — ainda tentei convencê-la pensando no violino e nas duas pequenas garrafas de água que carregava em minha bolsa.

— Aqui só não tem um instrumento, vamos ficar bem, fica tranquilo. — me assegurou apontando para sua própria bagagem.

Ela fez parecer tão simples a tarefa que, sem dar outra desculpa, concordei em segui-la. Ao chegar no pé da escada e ver a garota subir o primeiro degrau, me veio a realização de que só nós dois estávamos ali. Nenhum outro aventureiro, nenhum guia. Só nós dois e a própria sorte.

— Espera! — chamei a atenção da garota. — Não precisamos de um guia ou algo assim?

— É uma única escada que leva a um único lugar. Você acha que vai se perder? — perguntou nitidamente segurando o riso. Pensei em dar uma resposta tão atrevida quanto sua observação, mas resolvi concordar e seguir em frente. O que podia dar errado?

— Então vamos, espertinha! 

Nos primeiros degraus, fiquei em silêncio para garantir o fôlego até vencer os 500, mas quanto mais perto chegava, o silêncio me cansava mais que a subida. Quando percebi uma curva que iríamos fazer, resolvi parar e olhar para trás e a vista já me deixou entorpecido. 

— Não vale a pena o esforço? — ouvi a pergunta da garota atrás de mim. Quando me virei ela havia se sentado sobre um trilho que havia ao lado da escada, próximo a uma tubulação. Resolvi me arriscar e sentar ao lado dela. 

O sorriso que ela abriu ao me ver conseguindo mais essa manobra foi tão lindo que involuntariamente eu sorri junto. Depois de alguns minutos admirando a paisagem e a garota ao meu lado, percebi que ainda não sabia o seu nome.

— Não acredito que aceitei subir 4.444 degraus com uma completa estranha. — disse puxando o assunto. 

— Até o momento não passamos de 350. — disse com um sorriso provocador. 

— E podemos mudar a parte do ‘estranha’ pelo menos? — questionei enquanto ela se levantava e voltava para a escada principal. 

— Vamos fazer um acordo? — perguntou e eu assenti. — A cada 500 degraus, compartilhamos algo sobre nós. O que acha? 

— Acho que isso me impede de desistir dessa escada. — disse enquanto aquela pequena garota ria e continuava a subir.

 

(...)

 

Quando enfim o número ‘500’ surgiu diante dos meus olhos, eu mal pude acreditar que já tinha chegado até ali. A vontade era de me esticar naquela escada e ficar deitado por alguns segundos, mas logo a recompensa veio me dando um alívio:

— Prazer, Bella. — disse a ‘garota da balsa’ me esticando a mão.

— O prazer é meu, Bella. Você já sabe que meu nome é Edward e eu sou violinista. — disse enquanto pensava na novidade que iria compartilhar agora e ainda segurava sua mão. — Ah, eu tenho 19 anos.

Bella assentiu achando a novidade ‘ok’. Poderia ter dito também que faria aniversário em dois meses, mas não queria entregar muito agora, pois Bella ainda tinha muito a compartilhar para quebrar a desvantagem que criamos. 

Continuamos a subir mais lentamente dessa vez. Só não comecei a me lamentar pelo meu sedentarismo porque duvido que alguém não estaria com as pernas bambas depois de subir 700 degraus. 

Comecei a enxergar uma mesa lá em cima num ponto ainda muito distante e fiquei curioso sobre aquilo.

— O que é aquilo? — perguntei apontando para o local que estava observando.

— Aquele é um dos mirantes que temos ao longo da escada. Você pode parar para descansar. — explicou Bella parada na minha frente.

— Eu posso parar pra descansar só depois do milésimo degrau?

— Nós já passamos por dois, você não percebeu? — perguntou Bella franzindo a testa.

Minha expressão de completo choque deve ter sido muito divertida, pois Bella chegou a jogar a cabeça para trás rindo de mim.

— Você é tão distraído! — exclamou enquanto se virava e continuava a subir.

Não consegui falar mais nada. Não acredito que subi tudo isso sem descanso, sendo que eu tinha essa opção. Preciso ficar mais atento.

Quando alcançamos o milésimo degrau, não pensei duas vezes antes de subir no mirante e sentar no primeiro banco que vi pela frente.

— Cansado? — perguntou Bella. Se não fosse pelo movimento acelerado em seu peito que denunciava sua respiração ofegante, eu diria que Bella nem é humana. Como não se cansa depois de 1000 degraus?

— Eu só não desisto agora, porque vai me dar muito trabalho descer isso sozinho.

Bella riu de mim mais uma vez e balançou a cabeça. A garota sentou ao meu lado e abriu sua mochila, tirou uma garrafa de água e me incentivou a fazer o mesmo. Espero que um litro sirva para toda essa minha aventura, era só o que eu tinha colocado na bagagem. 

— Você já parou para admirar a vista? — me perguntou.

Olhei para o que estava à minha frente e não pude acreditar na pintura que estava diante dos meus olhos. Daqui de cima era possível ver boa parte do Fiorde da Luz como se ele estivesse se descobrindo aos poucos para nós.

— A vista vale mesmo a pena. — disse ainda admirando a paisagem.

Florli te conduz a duas sensações impactantes. Em um primeiro momento você percebe que está totalmente isolado do mundo, é um alívio, parece que deixamos os problemas para trás. Não há mais tristeza, não há nada que não possamos resolver. Isso é o mais perto do paraíso que eu já cheguei.

Alguns minutos depois dessa constatação, quando você olha mais uma vez para a paisagem, toda a solidão pode te deixar amedrontado e ansioso, é o desconhecido. Você não consegue ver onde o mar acaba e nem o que está por trás de tantas árvores. A impressão é que os fiordes estão se fechando sobre nossas cabeças e isso pode ser sufocante.

Nesse momento, apesar do medo, não temos vontade de voltar para casa, mas de explorar ainda mais o lugar. E é com esse espírito aventureiro que me comprometi mentalmente a não desistir dessa escada e chegar até o topo.

— E quanto mais você sobe, melhor fica. — acrescentou Bella. 

Ficamos um tempo em silêncio nos recuperando da caminhada enquanto a natureza nos impressionava um pouco mais a cada segundo. Bella me ofereceu um sanduíche que eu aceitei prontamente.

— Então, o que você tem de novo para me contar? — perguntou Bella me observando de lado.

— O que você quer saber sobre mim? — rebati. 

— Você disse que está compondo algo? — questionou.

Comecei contando sobre o meu sonho de ser aceito pela Orquestra Filarmônica de Oslo, minha paixão pela música, principalmente pelo violino, e o desafio de compor uma peça para me apresentar em 14 dias. Bella demonstrou tanto interesse na minha história que me peguei desabafando também.

— Essa é a oportunidade da minha vida, entende? Nunca imaginei fazer qualquer outra coisa ou tocar em outro lugar. Se eu não passar nessa audição... — disse sem conseguir concluir o meu medo.

Bella me olhou de um jeito tão profundo, como se entendesse perfeitamente as minhas dúvidas, os meus medos. A garota ao meu lado colocou suas mãos sobre as minhas e me deu um sorriso acolhedor. 

— Não temos como saber o que vai acontecer, mas podemos enxergar as possibilidades com otimismo. — disse suavemente. — Até as suas derrotas tem valor e um dia você vai ficar orgulhoso de quem se tornou, vai se achar digno da sua história e entender que tudo que aconteceu foi justo. 

 

(...)

 

Depois de quase uma hora de subida, a metade da escada ainda estava longe. Parei de contar os degraus depois que passei de 1200, mas a falta de um mirante em minha frente me fez acreditar que estávamos atrasados. 

— Estamos chegando a algum lugar? Preciso parar. — avisei Bella. 

— Está vendo aquela curva? — perguntou apontando para um local bem distante de nós. — Depois dela tem uma parada. Consegue chegar até lá? — perguntou preocupada.

Apenas assenti e continuamos a passos bem lentos. Percebi que Bella diminuiu o ritmo para me acompanhar e com certeza gastamos um tempo muito maior para chegar a marca de 2000 degraus. 

— Sabe o que eu percebi? — perguntei assim que sentei no chão de madeira localizado na lateral esquerda da escada. — Você me enrolou e não contou nada nas últimas duas paradas.

— Você me distraiu falando sobre Oslo. Eu nunca fui lá. — explicou se divertindo com a minha falsa indignação. 

— Então vamos consertar isso. Você é daqui mesmo? — perguntei curioso.

— Meu norueguês soa tão mal assim? — rebateu.

— Não, de jeito nenhum. Te achei… — como eu poderia explicar? — … diferente na aparência. Talvez seus pais não sejam daqui? — arrisquei.

— Meu pai é italiano e minha mãe nasceu em Florli. Obviamente puxei o meu pai com esses cabelos e olhos castanhos. Minha mãe é tipicamente norueguesa, cabelos loiros, pele bem clara, olhos azuis. E é uma mulher muito forte. — descreveu Bella com um olhar sonhador. 

— Você admira muito a sua mãe, né? 

— É por causa dela que eu sempre volto aqui e a cada visita eu entendo um pouco mais de onde ela herdou tanta força e tanto amor pela vida. 

O olhar de Bella tinha um brilho bonito de ver. Arrisco dizer que ela daria a vida por sua mãe, era uma admiração intensa. Fiquei por um tempo apreciando a expressão sonhadora da garota ao meu lado até que minha curiosidade me venceu. 

— Você disse que ela nasceu em Florli? — perguntei estranhando a informação. Florli é uma vila com apenas 13 casas e apenas dois moradores fixos. Pelo menos até onde pesquisei. Não tem nem mesmo uma clínica e nunca ouvimos falar de alguém que tenha nascido nessa ilha. 

— Sim. — respondeu simplesmente. — Isso basta. — concluiu repetindo o que havia dito para ela quando estávamos na balsa. 

Continuamos a subir depois de Bella me informar que a caminhada ficaria um pouco mais difícil, mais íngreme e iria exigir mais atenção. Por isso, não conseguimos nem trocar as nossas curiosidades nas próximas paradas, o nosso foco estava todo em conseguir evitar qualquer tragédia. Um mínimo tropeço poderia ter um resultado até fatal. 

