Os sons dos passos bem executados eram suaves, e mais claros à medida em que ela se aproximava. Aproveitando a minúscula fresta da porta, acomodou-se quietamente e suspirou. 

Bella gostava de olhá-lo; gostava do jeito gracioso com que ele se movia, dando piruetas (ou melhor, tour en l’air, como costumava lembrá-la num misto de diversão e resignação) com uma elegância que ela jamais alcançaria em nenhuma de suas vidas. 

Jasper era pura arte e magia. 

As paredes repletas de espelhos refletiam uma dúzia dele, para seu alento. Podia vê-lo de todos os ângulos, com todas as expressões: desde as mais concentradas até as mais risonhas, por quando errava algo. Porque, por mais dedicado e competitivo que fosse, sabia apreciar as próprias falhas com leveza. Uma qualidade que ela gostaria de ter — mas que já estava trabalhando.     

Um, dois, três.

Outro giro triplo perfeito. Bella conteve um suave gemido de apreciação. Não que secretamente não quisesse que ele a visse e acabasse com o tormento diário que era o impasse de decidir se entrava ou não, porém gostaria que fosse com um pouco mais de dignidade. De humilhação, já bastava a recepcionista e a professora do infantil, que a olhavam com condescendência por agir como uma criança tola e sem confiança.

O pior é que sempre o acompanhara quando era menor, durante anos e anos. Até começar a ter pequenos surtos apaixonados e decidir que era melhor esconder que gostava do irmão da sua melhor amiga, filho da sua madrinha. Um relacionamento com uma pessoa muito próxima sempre podia acabar muito mal, tinha escutado da mãe, que falava com a sua avó sobre outra pessoa, que não conhecia. 

Ainda assim, preferiu seguir à risca esse conselho. E se fosse rejeitada e ficasse um clima estranho com Rosalie? E se desse certo e depois acabasse mal? Poderia perder o contato com os seus padrinhos. Eram riscos grandes demais para deixar se levar pela paixão.

Tão dramática quanto as mocinhas dos livros que lia, Bella escorregou pela porta e aterrissou com um baque mudo. O baile seria em menos de um mês e ela tinha tido zero coragem de convidá-lo, pois a) ele era um cisne da dança e ela sabia, no máximo, dar um leve requebrada — isso nos dias bons —,  certamente faria um passo errado que acabaria machucando os pés dele; b) ainda não tinha certeza se preferiria trocar o conforto de seu edredom por uma noite com jovens inconvenientes e barulhentos.

Ainda sim, a ideia de dançar com ele, e dedilhar as costas magras inúmeras vezes, fazia seu corpo ter reações tão, tão, tão… borbulhantes que, por vezes, perdia o fôlego. Repetia aquela cena todos os dias, fosse acordada ou sonhando. 

Já tinha feito e refeito milhares de vezes o casamento, a decoração casa e como seriam deliciosamente felizes e bem sucedidos. Em como chegaria em casa, depois de dar aulas o dia inteiro para universitários metidos a gênios, e o veria dançando no estúdio perfeitamente claro e aconchegante, assim como Jasper era. Ele pararia tudo para vê-la e lhe daria um beijo suave e escutaria seu monólogo com interesse, porque, bem, Jasper sempre escutava Bella como se ela estivesse explicando os mistérios do universo.  

Tão compenetrada em seus próprios pensamentos, ela não notou que a música havia parado. 

Não notou como Jasper olhou para o espelho perto da parede, aquele que dava para ver a pequena fresta aberta e mínimos vislumbres de cabelos cor de chocolate que ele sabia que cheiravam a morango e todas as coisas boas do mundo, mais sedosos que seda pura. Ou o sorriso ladino que saiu dos lábios fartos do rapaz, que balançou o cabelo, para afastá-lo  dos olhos, e andou até sua garrafa d’água, fazendo apenas o barulho necessário para ser percebido. 

Era assim todos os dias, e seria até que ela tivesse coragem para tomar a iniciativa.

Jasper já tinha mostrado todos os sinais de que era terrivelmente apaixonado por Bella desde que tinha aprendido a falar; seria a vez dela de provar que o ansiava tanto quanto ele ansiava por ela. Ele sonhava em provar os lábios em formato de cupido; desde os beijos brincalhões e amáveis até os mais descontrolados, nos quais fundiria a própria essência nela, entrelaçando os dedos nas mechas escuras, puxando apenas o suficiente para deixá-la tão necessitada e desesperada por um simples toque como ele se sentia. 

Até lá, ele esperaria quantos dias fossem necessários. No final, tudo iria se encaminhar com ele se tornando o Sr Swan, com os dias calmos e suaves como a brisa de primavera, uma casa e dois anéis em dedos anelares, pois não havia um destino diferente para eles desde que foram concebidos. Assim como Yin e Yang, eram lados da mesma moeda, a mesma sintonia.  

Colocando Prokofiev para tocar, Jasper deixou o tema de Cinderella soar pela sala em uma altura suave. Girou com leveza, mostrando o espetáculo que ela merecia. 

Bella o olhou de relance por uma última vez, ainda enfeitiçada, e suspirou. Era hora de ir para aula e voltar para o mundo real. Colocando a mochila amarela nas costas, pôs-se a correr, atrasada. Ela voltaria amanhã e todos os outros dias. 

— Tchau, Jas — murmurou, enrugando o nariz sardento. 

“Um dia, mas não hoje, definitivamente não hoje”, pensou ele, com outro giro cravado, e deixou a música embalar as suas expectativas.