Fearless escrita por Tahii


Capítulo 2
Chapter II — forever and ever after


Notas iniciais do capítulo

Oie! ❤

Chegamos ao segundo e último capítulo. Escrever essa história foi empolgante, apesar de sentir uma boa pressão kakakakakaka sempre quis escrever sobre reinos mágicos, mas não tive boas experiências com outros plots. Com esse, porém, foi diferente. Espero que gostem desse desenrolar da história ❤



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CHAPTER II

[...] and discoverd she could be

happy forever and ever after. 

 

REINO MÁGICO DE ST. GODRIC

17 de Fevereiro, quinta-feira, 10:14 pm

— Acho que hoje foi o pior dia da vida do meu tio — Albus lamentou numa falsa expressão de desolo. Debruçado sobre o mármore da pia, ele conversava com o reflexo de Scorpius na água da cuba. Bem ao lado da torneira estava uma garrafa de vinho e uma taça, a qual bebericava constantemente. — Não que eu me sinta super bem com isso, mas… 

Ainda está chateado com ele?

— Muito chateado com ele, mas não é como se tivesse grande relevância. Se fosse James ou até mesmo Lily, ele talvez se importaria mais. Enfim — deu ombros. — As coisas começaram a ficar tensas quando ele percebeu que Rose não estava em lugar nenhum e agora há pouco ele expediu um alerta de desaparecimento, talvez em alguns dias chegue à Wiltshire.  

Albus estava certo ao dizer que as coisas ficaram tensas quando Ronald percebeu que Rose não estava em lugar nenhum. Todos os membros do palácio começaram a procurá-la e, simplesmente, ninguém a encontrou — e isso serviu de combustível para o começo do caos que precisavam. 

Rose costumava viver em três lugares: (1) biblioteca, (2) sala de música, (3) jardins e (4) seu próprio quarto, mas não estava em nenhum deles. Não havia sinais de que ela havia fugido por livre e espontânea vontade — como uma carta, por exemplo —, o que fazia com que restasse as piores possibilidades. Uma delas caiu por terra conforme foi escurecendo e nenhum sinal dela nas redondezas foi encontrado; sendo assim, pouco provavelmente havia desmaiado, caído, se afogado, etc. O que sobrou e começou a piscar na cabeça de Ronald em luzes vermelhas neon foi: SEQUESTRO

Por ser o chefe do exército de St. Godric, era evidente que Ronald havia conquistado muitos inimigos ao longo da vida, tanto em seu próprio reino quanto nos demais e, naquelas circunstâncias, esse era um péssimo fator a ser considerado. 

— Nós não temos conflitos com os reinos, Ronald — Harry, observando o Weasley andar de um lado para o outro em sua frente, apenas soltou um longo suspiro. — A coroa, pelo menos, não tem. 

— Disse bem, Harry, a coroa. Eu não sou o rei e as pessoas não precisam ter uma boa relação comigo. Inclusive, sabe do que isso tem cheiro? De vingança

O saldo do dia consistiu na emissão de um alerta de desaparecimento e alguns patronos enviados para Rolf Scamander, do reino de Badger, e Charles Goldstein, de Ravenclaw. Embora soubesse que estava faltando o pirralho que havia assumido o trono após a morte do pai imbecil e nojento como toda a população daquele ninho de cobras que era considerado um reino, Ronald preferiu deixá-lo de fora da equação por hora.

REINO MÁGICO DE WILTSHIRE

18 de Fevereiro, sexta-feira, 02:31 pm

Na noite anterior, Rose havia recebido um bilhete. Já passava das onze horas quando ouviu passos no corredor e se surpreendeu com um pedaço de pergaminho antigo que passou por debaixo da porta e voou até o meio de sua cama, onde estava deitada tentando ler um livro que achara na biblioteca do castelo. Numa caligrafia excepcionalmente bonita, estava escrito: 

Lady Rose, gostaria de aplacar suas possíveis angústias dizendo que as coisas estão acontecendo como foi previsto e, também, agradecer pela sua disposição em nos ajudar. Como símbolo da minha gratidão, peço para que me encontre no estábulo de Antares e Castor amanhã, às duas e meia da tarde❞ — S.M

A primeira reação de Rose foi sorrir, e depois se questionar se era um costume manter castores em estábulos. Sem respostas, dormiu pensando sobre o que diria para o seu pai quando o visse novamente. 

Desde pequenos, Albus e Rose tinham uma grande semelhança, apesar de serem praticamente opostos. Albus era expansivo, maluco, inteligentíssimo, audacioso, astuto, teimoso. Rose era gentil, quieta, observadora, modesta, altruísta, medrosa. Qual era a semelhança? Ambos queriam ser ouvidos de onde estavam; a diferença era que Albus aprendera a berrar e Rose não tinha coragem sequer para sussurrar. 

Sabendo que não havia nascido para ser rei, Albus sempre quis fazer parte do exército e um dia ocupar o lugar do tio. Se James virasse o monarca — como bem era previsto —, com certeza iria precisar de alguém tão bom e tão confiável quanto Ronald era para Harry. No entanto, seu tio parecia gostar de dificultar esse processo, não permitindo que participasse das guerras e apenas de vez em quando abrindo um espaço nas reuniões especiais. Ronald era um saco. Rose, por outro lado, passou a lidar muito cedo com um grande medo: perder o pai. E em algum momento pensou que o certo seria aceitar todas as limitações que a ela eram impostas. Sem ter obrigações de realeza, por simplesmente não fazer parte diretamente da linha de sucessão, não conseguiu ver sentido em não poder viver coisas que até Lily, cuja posição era de princesa, pôde. Porém, sabia que o fato de não ser uma bruxa dificultava a aquisição dessa liberdade que tanto desejava e, até então, não sabia como resolver esse problema. 

