Sobre amar e ser amado escrita por Lady Íris


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!

TW: Menções não gráficas à automutilação e tentativa de suicídio.



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            A luz escorria tímida, pelas frestas das cortinas que cobriam as janelas do quarto. Provavelmente ainda era cedo o suficiente para que a estadia de Chuuya na cama ainda fosse justificável.

            O ruivo pressionou o nariz contra a nuca de Dazai, saboreando os primeiros minutos preguiçosos da manhã antes que ele inevitavelmente se irritasse, o que era um risco ocupacional de morar com Dazai Osamu, mesmo que durante o sono tranquilo ele até parecesse mais suportável.

            O homem em questão estava ao redor dos seus braços, as costas nuas pressionadas contra seu peito parecendo confortável na sua posição de conchinha menor. A luz da manhã pintava-lhe etéreo: a pele anormalmente pálida, usualmente escondida pelas bandagens, banhada em tons de dourado, ressaltando as curvas suaves do torso magro nos quadris e coxas, desenhando até mesmo o contorno de algumas costelas porque Dazai sempre acabava pendendo para o lado extremamente magro do biótipo, não importando o quanto Chuuya tentasse alimenta-lo.

            Os fios castanhos e macios emolduravam lhe o rosto em cachos perfeitos, mesmo que desalinhados, destacando o arco afiado da mandíbula. Mesmo os lábios secos e sempre um pouco machucados pareciam particularmente mais beijáveis pela manhã. O rosto relaxado o assemelhava mais a um anjo do que uma pessoa, mesmo que também o fizesse parecer muito mais jovem do que ele era, uma vulnerabilidade pueril se insinuando em cada pedaço de pele desnuda.

            Chuuya se inclinou, pressionando um beijo suave na curva do pescoço do homem, sentindo nos lábios a impressão das cicatrizes que rodeavam a pele delicada. Dazai estremeceu suavemente em um arrepio que Chuuya sentiu correr em seu corpo inteiro. Ele quase se sentiu culpado por atrapalhar o sono do rapaz, porque Deus sabia que o detetive não dormia o suficiente.

            Todavia, não era sempre que Chuuya conseguia presenciar Dazai Osamu parecendo tão adorável: Os cílios longos tremulando brevemente antes de ele abrir os olhos avelã com uma expressão ligeiramente confusa no rosto, ainda desorientado pelo sono.

            “Chibikko?”

            Chuuya bufou, revirando os olhos com a forma que mesmo o apelido ridículo soava mais tolerável naquela voz rouca de sono sem o constante cantarolar que costumava o tirar do sério em segundos. Não que ele fosse admitir nem preso e sob tortura.

            “Bom dia para você também, cavala” Murmurou, apoiando o queixo em cima do topo da cabeça do outro, fechando os olhos momentaneamente, os dedos deslizando pelas curvas afiadas das costelas do homem “O que você quer no café da manhã?”

            Dazai resmungou uma reclamação ininteligível e Chuuya sentiu os dedos frios do moreno se enrolarem em um dos seus braços em um pedido mudo.

            Chuuya gostava de pensar que eles estavam ficando melhores em usar palavras reais para se comunicar, mas ainda haviam vezes em que as palavras eram difíceis de acessar para Dazai e com isso ele era indulgente do jeito que não era com muitas outras das coisas que tornavam Dazai, bem, Dazai.

            O homem tinha passado muito tempo sendo o coadjuvante da sua própria existência, um método para um fim, então não era de estranhar que ele se embaralhasse na hora de exprimir suas próprias vontades, principalmente quando tinha que ser honesto sobre isso, expondo o ponto fraco, a barriga sensível, para alguém.

            Mas Chuuya conhecia Dazai e quase sempre ele não precisava de muitas frases elaboradas para entender o que o outro queria dizer. Não havia muitos enigmas entre os dois.

            O toque dizia fique aqui.

            O toque dizia não me faça comer agora.

            Os dedos frios no seu braço diziam é seguro aqui e eu não quero começar o dia ainda.

            E para Dazai, o executivo da máfia, o grande manipulador da gravidade, não era nada senão permissivo.

            “Ok” Falou, o tom tranquilo enquanto traçava pequenos círculos contra pele do abdome do moreno num ritmo calmante “Podemos comer mais tarde quando você estiver com apetite, ainda está cedo.”

