Promessa escrita por Samyy


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Oie
Venho hoje com uma história postada em 2014 para o projeto Christmas to Remember. Alguém decidiu excluir a postagem, que havia sido feita em conjunto, então eu decidi postar no meu perfil mesmo.
Boa leitura!



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— Mas é Natal cara! – exclama Neville Longbottom. — Deveríamos estar com nossas famílias, celebrando. Não enfurnados aqui.

— Nev tem razão. – Blaise Zabini concorda. — Isso é só protocolo, nossa presença não é realmente relevante, não há nenhum caso grave.

— Minha esposa está em casa cuidando sozinha dos gêmeos. Ia ser nosso primeiro Natal em família.

Eu reviro meus olhos. Não sei por mais quanto tempo aguento essa ladainha.

É só Natal, nada de mais.

Certo, é o aniversário do menino Jesus (que não é mais tão menino assim), o cara 'tá fazendo quantos anos? 2014? 2015? O mundo tem sete bilhões de pessoas, a maior parte delas está comemorando seu aniversário, tenho certeza de que uma a mais ou uma a menos não fará diferença.

Eu não digo nada. Parei de me importar com o Natal há alguns anos.

Papai Noel não existe, afinal.

Hoje é dia do meu plantão no hospital em que trabalho. O Pronto-Socorro nunca para. Eu não me importo tanto de ficar aqui, não faria nada de importante em casa mesmo. Além do mais, ao me formar eu fiz um juramento e estou aqui para zelá-lo, não sou de quebrar promessas.

Quem não gostou muito dessa história foi minha mãe. Narcisa Malfoy queria porque queria a família – que se resumia a mim e a meu pai – em casa. Eu a entendo, desde que saí de casa são raras as ocasiões em que nos vemos.

Não é como se eu estivesse muito animado com essa ideia.

Eu detesto o meu trabalho, mas entre aguentar o plantão e aguentar meu pai durante o Natal, fico com o plantão.

Não que eu tenha feito medicina porque gosto de ajudar as pessoas, longe disto. Foi mais uma maneira de me livrar de meu pai. Ele foi bem específico quando me deu as opções: ou eu me tornava um mini Lucius Malfoy e assumia a empresa da família, ou eu fazia medicina. Quando eu perguntei sobre a terceira opção preferi ficar com a segunda.

Ser deserdado nunca fez parte de meus planos.

Meu pai não é o melhor pai do mundo, nunca poderia ser. Eu via os meus colegas de escola, todos rindo e contando sobre como seus pais eram incríveis, que os levavam a jogos de beisebol, basquete e afins, e eu me perguntava o porquê de meu pai não ser como o pai dos meus amigos.

— Aposto que os doutores estão adorando passar o Natal em Plantão. – uma enfermeira entra na sala em que estamos reunidos.

— Muito. – Nev e Blaise disseram em uníssono.

— Eu não curto muito o Natal, então para mim tanto faz. – digo.

Fez-se um silêncio desconfortável na sala, onde todos refletiam sobre as minhas palavras.

— Não, doutor Malfoy? – Padma, a tal enfermeira, me encara assustada.

É esse o tipo de reação que eu provoco nas pessoas, por isso evito falar sobre o meu desafeto à data.

— Não, senhorita Patil. – a jovem, com os cabelos longos e escuros e olhos verdes cansados, ainda me encara horrorizada. — Você precisa de ajuda? – digo apontando para a prancheta em suas mãos.

— Ah, sim. – diz ela se recuperando do susto. — O senhor, doutor Malfoy, está sendo solicitado. Uma moça acabou de dar entrada no hospital.

Eu pego a prancheta que ela me oferece. Passo os olhos rapidamente pelos dados:

 

— 30 anos

Acidente de carro, pista escorregadia

Um ferido, nenhum morto

Ferimentos leves, escoriações e um osso fraturado

Relato do acidente: A vítima estava no limite permitido, 60km/h, quando perdeu o controle do volante. O veículo saiu rodopiando pela pista. A moça, apesar do cinto de segurança, foi atirada do veículo pela porta do motorista, fraturando o braço.

 

Hum

 

— Obrigado, Padma. Se me derem licença. – eu me levanto e me dirijo, quase correndo, à saída da sala.

