Me Dê Uma Chance escrita por Mayara Silva


Capítulo 1
Pós-lançamento


Notas iniciais do capítulo

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Estúdio de gravação Allen Zentz, Califórnia - 14:22 hrs

 

Era início da primavera em 1980. As flores timidamente já desabrochavam, embora o tempo ainda estivesse um pouco frio. Pouco menos de um ano atrás, Michael havia lançado o seu mais recente trabalho e estava muito confiante com os resultados, mas as coisas não saíram como ele havia planejado.

Tinha 21, quase 22 anos de idade, e era muito ingênuo. Aquele ano em específico foi de extrema importância para sua carreira, pois foi naquela época que ele aprendeu a jogar xadrez com o diabo.

 

Saiu do estúdio de gravação e foi em direção ao pátio. Jogou sua bolsa-carteiro por perto e sentou-se sobre um dos guarda-corpos de concreto que havia ali.

 

— Michael!

 

Quincy veio logo após, havia o seguido quando o viu sair abalado. Michael estava muito chateado e não respondeu. Seus dedos mexiam discreta e freneticamente, ansiava por distrair-se com alguma atividade. Puxou a alça de sua bolsa e pegou um bloco de notas, no qual usou para dar continuidade a um desenho que havia começado há um tempo, pouco antes do natal passado. Não estava realmente com vontade, mas rabiscar o ajudou a materializar seus pensamentos em palavras.

 

— Eles estão errados…

 

— Michael, seus vocais estão excelentes, não tem o que alterar no álbum…

 

— Eu sei.

 

Ele finalmente encarou o mais velho.

 

— Então…?

 

— Okay, eu confesso que… por um segundo, eu não confiei em mim… mas foram eles que erraram. Eu não… ah! Os números estão bons, as críticas estão boas, e mesmo assim o desempenho não condiz... sabe qual foi a minha impressão?

 

Quincy arqueou a sobrancelha, como se pedisse para que ele continuasse. Michael prosseguiu argumentando à sua maneira.

 

— “Você é bonzinho.” “Você é bom para um artista R&B.” “Talvez você tenha algum futuro.” Eu enfim entendi o que eles pensam sobre mim.

 

— Você não pode se deixar abalar por essas coisas, Michael. Você mal iniciou sua carreira solo...

 

— Por que você acha que Off The Wall não teve um bom desempenho?

 

Indagou o rapaz, ignorando as palavras do mais velho, sua mente estava focada apenas nessa questão. Quincy suspirou.

 

— Mas teve um bom desempenho, os números provam isso.

 

— Okay… Por que você acha que não teve um excelente desempenho? Você sabe que não era isso que eu estava esperando.

 

— Ah, isso? Isso você já sabe.

 

O homem levou as mãos aos bolsos e soltou um riso curto de deboche. Michael percebeu que aquele assunto o chateava.

 

— Gente negra não vende pra esses caras, entendeu, Michael? É melhor você começar a assimilar isso.

 

Ao ouvir aquelas palavras, o rapaz suspirou. Cada dia mais ele aprendia sobre a indústria da música, sobre como ela funcionava e como ele poderia driblar isso. Se era guerra que queriam, era guerra que teriam… e seria do seu jeito.

 

— Eu venderei…

 

Se levantou, agarrou sua bolsa e partiu.

 

x ----- x

 

Michael não foi muito longe.

 

Deveria ter ido ao seu carro e tomado a estrada para Encino, mas precisava espairecer e havia uma praça isolada no caminho. Resolveu parar para tomar um ar fresco e manter seus pensamentos desordenados no lugar.

 

Acomodou-se em um daqueles bancos, tomou o seu bloco em mãos mais uma vez e pensou que, talvez, se desenhasse, conseguiria esquecer esse assunto por alguns instantes e ter um pouco de sossego mental. Buscou naquela paisagem triste alguma coisa que chamasse sua atenção e viu uma flor próxima, uma flor simples que ainda não havia desabrochado completamente. Ele tentou desenhá-la, mas algumas poucas lágrimas silenciosas, frutos de sua raiva, começaram a sair.

 

— Michael!

 

Por um segundo achou ter sido surpreendido por uma fã, mas suspirou de alívio quando viu sua amiga, Ola Ray, se aproximar. Limpou o rosto rapidamente, disfarçou um sorriso.

 

— E-ei! Ray, você por aqui?

 

— Veio tirar umas fotos?