            Dazai cantarolou em concordância se revirando nos seus braços até conseguir o olhar nos olhos, o encarando por um longo momento de silêncio antes de estender a mão para acariciar sua bochecha, traçando com o polegar as sardas que haviam surgido junto com o verão. Chuuya se inclinou prontamente contra o toque, aproveitando o afago.

            Dazai dizia adorar suas sardas e do jeito que o sol estava brilhando o dia inteiro em Yokahoma, até o final da estação, ele estaria completamente pontilhado. Ou melhor, como Dazai dizia quando não estava se sentindo como uma criança mimada de cinco anos: ele estaria cheio de beijos de anjo.

            “Bom cachorrinho!” Dazai arrulhou provocativamente, apertando sua bochecha “Quando levantarmos vou até de alimentar na mão, chibikko!”

            Chuuya sequer se afastou da carícia antes de o chutar com força nas canelas, ouvindo, satisfeito, o gemido contrariado do outro, um beicinho infantil se formando nos lábios.

            “Continue me chamando de cachorro e eu arranco sua mão com uma mordida”

            Dazai bufou, o biquinho aumentando de tamanho e Chuuya prontamente o beijou porque estava se sentindo particularmente contente e não porque o ex-mafioso mau-humorado parecia ridiculamente fofo.

            “Hm...” Dazai inclinou a cabeça para o lado, piscando os olhos lentamente em análise profunda “Chibi está sendo legal comigo hoje~”

            “Eu sempre sou legal com você, idiota” Revirou os olhos, o tom irritado porque ele tinha uma reputação a manter “Legal até demais.”

            Dazai riu baixinho, um som que estava ficando cada vez um pouquinho mais frequente e que não deixava de aquecer o peito do ruivo, enquanto pressionava o rosto contra seu peito, escondendo os olhos daquele jeito que ele só fazia quando queria falar algo e não sabia como.

            Chuuya esperou pacientemente, correndo os dedos pelas costas nuas do outro, sentindo as marcas e cicatrizes que se espalhavam como teias pela pele, catalogando onde começava uma e terminava outra. Ele conhecia cada uma daquelas de memória, tinha até algumas que combinava com as dele, as que eles haviam ganhadas juntas.

            Soukoku era de fato o apogeu do romance, certo? Nada como facadas combinando.

            “Quer continuar sendo legal, então?” A voz dele soou abafada contra seu peitoral. Um olho castanho tímido espiando pelo emaranhado de cabelo castanho, sem o olhar diretamente.

            “Depende” Chuuya afastou a franja da testa dele num movimento suave “O que você quer?”

            “Chuuya pode me ajudar com as ataduras hoje?”

            Por pouco, pouquíssimo, o executivo não congelou ali mesmo.

            Dazai viveu por anos debaixo de máscaras, colocando uma sempre que descartava a outra: Demônio Prodígio, metade do Soukoku, Executivo da Máfia do Porto... Cada uma delas tinha em comum o fato de ser impenetrável e mesmo Chuuya que assistia ele as tirar e vestir, teve que se espremer para passar por entre as frestas estreitas dos muros que o homem construía ao seu redor.

            Mas havia momentos em que Dazai era tão aberto, a voz nua e verdadeira, expondo pedaços feios e tortos de si, aqueles que ele não se orgulhava, aqueles que ele não se orgulhava de se orgulhar e até mesmo aqueles que o homem não fazia a menor ideia de onde se encaixava nele. E o ruivo sabia que isso o machucava, que para Dazai era difícil ser cru, nervo e carne sangrando, e, talvez por isso, esses momentos o pegavam tão desprevenido, mesmo que estivessem ficando mais frequentes.

            “Você tem certeza?” Porque por mais que ele ficasse aquecido pelo fato do detetive estar disposto a se entregar assim, Chuuya entendia de limites.

            E mais importante: Dazai precisava saber que estava tudo bem em tê-los. Nem todo amor precisava ser Jesus Cristo de braços abertos na cruz. Nem todo amor devia queimar como gasolina e querosene como eles fizeram quando eram mais jovens. O amor também podia ser suave e paciente e altruísta sem ser sacrificial.

            Dazai bufou, seus braços envolvendo sua cintura, puxando-o para si com força o suficiente para eles serem quase uma coisa só. O rosto descansando na curva do seu pescoço, rente à sua orelha.