Bella me impressionava a cada minuto. Subia sorrindo, cantarolando e, cada vez que puxava a respiração, parecia inebriada com o cheiro de terra e orvalho daquele lugar. Muitas vezes tive vontade de parar para apenas observá-la e admirar a leveza e a luz que emanava dela.

— Estamos chegando na nossa penúltima parada. Dá para acreditar? — perguntou Bella enquanto parava agarrada na corda que ficava à direita da escada.

— E eu só pensei em desistir uma única vez. — disse realmente incrédulo. 

— “Se ao escalar uma montanha na direção de uma estrela, o viajante se deixa absorver demasiado pelos problemas da escalada, arrisca-se a esquecer qual é a estrela que o guia.” — recitou Bella olhando para o céu. — Qual é a estrela que te guia, Edward?

Bella esperou minha resposta por alguns minutos antes de voltar a escalar. Eu poderia dizer que minha estrela era a música, o violino, o meu sonho de tocar na filarmônica, mas fiquei sem palavras diante do peso da frase de Antoine de Saint-Exupéry. 

O que me guiou até ali? Eu poderia estar compondo minha sonata em qualquer lugar do mundo, eu poderia ter ficado aos pés daquela montanha e nunca pisado em um degrau. Mas eu estava cada vez mais perto do topo.

Os últimos degraus da escada se parecem mais com uma ponte, não é bem uma subida, mas ainda precisamos desse apoio para conseguir chegar em terra firme. Ao redor só se via pedra e a tubulação da antiga hidrelétrica que funcionava ali. 

Quando alcançamos a marca 4.444, chorei de alívio. Mesmo sabendo que centenas — talvez milhares — de pessoas já passaram por ali, fui tomado pela sensação de ter conquistado um feito impossível, um milagre. Toquei na bandeirinha que indicava a chegada ao topo e agradeci mentalmente pela existência daquele lugar. 

Bella tinha os olhos marejados e um sorriso encantado. O vento balançava seus cabelos e o movimento das ondas castanhas ao redor do seu rosto fazia sua pele resplandecer. 

— Algo mudou desde a última vez que esteve aqui? — perguntei enquanto me aproximava de Bella.

— Nada. — respondeu com um sorriso largo. — Florli está exatamente do mesmo jeito há anos. Mas quando subo aqui sou sempre uma pessoa diferente. 

Naquele momento eu não entendi plenamente o que Bella quis dizer, só depois de voltar para o meu mundo real que eu compreenderia que não dava para sair dessa experiência da mesma forma que entrei.

— Daqui não dá pra ver muito do que está lá embaixo. — observei enquanto tentava ver para além da faixa azul do Fiorde de Lyse. 

— É porque aqui em cima tem outra vista para aproveitar. — declarou Bella de um jeito misterioso.

A garota da balsa começou a me puxar pela mão e me guiou até o lado direito de onde estávamos e o que vi me surpreendeu novamente. Um lago. Acima da montanha havia um lago.

— Esse é o lago Ternevatnet. — apresentou Bella. — Você pode abastecer sua garrafa de água aqui se quiser. 

Antes que pudesse pensar muito sobre as informações que estava recebendo, vi Bella se aproximando correndo do lago e se acomodando em uma pedra próxima a margem. Acompanhei seus passos de forma cautelosa como se eu pudesse ser engolido por toda aquela água em um piscar de olhos.

Quando alcancei Bella, ainda fiquei um tempo de pé contemplando Ternevatnet. A água era cristalina como em qualquer outro lago da Noruega, mas o reflexo de toda aquela paisagem na superfície me fazia querer mergulhar e quem sabe descobrir uma passagem secreta para algum mundo mágico ali dentro.

— Aposto que você irá compor muitas canções sobre esse lugar. — disse Bella depois de minutos incontáveis de silêncio.

Tirei minha mochila das costas e me sentei ao lado da garota pensando em como iria começar o trabalho que fui fazer ali. Pensei em anotar todas as sensações que tive desde o momento que peguei a balsa até ali, mas quando tirei o caderno e o lápis da mochila, me lembrei de todas as curiosidades sobre Bella que ela não me contou.

— Você quebrou nosso acordo várias vezes na escada. — acusei enquanto a olhava fingindo irritação. — Estou em desvantagem aqui.

— Para de choramingar, Edward. O que você quer saber? — perguntou com seu sorriso largo intacto no rosto. Ela nunca parava de sorrir. 

Durante o que pensei ser meia hora, Bella me contou que tinha recém completado 19 anos, abandonado a faculdade de História e decidido viajar pela Noruega para conhecer o passado de sua família materna. 

Em contrapartida, contei para Bella sobre meus irmãos e a paixão por música que mais parecia uma herança de família. Descrevi com detalhes todos os planos que já havia feito para a minha vida até os 30 anos. Sim, metódico, eu sei. 

— Você precisa deixar um espaço nos seus planos para a vida te surpreender, Edward. —  alertou Bella carinhosamente. 

Mesmo sendo apenas jovens de 19 anos, eu e Bella éramos muito diferentes quanto ao futuro. Enquanto eu tinha metas profissionais e pessoais bem definidas, Bella só sabia o que faria nos próximos minutos. O que ela faria ou o que seria amanhã, semana que vem ou daqui 5 anos, ela nem se preocupava em saber. 

A postura de Bella ao mesmo tempo que me espantava, me deixava maravilhado. Pelo pouco que pude perceber, seu desprendimento pelo futuro não era falta de perspectiva, irresponsabilidade ou imaturidade, Bella queria viver ao máximo o que a vida tinha para oferecer hoje e até agora tinha funcionado muito bem.

— Qual é a estrela que te guia, Bella? — devolvi a pergunta que havia me feito enquanto subíamos.

Observei a garota ao meu lado virar o rosto à medida que percorria o lago com o olhar, parecia que estava refletindo a resposta que iria dar e eu permiti que ela tomasse o próprio tempo, pois eu mesmo não tinha um bom argumento para essa questão. 

— Minha família. — respondeu Bella. — A história da minha família, da minha mãe. Eu só estou aqui por isso. 

— E o que você descobriu até agora? — perguntei. 

— Se eu te contasse, teria que te matar. — disse Bella risonha. — São muitas histórias interessantes, preciso reunir todas as informações para entender tudo que envolve os Swenhaugen. 

— Swenhaugen? — perguntei confuso.

— Sobrenome de família. — respondeu Bella dando de ombros.

Pensei em perguntar mais sobre as pesquisas de Bella, estava realmente interessado no que ela descobriu, mas antes que pudesse formular algo, a pequena garota se aproximou mais de mim e pegou o caderno que estava do meu lado esquerdo, esquecido no chão.

— Não quero te distrair mais. Você tem um trabalho a fazer e daqui a pouco temos que descer. — disse Bella com firmeza enquanto colocava o caderno em meu colo. 

— Eu preciso descansar um pouco isso sim. Você me empresta sua mochila? — pedi pensando em fazer a bolsa de Bella como travesseiro. Talvez só deitar um pouco e olhar o céu fosse me revigorar.

A garota colocou a mochila sobre o colo e fez um sinal para que eu deitasse. Se fosse qualquer outra pessoa eu ficaria receoso com esse grau de proximidade, mas pelo pouco que percebi de Bella, esse jeito acolhedor era um traço de sua personalidade e longe de mim negar esse cuidado.

— Obrigado. — agradeci e me aconcheguei em seu colo.

Bella começou a fazer um carinho em meu rosto apenas com a ponta dos dedos e isso foi me deixando cada vez mais relaxado. Quando ela colocou as mãos em minha cabeça, foi como tomar uma grande dose de sonífero e em poucos minutos eu já tinha entrado para o mundo dos sonhos.

Ao contrário da paz que sentia na vida real, o meu subconsciente me levou para um lugar caótico, confuso e um pouco assustador. Um verdadeiro pesadelo.

Sonhei que ajudava alguns homens a empurrar barcos para o mar. O céu estava muito escuro, parecia que uma grande tempestade estava prestes a cair, mas os homens pareciam animados com a possibilidade de uma grande pesca.

Quando os primeiros barcos começaram a sair, observei muitas mulheres e crianças em terra firme. Eram mais de cinquenta e todas olhavam para cima, talvez com a mesma impressão que eu de que logo a chuva viria. 

Percebi algumas crianças correndo ao meu redor e acabei me distraindo. Ouvi de longe alguns sussurros e quando voltei o meu olhar para as mulheres, todas estavam de mãos dadas, olhos fechados e entoando algum tipo de oração, talvez. A cena era tão bonita que abaixei minha cabeça em sinal de respeito.

— Não se preocupe, Bella, seu pai tem um bom coração. — ouvi uma das mulheres dizendo enquanto passava com uma bebê no colo. Uma bebê de cabelos castanhos, diferente da mulher loira que a carregava. — Só os homens de bom coração voltarão.

Ao ouvir essas palavras, olhei para o mar, na direção que os pescadores haviam seguido e a imagem foi perturbadora. A água parecia ter criado vida própria e balançava os barcos de forma violenta. Vi vários homens caindo e cheguei a dar alguns passos na direção deles. Tinha que pedir socorro, ligar para alguém, emitir um alerta, alguma coisa.

Quando olhei para onde as mulheres estavam, percebi que todas elas olhavam com serenidade para a cena. Como elas não estavam assustadas com aquilo? Eram os maridos, filhos, pais, irmãos delas afogando naquele mar.

Decidi começar a procurar por ajuda, talvez uma torre de transmissão para avisar a marinha desse terrível acidente. Mas quando tentei dar o primeiro passo percebi que algo me prendia. Eram galhos. Puxei meus pés com tanta força que meu próximo destino foi o chão. Não é possível que isso seja tão firme assim.

Olhei para trás e vi que os galhos não eram de uma árvore. Os galhos estavam saindo das mãos de uma criança. Um bebê. Seus bracinhos estavam tomados pelos galhos e havia uma espécie de coroa deles em sua cabeça. Ela parecia estar se divertindo com aquilo e começou a bater as mãozinhas enquanto corria.

