Chances para Recomeçar escrita por Julie Kress


Capítulo 2
Dias difícéis


Notas iniciais do capítulo

E vamos com essa belezura cheia de emoções.

É a mais marcante até agora.

Boa leitura!!!



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P.O.V Da Sam

Como explicar para as crianças que o pai delas nunca mais voltaria para casa? Como lidar com a dor em meio ao luto? Como levantar todos os dias e saber que nunca mais veria David? Como suportar a dor se eu perdi minhas estruturas? Como seguir em frente sozinha numa casa enorme com três crianças pequenas de 10, 7 e 2 anos? Como olhar para os meus filhos sabendo que eles sofreriam com a ausência do pai?

Deus, por quê?

Naquele dia tão nublado e frio os policiais me deram pêsames e me entregaram a carteira intacta de David. Seu celular ficou perdido nos destroços. Dentro de sua carteira estavam seus documentos, e uma foto minha com as crianças.

Eu desabei em gritos e prantos sentindo meu coração ser dilacerado.

O corpo foi levado para a nossa cidade natal, seus pais resolveram cuidar do velório. Arrumei as coisas das crianças, viajamos para Filadélfia, onde David seria enterrado. Fui recebida por seus pais e irmãos, meus pais já eram falecidos, eu não tinha irmãos e nem parentes morando perto. Eu mal coloquei os pés para dentro da casa e logo fui humilhada por Laura, a irmã mais velha de David. Ela nem poupou meus filhos.

"A culpa é sua! Você tirou o meu irmão de nós! Você levou ele para longe! Agora meu irmão está morto... Ele tinha mais oportunidades na cidade... E você o convenceu ir para aquele fim de mundo! Desgraçada! Maldita! Nunca gostei de você... Espero que sofra pelo resto da vida!"

Ela deu um vexame no velório, peguei meus filhos e fui para casa dos tios de David.

Laura estava me culpando, ela me odiava.

Apareci no enterro com Dylan e Nicole, deixei meu caçulinha com a filha dos vizinhos dos tios do meu falecido marido.

Estava chovendo, eu estava completamente devastada, minha garotinha chorava o tempo todo. David era querido por todos, um bom homem, familiares e amigos apareceram para a despedida.

Aquele com certeza foi o dia mais triste de todos.

Enterrei o amor da minha vida.

Seus pais me ofereceram suporte financeiro, eu aceitei por causa das crianças. Somente por elas.

Não permitiria que nada faltasse para os meus filhos.

Voltamos para casa, guardei a quantia dada por meu sogros, ainda continuariam sendo, por consideração, eram avós das minhas crianças.

Fui informada que seria indenizada pelo acidente, como viúva, eu receberia dinheiro pela morte do meu falecido marido, ele estava trabalhando quando tudo aconteceu... Mas dinheiro nenhum tiraria a minha dor, dinheiro nenhum seria capaz de amenizar meu luto.

Não me faria esquecer a perda que tivemos.

Aquele dinheiro não traria David de volta.

Eu não teria direito à receber a pensão por morte do cônjugue. Só tinha o direito a receber o valor da indenização, David era caminhoneiro, se ele fosse bombeiro, médico ou policial aposentado, eu passaria a receber sua aposentadoria.

[...]

40.000 dólares foram direto para a minha conta. Dava para nos manter por um tempo, o dinheiro demorou para sair, eu precisava administrar o valor da indenização, pensar no futuro dos meus filhos. Nossa casa necessitava de alguns reparos, principalmente o telhado cheio de goteiras.

Deus, o que vou fazer?

Já se passaram quase três meses, não é fácil cuidar de tudo sozinha, tenho ficado esgotada. Ao menos as aulas voltaram, fico a maior parte do tempo sozinha em casa com o Josh.

Mantenho contato com os avós das crianças, são pessoas maravilhosas e sempre foram bons comigo.