Sua única certeza era que estava com medo. Medo de se desentender com o pai, medo de ter que se casar com Edgar Watson irrevogavelmente, medo de não conseguir deixar claro como estava insatisfeita com a forma que vivia há anos. Rose não conseguia ter discernimento o suficiente para dar a resposta que precisava: tudo era daquela forma por que não era uma bruxa? Por que não tinha uma varinha e não saíam faíscas brilhantes de seus dedos? Virando-se na cama, sem conseguir achar uma posição confortável, escutou as palavras de Violet em seu ouvido: “eu entendo que possa parecer assustador porque, de fato, é, mas, se te consola, ir atrás do que desejamos é amedrontador na maioria das vezes. Sentir medo não necessariamente significa que estamos errando”. Rose não tinha esperanças de poder desejar ser livre. Àquela altura, ser menos presa já estaria de bom tamanho. 

De qualquer modo, Rose pôde perceber que aquela breve passagem pelo castelo de Wiltshire renderia algumas aventuras novas. Já havia ultrapassado as fronteiras do palácio onde morou por anos, andou de carruagem de testrálios, aparatou, viu novas paisagens, conheceu pessoas diferentes e, aparentemente, seu novo desafio seria interagir com cavalos. 

— Por alguns instantes pensei que vocês mantinham castores em estábulos — seu apontamento fez Scorpius gargalhar enquanto acariciava Castor, um de seus cavalos, cuja pelagem cor de mel contrastava com a escura do outro.

— Antares é a estrela mais brilhante da constelação de escorpião, e Castor, a segunda da constelação de gemini — disse com entusiasmo, alternando o olhar entre os animais e ela, que, sem querer, se viu focada pensando em como Scorpius ficava bem em tons de azul escuro. — Qual você prefere?

— Prefere para…?

— Cavalgar — respondeu como se fosse óbvio, causando um súbito frio na barriga da ruiva. Antes que tivesse tempo de considerar os prós de tal empreitada, ele completou: — Ambos são extremamente gentis, ainda mais com mulheres bonitas. 

— Para ser sincera — sorriu sem jeito, entrelaçando os dedos na frente do corpo —, eu nunca andei à cavalo. 

— É uma das melhores sensações, eu te garanto. Seria demais sugerir para irmos juntos?

Ronald provavelmente acharia que seria demais; proximidade demais, perigo demais, rápido demais. No entanto, Ronald não estava ali e o dia parecia propício para dar uma volta pelos jardins do castelo de Wiltshire, que estavam radiantes pelo fim do verão. 

— Acho que seria uma boa ideia. 

E, de fato, foi. Embora o receio não tivesse lhe deixado completamente, Rose aceitou a ajuda de Scorpius para subir em Antares e pareceu agradável poder se segurar no tronco do rapaz, inspirar seu perfume de notas de canela e ainda desfrutar do passeio calmo. Sequer precisava pensar para que nunca havia feito aquilo na vida, o que lhe pareceu um desperdício. 

— Então… Como você se sente sabendo que seu casamento aconteceria sábado? — Scorpius perguntou 

— Em parte, aliviada. Não que eu tenha algo contra Edgar, é claro. Ele parece uma boa pessoa.

— Não teve oportunidade de conhecê-lo pessoalmente?

— Tive, mas não foram encontros muito frutíferos. Somos diferentes em vários aspectos e a pressão imposta pelo meu pai não deixou as coisas mais fáceis. Meu descontentamento não é em relação a Edgar, entende? Apesar de, sim, ser de extremo conforto saber que não nos casaremos. 

— Entendo — diminuindo o ritmo, Antares, aos poucos, foi parando na extremidade de um barranco, de onde podiam ver uma boa parte do reino. Rose sentiu os ombros dele relaxarem quando pararam. — Você disse que em parte, se sente aliviada. E na outra parte?

— Com medo — soltou um riso fraco, tentando evitar encostar o rosto nas costas dele. Sem deixar de envolvê-lo com os braços, suspirou. — Medo de que meu pai insista na ideia do casamento e não entenda o recado. 

— Talvez ele não entenda — Scorpius advertiu, apressando-se em completar: — Digo, teoricamente você foi sequestrada, não é como se estivesse fugindo por vontade própria. Você veio porque seria conveniente não estar lá no dia do casamento. O ideal seria dizer a ele, diretamente, que não quer se casar com Edgar. 

— Meu pai sempre acha que as decisões dele são as melhores, não sei se resolveria. 

— Vale a pena tentar. É igual magia. Quando somos pequenos achamos que nunca vamos conseguir fazer os mesmos feitiços que os adultos fazem, não verbais e tudo mais, e quando começamos a tentar percebemos que um dia, quem sabe, seremos tão bons quanto. Não é? — embora o esforço de Scorpius em lhe mostrar uma boa perspectiva fosse extremamente fofo, na concepção dela, sentir o costumeiro “vazio mágico” (como havia apelidado a sensação ruim que lhe preenchia quando o tópico magia era abordado com ela) foi inevitável. 

— Não sei. Não sou uma bruxa — bem devagar, para que não se desequilibrasse, Rose se desvencilhou do rei para apoiar as mãos nos joelhos. Scorpius virou o rosto por cima do ombro para encará-la; o cenho estava franzido e as orbes extremamente cinzentas. 

— Como você não é uma bruxa? Isso é impossível. 

— Não manifestei magia até hoje, então… Não sou uma bruxa. 

— Você é uma Weasley, não é? Os Weasley têm sangue puro. Seus pais são bruxos, sua linhagem é bruxa, como que você não é uma bruxa?

— Minha mãe foi a primeira da família dela. Mas, também, os não-bruxos de linhagens mágicas eram mortos antigamente, o que significa que isso sempre existiu. 

— Eu duvido que você não seja uma bruxa — Scorpius negou com a cabeça. — Precisa apenas manifestar a magia. A maioria consegue quando é criança, por desejo, medo, amor, raiva. Minha tia sempre diz que manifestou magia aos cinco anos quando quase se afogou, por exemplo, mas não significa que não possa acontecer depois de adulto. 

— Não acho que seja uma possibilidade válida para mim. Já passei dos vinte e um anos.