A brincadeira da criança teria me divertido se a cada movimento ela não estivesse me arrastando junto com ela. Observei com pânico que estava sendo levado para o meio da floresta e ela ficava cada vez mais fechada, escura e fria. A única coisa que pude fazer foi gritar pedindo socorro.

— Ainda bem que você acordou. — percebi que havia voltado para a realidade com a voz de Bella. — Eu não queria que perdesse esse momento.

A garota apontou para algo atrás de mim, virei o corpo e logo os meus olhos alcançaram o primeiro e o mais bonito pôr do sol que eu já vi. Poderiam se passar anos, mas eu não esqueceria essa visão. O céu inteiro assumiu uma coloração esverdeada exceto por uma pequena fresta rosa alaranjada que acompanhava o sol até que ele se escondeu atrás da vegetação. 

Olhei todo o céu ao nosso redor e era possível ver um rastro amarelo deixado pelos raios solares e algumas nuvens cinzas que, sem nenhum indicativo de chuva, faziam o paraíso parecer palpável. 

Muito tempo havia se passado até que resolvi agradecer à Bella por ter me incentivado a estar ali. Quando voltei o olhar para onde ela estava anteriormente, vi a garota se aproximando ainda mais do lago com a garrafa de água em mãos. 

Ela encheu duas garrafas e colocou uma delas na mochila que já estava em suas costas. Comecei a guardar tudo que havia tirado da minha bolsa, me levantei e comecei a caminhar em direção à Bella.

Quanto mais me aproximava, mais encantado eu ficava com o que ouvia. Bella emitia um som agudo, suave e que parecia ecoar por todo o lago. Era como se a água estivesse respondendo um chamado. Percebi que, na verdade, ela estava cantarolando alguma canção desconhecida por mim, mas muito bonita e atraente. 

Me abaixei para pegar um pouco de água enquanto sentia a voz de Bella fazendo o meu corpo todo vibrar e o coração ficar acelerado. Lembrei do pesadelo que tive, peguei um pouco de água com as mãos em concha e joguei em meu rosto para ficar mais desperto e disposto. Foi só um pesadelo, Edward. 

— Não quero te assustar, mas precisamos nos apressar. — alertou Bella repentinamente.

Aceitei a mão que ela estendia para mim e admirei mais uma vez seu sorriso. Tão inocente quanto uma criança. Uma criança. Balancei minha cabeça quando percebi meus pensamentos me levando de volta ao sonho. Não sei o que estava acontecendo comigo, mas toda a experiência que vivi apenas com essa garota ao meu lado parecia tão surreal. Isso estava mexendo com a minha cabeça, só pode. 

Logo Bella me acordou do transe e me alertou mais uma vez que precisávamos ir. Tínhamos mais um longo caminho pela frente até retornar ao porto. Dessa vez iríamos passar pela mata. Era o percurso mais indicado para voltar visto que a escada era uma via de mão única. 

— Quanto tempo vamos gastar nessa caminhada? — perguntei enquanto via meu relógio apontar 16:52. 

— Normalmente eu gasto 1 hora e meia. — disse Bella tranquilamente.

— Vamos precisar caminhar mais rápido. A última balsa sai às 18 horas.

Nossa volta foi completamente silenciosa exceto pelo ruído das nossas respirações ofegantes. Andamos em um ritmo alucinante, me senti desequilibrado quando derrapei algumas vezes entre as pedras e cheguei a tropeçar na raiz de uma árvore. Bella sempre do meu lado me ajudando a levantar e me incentivando a continuar essa caminhada que mais parecia uma maratona.

Estávamos indo muito bem. Ou era o que eu pensava, pois incontáveis minutos depois, ouvi muito distante o aviso sonoro da saída da balsa. De onde estava pude acompanhar a embarcação saindo do porto e até mesmo reconhecer uma pessoa ou duas que tinham me acompanhado na ida. 

Antes que o pânico pudesse tomar conta de mim, Bella se aproximou parando ao meu lado e colocou a mão no meio das minhas costas.

— Você tem algo contra passar a noite aqui? — perguntou cuidadosamente.

— Aqui? — perguntei assustado. 

Por mais bonita que seja a paisagem, passar a noite na floresta sem uma barraca ou saco de dormir soava mais como uma experiência de morte do que com uma aventura empolgante. Como explicar isso pra uma amante da natureza?

— Edward, eu amo esse lugar, mas não passaria a noite no meio do nada sem um teto sobre a minha cabeça. — explicou Bella me fazendo respirar aliviado.

— Por um momento eu duvidei da sua sanidade.

— Seus olhos esbugalhados entregaram isso. — brincou Bella. — Pensando pelo lado positivo, você pode conhecer a vila agora.

Continuamos a descer a montanha e Bella apontava as trilhas alternativas que levavam a pequenos rios e até à uma grande queda d’água que eu só conseguia ouvir o som. Quando começamos a enxergar as primeiras casas, fiquei curioso sobre a hospedagem no local.

Antes de enfrentar uma viagem até Florli, eu havia pesquisado sobre a vila e a informação que encontrei foi que havia apenas um morador, o administrador do hostel que havia ali. Imaginei o quão estranho seria morar em um lugar tão distante e sem qualquer apoio, mas silenciosamente agradeci sua existência. Seria muito útil hoje.

— Boa parte dessas casas são na verdade quartos do hostel. — explicou Bella despertando mais uma vez minha curiosidade. — Aquela casa grande perto da cachoeira é a base do hostel e a casa atrás dela é uma espécie de escritório para atendimento dos turistas. Está vendo? — perguntou enquanto apontava as casas em questão.

— Estou. — respondi simplesmente e continuamos a descer.

Chegamos em uma área mais aberta e pude visualizar outras seis casas. Bella então parou ao meu lado se apoiando em meu braço e me explicou o que era cada uma delas. Havia dois “apartamentos” completos, uma acomodação do hostel com sala, quartos e cozinha com capacidade para até 9 pessoas. 

— Você consegue enxergar aquela casa vermelha lá embaixo? — perguntou Bella e eu acenei positivamente. — Aquele é o Skule Pub. Parece um celeiro reformado e, apesar do nome, não é um pub como a gente vê na cidade. Tem uma banheira de hidromassagem ao lado e uma área de camping também.

Achei tão interessante a forma como cada quarto estava espalhado pela montanha, dava vontade de passar uma noite em cada casinha só pra viver uma experiência completa do lugar. 

— Essas casinhas vermelhas são suítes. Não devem ter mais de quatros metros quadrados, mas são aconchegantes. — contou Bella. 

— Você já ficou em um desses quartos? — questionei interessado.

— Eu os conheço bem. — respondeu evasiva.

Antes que pudesse questionar mais alguma coisa, Bella começou a me puxar pela mão saindo da trilha. Em poucos metros chegamos a uma estrada de terra e pedras localizada na beirada do fiorde. Se eu sentasse conseguiria fazer meus pés tocarem a água e isso me deixou empolgado. 

Passando por duas árvores secas e contornando uma grande pedra, avistei outra casinha vermelha. Essa estava mais escondida e parecia não pertencer ao local. Era realmente bem pequena, tinha duas entradas e apenas uma porta fechada, provavelmente do banheiro. 

— É aqui que vamos ficar. — disse a garota enquanto tirava a mochila das costas e a colocava sobre a cama.

— Aqui? — perguntei mais uma vez confuso. — Não temos que fazer check-in antes?

— Essa não pertence ao hostel. — esclareceu.

— E pertence a quem?

— Essa noite pertence a Bella e Edward. — disse risonha enquanto pulava de costas na única cama da casa. 

Naquela altura, com o céu tomando uma tonalidade cada vez mais acinzentada, eu não tinha como questionar onde passaríamos a noite. Restava contar com a hospitalidade norueguesa para não sermos expulsos dali durante a madrugada. Deixei a minha bolsa no canto da porta e me deitei de bruço ao lado de Bella na cama. 

Em minha frente estava uma ampla janela que tomava a parede da casa de um lado ao outro e dava uma visão de tirar o fôlego. Só era possível ver água e as montanhas do outro lado. Parecia que estávamos boiando no mar.  

Enquanto a noite caía, explorei o que estava ao redor da casa e confirmei com alívio que havia ali um lavabo. Aproveitei para limpar um pouco da calça e do casaco que havia sujado de terra enquanto derrapava pelo caminho. Quando contar essa aventura para Rosalie, ela vai rir de mim por muito tempo. 

Resolvi tentar compor algo antes que o sono me tirasse da realidade mais uma vez. Peguei o violino na bolsa e comecei a afinar o instrumento enquanto sentia o olhar de Bella sobre mim. Comecei a testar alguns sons enquanto mentalmente organizava as sensações e os sentimentos que queria transmitir na canção. 

A primeira parte da sonata envolve movimentos rápidos, pouco enérgicos, mas alegres. É como se estivesse brincando com o violino buscando entreter uma criança. Isso me lembrou o sorriso de Bella e como ela tornou fácil uma escalada na montanha. Eu queria poder reproduzir a risada da garota com meu violino, mas isso não era realmente possível.

Fechei os meus olhos e testei o que havia imaginado agora com o violino. Foram várias repetições até chegar em um resultado satisfatório que pudesse dar uma ponte para a segunda parte da canção. 

A inspiração veio do ritmo compassado da nossa subida. Ou pelo menos como ela deveria ser. Um degrau após o outro, sem parar, o coração acelerando e o vento. O vento que agora entrava tímido na casinha soprando os cabelos de Bella trouxe para a música a suavidade que eu precisava. Era lento, mas não melancólico. Imponente, mas também agradável. 

Com o caderno de partitura em mãos, tomei um tempo para escrever as notas. Repassei os sons algumas vezes, modificando o tempo das pausas quando necessário e ficando aliviado por ver que o trabalho estava saindo. 

— Está dando tudo certo? — perguntou Bella me assustando. — Me desculpe — pediu enquanto ria colocando a mão na boca. 

Estava tão concentrado com a música que por um momento esqueci que não estava fechado sozinho dentro do meu quarto ensaiando mais uma peça musical para apresentar na faculdade. Ri junto com Bella enquanto recuperava o arco que havia deixado cair devido ao susto. 

— Melhor do que eu esperava. Estou pensando até em dar uma parada e aproveitar essa vista. — disse enquanto olhava para a janela e continuava a admirar o fiorde.