 

Indagou a garota, com um sorriso radiante. Aos poucos, o sorriso forçado do rapaz tornava-se mais e mais genuíno, embora discreto. Ray era uma amiga recente, se conheciam há pouco menos de 1 ano e meio. Ela, modelo, ele, cantor, ambos tinham carreiras distintas, mas às vezes seus trabalhos se chocavam. Para Michael, ela era linda, gentil e tinha uma doce voz, ele adorava sua companhia.

 

— Não, eu… eu passei no estúdio.

 

— Ah, então eu quem devia te perguntar o que você tá fazendo aqui.

 

Ela respondeu, rindo baixinho.

 

— Você tá do lado do estúdio de fotos, onde eu trabalho.

 

— Sério?

 

Ela segurou sua mão e o fez se levantar. Apontou para além das copas e Michael identificou um prédio não muito distante.

 

— É por ali! Você pode dar uma passadinha lá?

 

— Agora?

 

— Claro, bobo! Eu preciso atualizar meu book, se você puder me acompanhar, vai ser divertido.

 

— Er… claro! Vai ser legal.

 

Ele sorriu, em poucos instantes aquele dia cinza parecia ter um pouco mais de brilho. Voltou ao banco apenas para recolher o bloco de notas que estava usando, quando a garota viu o desenho incompleto da flor.

 

— Uau, que linda!

 

Ela o tomou de suas mãos e o admirou.

 

— Ei, não pode olhar o caderno dos outros, mocinha!

 

— Claro que posso, mocinho! Você desenha muito bem! Por que nunca me mostrou isso?

 

Ray começou a passar as folhas e admirar os seus rabiscos. Alguns poucos estavam completos, alguns eram caricatos, alguns eram realistas, havia uma variedade de traços que Michael conseguia reproduzir e explorar. Folheou e folheou até achar um dos seus desenhos mais trabalhados, aquele que ele estava fazendo de pouco em pouco, desde o natal passado.

 

— Isso é apenas um hobby.

 

— Uau… tem alguma coisa que você não saiba fazer?

 

— Bom… acho que eu ainda não sei voar…

 

Os dois riram juntos e começaram a caminhar. Ela lhe devolveu o caderno.

 

— São muito bonitos mesmo, mas tem muito desenho incompleto… Esse, por exemplo. Quem é esse?

 

Ele segurou o caderno e admirou o seu rabisco.

 

— Hum, eu não sei… eu estava tentando transformar pessoas em desenhos, sem parecer muito caricaturado. Não sei se já vi esse cara em algum lugar… só sei que comecei a desenhar e ele saiu.

 

Ela o encarou com um olhar surpreso.

 

— Nossa… parece que ele existe mesmo, você desenha muito bem. Por que você não termina?

 

Michael deu ombros e levou as mãos aos bolsos.

 

— Às vezes eu desenho quando estou estressado. Às vezes não tenho paciência pra terminar.

 

— Ah, Michael… se você focar no desenho, vai ver como tira o estresse. Focar em outras atividades deixa a mente ocupada, sabe? Experimenta fazer isso quando não tiver legal, e termina esses desenhos, eles são lindos demais.

 

Ele riu baixinho e assentiu.

 

— Você que manda, senhorita!

 

Ela riu. Após aquele papo agradável, chegaram ao prédio da garota. Ray continuou a segurar sua mão, apertou carinhosamente os seus dedos, e Michael tentou conter um suspiro apaixonado. Por fim, virou-se para ele, iriam entrar no estúdio agora, não poderiam conversar enquanto ela estivesse em sessão.

 

— Você pode me assistir? Vão ser só algumas fotos.

 

— V-você… eu posso?

 

Ele parecia surpreso, achava que ela só queria uma companhia para chegar ao lugar. Ray riu baixinho e assentiu.

 

— Claro! Ah, mais uma coisa… você também desenha pessoas, não é?

 

Ele aquiesceu.

 

— Eu tento.

 

— Legal. Você faria um desenho meu?

 

— Eu, er… C-claro! Você quer que eu reproduza uma das suas fotos novas?

 

— Na verdade, eu queria ir na sua casa. Você podia me desenhar ao vivo, o que acha?

 

Michael tentou disfarçar a expressão de surpresa em seu rosto. Ele havia acabado de sair de uma conversa difícil com o seu produtor para um passeio divertido com a garota dos seus pensamentos, e agora todos aqueles pedidos inusitados… era uma montanha-russa de sentimentos. Ele queria saber até onde isso o levaria.

 

— Você sabe que eu não te negaria nada.

 

Ele brincou, rindo baixinho. A garota dessa vez não o acompanhou, mas sorriu de forma cúmplice.