— E…? — frente à insistência no assunto, Rose tentou conter um suspiro melancólico. — Se você é capaz de desejar, amar e sentir medo ou raiva, você é capaz de manifestar magia. 

Era uma visão muito positiva, na opinião de Rose. No entanto, para não gerar um mal estar maior, apenas se calou, o que fez com que Scorpius virasse o rosto novamente. 

— Chateei você? — o tom de voz brando fez com que ela negasse com a cabeça. — Tem certeza?

— Sim. 

— Não ser uma bruxa não é um problema, porque a magia-

— Só não me diga que a magia é inútil. 

— Eu ia dizer que a magia não é tudo. 

Scorpius poderia ter razão, no final das contas. A magia talvez não fosse tudo; tudo o que Rose precisava, tudo o que Rose desejava. Até mesmo porque só um pouquinho seria capaz de mudar, radicalmente, sua vida inteira. Então, pode-se dizer que fazia parte do tudo que Rose queria.

REINO MÁGICO DE ST. GODRIC

19 de Fevereiro, sábado, 04:16 pm

— Inferno sangrento — Ronald esbravejava na sala de reuniões do palácio, passando a mão pelo rosto na vã tentativa de se acalmar. Harry, sentado em uma das cadeiras na imensa mesa de mogno, simplesmente fitava o pedaço de espelho que viabilizaria o contato com o rei de Wiltshire. — E se ele souber de alguma coisa? O que vamos fazer?

— Um acordo. O importante é conseguirmos trazer Rose de volta para o palácio, custe o que custar. Se tivermos que aceitar condições, vamos aceitar condições. Entendeu?

— Não vou aceitar condição nenhuma daquele pirralho. Se, o que eu duvido muito, mas, enfim, se ele souber ou estiver com ela, ele irá devolvê-la e, com sorte, não vamos derrubar aquele castelo em cima da cabeça dele.

— Ron, não exagera. O fato dele ser jovem não exclui a potência de Wiltshire e, pelo o que eu bem sei, os Malfoy são sanguinários. Scorpius não deve ser tão diferente de Draco, então… Vamos com calma — pediu ao ajeitar os óculos. — Além disso, não precisamos de conflitos e nem temos condições para isso. Varíola de dragão nas ruas, exército morrendo nos mares contra Haus Wasser, desvalorização dos galeões… Sem condições. Entendeu?

Ronald não respondeu. É evidente que Harry era muito mais a favor de acordos diplomáticos, mas não é como se acordos diplomáticos resolvessem muitas coisas. Ele sabia que estavam num período difícil financeiramente, sabia que os homens estavam morrendo nos mares porque ele se negou a ir junto a eles, mas… Ronald ainda tinha dois filhos para criar, para ver casados, com as vidas encaminhadas, não poderia se arriscar, mais uma vez, como se não tivesse nada a perder. Seu sonho, àquela altura, para que pudesse morrer em paz, era ver Hugo e Rose bem. Hugo precisava amadurecer, arrumar uma esposa e assumir responsabilidades. Rose necessitava de segurança, a qual ele não poderia fornecer para sempre. Desde que pegou seus filhos no colo, recém-nascidos, soube que seria capaz de fazer de tudo por eles. Tudo. E faria. Resgataria sua filha, viabilizaria o casamento dela com Edgar Watson e garantiria a sua felicidade, como num conto de fadas. 

Por isso que, quando a imagem do rei de Wiltshire apareceu no centro da mesa de mogno, ele se sentou ao lado de Harry e torceu para que pudessem resolver logo toda aquela turbulência. 

— Minha sobrinha está desaparecida há quatro dias. Já buscamos por todo o reino, mas não há nem vestígios, então gostaríamos de pedir a sua ajuda para encontrá-la — Harry é muito educado, Ronald pensava sempre que se viam em situações como aquela. — Sabe de algo?

Sei — respondeu simplesmente. — Rose está aqui em Wiltshire desde a madrugada de quarta-feira, por minhas ordens. Precisava entrar em contato com o reino de St. Godric, mas, aparentemente, cartas não são o suficiente, então pensei que seria uma boa ideia atrair a atenção de vocês de alguma forma mais… Enfática. 

Era um sujeito muito atrevido, na concepção de Ronald, que se levantou da cadeira para avançar sobre a imagem dele. 

— Mais enfática? — o Weasley rosnou. — Você tem vinte e quatro horas para devolvê-la. Vinte e quatro. Entendeu?

Posso até seguir a sua sugestão, Lord Weasley, mas sob as minhas condições. Se quiser acatá-las dentro desse prazo, melhor ainda

— Você acha que está em posição de impor condições? 

E o senhor acha que vocês estão em posição de não acatá-las? Rose está ótima nas masmorras, por mim pode continuar lá pelo tempo que vocês assim quiserem

— O que você quer, Scorpius? — levando um pisão no pé por debaixo da mesa, Ronald voltou a sentar-se. 

É Malfoy para você, Lord Weasley. Não somos necessariamente amigos para tanta intimidade, certo? — com um semblante sério, Scorpius prosseguiu: — Eu quero a devolução do tesouro mágico da caverna de cristal que foram roubados durante a guerra. 

— E como diabos vamos saber onde está essa bosta de tesouro? — Ronald revirou os olhos. 

Não me interessa. Também quero a devolução dos portos do Sul.

— Os portos do Sul foram conquistados por guerra, Malfoy. Não há devolução para isso.

Na verdade, eles foram tomados durante a guerra e não por guerra.

— A culpa é nossa que os portos estavam desprotegidos? — Scorpius compartilhou da risada com Ronald. — Sem chances. 

Não vai ser aqueles portos que irão salvar vocês da lama que se encontram e fazem parte de um acordo mais antigo do que nós três. Os portos do Sul pertencem ao reino de Wiltshire e eu quero de volta. Ah, falando em oceanos… Fiquei sabendo que os homens de vocês estão morrendo. Se vocês devolverem o porto, eu envio o meu exército e invadimos Haus Wasser.

— Quer uma aliança?

Obviamente.

— Não é autossuficiente, Malfoy?