— Mas está tão bom te ouvir tocar. — disse Bella com pesar. Pude observar um biquinho se formando em seus lábios e achei graça. 

— Você quer que eu continue? — perguntei já voltando o violino para o meu ombro e posicionando o arco sobre as cordas. 

— Quero ouvir sua música em primeira mão. — confirmou Bella animada.

Era uma questão de honra terminar a sonata antes de partir. Eu queria que ela fosse a primeira a ouvir e eu mal podia esperar para ver sua reação.

Fechei os olhos novamente tentando visualizar dentro da minha mente o que viria a seguir. Um allegretto. Rápido, leve, alegre. Assim como a intimidade que eu e Bella construímos em poucas horas. Um compasso forte representando a forma repentina como nos conhecemos, um mediano por nossas conversas leves, mas cheia de revelações e dois compassos fracos por todo tempo que estivemos ali. No paraíso. 

— Gostei muito dessa parte. — confidenciou Bella em um sussurro. 

Olhei para a garota ao meu lado e ela permanecia atenta, com um olhar encantado e um sorriso largo. Acho que nada no mundo seria capaz de tirar do rosto dela essa expressão de quem amava ser quem é. 

— Você gosta de algo mais dançante? — perguntei enquanto deixava o violino de lado e completava a partitura com as notas que havia acabado de tocar.

— Gosto desse som mais vivo, animado. É um belo contraste com a calmaria daqui. — observou.

— Vou me lembrar disso quando compor uma música para você. — disse brincando enquanto observava a reação surpresa de Bella.

— Será uma bela homenagem. — disse me desafiando. Quando pensei em responder sua provocação, vi Bella tirando da bolsa um pote cheio de framboesas amarelas.

Por um momento cheguei a ver asas em suas costas e uma auréola brilhante sobre sua cabeça. Era minha fruta preferida e, ao cair da noite, sentindo dor por todos os exercícios feitos no dia, eu só queria me deliciar com um pote desses. 

Sentei no meio da cama e em silêncio Bella me ofereceu as frutinhas. Só naquele momento que o cansaço do dia começou a me tomar e as últimas framboesas foram saboreadas enquanto eu colocava o violino de lado e me deitava.

Comecei a refletir sobre o dia que passou e que com certeza eu não esqueceria. Conheci uma garota em uma balsa que, contrariando toda a cultura na qual nasci, era extremamente sorridente e carinhosa. Essa mesma garota me convenceu a subir o equivalente a 270 andares em uma escalada pesada e íngreme para chegar até o topo de uma montanha e ter uma visão mágica da natureza. 

Em algumas horas nesse lugar quase terminei a composição de uma música, faltava apenas um final que eu já ouvia em minha mente. Perdi a noção da hora admirando o pôr do sol e consequentemente perdi a balsa que me levaria de volta para Stavanger. Isso não foi um problema para a garota que me acompanhava e agora eu estava deitado em uma casinha de quatro metros quadrados esperando passar a noite ouvindo apenas o barulho do mar e do vento.

Bella se aconchegou apoiando seu queixo sobre meu ombro. Me senti confortável com aquela proximidade e também um forte arrepio quando a garota passou seus dedos ao longo do meu braço direito até alcançar minha mão. Inclinei minha cabeça levemente sobre a dela e assisti a garota entrelaçando nossos dedos.

— Obrigada. — sussurrou Bella em meu ouvido.

— Pelo quê? — perguntei confuso e sonolento.

— Você tornou essa viagem mágica. — confidenciou. — E eu nem precisei fazer nada.

Mesmo não entendendo o que ela quis dizer com isso, sorri e dei um último suspiro antes de cair no sono. 

 

Dias atuais

Ouso dizer que nunca dormi tão bem quanto naquela noite. Não fui incomodado por nenhum som e nem pelo receio de dormir no meio de uma floresta em uma casinha sem porta. Também não tive mais pesadelos, eu estava vivendo um sonho, porém, se eu desconfiasse do que aconteceria naquela noite, eu teria permanecido acordado aproveitando cada minuto na companhia de Bella.

Observei pelo espelho a movimentação de Garrett entrando no camarim e Kate esfuziante atrás dele. Era um casal com um contraste bonito de acompanhar. Enquanto Garrett era calma e compreensão, Kate era uma força da natureza, sempre animada e ativa. 

— Você já está pronto, Edward? Faltam 30 minutos! — exclamou Kate e sem esperar resposta já retornou de onde veio. Garrett ria da euforia da esposa.

Deixei o violino apoiado em seu suporte e logo comecei a me movimentar para estar apresentável essa noite. Escolhi uma camisa verde musgo, pois Bella havia me dito uma vez que essa cor combinava comigo e realçava meus olhos e cabelo. E se ela falou, é verdade.

Vinte minutos depois eu estava pronto e já podia ouvir o pub enchendo. Consegui reconhecer a voz de Rosalie, Tanya e Irina cada vez mais próxima, dei uma última olhada no espelho e coloquei o violino no case para levá-lo ao palco. 

— Meus dias como filha única estão chegando ao fim. — disse Rosalie enquanto me abraçava. — Será que nossos pais lembram de você? — perguntou de forma dramática.

— Até ontem eles pareciam lembrar bem enquanto me cobravam netos. — lembrei da ligação que recebi ontem de dona Esme e em como ela formulou uma teoria de que eu precisava formar logo uma família, pois quanto mais tempo eu passasse dando aulas, menor seria minha vontade de ter filhos. 

— Bom saber que Emily não tem cansado eles o suficiente. — disse enquanto ajeitava o penteado de frente para o espelho.

Garanto que se Emily tivesse puxado o pai, os últimos 4 anos seriam os mais turbulentos de nossas vidas, mas minha sobrinha era um amor. Doce, paciente, educada e alegre. Parecia viver em um mundo encantado só dela. 

Depois que cumprimentei minhas primas, seguimos até o palco e organizamos nosso espaço. No início da noite, a apresentação era dominada por músicas mais suaves e aconchegantes. Quando as pessoas já estivessem acostumadas com o ambiente — ou com a bebida — , eu entrava com as músicas mais dançantes e tudo virava festa. 

Perdi a conta de quantas músicas foram, mas enquanto eu pudesse admirar o olhar orgulhoso de Esme e Carlisle, assim como a diversão de Emmett e Emily, estávamos no caminho certo. 

— Você vai encerrar com aquela música? — acenei positivamente respondendo a pergunta de Irina e já me preparei para mostrar ‘Fairytale’ ao mundo. Ou pelo menos para o meu mundo.

Posicionei o violino, me aproximei do microfone e como se estivesse com aquela pequena feiticeira ao meu lado, ouvi sua voz no fundo da minha mente. Será uma bela homenagem, ela disse. Eu acredito em você.

Iniciei o meu solo de violino e, por intensos trinta segundos, deixei cada nota tomar minha mente, meu corpo e meu coração. Foram anos guardando essa história apenas para mim. Eu queria contar ao mundo sobre a minha garota, sobre a noite que passamos juntos, sobre todas as noites que vivenciei com aquela pequena encantadora.

 

24 de Abril de 2016

 

Nada mais poderia ter me despertado além do meu subconsciente. Exceto o aviso sonoro de que uma balsa havia acabado de chegar no porto.

A BALSA!

Abri os olhos e me levantei alarmado. Se eu perdesse a embarcação mais uma vez, não daria tempo de chegar até Oslo nesse final de semana. Eu teria que pagar mais uma diária no hotel, meus pais iam ficar preocupados e eu ainda iria perder a aula na faculdade.

Peguei a mochila que estava na porta e quando olhei mais uma vez para o local onde estava deitado percebi que faltava algo. Alguém. Bella! Ela não estava ali, nem sua mochila ou o pote de framboesas.

Por alguns minutos eu fiquei travado sem saber o que fazer até que ouvi novamente o som da balsa. E se ela já estiver no porto? Ela me chamaria antes. E se ela foi buscar algo para comer? O café fica no caminho para a balsa…

— Bella! — resolvi ir gritando pelo caminho. — Bella! A balsa chegou! 

Continuei gritando por Bella enquanto ia para o porto. A cada passo eu lançava um olhar para trás na esperança dela aparecer entre as árvores, mas nada aconteceu. Passei pela área de camping, as barracas estavam todas abertas e apenas um casal organizava seus pertences, provavelmente para pegar a balsa também.

Atravessei a ponte e tive uma visão ampla do local. Bella não estava em lugar nenhum. Olhei as horas e se meus cálculos estavam corretos faltavam 4 minutos para a embarcação sair. 

Corri até o Kraft Kafé na esperança de achar Bella por lá, mas apesar do local estar cheio, nem sinal dos cabelos castanhos da garota. Será que ela já entrou na balsa? Tirei correndo o ticket da bolsa, entreguei para o rapaz que estava no cais e entrei na embarcação procurando por Bella.

No primeiro andar só haviam três pessoas e algumas bicicletas. Pensei que ela pudesse estar na parte de cima como da última vez. Subi as escadas sentindo algumas fisgadas nas pernas, mas nada que impedisse minha corrida.

Quando cheguei ao segundo andar, senti a embarcação se mover. Bella não estava ali. Me aproximei da grade e olhei para Florli ainda tentando ver a garota, minha garota, em algum lugar, mas nada encontrei.

Observando bem cada detalhe daquela montanha, percebi que não saberia explicar o que vi e vivi ali. Ninguém nunca conseguiu descrever muito bem esse lugar e agora entendo o que Bella quis dizer com não ser a mesma pessoa quando volta para cá. Não foram capazes de descrever como é estar lá em cima porque ninguém voltou para contar. Nunca. Agora eu entendo. 

Durante todo o caminho até a cidade fiquei tentando assimilar o sumiço de Bella e de lá até Oslo tentando aceitar que ela tinha ido embora sem se preocupar em me chamar. Confesso que não acreditava muito que ela faria isso, mas qual explicação sua partida tinha? Nem pra deixar um recado escrito na pedra, não sei, algum aviso. 

Cheguei em casa no mesmo horário que havia planejado anteriormente e, sem precisar dar nenhuma explicação sobre a viagem, fui direto para o quarto terminar de compor a bendita música. 