Eu não entendo o porquê de as pessoas ficarem tão perplexas quando eu digo que não gosto do Natal. Qual é.

Todo ano é a mesma conversa.

Eu considero o Natal uma festa exclusivamente capitalista e hipócrita... Bom, não o Natal em si, as pessoas quando estão a comemorá-lo.

As pessoas se tornam mais falsas e fazem promessas que, na maioria das vezes, jamais serão capazes de cumprir. Mal posso contar seus sorrisos e abraços falsos.

Onde está o verdadeiro significado da data?

Por anos eu assisti meu pai promoverem almoços natalinos em casa a fim de firmar negócios. No Natal, todos se tornam mais tolerantes, mas no momento em que a festa se despede, voltam a suas vidas medíocres e sem graça.

 

Eu detesto o Natal.

 

Sigo pelo corredor a passos firmes. Estou a poucos metros do quarto 622.

Normalmente as paredes do hospital são brancas, nenhuma decoração, mas quando as festas de fim de ano se aproximam elas se enchem de verde, vermelho, dourado e prata.

 

Eu detesto a decoração.

 

Lembro-me perfeitamente de ter que ajudar minha mãe a cozinhar. Ficávamos horas descascando batatas porque ela não confiava nas empregadas para algumas coisas: eles não fazem da forma correta, ela dizia.

Para falar a verdade, aquelas horas eram os únicos momentos nos quais eu me divertia.

Eu era forçado a comparecer a todos os almoços ou jantares que meu pai oferecia. Por ser pequeno e fofo atraia a atenção dos sócios.

 

Eu detesto a comida.

 

Quando estávamos nós três, meus pais e eu, a brincadeira preferida de meu pai era me humilhar.

 

Eu detesto a família reunida.

 

Enfim, detesto tudo relacionado à data.

Abro a porta do quarto da moça que tivera a noite de Natal arruinada.

Ela está reclinada no leito do hospital. Seus cabelos negros estão espalhados pelo travesseiro. Seus olhos verdes estão virados para o teto em uma clara expressão de dor. Os lábios rosados estão comprimidos tentando reprimir, provavelmente, um grunhido de dor. Ela segura o braço esquerdo com o direito, aposto que é o braço quebrado.

Eu não sei por quê, mas seu rosto, sua expressão, me lembra alguém. Então percebo que não sei o nome da paciente e, rapidamente, checo o formulário na prancheta.

 

Astoria Greengrass.

 

O quê?

Não!

 

Eu só posso ter lido errado.

Olho para a moça, que por sorte ainda não notou a minha presença, e entendo porque seu rosto me é familiar.

Então era isso. Ali estava um dos maiores motivos para eu detestar o Natal:

 

Eu, definitivamente, detesto Astoria Greengrass.

 

[...]

Dezembro de 2002.

Eu estava com meus 19 anos e há quatro anos tinha adquirido um hábito terrível: sentar-me no sofá acoplado à janela do meu quarto na noite de Natal e observar a movimentação da rua.

Eu via a rua decorada.

Eu via bonecos de neve em cada casa.

Eu via os pisca-piscas em todos os telhados.

Eu via renas coloridas em todos os quintais.

Eu via os amigos e familiares dos meus vizinhos chegando.

Eu os via se cumprimentando do lado de fora, exibirem sorrisos e entrarem nas casas.

Eu via as luzes das salas de estar acesas.

Eu via os carros passando pela rua cheia de neve.

Ah sim, eu via.

Eu só não via o que eu mais queria, a imagem que muitas vezes povoara os meus sonhos.

Eu não via Astoria Greengrass.

As luzes da casa em que ela morava continuavam apagadas. Ninguém mais havia se mudado desde que sua família se fora dali. Esse fato me trazia, ao mesmo tempo, um alívio e aperto no coração.

Alívio por saber que ninguém estava "ocupando" seu lugar.

Um aperto no coração por saber que ela não morava mais ali.

Nas três primeiras vezes em que pratiquei meu novo Hobbie, meus pais nada disseram, mas naquela noite foi diferente.

Lembro que minha mãe bateu à porta do meu quarto e eu permiti que ela entrasse:

Vamos Draco, saia dessa janela. ela falou.