Vocês aparentemente também não são — dando ombros, prosseguiu. — Por último, nesse tópico de aliança, quero uma aliança mercantil, talvez ajude já que a população de vocês está morrendo de varíola de dragão.

— Não fale que estará ajudando, Malfoy, é bem incoerente da sua parte. 

Você acha?

— Nós decidimos, após a Segunda Guerra, cortar relações com Wiltshire. Não é porque o seu pai morreu que isso vai mudar. Preferimos ficar sozinhos.

— O que Ronald está dizendo é que isso vai impactar as nossas relações com os outros reinos — Harry interveio —, porém… Não são condições absurdas. Devolução do tesouro, dos portos, aliança mercantil e política. Os portos do sul e a invasão de Haus Wasser são as mais difíceis. Se aceitarmos, quando Rose estará de volta?

— Imediatamente. 

— Malfoy, essa é a pior moeda de troca que você poderia ter escolhido — Ronald disse, negando com a cabeça. — Minha filha não é bruxa, não está na linha de sucessão, o máximo que vai conseguir com ela é uma desavença. Com ela aí, você não tem vantagem alguma. 

Perdão?

— Não vamos ceder a nada do que você disse. Quando perceber que ela não te dá vantagem alguma, pode mandá-la de volta. O que acha desse acordo? — tal sugestão fez com que fossem abatidos por um silêncio ligeiramente tenso, e nem mesmo as batidas descompassadas do coração do Weasley podiam ser ouvidas. 

— Entraremos em contato em breve — disse Harry por fim, antes de mover a mão para que o contato fosse interrompido. — Me diga que perdeu o juízo e por isso falou essa asneira. 

— Se ele perceber que os esforços são em vão, irá se render — apoiando os cotovelos na mesa, Ronald apoiou o rosto nas mãos. — Vamos dar três dias para ele voltar atrás, se não acontecer… 

— O pior é devolver os portos, porque é o que está ajudando o mercado interno, mas não importa — tirando os óculos, suspirou. — É melhor cedermos do que mobilizar homens para derrubar o castelo na cabeça dele. 

Se aceitarmos, quando Rose estará de volta? — quando o rei de St. Godric fez essa pergunta, Scorpius sentiu vontade de sorrir. O plano daria certo. Por isso não tardou em dizer, usando seu tom de voz mais confiante:

— Imediatamente. 

Malfoy, essa é a pior moeda de troca que você poderia ter escolhido — Ronald em seguida disse, gerando uma certa estranheza. Arqueando a sobrancelha, ele continuou ouvindo o que o homem acrescentou: — Minha filha não é bruxa, não está na linha de sucessão, o máximo que vai conseguir com ela é uma desavença. Com ela aí, você não tem vantagem alguma

— Perdão? 

Não vamos ceder a nada do que você disse. Quando perceber que ela não te dá vantagem alguma, pode mandá-la de volta. O que acha desse acordo? 

Scorpius ficou sem resposta. De tudo o que pensou até ali, de todas as possibilidades — das mais extremas até as mais improváveis — a única que não considerou foi a de Ronald Weasley dizer algo daquele tipo. Era sua filha. A filha que guardava às sete chaves dentro de um palácio como se fosse de cristal. Não fazia o mínimo sentido e, justamente por isso, entendeu que era apenas uma forma de dissuadi-lo de todos os seus pedidos. Parecia um bom sinal. Sua intenção nunca foi usar de má fé com o reino de St. Godric, apenas desejava reestabelecer ligações que foram cortadas há décadas. Como não conseguiu fazer isso de uma forma amigável, apelou, junto com Albus, para toda a encenação. 

No entanto, o problema, naquele momento, passou a ser outro. Sentada numa das cadeiras frente à sua mesa de mármore, estava Rose, cujo semblante deixava claro como aquelas palavras haviam lhe acertado como um soco na boca do estômago.

Entraremos em contato em breve — o rei disse, interrompendo a comunicação. O feitiço que antes funcionava através do espelho se dissipou como se fosse uma neblina e, por trás dela, Scorpius manteve os olhos presos no de Rose, apressando-se em esclarecer o óbvio.

— Ele não estava falando sério. O problema é que o reino está precisando de ajuda, mas não querem ceder porque não temos relações de nenhum tipo. Tentando me convencer de que não tenho uma vantagem, eles me deixam mais vulnerável tanto para virem resgatar você quanto para desistir de tudo e te devolver como uma oferta de paz. 

— Um objeto inútil, na melhor das perspectivas — cabisbaixa e acariciando os próprios dedos entrelaçados, Rose soltou um longo suspiro. 

— Dentro de alguns dias eles vão entrar em contato aceitando as condições, você vai ver.

REINO MÁGICO DE WILTSHIRE

23 de Fevereiro, quarta-feira, 10:57 pm

A única coisa racional que ambos conseguiam pensar era que as coisas iriam, de fato, se resolverem mediante as condições que estabeleceram, mas não era como se Rose acreditasse totalmente nessa hipótese, pelo menos não na parte da história que lhe pertencia. Lembrou-se das palavras de Scorpius no dia anterior: “digo, teoricamente você foi sequestrada, não é como se estivesse fugindo por vontade própria. Você veio porque seria conveniente não estar lá no dia do casamento. O ideal seria dizer a ele, diretamente, que não quer se casar com Edgar”.  Pela colocação de seu pai, era evidente que a sua mensagem não estava sendo transmitida, porque ele não sabia que ela havia escolhido fugir do casamento e, de certa forma, ajudar o rei de Wiltshire. 