Tive que me refrear para não transformar o último movimento que deveria ser explosivo e enérgico em algo melancólico, mas no final a música saiu em poucos minutos. Talvez o meu desânimo tenha me impedido de achar graça no resultado e querer começar tudo de novo, porém o tempo era meu inimigo e em poucos dias precisava apresentar a composição para toda uma orquestra.

Enquanto deitava naquela noite, fiquei lamentando não ter finalizado a música antes e apresentado para Bella. Ela era uma parte tão importante do que tinha sido feito. Por isso, quando fechei os meus olhos e comecei a sonhar com Bella e eu mais uma vez no topo da montanha, entendi que aquela era minha oportunidade de tocar a música para a garota. Meu subconsciente fez um excelente trabalho em fazer a cena parecer real ou isso era o que eu pensava. Era muito real. Tão real quanto um sonho poderia ser. 

 

Dias atuais

 

E os sonhos continuaram. Pelo menos uma vez por semana eu sonhava com Bella em Florli, ainda no topo da montanha. Estávamos sempre conversando e trocando curiosidades.

Contei sobre a minha família e em como éramos unidos. Revelei que meu sonho de entrar para a orquestra de Oslo também era motivado pela vontade de ficar próximo dos meus pais. Descobri que, apesar de Bella ter trancado a faculdade de História, seu sonho era ser professora e ensinar crianças e jovens a não cometer no futuro os mesmos erros do passado.

Bella também revelou que amava ler livros históricos e se arriscava a escrever romances. Quando me confessou isso, o rubor em seu rosto foi tão gracioso que eu não consegui fazer nem sequer uma observação antes do sonho acabar. 

Entretanto, uns dias depois estávamos nós de novo compartilhando nossas vidas e assim seguimos por algum tempo. Eu contava sobre o meu dia e Bella ia se abrindo sobre o progresso que estava fazendo quanto à história de sua família.

Quando eu acordava, a sensação era de que meu sonho tinha sido real, inclusive a paixão que Bella estava despertando em mim. Sem conseguir guardar essa situação só para mim, revelei para Kate o que estava acontecendo e ela me incentivou a procurar pela garota com as informações que eu tinha.

Minha prima incorporou a investigadora e anotou tudo que eu lembrava sobre Bella. “Não é muito, mas pode ajudar”, lembro de Kate usando essas palavras enquanto jogava o nome e o sobrenome que minha garota havia me dado. 

Como esperado, as primeiras pesquisas não deram nenhum resultado. Tentamos usar palavras como “faculdade” e “história” junto com o nome de Bella na esperança de talvez encontrar um perfil no Facebook. Nada. Kate chegou a supor que ela havia mentido o nome, mas eu fui veemente ao afirmar que Bella não faria isso.

Lembrei de Bella dizendo que o pai era italiano e aceitei a possibilidade de Bella ser um apelido de Isabella. Mas nada que eu concluía dava resultado em nossas pesquisas. Era frustrante.

Terminei a introdução da música e pude sentir a letra saindo de dentro do meu coração.

 

Anos atrás, quando eu era mais jovem

Eu meio que gostava de uma garota que conhecia

Ela era minha, e nós éramos um amor

Isso foi antes, mas foi verdade

 

Mais uma vez repassei mentalmente tudo o que havia acontecido desde aquela viagem. Tudo que Bella me contou sobre ela, todos os questionamentos que ficaram no ar e como eu me apaixonei por alguém que no fundo eu conhecia muito pouco.

 

Estou apaixonado por um conto de fadas

Mesmo que isso machuque

Porque eu não me importo se eu perder minha cabeça 

Já estou amaldiçoado

 

Amaldiçoado. Preferia pensar que estava enfeitiçado, porque me apaixonar por Bella não podia ser um castigo, mas sim algo muito mágico. Entretanto, quando as pesquisas de Kate começaram a dar resultados, eu só conseguia pensar em que espécie de filme de terror eu havia me envolvido. 

 

25 de Junho de 2016 

 

Enquanto Kate pesquisava todas as palavras chaves possíveis com a pouca informação que eu tinha dado, tentei puxar na minha memória algo que tinha deixado escapar. Qualquer detalhe poderia ser valioso nesse momento.

— Uau! — exclamou Kate com os olhos vidrados no computador. — Isso aqui é interessante.

— Você encontrou algo sobre Bella? — perguntei animado e me aproximei para ver o que estava em sua tela.

Me assustei quando visualizei imagens estranhas. Uma mulher com chifres e asas parecendo um demônio. Uma fogueira. Uma mulher amarrada prestes a ser jogada no mar. 

— Kate… O que… O que diabos você está pesquisando afinal? — perguntei exasperado. 

— É isso que você encontra quando pesquisa o sobrenome da sua amada na Noruega. — disse presunçosa. — Você disse que achou estranho a mãe de Bella ter nascido em Florli e isso é realmente duvidoso. Resolvi pesquisar pra saber se há algum registro dessa família morando por aqui e o que achei foi uma lenda.

— Lenda? — perguntei incrédulo. — Você está tentando me levar pra alguma seita? 

— Edward…

— Semana passada você veio com uma história de que eu deveria aprender a tocar harpa para agradar o deus Bragi. Olha minha cara de quem quer agradar Bragi. — Apontei para o meu rosto e dei o melhor sorriso forçado que consegui.

— Mas Edward, qual o problema de querer ser abençoado por…

— E isso nem foi o pior! — interrompi a justificativa de Kate. — Você acha que eu não percebi a quantidade de gnomos de madeira que apareceram na minha casa?

— Eu não posso te dar um presente de aniversário, Edward? — perguntou com indignação.

— Pode, mas até no banheiro, Katrina? Devem ter uns 20 espalhados pela casa. 

— Quarenta e cinco. — Olhei incrédulo para minha prima. 

— O quê?

— A quantidade precisava ser um múltiplo de nove. — disse cabisbaixa. — São quarenta e cinco gnomos na sua casa. Foi o que eu consegui. 

Respirei fundo tentando me acalmar. Era possível uma pessoa acreditar em todas as lendas e mitos possíveis? Vendo Kate rindo para mim sem nenhum arrependimento eu sabia que era sim possível. 

— Esquece, Kate. Eu estou aqui te implorando ajuda para achar a garota que eu gosto. Não é hora pra nenhum mito. — disse enquanto voltava a me sentar dessa vez mais controlado.

— Quem ouve isso até pensa que você não acredita em nada não é, Edward? — perguntou debochada. Antes que eu pudesse rebater sua crítica, Kate continuou: — Devo te lembrar da plantação de cogumelo que você fez no MEU quintal para atrair fadas? 

De onde ela tirou que era por isso a minha plantação? Eu não tinha contado pra ninguém e tomei todo o cuidado para não ficar tão visível a intervenção no jardim. Só as fadas inteligentes e atrevidas conseguiriam descobrir o que eu fiz. 

— Como…

— Como eu descobri? Edward…

— Melhor deixarmos isso pra lá, não é? Qual foi a lenda que você achou aí? — perguntei interessado. Se não tinha como me defender, era melhor não atacar. Isso deve ser a frase de algum ensinamento viking.

— Bom, agora que concordamos que tudo é possível aqui, vamos ao que interessa. — Kate voltou a digitar em seu computador e eu fiquei no aguardo da sua descoberta. — Você já ouviu falar sobre as bruxas de Vardo? 

Tentei resgatar na minha mente o que já havia escutado sobre essas palavras. Eu sei que a Noruega tem um passado sombrio relacionado ao julgamento de mulheres por bruxaria, mas não consigo lembrar de um caso específico. 

— “Uma tempestade na véspera de Natal de 1617 mudou para sempre a história de Vardo, uma pequena vila de pescadores norueguesa. A forte chuva causou a morte de 40 homens que haviam saído para pescar. Pouco depois, mulheres da cidade foram apontadas como bruxas e acusadas de terem provocado a catástrofe.” — leu Kate.

Vila de pescadores. Forte chuva. Homens saindo pra pescar. Morte. Mulheres provocando a catástrofe. Fechei meus olhos devido a força que as imagens surgiram na minha mente. Me lembrei do pesadelo que tive quando estava em Florli. 

O cenário era exatamente esse. Homens indo pescar e morrendo numa tempestade. As mulheres assistindo a cena com tranquilidade. Elas pareciam estar rezando antes. Elas estavam lançando um feitiço? 

— A culpa dos fenômenos naturais caindo nas costas das mulheres. Por que isso não me surpreende? — despertei do transe vendo Kate me olhar confusa. — Você me ouviu?

— Eu… Elas… Isso realmente aconteceu.

— Aqui está dizendo que sim, mas me sinto no dever de duvidar. Por que elas iriam matar seus parceiros, irmãos, pais, amigos, sei lá? 

— Para testar as boas intenções deles. — afirmei me lembrando do que ouvi a mulher do meu sonho dizer.

— O quê? — eu poderia dizer que Kate estava indignada comigo agora. — Gnomos que afastam más energias é demais, mas mulheres jogando feitiço em todos os homens de uma ilha é ‘ok’ pra você? 

— Acho que não te contei essa parte, mas quando eu estava com Bella lá em cima, eu acabei cochilando e tive um pesadelo. — comecei a esclarecer. — Eu achei que era um pesadelo, mas o meu sonho foi exatamente o que você acabou de ler.

Detalhei tudo que tinha visto no meu sonho e como estranhei a atitude tranquila das mulheres vendo que os seus companheiros estavam em apuros. Contei sobre o bebê que a mulher havia chamado de “Bella” e em como ela tinha me prendido e arrastado pelos pés. 

— Eu ouvi a mulher dizendo: “só os homens de bom coração voltarão”. Era um teste. — concluí ainda estupefato. 

— Mas não tem registro de nenhum homem que conseguiu escapar. Não é estranho? 

Kate e eu ficamos muito tempo pensativos. Havia muitas perguntas sem resposta. Como eu poderia sonhar com uma história que até então eu não conhecia? Isso realmente aconteceu como estava no site? Ninguém voltou? O que isso queria dizer? E o mais absurdo: como aquela criança poderia ser Bella em 1617? Ela teria mais de 400 anos hoje.