Eu olhei mais uma vez pela janela. A rua estava iluminada pelos postes de luz, pelos pisca-pisca nas casas e pelas renas nos quintais. Carros passavam a alta velocidade, nenhum indicando que pararia ali. Não havia mais alma viva na rua, todos estavam no conforto das casas.

Ela não vem Draco. Vamos, seu pai disse que quer você na mesa.

Minha mãe tem aquela voz doce, aquela voz que te leva a fazer coisas que você não quer fazer.

Eu cedi e a segui para fora do quarto. Descemos as elegantes escadas em direção à sala de jantar.

Meu pai está nos esperando, sua expressão não é das mais animadoras. Posso sentir seu olhar em mim enquanto me sento.

Ele está à cabeceira da mesa, eu e minha mãe nos sentamos cada um ao seu lado.

Não posso acreditar que estava choramingando novamente pela garota Greengrass, Draco. ouço meu pai.

Eu não o encaro.

Eu achei que tinha criado um homem, não uma menininha mimada!

Suas palavras ecoam em minha cabeça.

Há quatro anos eu espero que Astoria volte.

Há quatro anos Astoria não volta.

Minha mãe tem razão, ela não vem. Ela nunca virá.

Eu ainda posso me lembrar de nossa despedida.

Nós tínhamos 15 anos e era véspera da véspera de Natal, ou seja, dia 23 de dezembro.

Astoria tinha me pedido para encontrá-la no nosso lugar de sempre, na pracinha da rua em que morávamos.

Eu fui, certamente, nunca faltava a um de nossos encontros.

Aquele dia ela me dissera que iria embora, se mudaria para longe. Aquele dia ela me fez uma promessa.

Ora Malfoy, é claro que eu volto para o Natal, isso é uma promessa!

Foram as suas últimas palavras para mim, e eu ainda me resigno a guardá-las.

[...]

 

Aquela foi a primeira frase, dita por alguém que não fosse o meu pai, que me destruiu por dentro. Eu não sabia na época, mas eu gostava daquela garota – Ah, como eu gostava.

E, após dezesseis anos, Astoria Greengrass estava ali, a alguns passos de distância de mim.

Eu pensei em sair daquele quarto e pedir para que Blaise ou Neville assumissem o caso, mas isso só me provaria como o covarde que meu pai sempre me julgou ser.

E, se tinha uma coisa que prometi a mim mesmo, era que, sempre que eu pudesse, nunca deixaria que meu pai tivesse razão.

Aproximei-me de Astoria e ela me encara com seus olhos verdes.

Por alguns instantes eu a encaro de volta, e eu tive certeza de que ela me reconheceu.

Por segundos imperceptíveis seus olhos se arregalaram.

Aquele pequeno gesto me fez lembrar-se do dia em que nos conhecemos.

 

[...]

Astoria era orgulhosa, do tipo que bate na tecla mesmo sabendo que está errada.

Ora, mas o que estou dizendo se também sou assim?

O negócio é que ela sempre teve alguma coisa a mais que eu nunca entendi ou consegui decifrar.

Eu simplesmente não sabia.

Nós nos conhecemos em um jantar de negócios, onde as famílias mais importantes e ricas estavam presentes. Entre eles posso citar os Eaton, a família do prefeito (Marcus nunca levava seu filho, Tobias, aos jantares de negócios), ricos e influentes, mas não tão influentes quanto os Malfoy.

Aos meus doze anos eu era obrigado a suportar esse tipo de jantar, onde não há nenhuma criança ou mesmo adolescente. Os pais são capazes de perceber que aquele não é um ambiente adequado para umas crianças.

Menos meu pai, claro, a quem a realidade não se aplicava.

Era 21 de dezembro, um jantar de negócios fantasiado de confraternização natalina.

Hipócritas, não?

Astoria praticamente brotou ao meu lado e começou a falar. Ela tinha onze anos e já tinha um tom arrogante de quem sabe de tudo.

O quê? eu respondi.

Quem aquela menina pensava que era para se sentar ao meu lado assim? Foi a primeira coisa que eu pensei. Seu cabelo estava preso em um coque alto, bem preso, e seu vestido era prateado.