Estou me virando como posso, não quero ter que gastar o dinheiro que está na minha conta, é para os meus filhos, preciso pensar no futuro deles, quero poder mandá-los para a faculdade, sei que ainda é pouco.

Não estamos passando por dificuldades, sou capaz de vender minhas coisas para poder colocar comida na mesa.

Recebo uma quantia dos meus sogros, não é muito, mas dá para nos manter por enquanto... Não quero passar o resto da vida dependendo de George e Melinda. Não é por orgulho, sou grata a eles, continuo os considerando muito, são parte da minha família.

— Nicole, vem me ajudar aqui! - Chamei.

Estava tirando a roupa do varal, ela ria correndo atrás de uma borboleta.

— Filha, pega o cesto de roupa para mim! - Pedi.

Ela me ignorava, continuava brincando.

Eu já estava começando a ficar estressada, era muita coisa para lidar.

Pendurei algumas peças de roupas no ombro, o cesto estava no chão. Fui até a Nicole.

— Não me ouviu chamar? Se não quer me ajudar, vá já para dentro de casa! - Ordenei.

— Não, mamãe, eu tô brincando...

— Me obedeça, chega de correr. Vá tomar banho, agora! - Mandei.

— Deixa eu brincar mais um pouco. - Fez manha.

— JÁ MANDEI IR PARA DENTRO DE CASA! - Gritei com ela.

Ela correu chorando e me obedeceu.

Horas depois...

— Vem comer, Dylan! - Postei a mesa e servi a comida deles.

Ele estava brincando com o coelho.

Sentei o Josh na cadeirinha.

— Dylan, larga o Cenourinha e venha comer! - Chamei.

Coloquei o frango desfiado e arroz com verduras no prato do Josh.

Nicole estava ressentida comigo, ela lavou as mãos e sentou.

Meu filho mais velho ria brincando com as orelhas do Cenourinha.

— Eu não vou chamar de novo. Você não é surdo, se não largar esse coelho, eu vou soltar esse bicho no mato! - Me irritei.

Dylan me olhou assustado, prendeu o bichinho de estimação na gaiolinha, correu para lavar as mãos e se sentou para comer.

Dylan e Nicole estavam emburrados, comeram em silêncio, sequer me olhavam.

— Come a batatinha, filho. - Tentei fazer o bebê comer.

Ele bateu a mão na colher, se recusava, botou para fora o arroz mastigado.

Limpei sua boca.

— Só mais um pouco... Precisa comer, filho. - Tentei mais uma vez.

— Não! - Balançou a cabecinha.

— Mas que merda! - Bati o prato dele na mesa. - Não quer comer? Depois não vai ter fruta amassada e nem mama... - O soltei da cadeirinha.

Josh abriu o berreiro.

O coloquei no chão.

— Mamãe... Pepê, mamãe... Dá... Pepê, mamãe, pepê... - Agarrou minhas pernas.

Eu precisava tirá-lo do peito. Ele já tinha dentes e me machucava às vezes.

— Nada de pepê... Vem, vou te colocar no cercadinho. - O deixei rodeado de brinquedos.

Ele gritava, chorava e estendia os bracinhos.

Perdi até o apetite.

Seus irmãos terminaram de comer, recolhi a louça, Josh caiu sentado e jogou os brinquedos para fora do cercadinho.

Estava vermelho de tanto chorar.

Com pena o tirei dali, sentei e ergui minha blusa.

Minha cabeça doía.

O amamentei enquanto chorava.

Que diabos está acontecendo comigo?

Eu não sou assim.

[...]

2 semanas depois...

— Mãe, tem um rapaz pedindo água! - Dylan me avisou.

— Você deixou ele entrar? - Me preocupei.

— Não, ele tá lá fora... Todo sujo e fedendo. - Explicou.

— Fique aqui com seus irmãos. - Pedi.

Fui ver quem era o estranho que estava na varanda.