— Existe um museu. O Memorial Steilneset, em Vardo. — disse Kate enquanto virava a tela do computador e me mostrava as fotos do lugar.

Li algumas informações que estavam no site e ali dizia que o memorial apresentava banners com o nome e a história de cada mulher que havia sido condenada e julgada como bruxa. Anotei o endereço do local e resolvi que eu faria uma passeio por lá na primeira oportunidade. Alguma coisa sobre Bella eu descobriria ali. 

 

24 de Dezembro de 2016 

Foi só depois de 6 meses que eu consegui visitar o Memorial Steilneset. Devido a correria da faculdade e ao convite inesperado para integrar a Sinfonietta de Oslo, viajar 2 mil quilômetros só se tornou possível na véspera do Natal.

Esse seria o primeiro Natal que eu passaria longe da minha família e claro que esse fato não foi possível sem uma boa explicação antes. Deixei para Kate contar tudo que estava acontecendo aos meus pais, pois essas histórias místicas eram mais aceitas quando minha prima estava envolvida.

Eu não sabia se o museu estaria aberto à visitação hoje, mas estava esperançoso que com uma mentira ou outra o segurança do local me deixaria entrar por alguns minutos. Eu só precisava achar o sobrenome de Bella e entender de quem se tratava essa história de bruxaria. 

A arquitetura externa do museu era surpreendente. Ao mesmo tempo que as estacas de madeira davam a impressão de que o local estava em construção, a grande estrutura branca no meio — parecida com uma prancha de surfe — deixava claro que ali dentro havia uma história sobrenatural sendo contada.

Ao me aproximar da rampa que levava até a entrada, percebi uma outra estrutura do lado externo. Uma caixa de vidro. Dei uma volta na caixa esperando achar a entrada e cheguei a pensar que poderia ser uma bilheteria, pois havia uma lâmpada acesa do lado de dentro.

Me aproximei mais e, ao olhar pelo vidro, percebi que não havia uma lâmpada, mas fogo. Senti todo meu corpo se arrepiando. Isso era tão representativo para o local. Era uma lembrança do que muitas mulheres, muitas famílias, sofreram no século 17, os julgamentos, as condenações, as torturas, as execuções na fogueira. Não controlei as lágrimas. Era cruel. 

Senti um vento muito frio passar por mim em sinal de que a chuva não iria demorar para cair. Caminhei até a entrada do museu e com surpresa percebi que não havia segurança ali. Não entendi se era pelo feriado ou se a falta de guarda era comum, mas eu não estava reclamando de forma alguma. 

Por dentro havia uma contínua penumbra, apenas alguns pendentes luminosos traziam clareza para que as informações fossem lidas. Virei à direita para iniciar a experiência da exposição e, por mais curiosidade que eu tivesse adquirido sobre a história das bruxas de Vardo, eu estava ali por causa de Bella e queria ir direto ao assunto.

Percebendo que os sobrenomes seguiam em ordem alfabética, caminhei mais rápido até que vi o primeiro ‘S’ e desacelerei. Selland. Skagen. Stenberg. Stien, Swenhaugen.

Respirei fundo ao parar em frente ao banner onde se lia “Jord Swenhaugen”. Essa era a mesma mulher que vi em meu pesadelo? Seria a avó de Bella?

— Estou feliz que tenha vindo, Edward. — uma voz atrás de mim soprou em meus ouvidos.

Mesmo que não estivesse vendo com clareza o que estava ao meu redor, a voz doce e o cheiro de marzipã entregaram a presença de Bella. Controlei a vontade de me virar e perguntar o que ela estava fazendo ali. Em vez disso comecei a ler o banner em minha frente.

 

Jord Swenhaugen

Apresentada ao tribunal do Castelo de Vardohus em 28 de novembro de 1620

Acusada:

— de ter lançado um feitiço sobre os barcos de mais de quarenta pescadores que navegavam no mar de Vardo em 24 de dezembro de 1617. 

Recusou-se a confessar e foi submetida ao teste da água. Quando jogada ao mar, o seu corpo boiou e, por isso, foi considerada culpada. Condenada à morte em incêndio na fogueira.

Antes da condenação, confessou:

— que ela aprendeu bruxaria com Edda Skagen.

— que ela participou do lançamento de feitiços sobre os pescadores em Vardo.

— que assumiu forma não-humana ao longo da vida

— que sobrevoou o mar na forma de um gavião para conferir se havia algum sobrevivente. 

Jord Swenhaugen deixou um livro de receitas, uma pulseira de folhas secas e a filha de apenas 4 anos, Isabella Swenhaugen.

 

Arfei. Isabella era mesmo filha de uma bruxa. A Bella que estava atrás de mim? A Bella que me levou para uma aventura incrível em Florli? A minha Bella? 

 

— É a minha joia preferida. — vi a garota estender os braços em minha direção mostrando o que interpretei como a pulseira de folhas secas de Jord. 

— Você… Essa… Eu não entendo. — não conseguia formular uma frase depois do que descobri.

— Eu ainda sou a mesma Bella. Você consegue me aceitar como eu sou? — perguntou suavemente em meu ouvido. 

— E o que você é? — perguntei desejando uma confirmação completa.

— Não sou como a minha avó. — soltei o ar que nem percebi estar segurando. Bella não era uma bruxa então. Quando me virei para enfim encarar minha garota, ela não estava mais lá.

Saí do memorial perturbado após essa breve conversa e comecei a questionar minha sanidade. Precisava sair daqui urgentemente, voltar pra casa, conversar com Kate e esperar que ela me assegure de que eu vou voltar ao normal.

Corri até o carro e quando abri a porta, vi um papel caindo sobre meu sapato. Em outra ocasião e lugar, poderia achar que era uma multa, mas eu sentia que era Bella. E eu estava certo.

No bilhete estava escrito com uma letra impecável:

“Essa será nossa tradição de Natal. Assinado: Bella Swenhaugen” 

 

Dias atuais

Depositei toda a minha energia durante o meu solo de violino. Em poucos segundos eu me libertei de qualquer postura que ainda me prendia no centro do palco, me libertei da ansiedade e do receio de mostrar ao mundo tudo que estava guardado no meu peito. 

Avistei alguns sorrisos animados enquanto sentia meu corpo vibrar com as palmas do público. Eu precisava que todos sentissem a música com cada célula do corpo assim como eu. Fechei os meus olhos me preparando para cantar os próximos versos e consegui enxergar Bella. O seu rosto de porcelana iluminado com seu sorriso quase infantil de tão puro e inocente. Se estivesse aqui, minha garota estaria com os olhos brilhando, deslumbrada com cada pequeno detalhe que eu sei que não reparei.

Bella também amaria a música e eu sei disso porque era animada, viva e misteriosa assim como ela. 

 

Todos os dias, nós começávamos brigando

Todas as noites, nós nos apaixonávamos

Ninguém mais poderia me deixar mais triste

Porém, ninguém mais poderia me fazer tão feliz

 

As brigas só aconteciam em minha mente, pois eu amaldiçoava Bella sempre que acordava de mais um sonho que eu não sabia o significado. Abri um sorriso involuntário ao lembrar de como ela me desafiava com seus bilhetes. Sim, os bilhetes continuaram a chegar, até mesmo depois que me mudei para Stavanger.

Porém, no Natal de 2019, o primeiro que passei naquela cidade, ela não apareceu.  E isso se repetiu em 2020. Os bilhetes se tornaram menos frequentes e eu não conseguia aceitar que estava perdendo Bella. 

 

Não sei o que estava fazendo

Quando de repente, nos separamos

Hoje em dia, não consigo encontrá-la

Mas quando eu encontrar, nós vamos ter um novo começo

 

Por mais que tenha decidido que esse era o último Natal que a esperava, no fundo eu sabia que era mentira. E, se dessa vez minhas teorias estivessem certas, eu poderia encontrar Bella em Florli novamente. 

Ao final da apresentação, todos do pub já estavam de pé, algumas pessoas tinham parado na rua para me ouvir cantar e isso me deixou em êxtase. Olhei para a mesa onde minha família estava e pude ver minha mãe gritando e pulando tanto quanto Emily ao seu lado. Gargalhei vendo a animação de todos eles.

— Obrigado! Obrigado! — agradecia mesmo sabendo que não estava sendo ouvido por causa dos aplausos e gritos do público. 

— Esse é o meu priminho! — gritou Kate enquanto me abraçava e me rebocava de cima do palco.

Guardei meu violino e fui atrás da minha família. Emmett fez um escândalo quando me viu, me deu um abraço tão forte que chegou a me levantar do chão. Meu pai foi mais contido na parabenização graças a minha mãe que logo pulou em meus braços.

— Que música linda, Edward! — exclamou dona Esme empolgada.

— Foi muito bonito, tio. — disse Emily pulando no chão querendo chamar minha atenção. Peguei a pequena no colo e dei um beijo no seu rosto.

— Você gostou mesmo, Emy?

— Muitão! — exclamou abrindo os braços o máximo que conseguia. — Tenho um presente pra você.

Emy pediu para descer do meu colo e foi até o pai falando algo em seu ouvido. Os dois saíram da mesa e eu me sentei no lugar de Emmett esperando o tal presente.

— Ela não fala em outra coisa desde que te viu no palco. — revelou minha mãe.

— E o que é? Tenho que me preparar.

— É um mistério. Ninguém sabe. — disse Rosalie tranquilamente.

Minha experiência com mistério me diz que o melhor é correr, mas Emily ficaria chateada se eu recusasse seu presente, então preferi esperar, só que um pouco mais apreensivo que antes. 

— Espero que fique feliz. — Emily chegou me estendendo um envelope. — Bella disse que você iria gostar.

— Como ela te entregou isso? — foi a última coisa que ouvi Rosalie perguntar.

Eu estava anestesiado. Não consegui ouvir o que Emy respondeu para Rose e nem fazer os vários questionamentos que eu tinha. Apenas abaixei a cabeça e abri o tal presente. Dentro do envelope tinha um papel como os tantos outros bilhetes que Bella trocou comigo nos últimos anos.

 

“Ainda lembra da nossa tradição de Natal? Estou te esperando na casa branca. Vai ser fácil me achar.”