Quatro dias inteiros se passaram e não houve tentativa de comunicação alguma. Rose não sentiu vontade de andar pelos jardins, tampouco de aceitar os convites de Louise e Claire para conhecer o Largo Grimmauld — a casa que costumava ser da família Black e que foi transformada por Sirius, antes dele trair a coroa, num salão de bailes. Permaneceu em seus aposentos lendo alguns livros e tentando fugir da angústia que lhe amordaçava. Ouvir as palavras de seu pai havia servido para dois propósitos: confirmar que a magia não era inútil e mudar seu pensamento de que seu pai lhe protegia do mundo porque lhe achava indefesa. Ficou evidente como ela era apenas mais uma peça das várias que ele passava horas mexendo no mapa do reino para executar suas estratégias de guerra. Ao invés de estar lhe protegendo, poderia muito bem estar querendo apenas se livrar do fardo de ter uma filha que não lhe daria vantagem alguma. Mais do que nunca, sentia-se num conto de fadas: injustiçada, sem esperanças e precisando de uma reviravolta. 

Incendio — fazendo o movimento circular com as mãos, assim como havia cansado de ler em livros, fracassou em mais uma tentativa de acender a vela para continuar lendo durante à noite. Precisaria de um fósforo, como sempre. 

O único lado positivo era que, naqueles dias, Rose não estava sentindo tanto medo, porque talvez ele já tivesse se realizado. Pior do que temer perder seu pai, era pensar na possibilidade de nunca o ter tido verdadeiramente. E ao invés de medo, sentia muita, muita tristeza. “Quando perceber que ela não te dá vantagem alguma, pode mandá-la de volta”. 

Esse é o momento da história em que congelamos a cena da mocinha tristonha e mostramos o outro lado. Rose estaria sendo exageradamente dramática — como uma típica personagem que ainda precisa de um milagre — caso pensasse que o único lado positivo era sentir tristeza. O lado positivo tinha olhos cinzas, um perfume amadeirado com notas de canela, era um tagarela e estava muitíssimo preocupado com o desânimo de sua suposta refém.

— Onde estamos indo exatamente? Parece que já subimos oitenta lances de escada — a reclamação de Rose gerou um largo sorriso em Scorpius, que estava concentrado em iluminar o caminho e não tropeçar nos infinitos degraus. Era noite e ele havia buscado a donzela em seus aposentos para “darem uma volta”. Rose aceitou por educação, mas se soubesse que teria que andar tudo aquilo teria ficado em sua cama. 

— No ponto mais alto de Wiltshire. 

Rose já havia percebido, ao olhar a paisagem pelas janelas, que o castelo de Wiltshire se encontrava no alto de uma montanha e que todo o reino estava em sua volta. Sendo assim, não duvidou da declaração de Scorpius e cuidou de segurar a barra do vestido verde claro por mais alguns minutos. 

Quando não havia mais escadas, encontraram uma porta de madeira escura com algumas travas de ferro, as quais foram magicamente abertas para permitir o acesso a um extenso terraço, cuja iluminação não era das melhores. O vento típico de verão começou a movimentar os fios ruivos de Rose conforme andavam até o parapeito; Scorpius, por sua vez, não parecia se incomodar. Ele fez um movimento rápido com a mão para cessar o lumus e ergueu a cabeça para fitar o céu. 

— Consegue entender por que te trouxe aqui?

— Para desfrutar o vento e observar o céu? — virando o rosto para o rapaz, viu quando a boca dele formou um sorriso. 

— Outro dia te falei o significado de Antares e Castor, não falei? Não conseguiremos ver a constelação de gemini daqui, mas a de escorpião…. A de escorpião está exatamente ali — com o dedo apontado para as estrelas, as quais pareciam todas iguais e desconexas para Rose, ele deu dois passos para o lado, quase encostando seus braços. — Está vendo?

A pergunta morreu no ar por alguns instantes enquanto Rose tentava encontrar alguma lógica no céu. Foi apenas quando um feixe de luz começou a aparecer entre as estrelas que ela viu as linhas e, então, se rendeu a um sorriso. Ficar em silêncio, no alto do castelo, junto com Scorpius era tudo o que precisava para se preparar para todas as coisas que viveria e ainda não podia prever. Não estava pensando sobre a altura, sobre o vento, sobre perigo, sobre o que ouviu de seu pai, tampouco sobre os próximos dias. Era apenas um bom momento que precisava de atenção para que pudesse valer a pena. Nem de palavras, nem de barulhos, nem de qualquer outra coisa. Apenas de atenção.

Rose nunca havia gostado de alguém. Gostado de um rapaz. Talvez pela convivência com vários modelos de qualidade duvidosa da espécie — seus primos —, ou, também, pelo fato de seu pai nunca ter deixado que algum convidado sequer a tirasse para dançar. A única chance que teve de se aproximar de um rapaz foi há alguns meses, quando Ronald surgiu com a horrorosa ideia de um casamento arranjado com Edgar Watson. Rose ficou animada, num primeiro momento, porque desejava viver pelo menos uma das milhares de páginas de romance que havia lido. Passou a manhã se arrumando para conhecer Edgar num almoço no palácio e tentou não se sentir tão decepcionada ao não sentir nada quando o conheceu. Ele era consideravelmente educado, apesar de grotesco. Conversava com ela, apesar dos assuntos não serem de seu agrado — jogos de cartas e vacas. Mas… Ela não sentiu o coração acelerar, as borboletas revirarem seu estômago, as pontas dos dedos gelarem ou uma súbita falta de ar. Não conseguiu vê-lo como seu companheiro, nem gostar do estranho cheiro que ele emanava. E, naquela noite, não sabia se conseguiria, um dia, gostar de Edgar. Uma das coisas que aprendeu lendo romances era bem simples: não há motivos para gostar de alguém, porque isso, simplesmente, acontece. E para o seu completo terror, era o que parecia ter acontecido nos últimos sete dias — o que justificava a agitação que começava a sentir mediante todo aquele silêncio no alto do castelo junto com o rei de Wiltshire.

Péssima pessoa para gostar, diga-se de passagem. No entanto, como poderia não gostar?