Somente abri a porta, deixando-a entreaberta, mantendo uma vassoura ao meu lado caso precisasse colocar o homem para correr.

Ele tinha entrado na minha propriedade.

— O que deseja? - Espiei pelo pequeno vão.

— Senhora, desculpe incomodá-la, quero um copo d'água, por favor. - Pediu.

Vi que ele estava sozinho, todo sujo, mas carregava uma mochila.

Jamais negaria água a nenhum ser vivo.

— Certo, fique aqui, já volto. - Avisei.

Fui na cozinha, peguei uma jarra e um copo.

Tomei coragem indo até a varanda, ele estava descansando no banco.

— Aqui. Pegue! - Lhe entreguei o copo.

Estava mesmo fedendo, me mantive afastada e desconfiada.

Era um homem na casa dos vinte e pouco anos, estatura mediana, moreno, olhos escuros e sua barba já estava bem crescida.

— Mais um pouco, por favor. - Estendeu o copo.

— O que faz por essas bandas, senhor? - Perguntei na lata.

Não parecia um mendigo... Mas poderia ser mesmo um andarilho.

Olhei para os seus tênis imundos.

— Estou procurando serviço. - Respondeu com simplicidade.

— O senhor está procurando no lugar errado. Não há trabalho nessa região. - Falei.

— Sempre há trabalhos braçais. Sei campinar, plantar, consertar... Sei fazer de tudo um pouco, senhora. - Disse com calma.

— Desculpe a curiosidade, mas de onde o senhor veio? - Indaguei.

— Arizona... Vim pegando carona. Estou há dias na estrada. - Contou.

— Mãe, o bebê está com fome. - Nicole apareceu na varanda.

Já estava mesmo na hora do almoço.

— Obrigado pela água. - O rapaz agradeceu. - Posso descansar mais um pouco aqui? - Perguntou.

Apesar de parecer inofensivo, eu não poderia confiar... Se tratava de um estranho.

— Claro. - Ele ia ficar lá fora mesmo.

A espingarda de David estava no lugar seguro.

Entrei para colocar comida para as crianças.

— Mãe, o mendigo vai comer com a gente? - Dylan quis saber.

— Filho, ele não é mendigo... Só está sujo. - O corrigi.

Um pouco maltrapilho.

O pobre homem devia estar muito faminto.

Coloquei comida num prato, enchi mesmo, peguei um copo de suco de laranja e fui levar para ele.

— Obrigado... - Pareceu surpreso. - Que gentileza, muito obrigado, senhora. - Sorriu para mim.

— De nada. - Devolvi o sorriso.

— Como se chama? - Perguntei.

— Freddie. - Respondeu.

— Coma com calma. Qualquer coisa me chame. - Falei antes de entrar.

[...]

— A senhora não usa aliança, mas...

— Sou viúva. - As palavras saltaram antes que eu pudesse me freiar.

— Meus pêsames. - Levantou.

Apenas assenti.

— Quer levar água? - Eu não queria tocar naquele assunto doloroso.

— Não tenho para onde ir, já estou cansado de continuar na estrada sem rumo...

— Você não pode ficar aqui. É melhor ir embora ou terei que...

— Por favor, me ouça... Não estou pedindo abrigo de graça. Não sou um criminoso, não estou foragido... Eu só preciso de um lugar para passar um tempo... Posso dormir aqui fora mesmo. Posso trabalhar. Não sou uma má pessoa, não irei machucar vocês, por favor, senhora, me ajude! - Implorou.

Eu não deveria, porém, senti pena.

Resolvi ajudar aquele pobre coitado.

— Pode consertar o galinheiro? - Mostrei onde ficava as galinhas.

A chuva e o vendaval arruinaram meu galinheiro.

— Posso. Para hoje mesmo? - Analisou os estragos.

— Para amanhã, não tenho muita pressa. A casa também precisa de reparos. - Expliquei.

— Consertarei tudo que precisar. - Se prontificou.