 

— Não negaria nada mesmo...?

 

Mesmo sua voz entoou diferente, o que o fez questionar-se sobre suas intenções. Logo, ela foi chamada para a sala branca.

 

— Minha vez. Vamos!

 

O puxou para dentro e a sessão iniciou.

 

x ----- x

 

Mansão dos Jacksons - 17:15 hrs

 

Michael não estava brincando quando pensava estar em uma montanha-russa de sentimentos, pois o passeio agradável foi cortado pela presença de seu pai.

 

Era fim de tarde, Ray e Michael ainda deram uma volta pelos quarteirões antes que ele lhe desse carona. Não houve nada demais no passeio, mas foi suficiente para que Michael espairecesse a mente daquele dia agitado e sentisse o prazer de uma boa companhia.

 

Retornou para Encino, para a casa dos pais. Michael foi o único de seus irmãos mais velhos que decidiu que ainda moraria com eles, não conseguia largar sua mãe de jeito nenhum. Em contrapartida, precisaria suportar a companhia de Joe Jackson, o seu pai, que parecia mais insuportável agora com os resultados mornos do último álbum do filho. A pior parte era que não fazia muito tempo que Michael havia o demitido do cargo de assessor e contratado John Branca para esse papel. O deboche viria mais cedo ou mais tarde.

 

— Parabéns pelo seu lançamento, Michael.

 

Comentou o homem, sentado em sua poltrona, enquanto lia uma revista sobre música. Michael suspirou.

 

— Obrigado.

 

Sabia que seu pai não estava orgulhoso tanto quanto ele não estava satisfeito, mas nunca havia trocado deboches com o homem e não o faria agora.

 

— Pelo visto o tal de Branca está honrando o cargo, não é? E como está a sua divulgação?

 

— Eu... está tudo bem. Não tem nenhuma novidade…

 

O homem não parecia abalado, na verdade não parecia sequer expressivo.

 

— Pensei que as revistas de música queriam falar sobre você.

 

— Eu fiz algumas entrevistas sim, logo após o lançamento.

 

— Ah, sim, consigo contar nos dedos quantas foram.

 

Michael suspirou e assentiu.

 

— Sim, sim. Eu vou dormir agora, boa noite, pai.

 

Usou de sua voz branda e se retirou, subiu as escadas e trancou-se em seu quarto. Queria ter visto sua mãe antes de aposentar aquele dia, mas estava esgotado, ela teria que perdoá-lo.

Jogou sua bolsa em qualquer canto, retirou os sapatos, deitou-se na cama e abraçou-se ao travesseiro. Chorou em silêncio.

 

x ----- x

 

Na manhã seguinte, após uma noite difícil de reflexão, Michael teve um insight.

 

Levantou-se e foi direto à sua mesa para desenhar tudo o que vinha em mente: homens mal encarados, bad boys, gangsters, uma bela moça, um traje de gala, apocalipse zumbi, as torres gêmeas de Nova York, um tigre-de-bengala… Passou a manhã toda desenhando que mal viu a hora passar. Quando se deu conta, já eram 11:52h. Estava animado, admirou seus rabiscos e, pela primeira vez naquela semana, gostou do que viu. Ele sorriu e iniciou seu dia.

 

Tomou seu banho, vestiu-se e desceu as escadas. Aguentou o sermão de sua mãe por ter pulado o café da manhã, ela o fez comer um almoço reforçado por conta disso, ele não pôde negar.

 

— Para onde vai hoje?

 

Ele sorriu.

 

— Falar sobre negócios.

 

Pegou seu casaco e partiu.

Lá fora, correu para seu carro. Quando encaixou a chave, viu, no banco ao lado, algumas revistas sobre música, as mesmas que ele usava para se inteirar sobre o universo do show business.

 

Michael acabou tendo uma ideia.

 

Abriu o porta objetos, pegou lápis e papel e começou a improvisar uma carta. Ele sabia ser profissional quando queria: iniciou mostrando que conhecia o destinatário e os seus negócios, logo após, fez-lhe uma proposta. Junto a isso, realçou todos os seus próprios atributos, contando-lhe sobre sua carreira, suas premiações e os seus números. Michael tentaria, queria ser entrevistado por uma das maiores revistas norte americanas sobre música, isso definitivamente lhe traria o reconhecimento merecido.

 

— É, nunca vou saber se não tentar…

 

Murmurou para si, em seguida dirigiu até o serviço de entrega, solicitou um envio expresso e, de lá, foi encontrar-se com Quincy.