 

Mesmo que Emily não tivesse me dito que o bilhete era de Bella, eu saberia se não pela letra, pelo jeito atrevido de se comunicar comigo. E ela estava certa. Em Ovre Holmegate, uma casa branca tem um destaque enorme. Tão grande que inclusive eu sabia exatamente para que lado deveria ir.

Me levantei da mesa e nem lembro se me despedi de alguém, apenas saí o mais rápido que pude. Eu precisava encontrar Bella agora. Fui parado algumas vezes por clientes me parabenizando pela música, pedindo meu contato profissional e até um ou outro flerte. Mas eu estava focado. Bella. Casa branca.

Quando consegui sair do pub, ainda enfrentei uma quantidade enorme de pessoas tirando foto na frente de cada prédio ou paradas no meio da rua admirando as luzes de Natal. Fui driblando cada uma pacientemente e, quase chegando na esquina, já consegui avistar a casinha branca. 

Desacelerei o passo enquanto sentia o bilhete de Bella queimar no meu bolso como um alerta do que estava prestes a acontecer. Comecei a relembrar o nosso último encontro e como a falta de certezas deixou de me incomodar a cada minuto depois que fiquei sem Bella.

 

24 de Dezembro de 2018 

Hoje é o dia. Mais uma véspera de Natal, mais um encontro. No ano passado, visitei Vardo mais uma vez e, como esperado, Bella me encontrou. Nossa conversa foi tão breve quanto à primeira, mas se era isso que eu podia ter da minha garota, eu aceitava.

Porém, esse ano seria diferente. Eu estava com tudo pronto para me mudar para Stavanger e eu não sabia se Bella iria me acompanhar e me visitar lá também. Eu precisava de respostas. 

Caminhei até um parque próximo a casa de meus pais e me sentei à espera de Bella. Sentiria falta de ver a neve em pleno Natal. Em Stavanger faz muito frio e até chove nessa época do ano, mas neve mesmo só cai em janeiro. 

— É tão bonito ver as árvores com esses pontinhos brancos, não é? — perguntou Bella sentando ao meu lado. 

— Muito. — concordei. — Mas ainda prefiro o verde e as flores. 

— Posso te contar um segredo? — sussurrou Bella bem próxima de mim. Acenei positivamente curioso com o que ela me contaria agora. — Eu também prefiro o verde.

Suspirei balançando a cabeça enquanto a garota ao meu lado ria da minha expressão. Estava esperando que ela me revelasse algo, mas como sempre ela me enrolava ao redor do dedo mindinho. Sempre, menos hoje.

— E qual outro segredo você tem para me contar? — fui firme e direto dessa vez.

— Nada com o que você precise lidar agora. — respondeu ainda sorrindo.

— Eu preciso de respostas, Isabella. — a garota assustou por chamá-la pelo nome e não o usual apelido. — Logo estarei indo embora e não sei nem se essa tradição vai continuar.

— Isso está sendo demais pra você, não é? — perguntou cabisbaixa. 

Evitei respondê-la, pois não queria que nossos poucos minutos se transformassem em uma briga. Sabe-se lá quando veria Bella novamente. Eu deveria aproveitar cada segundo que ela pudesse me dar da sua presença. 

— Você lembra da neve quando esteve em Florli? — perguntou Bella se levantando e me estendendo a mão. Me levantei meio confuso, pois não havia neve quando nos conhecemos.

— Não estava nevando quando fomos lá. — afirmei. — Nem daria pra subir aquela escada se tivesse.

— Eu sei. — Bella se aproximou de mim e me abraçou inesperadamente. — O que temos é como a neve do ano passado, Edward. 

Sem que eu pudesse perguntar o que isso queria dizer, Bella já estava andando a passos rápidos para longe de mim. Eu deveria segui-la, fazer algo que a impedisse de ir embora tão rápido, mas fiquei pensando no que ela disse.

Como a neve do ano passado. Isso me preocupou. Quando o verão chega e derrete a neve, está tudo acabado, passou e não tem mais volta. Ela realmente quis dizer o que eu acho que ela disse?

 

Dias atuais

Apertei o passo e logo alcancei uma porta rosa, girei a maçaneta e como era de se esperar estava destrancada. 

— Bella! — já entrei gritando por minha garota. 

Como não obtive resposta, continuei a adentrar o local que mais parecia um galpão. Reparei que havia muitas caixas de papelão e, apesar da escuridão, dava para perceber que o lugar estava limpo e o cheiro de marzipã muito comum de Bella — e dos biscoitos de Natal — estava bem presente. 

Ia passando pela escada, quando vi uma luz vindo do segundo andar. Era lá que ela estava escondida. Subi correndo empolgado e fiquei encantado com a visão. Eram estantes e mais estantes ocupadas por livros. Com certeza era um paraíso para Bella.

— Chegou bem a tempo. — ouvi a voz da minha garota entre as estantes. — Estou começando a organizar a prateleira de mitologia nórdica.

Logo que alcancei Bella, a puxei pela cintura e a abracei. Ela era real, de carne e osso e estava aqui aceitando de bom grado meu carinho. Sua risada chegou aos meus ouvidos como música e a apertei mais um pouco em meus braços.

— Parece até que eu me atrasei. — disse Bella.

— Alguns anos, pequena feiticeira. 

Sem que eu estivesse preparado, Bella se virou e me empurrou até a estante que estava atrás de mim. Apoiando suas mãos sobre meus ombros, minha garota beijou o meu rosto. Fechei os olhos para aproveitar melhor a maciez dos seus lábios, o seu cheiro doce e o calor que esse gesto causou no meu peito. 

— Feiticeira? — perguntou depois de se afastar um pouco, ainda mantendo as mãos em mim.

— Sim. — respondi olhando cada detalhe do seu rosto. — Eu tenho uma teoria sobre você.

— Eu espero que você tenha sido criativo dessa vez ou você continua roubando-as de histórias em quadrinhos? — provocou Bella.

Ela ainda lembrava da segunda vez que nos reencontramos em Vardo. Eu fiquei tão confuso sobre Bella não ser uma bruxa que acabei me deixando levar pelas teorias de Kate.

 

24 de Dezembro de 2017 

 

Katrina havia me deixado pensativo na noite anterior. Quando contei a ela no ano passado que Bella não era uma bruxa, sempre que minha prima ligava era com alguma suposição sobre a garota. Isso rendia alguns diálogos bem interessantes.

 

“ — Você já pensou que ela pode ser uma bruxa diferente? — sussurrou Kate falando comigo ao telefone.

— Diferente como, Kate? Não existe só o tipo que faz feitiço? — e as que oferecem maçãs envenenadas para moças inocentes, pensei. 

— Existe as que usam chapéu e tem verruga no nariz e existem as bruxas tipo Hermione! — falou como se fosse óbvio.

— Tipo Hermione. — repeti incrédulo com a mente fértil da minha prima.”

 

E essa nem tinha sido a hipótese mais bizarra, Katrina passou meses com a ideia fixa de que Bella era uma vampira.

 

“ — Edward, você reparou se a Bella brilhava no sol? Porque eu já li um livro sobre isso. — ela nem esperava eu falar ‘alô’ e já derramava teoria em cima de mim. 

— Brilhar como? — eu tive a sensação que Bella tinha um brilho próprio e diferente ao redor dela, isso se encaixava?

— Tipo diamante.

— Acho que não, Kate. — não se encaixava. — E se brilhasse?

— Ela seria uma vampira. — disse em um tom sombrio.

Não é possível.

— Você estava lendo Vida e Morte de novo, Katrina?

— Esse livro abriu os meus olhos. Eu tenho muita certeza do que estou supondo.”

 

Contudo, na noite anterior, Kate parecia ter tocado em um ponto importante da história. E era nessa teoria que eu estava me agarrando até o momento. 

 

“ — Você lembra do nome da avó de Bella, primo? — perguntou depois de me enrolar muito durante a ligação.

— Lembro. Era Jord. 

— E você já leu esse nome em algum lugar? Talvez em alguma HQ? Ouviu falar dela em algum filme? — Ela estava muito empolgada pra me contar sua descoberta, mas continuava me cozinhando.

— Fala logo, Kate.

— BELLA É NETA DE ODIN! É uma deusa, Edward! Isso não é o máximo? — jurava que pude ouvir ela pulando e batendo palmas do outro lado. — Pelos deuses! ELA PODE SER FILHA DE THOR! 

— Thor? Thor tipo o Deus do Trovão? — perguntei confuso.

— SIM, EDWARD! — eu precisei afastar o celular do ouvido. Esperei que ela se acalmasse para me contar essa história direito.”

 

A suposição de Kate fazia muito sentido. Apesar de achar a parte de Thor uma viagem bem louca da minha prima, Bella ser neta da Deusa da Terra explicaria muito da sua paixão pela natureza. 

 

Dias atuais

 

Claro que quando me encontrei com Bella naquele mesmo dia e contei sobre a minha suposição, tudo que ouvi depois foi a sua gargalhada. 

— Dessa vez, eu tenho certeza sobre meu palpite.

— Bom… — começou Bella fazendo carinho com a mão em meu peito. — Se você está aqui, você não se incomoda com quem eu sou, certo? 

Bella estava receosa sobre a minha aceitação. Eu tinha percebido isso desde o nosso encontro em Vardo e agora com ela me perguntando tão insegura, tudo que eu queria era provar que não me importava. Na verdade, eu me importava, pois faria de tudo para protegê-la e não deixar que a história se repetisse, mas nada disso mudava o que eu estava sentindo.

— Eu estou completamente apaixonado por você, Isabella Swenhaugen. Sou apaixonado pelo sorriso que não sai do seu rosto, pelo brilho dos seus olhos admirando cada detalhe que você encontra no mundo. Seus cabelos castanhos me lembram chocolate quente e combinam perfeitamente com seu perfume de amêndoa doce. E os deuses sabem o quanto eu amo chocolate quente e biscoito de marzipã. — observei os olhos marejados de Bella e o sorriso lindo que enfeitava seu rosto. — Sua paixão pela natureza, sua curiosidade sobre a minha música, até sua letra em cada bilhete que me enviou. Tudo sobre você me impressiona, me encanta e me fez estar aqui. 