Hipócritas, todos eles. ela apontou para o grande salão onde acontecia a tal confraternização. Falam mal uns dos outros, desejam seus fracassos e até mesmo a morte, mas mesmo assim sorriem como se fossem todos velhos amigos se reencontrando.

Tenho que admitir que, para uma garota de onze anos a mente dela era bastante evoluída, por assim dizer.

Eu não sabia o que dizer, naquela época nem fazia ideia do significado da palavra hipócrita, mas não deixaria que ela soubesse (mais tarde, quando tudo acabou, fui direto para a biblioteca de meu pai pesquisar o significado da palavra).

E sabe o que é pior? ela falava sem desgrudar os olhos de mim. Eles sabem! eu a olhei um tanto confuso e ela rolou os olhos deixando escapar um sorriso. Eles sabem que se detestam, sabem que o sentimento é recíproco, mas se suportam. Suportam-se pelos negócios, pelo dinheiro envolvido. É por isso que eu e você somos obrigados a estar aqui. – ela sorriu cínica.

Se somos obrigados a estar aqui, como eu nunca te vi antes? Em nenhuma das outras festas?

Eu acabei de me mudar, por conta dos negócios, é claro. Mas de onde eu venho era a mesma coisa, a única diferença é que eu percebia, as outras crianças eram bem burrinhas, se é que você me entende.

Meu pai se aproximava do lugar onde estávamos.

Não fique aí parado Draco! Temos muitos convidados que você tem que cumprimentar, não quero que digam que meu filho é mal-educado. ele saiu tão rápido quanto apareceu.

Você vai? Eu sei que não quer ir.

Eu tenho que ir.

Eu não queria ir.

Eu pensei que você fosse diferente. por que ela estava decepcionada afinal? No fundo você é igual a todas as outras crianças. Por alguma razão pensei que você fosse diferente.

Eu não sou burro.

Então prove. Por que não fala o que você realmente pensa sobre essa festa? Ou sobre todas as outras coisas que você é obrigado a fazer? Você tem que enfrentá-los Draco, se não eles acabam te engolindo vivo!

Eu pensei, pensei muito sobre o que ela disse. Eu cogitei a ideia de ouvi-la, mas eu tinha medo do meu pai. Medo do que ele poderia fazer caso eu não cumprisse suas ordens.

Tá, tanto faz. eu disse.

Astoria esperou a festa toda para que eu fizesse o combinado. Mas eu não conseguia. As palavras até estavam na ponta da minha língua, mas eu não conseguia. Sempre que alguém me perguntava sobre a festa eu dizia que estava me divertindo.

Não era tão simples assim, nunca fora simples ser filho de Lucius Malfoy.

Mas, incrivelmente, nos tornamos amigos aquele dia.

[...]

 

— Desculpe, nós nos conhecemos? – ela disse bastante firme para quem estava em seu estado. Típico de Greengrass, nunca demonstrar fraqueza.

Há quantos anos eu não escutava aquela voz? Não tinha mudado quase nada, ela sempre teria aquela voz.

O que eu devo responder? Não sei se digo que nos conhecemos. Não sei se digo que não nos conhecemos.

— Eu não sei. – respondo enfim. Resolvo que agir como um médico comum seja a melhor forma de lidar com a situação. — Preciso que você respire profundamente.

Coloco o estetoscópio em suas costas. É o procedimento.

— Tem certeza que não sabe? Você me parece familiar. – insiste, como sempre.

Não consigo deixar de reparar nela: os cabelos negros, antes compridos, agora foram cortados e mal atingem seus ombros e seu rosto é a coisa mais bonita que eu já vi na vida, mesmo hoje, anos depois.

Garota insuportável!

Por que não pode ser como as outras mulheres? Por que tem que ser tão curiosa, querendo investigar tudo a fundo?

E, principalmente, por que tem que me afetar tanto assim?

— Eu não faço a mínima ideia de onde poderíamos ter nos conhecido. – minha voz sai mais firme do que eu queria. Talvez assim ela pare de fazer perguntas.

Ela suspira pesadamente.

Eu olho a prancheta que Padma me entregou, onde há radiografias de seu braço quebrado.

— Você teve muita sorte. – digo. — São poucas as pessoas que são arremessadas de seus carros e saem com apenas um braço quebrado e escoriações.