 

x ----- x

 

— Eu sinto muito, Michael, mas agora não dá…

 

Embora ele já estivesse esperando por isso, ouvir as palavras pessoalmente foi como um balde de água fria. Quincy começou a caminhar pelo território da gravadora, enquanto Michael o acompanhava com os seus desenhos.

 

— Mas vai dar certo, confia em mim! Nós seguimos muitos padrões no álbum anterior, vamos inovar nesse e eu já sei como!

 

— Michael, não tem nem um ano direito que você lançou Off The Wall…

 

— Me escuta…

 

Michael apressou o passo e ficou na frente do homem, o impedindo de prosseguir. Ele parecia muito confiante.

 

— Estamos trabalhando como todo mundo. Vamos fazer diferente. As pessoas querem coisas diferentes.

 

— Olha, não estou dizendo que não vamos mais trabalhar juntos, okay? Vejo muito potencial em você… Só digo para não tentarmos nada às pressas agora, vamos dar um tempo até que o seu último lançamento esfrie mais.

 

Disse o homem, relutante. Michael suspirou, percebeu que nada o convenceria agora, mas talvez… se revelasse mais, ele podia enfim ouvi-lo.

Assim que ele se afastou, Michael resolveu confessar.

 

— Eu mandei uma carta pra a Rolling Stone.

 

Quincy parou de caminhar imediatamente. Lentamente se virou, agora arqueando a sobrancelha. Michael tinha toda a sua atenção.

 

— Aquela revista de branco?

 

O rapaz mordeu os lábios e lentamente aquiesceu com um movimento de cabeça, nervoso com sua reação. O homem parecia um pouco preocupado, mas conseguiu disfarçar bem.

 

— Me deixe informado. Dependendo da resposta, podemos apressar esse seu projeto. Você me deixou curioso agora…

 

x ----- x

 

Parecia que, quanto mais tentava, pior ficava.

 

Michael chegou em casa por volta das 16h e viu um envelope na mesa de centro da sala. Só podia ser a resposta. Correu para ver o que haviam falado, tomou o papel em mãos, subiu as escadas e, em seu quarto, leu a carta silenciosamente.

 

Era um texto formal e, embora muito enrolassem para dizer o que queriam, Michael quis ir direto ao ponto e passou os seus olhos negros pelas últimas palavras. Apenas aquelas palavras foram suficientes para apagar todo o resto do papel.

 

— “Não temos interesse”...

 

Ele sussurrou. Sua reação custou a chegar, passou um tempo olhando aquela carta, as letras aos poucos tornaram-se turvas e os pensamentos se desordenaram mais uma vez. Ele não sabia se quebrava as coisas, ignorava tudo ou só chorava em silêncio.

 

Suspirou e segurou as lágrimas de revolta. Não podia mostrar isso a Quincy, não podia deixar o seu pai ver, pelo menos não até mostrar para aquele jornalista medíocre que ele havia perdido uma oportunidade. Enfiou a carta no fundo da gaveta e, a fim de evitar toda aquela negatividade, pegou os seus instrumentos de desenho e resolveu tentar se distrair. Não estava com vontade, mas pensou nas palavras da sua paixonite: “se concentre em outra coisa, esqueça isso, amanhã é outro dia”.

 

Sem ideias para coisas novas, resolveu terminar seus sketches antigos como Ray havia o aconselhado, e um deles era o seu desenho inacabado do homem misterioso, passou a se concentrar nele. Enquanto rabiscava, algumas lágrimas silenciosas desciam e o rapaz rapidamente tratava de limpar para que não estragasse o rascunho.

 

O sono começou a chegar, seus olhos ardiam em cansaço, mas sua mente não conseguia apagar, ele estava com uma insônia intensa. Rabiscou e rabiscou, dando o seu melhor para terminar aquele desenho, pensando apenas no desenho, focando no desenho, até que o seu corpo tremeu em fadiga e, esgotado, ele dormiu.

 


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:

Quando a luz iluminou aquela parte do ambiente, Michael pôde admirar o desenho que fez.

Ele sorriu, estava surpreso com a quantidade de detalhes que havia feito em tão pouco tempo, estressado e com sono. Estava feliz pelo resultado, mas também intrigado, pois não havia usado referência nenhuma [...] e mesmo assim aquele homem parecia ter saído de uma capa de revista. [...] Michael o encarou por vários instantes, tentando buscar em sua mente de onde havia tirado aquele homem, onde havia visto o seu rosto, como o criou com tantos detalhes, mas então…

… ele piscou.



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