— Edward…

— Você vai ser sempre minha bruxinha. — interrompi e recebi um tapa leve em meu braço pela brincadeira. — Eu quero que você seja para sempre minha. Minha garota da balsa, minha aventureira, minha feiticeira. Sempre minha fada, minha huldra.

Observei Bella ofegar surpresa. Quando me abraçou, eu soube que eu havia acertado dessa vez. Minha garota era uma fada, guardiã da floresta, uma huldra como a mitologia nórdica nomeou. Mas muito diferente do que dizem por aí. E eu agradeço aos deuses por isso. 

— Você não sabe o quanto me fez feliz agora! — exclamou Bella. — Você realmente gosta de mim! 

— E você ainda se surpreende?

— Fiquei com tanto medo desse sentimento ser fruto de… Você sabe. Eu não queria que isso fosse só um encanto, uma magia. — Bella explicou.

— Por isso que quebrou nossa tradição nos últimos anos? — Bella apenas assentiu. — Você disse que seríamos como a neve do ano passado.

— E somos. Não como o que passa e fica esquecido, mas como algo que a gente espera e sempre volta. — assenti, segurei em suas mãos e dei um beijo em sua testa.

Desde quando descobri que Bella era uma huldra, eu nunca suspeitei que meus sentimentos pudessem ser fruto de alguma magia. Isso era sim possível, mas eu percebi esse sentimentos crescendo, aumentando, evoluindo dentro de mim no mesmo ritmo com o que subimos a Florli 4.444. Foi uma caminhada longa, lenta, me esforcei para entender e aceitar, mas todo o processo valeu a pena. 

— Temos muito que conversar, não é? — perguntou Bella.

— Temos tempo. Quero aproveitar o Natal com você, Bella. Te apresentar minha família, Emily é… — parei lembrando que ela já tinha conhecido minha sobrinha. — Aliás, como você conheceu Emily?

— É uma longa história, sabia? Melhor deixar para outra hora. — Bella colocou os braços sobre os meus ombros e eu a segurei pela cintura.

Bella me olhava como se fosse a primeira vez. Muito delicadamente passeou com a ponta dos dedos por todo o meu rosto. Fechei os meus olhos quando senti minha garota acariciando minha nuca e sua respiração ficando cada vez mais próxima. E no segundo seguinte senti a magia. A magia de beijar a garota que eu amo pela primeira vez.

 A maciez dos lábios de Bella sobre os meus fez várias sensações explodirem ao mesmo tempo. Minha mente esvaziou por completo. Meu coração ficou assustadoramente acelerado, senti meus braços formigando e a pele de todo meu corpo foi ficando cada vez mais arrepiada. Era sobrenatural. E que Bella não ouvisse os meus pensamentos. 

Nos afastamos lentamente, mas permaneci com os olhos fechados ainda sentindo o gosto do nosso beijo. Aos poucos senti o controle sobre o meu corpo voltando para mim e a visão que tive ficará gravada na minha memória pelo tempo que o universo me permitir. 

Bella estava com a cabeça um pouco inclinada para trás, também de olhos fechados e o seu sorriso ia aumentando gradativamente a cada segundo. Era lindo ver a felicidade dela iluminando todo seu rosto, iluminando o ambiente e aquecendo meu coração. Eu a amava e queria dizer isso todos os dias da minha vida. 

Nosso momento foi tão sagrado que depois do beijo não precisamos falar mais nada, segurei Bella pela mão e saímos da casa seguindo em direção ao Denali’s Pub.

A garota ao meu lado olhava tudo com verdadeira adoração e eu me peguei pensando como seria passar os próximos anos acompanhando esse brilho no seu olhar sempre que encontrava algo bonito ou diferente. Espero que ela olhe para mim da mesma forma pelo resto de nossas vidas.

Como se tivesse escutado meus pensamentos, Bella se virou para mim e eu percebi que já era sortudo o suficiente para ter o seu olhar doce, caloroso e cheio de amor voltado para mim. 

— O que foi? — perguntou, diminuindo a velocidade dos passos.

Bella levou minha mão até os lábios e deu um beijo demorado no dorso. Ninguém nunca conseguiu me dedicar tanto carinho com um gesto tão simples. Meu coração parecia estar em chamas e que os deuses me ajudassem a não ter um ataque cardíaco bem agora. 

Antes que pudesse retribuir seu gesto, Bella percebeu que tínhamos chegado no pub e foi me arrastando como se ela conhecesse o lugar. No meio do caminho avistei Katrina se aproximando de nós quase dançando de tão animada.

— Bella! — gritou enquanto pulava em cima da minha garota.

Bella com sua animação natural retribuiu o abraço carinhosamente e assim foi durante toda noite. Para cada familiar, amigo, conhecido que eu apresentava Bella, era sempre apaixonante ver sua atenção e cuidado com as pessoas que eu amava.

Emily ficou extremamente feliz quando entendeu que havia me ajudado a encontrar minha namorada — foi Emy que disse e eu apenas aceitei —  e só então descobri que Bella esteve aqui pela manhã, antes que eu chegasse, e deixou o bilhete com Kate. Minha prima eufórica resolveu criar um mistério envolvendo Emily. 

— Edward, as pessoas estão pedindo aquela música de novo. — avisou Irina.

Fiquei alegre com a possibilidade de cantar a música para a inspiração dela. Dei um beijo na testa de Bella antes de me levantar e caminhar até o palco. Estava na hora de mostrar com o violino o quanto amava o meu conto de fadas, a minha fada. 

Dessa vez resolvi fazer algo ainda mais animado e comecei a tocar o violino no meio dos clientes que acompanhavam a música batendo palmas. Tentei manter contato visual com Bella o máximo possível e constatei com surpresa que ela sabia a letra da música.

Minha garota cantava cada verso junto comigo e movimentava o corpo acompanhando no ritmo das batidas da música. Eu me apaixonei de novo e sabia que corria o risco de me apaixonar todos os dias tendo Bella ao meu lado. E eu não me importava.

 

Estou apaixonado por um conto de fadas

Mesmo que isso machuque

Porque eu não me importo se eu perder minha cabeça 

Já estou amaldiçoado

 

Bella piscou pra mim quando cantei que já estava amaldiçoado. Só nós dois sabíamos bem o que estava por trás desse verso. Mesmo de longe percebi minha garota dizendo “eu te amo” e eu não poderia estar mais feliz e realizado. 

 

Ela é um conto de fadas, sim

Mesmo que isso machuque

Porque não me importo se ficar louco

Já estou amaldiçoado

 

Cantei os últimos versos na frente de Bella e soltando o violino para segurar suas mãos. Sim, Bella era o meu conto de fadas. E eu queria ser o dela.

 

(...) 

 

Depois que as festas de fim de ano passaram, eu e Bella conseguimos conversar com calma sobre tudo que aconteceu. E muita coisa me surpreendeu. Mas eu decidi não compartilhar com mais ninguém.

Enquanto pesquisava e criava teorias sobre Bella, descobri que muitas pessoas, assim como eu, chegaram à conclusões erradas no passado e isso custou muito caro. Custou vidas. Custou histórias, futuros e famílias inteiras. Não queria isso para mim e muito menos para Bella.

Ela não pediu para ter os poderes que tem, ela não os usava para fazer mal a ninguém e tinha uma missão bonita que nenhum humano conseguia realizar: proteger a natureza. Nada que estava sob o cuidado de Bella ficava fora do lugar, as árvores cresciam fortes e vistosas, as flores davam cor ao país durante toda a primavera e até quando as folhas caíam no outono, a visão era encantadora aos nossos olhos.

No inverno e no verão, havia todo um cuidado especial para que os animais não adaptados ao clima ficassem hidratados, encontrassem comida e abrigo quando necessário. Bella era a responsável naquela região, por isso sua conexão com Florli era tão intensa. 

Contudo, essa não era sua única ocupação. Bella havia se formado em História como desejava e abriu uma livraria naquela casinha branca que nos reencontramos. Pelo menos duas vezes na semana ela abria uma roda de discussão sobre o folclore e a mitologia nórdica na esperança de abrir a mente das pessoas sobre os seres encantados

— Eu amo te ver assim. — declarei enquanto observava Bella separar os livros infantis que contaria daqui a pouco.

— E eu amo te ver aqui. — respondeu enquanto fazia um carinho suave em meu rosto.

— Onde você estava esse tempo todo?

— Você já está pronto para falarmos sobre isso? — perguntou sorridente. — Bom, em mil seiscentos e…

— Você quebrou todo o romantismo aqui, sabia? — perguntei já me levantando para ir embora enquanto ouvia a risada da minha garota. A idade dela ainda era um tópico sensível para mim.

Quando conheci os meus sogros no início da primavera, Charlie, pai de Bella, me fez prometer que cuidaria e protegeria sua filha. Assim como eu, ele se preocupava com a reação das pessoas caso descobrissem sua verdadeira natureza. Prometi com firmeza e prazer.

Enquanto Bella protegia a natureza, eu protegia Bella. Funcionava bem para nós dois. Tão bem que, no Natal seguinte, estaríamos prontos para levar toda nossa família até Florli e realizar um casamento à beira do Fiorde da Luz. 

Mas isso era uma visão que dona Renée, minha sogra, teve depois de beber uma poção do… Enfim, ela simplesmente soube. Bella chegou a levantar a hipótese de ser uma invenção dela para nos ver casados mais rapidamente, mas quando ela colocou o dedo indicador no meio da minha testa e me fez ver… Enfim, eu soube.

No próximo Natal estaríamos em Florli mais uma vez. Assim como a neve do ano passado.


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Notas finais do capítulo

E então? O que vocês acharam dessa história?

Confesso que foi um grande desafio escrever essa one-shot. Desde a me conectar com a música, entender como ela me levaria até a imagem do combo e até atender às preferências da minha amiga oculta, passei por um processo longo. Escrevi 3 histórias com plots diferentes e o que vocês leram agora é a 6ª versão desse plot. Sim, escrevi e apaguei várias vezes até que Edward fosse divertido e a Bella fosse carinhosa o suficiente. Eu amei o processo mesmo com todas as dificuldades e também amei o resultado!

Espero que você também ame cada detalhe, Madu!

Beijos e até o próximo POSO ;)



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