Ela ri.

— Doutor Malfoy. – outra enfermeiras aparece no quarto, eu não faço ideia de qual seja seu nome. — Eu trouxe algodão e instrumentos esterilizados para cuidar da garota.

Não há muitos Malfoy no mundo.

Meu pai é filho único, herdeiro de meu avô.

Minha mãe tem duas irmãs, Bellatrix e Andrômeda, ambas casadas.

Não é tão difícil saber quem eu sou só escutando meu sobrenome.

Ótimo, agora Astoria sabe que sou eu.

Eu agradeço a enfermeira e ela sai. Dirijo-me a bandeja deixada por ela, evitando olhar para Astoria.  

Não sei o que dizer.

Não sei o que fazer.

Minhas mãos tremem um pouco de nervosismo que subitamente me ataca.

O que diabos é isso?

Não sei direito o que sinto, ou mesmo o que deveria sentir. É a situação mais estranha na qual já me encontrei.

Não sei nem no que pensar, então resolvo continuar a agir normalmente.

Essa não é Astoria, estou tratando uma paciente qualquer.

Pego um punhado de algodão e o embebeço em líquido antisséptico. Viro-me para Astoria e não sei definir sua expressão. Raiva, confusão, surpresa?

No final parece ser uma mistura de sentimentos.

Eu levanto a mão em direção ao primeiro ferimento em seu rosto, mas meu movimento é interrompido pela mão do braço não quebrado de Astoria.

— Draco!? – ela fala e eu posso notar claramente sua hesitação.

Eu suspiro e volto a tentar cuidar de seus machucados, mas ela me corta impede novamente.

— Draco, é você! Eu não acredito! Esse é, definitivamente, o último lugar onde eu esperaria te encontrar. – ela ri abertamente.

— Há muitas coisas que você não sabe sobre mim. – eu deixo escapar antes que possa conter. Como ela poderia saber, foi embora há anos e jamais tentou entrar em contato.

Me sinto confuso.

Como Astoria pode estar sorrindo? Todos esses anos parecem ter sido descartáveis para ela, fáceis de lidar.

Como ela pode estar sorrido quando eu só sinto raiva crescente dentro de mim?

— Como você se livrou de ser o herdeiro Malfoy e se tornar um médico que faz plantões na noite de Natal? Você finalmente os enfrentou? – ela morde o canto do lábio inferior. — Não acredito! Aposto que Lucius o expulsou de casa e tirou tudo o que você poderia ganhar às custas dele.

Eu decido ficar em silêncio. Astoria desatou a falar, não consigo acompanhar seu ritmo.

— Oh Meu Deus, você não os enfrentou, não foi? – ela balança a cabeça de forma negativa. — Você nunca aprenderá, não é Malfoy? Se você não romper o elo eles vão te consumir, literalmente.

Por que ela tinha que ser assim? Astoria é do tipo que exala os sentimentos por todos os poros de seu corpo, e naquele momento eu só conseguia sentir sua superioridade sobre mim.

Eu sentia raiva.

— Como você consegue? – eu pergunto, mas nem eu mesmo sei o que quero dizer com isso.

— Desculpe? – ela estreita os olhos.

— Digo... – paro um pouco para pensar no que vou dizer. — Como você pode estar tão... Normal?

— O que você quer dizer?

— Depois de todo esse tempo, de todos esses anos.

— Draco, preciso que você seja um pouco mais claro.

— O que eu quero dizer Astoria, é: como você pode agir tão naturalmente após todos esses anos? Você... Você disse que voltaria no Natal.

Por que eu me importava tanto afinal? Astoria tinha sido apenas uma garota aleatória com a qual eu topara em uma das festas de meu pai. Quantas vezes aquilo acontecera?

Esse era o ponto.

Ela tinha sido minha única amiga, a única pessoa além de minha mãe com a qual eu me importara de verdade. Os Natais que os Greengrass passavam conosco eram os melhores, pois eram aqueles nos quais meu pai me esquecia por algumas horas.

Eu a assisto abrir e fechar a boca três vezes seguidas, ela acaba desistindo e deixa de sustentar meu olhar com a confiança que carregava minutos atrás.

Ela está sem palavras?