— Venha, você ficará no quarto de hóspedes...

— Posso ficar no porão ou no sótão se achar melhor. - Sugeriu.

— Não, estão em péssimas condições. - Falei. - Crianças, esse é o Freddie, ele vai trabalhar consertando as coisas e ficará conosco por um tempo. - Contei para meus filhos mais velhos.

— Oi. - Acenou para eles.

Meus filhos ficaram encarando Freddie com curiosidade.

O que era uma loucura colocar um completo estranho dentro de casa.

Mas tinha algo naquele rapaz... Talvez fosse a tristeza e solidão no seu olhar... E meu coração me dizia, eu deveria ajudar ele.

[...]

— Dona Samantha, onde fica a cidade mais próxima? Fica muito longe daqui? - Perguntou meu inquilino.

— Fica há duas horas daqui. - Respondi.

Era uma cidade pequena no condado de Oregon.

— Quer que eu coloque suas roupas na máquina de lavar? - Fui gentil.

— Não se incomode. Lavarei minhas roupas no banho. - Avisou.

Ele foi para o quarto de hóspedes.

— Mamãe, ele fede muito! - Nicole fez careta.

— Shh, fale baixo, filha. - Repreendi.

Ela se parecia comigo, tinha cabelo loiro e olhos claros.

Dylan era a cópia do pai. Com os cabelos castanhos e os olhos cor de avelã esverdeado.

Josh se parecia muito comigo também.

Freddie apareceu na sala de banho tomado e roupa limpa.

Nem parecia o mesmo homem maltrapilho.

Olhei bem para o seu rosto.

Traços marcantes, olhos num tom de chocolate, ele aparou a barba e sua pequena boca rosada ficou mais evidente.

— Fiz sujeira no banheiro, dona Samantha, mas já limpei tudo. - Avisou.

Era educado, um pouco tímido e não parecia ser um analfabeto.

— Por favor, não me chame de dona e nem de senhora, pode me chamar de Sam. - Pedi.

Eu só tinha 32 anos, ele devia ter no máximo 25.

Só sabia que ele era de Arizona. Nada mais.

— Tem algo de errado? - Se preocupou.

Droga, não deveria ficar o encarando...

— Não... É só que... Deixa pra lá. - Fiz um gesto de descaso.

— Deve estar com medo e desconfiada, também ficaria no seu caso... Sou ficha limpa, não se preocupe. Nunca cometi nenhum crime. - Contou.

— Posso ver seus documentos? - Perguntei.

Ele tinha uma mochila.

— Claro. Vou buscar. - Subiu indo até o quarto.

Não tinha habilitação, somente a identidade e a certidão de nascimento meio amarelada e amassada.

E pareciam serem autênticas.

— Sou órfão se é que quer saber... Cresci num orfanato. Quando completei 18 anos fui mandado para um abrigo... Tenho me virado desde então... - Oh, meu Deus.

Fiquei com mais pena ainda.

Ele só tinha 24 anos.

Freddward Karl Benson.

— Minha mãe estava doente, ela morava num abrigo para vítimas de violência doméstica... Ela faleceu quando eu tinha 3 anos. Passei a vida no orfanato e no abrigo quando saí de lá... Só tenho o colegial completo. - Fez uma pausa. - As freiras me criaram muito bem, preferi passar fome quando saí do abrigo, mas nunca roubei nada de ninguém. - Senti meus olhos arderem. - É a minha história de vida... Não escondo nada. E tenho orgulho de quem sou! - Bateu no peito.

— Me desculpe... - Minha voz embargou.

Eu lhei dei as costas e subi a escada chorando.

Chorar era o que eu mais fazia nos últimos tempos.


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Notas finais do capítulo

Sam tem passado por muitas coisas, nem podemos julgá-la.

O que fariam no lugar dela?

Será que Freddie foi sincero com tudo???

Até o próximo. Bjs



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