Era fácil lembrar da primeira vez que viu a imagem de Scorpius refletida no lago do palácio em St. Godric. Cabelos para trás, olhos se confundido com as águas, um sotaque engraçado que fez com que sua voz permeasse os pensamentos de Rose — e as piadas de Camille e Violet — por algum tempo. Ela também não conseguia esquecer o momento em que ele saiu da carruagem, com a camisa nos cotovelos e um aspecto preocupado sobre o motivo dela ainda estar do outro lado do muro. Não era fácil esquecer os sorrisos de canto que às vezes ele dava, ou o agradável perfume que ele usava, nem sua expressão embasbacada ao vê-la após o efeito da poção. Como se não fosse o suficiente, ele era o rapaz mais gentil e educado que já havia conhecido, e descobriu que era particularmente bom andar a cavalo com ele, ou subir lances de escadas para ficar olhando o céu. Para todos os efeitos, passou a sentir as pontas dos dedos gelarem quando estava perto dele e, ao perder as palavras quando ele lhe fazia alguma pergunta, um sorriso tímido lhe aparecia nos lábios. Como foi o caso quando percebeu a situação, olhando para a linha que ainda brilhava no céu indicando o conjunto de estrelas.

— Te dou um galeão pelo seu pensamento — ele disse de repente. Rose sabia que ele estava com aquele meio sorriso, e teve que morder sua própria bochecha para se conter. Scorpius estava com as mãos no parapeito, olhando para ela, quando completou: — É bom ver você menos deprimida. Sabia que as estrelas iriam ajudar, elas sempre ajudam. Bom, me ajudam, pelo menos, quando estou chateado. Quando for verão em St. Godric, não esqueça de olhar para o céu.

— Não vou esquecer — a resposta foi quase um sussurro. Primeiro porque foi difícil tirar os olhos do céu para fita-lo, segundo porque, respondendo ao impulso que sentiu e sem pensar muito no que estava fazendo, colocou sua mão em cima da dele, como se fosse um gesto dizendo que, de fato, não esqueceria. 

   — É uma promessa? — ele perguntou, virando sua mão para que tocasse a dela delicadamente. Quando ela assentiu, mal pôde descrever o ritmo descompassado de seu coração à medida que Scorpius ergueu sua mão para beijar-lhe o dorso. 

A dúvida que pairou sua mente, então, foi: será que isso poderia ser considerado um primeiro beijo?

REINO MÁGICO DE WILTSHIRE

24 de Fevereiro, quinta-feira, 07:08 am

No dia seguinte, o canto dos pássaros parecia uma ópera aos ouvidos de Rose, cujo semblante deixava bem clara a situação, até mesmo para ela, que não se considerava a melhor nesse assunto. Estava, no mínimo, apaixonada. Por isso, pensou que deveria colocar um vestido amarelo bonito para passar o dia e dar algumas voltas pelo castelo junto com Louise e Claire. Scorpius sempre lhe cumprimentava pela manhã e, sem dúvidas, lhe convidaria para fazer alguma coisa extremamente fofa — tipo um piquenique nos jardins. 

Para a sua sorte, assim que desceu os andares para tomar café da manhã, deu de cara com ele, com vestes negras e olhos extremamente cinzas. Mal conseguiu andar conforme percebeu que ele havia lhe visto e, melhor ainda, andava em passos largos até ela. 

Lady Rouse — saudou sem sorrisos. Sequer esperou a curta reverência dela e seu costumeiro “bom dia” para completar: — Seu pai está nos portões do castelo para lhe buscar.

Naquelas circunstâncias, a notícia não poderia ser mais desconfortável. Não sabia o que falaria para Ronald, nem como o encararia, tampouco como deveria agir dali para frente. Além de acabar com os adoráveis sonhos de piquenique nos jardins, uma súbita ansiedade deixou Rose extremamente aflita. No entanto, não era como se não estivessem esperando por aquilo, afinal, fazia parte do objetivo primordial.

Os portões de Wiltshire foram abertos quando Rose e Scorpius estavam na área externa, lado a lado. Ronald havia, por motivações essencialmente agressivas e dramáticas, mobilizado homens o suficiente para preencher o espaço que distanciava a entrada do castelo, mas, para a tranquilidade de Rose, eles ficaram do lado de fora e apenas o nobre ruivo adentrou. Ronald parecia estar muito desgostoso; cenho franzido, olhos fuzilantes e passos firmes demais. 

— Lord Weasley — Scorpius foi o primeiro a dizer, descendo os degraus para ficar frente a frente com ele —, que prazer recebê-lo em Wiltshire.

— Meu descontentamento não poderia ser maior, Malfoy — rosnou, estendendo-lhe uma pasta de couro. — Portos do Sul, aliança mercantil e o tesouro. Daqui duas semanas, com o seu exército em massa, começaremos a outra parte. 

— Não poderia estar mais feliz com uma notícia dessa — o sorriso ao ver os documentos dentro da pasta poderiam ter deixado Scorpius radiante, porém, até o estrangeiro percebeu que não era genuíno o que ele dizia.

— Pouco me importa a sua felicidade. Se quer saber, você tem sorte por St. Godric ter um rei tão benevolente, porque eu faria questão de derrubar esse castelo em cima da sua cabeça. 

— Humhum — respondeu cínico, soltando um longo suspiro. — Acho que St. Godric tem sorte de ter aliados tão bons, afinal, seria uma pena que o exército morresse à toa apenas por questões de ego, não acha? Pois bem — virando-se, apontou para Rose. — Sua filha está logo ali. 

Rose se apressou em descer os degraus e ir até o pai. Primeiro pensou que deveria manter-se distante, mas, ao vê-lo abrir os braços, não resistiu ao impulso de corresponder num abraço apertado. Estava com saudades, estava triste, a culpa era dele e, mesmo assim, não haveria um colo melhor. 

— Me perdoe por demorar tanto. Achar o tesouro foi um pouco burocrático — foi a primeira coisa que ele disse, dando um beijo nos cabelos ruivos. — Como você está? Como te trataram? Está machucada?

— Estou bem. Fui tratada muito bem — respondeu com um pouco de dificuldade em respirar ao se desvencilhar dele. Segurou as duas mãos de seu pai com força para tentar, ao menos, voltar à temperatura normal do corpo. 

— Por que está tão gelada, querida? Tudo isso já passou. Vamos voltar para casa, Edgar está muitíssimo atordoado com tudo isso, mas ainda espera por você. 