— Eu... nem sei o que dizer. – suas bochechas adquirem um tom rosado. — Não pensei que você se lembrasse disso.

— E eu não me lembrar disso diminui o efeito de uma promessa?

— Não, é claro que não. Só estou surpresa por você lembrar de algo que eu disse há...

— Dezesseis anos atrás. – eu completo. Por que eu ainda conto? — Não que eu esteja contando.

— Não é o que parece. – ela sorri, aquele sorriso irritante de quem pegou alguém no flagra e saiu vitorioso.

— Você é inacreditável! – explodo, estava tudo muito confuso, nunca fui bom em lidar com sentimentos, vários deles, sou um completo desastre. — Você chega aqui, depois de anos e age como se tivesse ido embora por dias, a férias...

— Draco, eu...

— Não me venha com Draco! Você e eu somos completos estranhos, você é minha paciente, então é apenas Malfoy. – digo cheio de fúria.

— Oh meu Deus, você continua o mesmo sempre!

— Você não me conhece mais, Greengrass. – eu a desafiei com o olhar e ela não fugiu, o sustentou como eu sabia que faria.

— Não? Você tem certeza? Então deixe-me adivinhar, você só aceitou ser médico porque, de acordo com seu papai, essa era a profissão mais digna que você poderia ter se não seguisse os caminhos dele. E, como você não teve peito para enfrentá-lo e abrir mão de tudo, aceitou com o rabinho entre as pernas, não foi mesmo? Não foi Draco Malfoy?

E lá estava a petulante e quase cruel Astoria Greengrass. Eu estava muito irritado, irritado pelo tom casual com o qual ela tratou o fato de ter me abandonado todos esses anos, porque foi exatamente isso que ela fez; e estava, sobretudo, irritado pelo fato de mais uma vez ela ser superior a mim.

Eu a encarei e, antes mesmo que pudesse me controlar, estava lhe devolvendo na mesma moeda.

— Mas parece que você também não mudou muita coisa. – eu a analisei mais uma vez da cabeça aos pés. — Bem vestida, bem cuidada, parece que não fui o único que não teve peito para enfrentar os pais e perder as regalias da vida, não é mesmo? – eu disse no tom mais cínico que consegui. — Por muito tempo eu te admirei e até, secretamente, te invejei pela sua coragem, o seu despeito por tudo aquilo. Achava que você fosse melhor do que eu em muitos aspectos por isso. Mas hoje eu sei que você e eu somos iguais, a única diferença é que você sempre foi melhor e mais convincente com as palavras.

— Seu... – ela começou se levantando, claramente irritada.

— Idiota? Melhor do que ser hipócrita, eu imagino.

Sei que a acertei em cheio com essas palavras, seu rosto está visivelmente corado. De raiva?

Ela ia me bater, eu tinha certeza que seus dedinhos estavam coçando para me dar um belo de um tapa na cara, mas então ela pareceu ficar tonta e meus instintos profissionais falaram mais alto que minha raiva.

Lembrei do porquê, em primeiro lugar, ela estava aqui.

Eu a impedi de fazer qualquer movimento brusco e a segurei pelos dois ombros, forçando-a a se sentar. Ou pelo menos tentando.

— Tire suas mãos de mim, Malfoy, me solta agora! Eu exijo ser atendida por outro médico! – orgulho foi algo que, também, sempre pertenceu a nós dois.

Ela estava fragilizada e era minha paciente, então se alguém tinha que ceder, esse alguém sou eu.

— Deixa de ser teimosa e orgulhosa ao menos uma vez, Greengrass, para que eu possa fazer meu trabalho. Se você colaborar em alguns instantes estará livre de mim novamente, dessa vez para sempre. Eu prometo.

Passaram-se alguns minutos de silêncio. Continuei agindo como se ela fosse apenas uma paciente qualquer e ela continuava com os olhos cravados em mim, atentos a qualquer movimento meu.

Minha cabeça estava a mil. Eu estava irritado pelo o que ela disse, culpado por tê-la tratado de forma pior, sendo que poderia estar feliz por tê-la bem ali.

Mas, acima disso, estava bravo comigo mesmo por, depois de tantos anos, não conseguir me livrar de sentimentos adolescentes idiotas nutridos por Astoria Greengrass!

— Ai! – ela exclamou quando eu apertei, sem querer, mais do que deveria, a faixa em seu braço quebrado.

— Desculpe. Não foi de propósito, eu juro.

O tom mais ameno na minha voz era uma tentativa, medíocre, de quebrar o clima mais do que tenso na sala.

— Foi o seu pai. – eu a encaro confuso. — É culpa de seu pai eu nunca mais ter voltado.

— Como pode ter sido culpa de meu pai você, praticamente, desaparecer do mapa?

— Na verdade, culpa de ambos nossos pais. Quando meus pais venderam a casa estávamos ficando sem dinheiro. – ela suspira antes de continuar. — Meu pai fez grandes dívidas naquela época, e seu nome passou a ser associado negativamente. Lucius não queria ser ligado a uma pessoa desse tipo, e você sabe quão bons amigos eles se tornaram.

Como eu não saberia.

Eles se tornaram amigos íntimos em menos de quatro anos, o que não seria surpresa, porque Astoria e eu criamos vínculos que eu não criei com pessoas que conhecia há muito mais tempo.

— Bom, eles brigaram feio e a amizade acabou. Então nos mudamos.

— Compreendo. Mas o que isso tem a ver com o fato de você nunca mais ter tentado entrar em contato. E como você sabe de todas essas coisas?

— Eu juro Draco, que tentei me comunicar contigo. Eu escrevi cartas, tentei telefonar, mas tudo foi interceptado. Meus pais inventaram uma mentira, disseram que você não queria mais conversar comigo. E eu acreditei, então parei de tentar. Até dois anos atrás, no Natal, quando eu os ouvi conversando. Ouvi meus pais falando sobre o passado, do quanto sentiam falta de Londres. – ela parou para respirar, tomar fôlego. — Seu pai Draco, Lucius meio que forçou nossa perda de contato. Por causa da briga ele não queria mais se aliar à "pessoas da nossa laia". E meus pais se mantiveram longe, já que seu pai era capaz de fazer o que quisesse e pudesse para conseguir o que queria.

Eu não precisava de provas para acreditar nela, conhecia meu pai melhor que todos. Aquela era a cara de Lucius Malfoy, capaz de trair alguém que chama de amigo se fosse em seu prol.

Amigos, amigos.

Negócios à parte.

— Mas eu ainda demorei dois anos para criar coragem e voltar. Eu perdoei meus pais pelo o que eles fizeram, mas ainda não sei se sou capaz de olhá-los da mesma forma que antes. Então, eu passei o último ano economizando para fazer essa viagem. Eu estava com expectativa que você estivesse na casa de seus pais, então peguei a estrada, depois de quase um dia em aeroportos e aviões, o que nos leva a noite deste dia 24. Eu estava bastante ansiosa, pensando no que ia acontecer quando eu tocasse a campainha da mansão Malfoy, então apareceu um animal na minha frente enquanto eu dirigia. Eu, logicamente, tentei desviar e acabei perdendo o controle do carro. Fui arremessada para fora e acabei com o braço quebrado. Mas, boas notícias, o animal está bem, graças a Deus. - ela terminou sorrindo.

Eu precisava de um tempo para pensar, era muita informação.

Isso tudo provava, mais uma vez, o grande amor que meu pai sentia por mim. Como ele conseguia ser essa pessoa, que vivia de hipocrisia e rodeado de tantas mentiras?

Por que eu ainda estava surpreso?

Eu deveria estar visivelmente abatido, pois Astoria apoiou sua mão boa em meu ombro.

— Eu também fiquei arrasada quando descobri, mas veja pelo lado bom: eu voltei, eu disse que voltaria para o Natal. – eu checo meu relógio de pulso.

São exatamente 00:00 do dia 25 de dezembro, não posso deixar de rir.

Após todos esses anos meu estômago se revira em sua presença, minhas mãos tremem e eu tenho vontade de finalmente beijá-la, descobrir como é a sensação de seus lábios nos meus.

 

Talvez eu não deteste o Natal tanto assim.


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Notas finais do capítulo

Lembrando que foi escrita em 2014 e foi minha primeira tentativa de Drastoria, sofri horrores porque só escrevo Romione (e scorose de vez em quando).

:)



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