A única reação de Rose, naquele instante, foi continuar fitando os olhos azuis de seu pai na vã tentativa de parar de sentir o vendaval que agitava seu coração. Se não tivesse pensado em tantas coisas, concordaria e iria embora com Ronald sem sequer olhar para trás — para onde deveria sim olhar porque sabia que Scorpius estaria ali. Minutos se passaram, sua caixa torácica subia e descia rapidamente, os olhos começavam a arder e, gradativamente, um estranho vento começou a agitar as árvores, tornando-se mais forte à medida em que ela abria a boca para falar algo e não conseguia. Mais uma vez, a voz de Violet ecoou em sua mente: eu entendo que possa parecer assustador porque, de fato, é, mas, se te consola, ir atrás do que desejamos é amedrontador na maioria das vezes. Sentir medo não necessariamente significa que estamos errando.

Com toda a pouca coragem que conseguiu reunir, Rose disse:

— Preciso falar uma coisa — Ronald assentiu, um tanto quanto preocupado. Algo palpitava dentro de si dizendo que o reizinho nojento havia feito alguma coisa de terrível, mas não conseguia decifrar o que os olhos da filha tentavam lhe dizer. — Eu… Esse… Eu pensei que você não viria me buscar porque eu ouvi você dizer que eu não daria vantagem nenhuma e eu me senti… Mal. Porque… Porque sim. 

— Ah, querida, eu apenas disse aquilo numa vã tentativa de dissuadir o rei das condições dele. Você sabe que eu te amo infinitamente e, se você não nos desse vantagem alguma, ele não teria te usado para isso. 

— Você me ama infinitamente, mas disse isso. Você me ama infinitamente, mas não deixou que eu saísse do palácio pelo menos uma vez. Você me ama infinitamente, mas arrumou um casamento com um não-bruxo só porque… Não sei. Para eu não me sentir… Deslocada? — Ronald negou com a cabeça conforme ela soltou suas mãos para tentar tirar os fios de cabelo que voavam violentamente em frente ao rosto. Com a virada do tempo, o céu havia ficado nublado e o vento parecia estar ficando perigoso. 

— Não é nada disso. Por que… Por que não conversamos sobre isso em casa?

— Porque eu não quero ir para casa! — grunhiu, fechando as mãos em punhos. — Eu não quero me casar com Edgar, eu não quero ficar trancada naquele palácio ou morar no campo com aquele energúmeno pelo resto da minha vida! 

— Não entendo porque está falando essas coisas, pensei que havia gostado de Edgar.

— Como que eu iria gostar dele?

— Por que nunca disse antes?

— Porque você sempre coloca a sua opinião acima da de todo mundo, papai. Só por isso — soltando todo o ar dos pulmões, Rose sentiu o corpo estremecer de calor. Já que estavam naquela terrível situação, quis usar o resto de sua coragem para fazer uma última declaração: — E, também, eu quero dizer que eu não fui sequestrada. 

— Como é?

— Albus e eu decidimos, por livre e espontânea vontade, ajudar o rei Scorpius.

— O que está dizendo?

— O rei precisava de uma moeda de troca, eu queria fugir do casamento e Albus quis ajudar nós dois, já que você não permite que ele participe de nada relacionado às batalhas do reino. 

Quando a última palavra saiu da boca de Rose, o vento deu uma acalmada e Ronald, embasbacado, negava com a cabeça. 

— Eu entendo perfeitamente que o rei de Wiltshire conseguiria negociar de outras formas também — Ronald disse, tentando permanecer calmo. — O que me espanta, nessa história, é você e Albus não terem falado diretamente o que queriam. 

— Como falar para alguém que não está disposto a escutar? 

— Não fale como se as minhas ações, Rose, como se a minha vida não fosse em função de amar e proteger você, o seu irmão, e St. Godric. As pessoas erram. Pais erram. Mas não é de propósito. 

— Eu sei que você me ama. Eu sei que você me protege. Só que… E nesses dias que você não esteve comigo? Se eu tivesse sido, de fato, sequestrada? Ou algo pior acontecesse? Amar também é deixar livre para viver, para correr certos riscos por conta própria, para errar. Existem muitas formas de viver, e muito para viver. 

A sensação de poder se esvaziar foi, de longe, uma das melhores coisas que Rose sentiu em toda a sua vida. Na verdade, o abraço que recebeu do pai assim que terminou de falar foi a melhor coisa. 

— Me perdoe — ele disse no seu ouvido, por fim. 

Após um longo abraço e algumas lágrimas de alívio, Ronald se viu obrigado a cumprimentar o rei de Wiltshire e agradecer por tratar a filha bem, embora deixando bem claro sua insatisfação com aquela manipulação criada pelo seu sobrinho traíra. Rose, por sua vez, também precisava se despedir, embora não soubesse exatamente como fazer isso. 

— Você viu como o tempo fechou e agora… — olhando para o céu azul límpido, Scorpius sorriu — Está bonito outra vez?

— Faz parte do verão de vocês? — Scorpius negou com a cabeça, fazendo com que ela arqueasse a sobrancelha. — Estranho.

— Eu estava observando a conversa com o seu pai e eu fiquei pensando em uma coisa… Você se lembra o que eu disse sobre magia naquele dia que fomos ao estábulo? — antes que Rose tentasse responder, ele se apressou em repetir: — Se você é capaz de desejar, amar e sentir medo ou raiva, você é capaz de manifestar magia.

— O que está querendo dizer?

— Você sabe o movimento das mãos para conjurar lumus? — Rose assentiu, começando a se divertir com o raciocínio do rapaz. — Então, por que você não tenta?

Se as poucas horas daquela manhã já não tivessem se provado bem agitadas e improváveis, Rose tentaria escapar de uma frustração. Porém, como Scorpius parecia animado com a ideia e ela não tinha nada a perder, estendeu a mão e a girou no sentido horário, dizendo “lumus” em seus pensamentos. Sem expectativas de conseguir, quase sentiu o coração sair pela boca ao ver uma faísca brilhante na palma de sua mão. Scorpius abriu um largo sorriso e Ronald se aproximou sem entender muito a situação. Rose fechou os dedos e, em seguida, repetiu o movimento, pensando “lumus” com mais ênfase. Foi então que uma bola de luz apareceu levitando no meio de sua palma aberta. 

— Eu não te disse que você era uma bruxa? — Rose mal ouviu o que Scorpius disse, sua primeira reação foi, simplesmente, pular em seu pescoço para abraçá-lo (talvez, inclusive, pela primeira e última vez). 

O reencontro com seu pai poderia ser descrito segundo as palavras do rei: uma mistura de desejos, raiva, medo e amor. Desejo de ser livre, raiva de ter vivido daquela forma por anos, medo da reação dele e muita, muita saudade do conforto de seu abraço. A grande semelhança entre a magia e a vida é que nenhuma das duas acontecem sem uma generosa dose de coragem. É preciso sentir medo, porque a vida e a magia são perigosas, mas é preciso ter coragem para enfrentar o que vier e seguir em frente para que o coração continue batendo forte. 

Para terminar essa história, não poderia faltar o tópico de “maior preocupação da protagonista”, já conhecido aqui como o rei bonito, de nome estranho e charme inegável. O abraço dos dois demorou mais tempo, foi mais próximo, mais apertado e mais terno do que Ronald gostaria. Enquanto se despediam, ele se limitou a pensar no que Rose não enxergava em Edgar e em como desmarcaria o casamento sem muito… Drama. 

— Foi um prazer conhecer você, Lady Rouse. Mande lembranças para Albus e não se esqueça de olhar o céu no verão — segurando as mãos dela, Scorpius deu um beijo em cada uma. 

— Não vamos nos ver nunca mais? — perguntou baixinho, fazendo-o sorrir. 

— Eu te veria todos os dias, pelo resto da minha vida, se eu pudesse. 

Como não se apaixonar por um rei desse?, Rose pensava ao fita-lo nos olhos. Com um último olhar, uma última reverência e uma certa tristeza em ter que acompanhar Ronald — que já estava na metade do caminho — até os portões do castelo, Rose se virou e foi, em passos não muito largos, segurando a barra de seu vestido amarelo. Uma das maiores leis que regiam os quatro reinos igualmente era que o casamento real deveria ser com um cidadão — de preferência nobre — legítimo do reino. Sendo assim, a história de Scorpius Malfoy e Rose Weasley teria os requisitos necessários para entrar no hall de histórias de amor fracassadas, assim como a de Albus Potter e Alice Longbottom. 

Lady Rouse — ao ouvir seu nome, ela parou onde estava e virou-se. — Posso te fazer uma pergunta?

— É claro que sim.

— Caso fosse possível, você… Aceitaria se casar comigo? — sussurrou bem perto do rosto dela, fazendo-a arquear a sobrancelha. — Eu sei que a lei proíbe, mas não é como se as leis não pudessem ser alteradas, não é? Talvez demore um tempo, é evidente, mas não acho que deva ser algo muito difícil e, sem dúvidas, Albus pode começar a pensar sobre o assunto porque ele é muito-

A melhor resposta para ele, naquela proximidade e naquele momento de incerteza, foi um selar de lábios, casto e doce, que o calou. 

— Eu aceito. 

Mesmo com a incerteza do felizes para sempre, não houve dúvidas de que era possível. Não apenas porque a lei ultrapassada era de séculos atrás, nem porque Scorpius era um rei jovem que poderia lutar por uma nova ordem, tampouco porque Albus era muito engenhoso na questão de estratégias… Mas porque o amor é capaz de nos fazer acreditar nas possibilidades mais malucas e nos dá uma considerável coragem para nos metermos em enrascadas. Rose poderia, com seu melhor vestido, encarar qualquer tempestade junto com Scorpius. Sem medo. 

✻  ✻  ✻

REINO UNIDO, LONDRES

Domingo, 08:30 pm

— Eles foram felizes para sempre, papai? — uma menina loirinha, já debaixo dos cobertores, perguntou enquanto virava a última página do livro que seu pai estava lendo. 

— O que você acha?

— Eu acho que sim. Eles tiveram duas filhinhas e viveram felizes para sempre no castelo de Wiltshile.  

— É, talvez em Wiltshire, talvez em outros reinos… — dando ombros, o homem se levantou da cama, deixou o livro em cima do criado-mudo e puxou a coberta para cobrir a filha. — Sua irmã já está dormindo há horas e você não parece nem um pouco disposta a pegar no sono. Quanto de açúcar seu tio deixou você comer de sobremesa?

— Um pouquinho só. O tio Albus comeu muito mais do que nós duas juntas. Que outro reino que eles estão, papai?

— Há muitos reinos por aí, Sunny, e princesas por todos os lados. Aqui em casa mesmo tem duas princesinhas — dando um beijo na testa da filha, ele apagou o abajur. 

Prestes a sair do quarto, ele ouviu, numa voz sonolenta: 

— Amanhã você pode contar essa historinha de novo? 

O sorriso de canto foi inevitável. Antes de fechar a porta, Scorpius respondeu:

— É claro, princesa. É a minha história favorita. 

 

Fim. 

 


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Notas finais do capítulo

Algumas considerações...

✻ Quis deixar subentendido que o Albus e a Alice estavam passando pelo mesmo problema com a lei porque (1) eu adoro alblice e porque (2) eu sabia que o casal scorose iria precisar de ajuda posteriormente hihihi

✻ O final é aberto, cada um pensa aí com seus botões sobre a ligação dessa última parte com o resto. Eles mudaram de universo? Era simplesmente um livro? Fica no ar... hihihi

Espero que você tenha gostado, Red, e que todo mundo tenha se sentido inspirado a ter coragem para enfrentar a vida como um todo. É preciso coragem para viverrrrrrrr!!

Obrigada a todos que chegaram até aqui! Um grande beijo ❤ ❤ ❤



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