            “Não tem nada em mim que Chuuya já não tenha visto” O  tom insinuava que ele não estava falando só das marcas no seu corpo “Não faça disso algo mais complicado do que é.”

            Chuuya queria pontuar que era complicado, porque tudo que envolvia os dois sempre acabava sendo infinitamente mais complicado (e mais simples) do que parecia que devia ser. Chuuya recordava quanto tempo levou para Dazia se sentir confortável com ele sem as bandagens, mesmo quando eram só eles e luzes apagadas, e quantas vezes o homem tremeu, congelou ou soluçou com o peso do toque mais suave na pele.

            Ouvir Dazai pedir ajuda com algo assim era complicado porque Chuuya sabia como o processo diário de se enrolar em gaze era catártico para o moreno, a proverbial armadura que mantinha os pedaços dele todos juntos e grudados, protegendo as partes frágeis do mundo exterior.

            Mas também foi Chuuya que disse, meses atrás, que se dessa vez eles fossem tentar, eles deviam tentar de verdade. Aquele era só um dos muitos saltos de fé dados para manter o relacionamento deles funcionando.

            “Tudo bem, então” Chuuya se afastou um pouco, só para desalojar o homem do seu pescoço, e depositou um beijo suave em sua testa num gesto que ele esperava parecer reconfortante “Vou pegar suas coisas no banheiro, fique aqui.”

            Dazai assentiu, mesmo que parecesse chateado quando o ruivo terminou de se desvencilhar dos seus braços para sair da cama e se dirigir ao banheiro. O homem guardava as ataduras favoritas no armário perto da pia e só o fato do noivo dele ter coisas como ataduras favoritas já dizia muito sobre eles.

            Mas de fato a marca era mais macia e o cheiro de antisséptico era muito mais leve do que aquelas que eles guardavam no kit de primeiros socorros.

            Pegando a quantidade que ele julgou ser o suficiente mais os clipes cirúrgicos que Dazai usava para prender as ataduras entre si, Chuuya voltou para o quarto, xingando a si mesmo por estar se sentindo tão nervoso por nada.

            Mas não era nada, certo?

            Era importante. Do jeito complicado, distorcido e estranhamente metafórico deles, mas era.

            Dazai havia se sentado em cima dos lençóis da cama e sem camisa, usando apenas um short elástico minúsculo, estava todo membros de porcelana em exibição na luz matinal, as cicatrizes- prateadas, rosas e vermelhas- ainda mais aparentes. Elas subiam-lhe desde os calcanhares pelas panturrilhas e coxas. Cruzavam-se no peito, braços, clavícula e pescoço num tecido complicado e de alto relevo.

            Algumas haviam sido diligentemente cultivas pela vida árdua como um criminoso, eram cicatrizes de entrada e saída de balas, de projéteis de destroços, de perfurações e lacerações que vinham com o trabalho de campo. Mas a grande maioria das cicatrizes, aquelas que iam dos pulsos ao antebraço, as marcas horizontais no interior macio das coxas e a gargantilha de tecido cicatricial no pescoço, eram auto infligidas com maior ou menor grau de malícia, profundida e tamanho.

            Os olhos de Dazai encontraram os seus, travaram-se ali, e não se desviaram, repentinamente insondáveis. A face cuidadosamente em branco, analítica, buscando por suas reações por menores e minúsculas que fossem, sentindo o cheiro de qualquer sinal de julgamento, repreensão ou questionamento.

            “Eu pulei” parecia dizer, os dedos se apertando nos lençóis com força para esconder o tremor que Chuuya havia notado desde que entrou no recinto “Você vai me deixar cair?”

            Chuuya sorriu, erguendo o queixo sem hesitação enquanto se aproximava do outro homem.

            Dazai devia saber que, com ele, a aterrisagem nunca era um problema.

            “Por onde começamos, Osamu?”

                                                                *

 

            Chuuya estava fazendo chá verde.

            Chuuya não gostava particularmente de chá, fosse qual fosse o sabor, mas lá estava ele fervendo a água, separando as folhas e puxando sua xícara de porcelana favorita do armário.

            Chuuya não gostava de chá.

            Mas Chuuya estava fazendo chá porque quando ele chegou em casa, quase uma hora mais cedo do que o planejado, ele encontrou Dazai afogando dentro da sua banheira e foi só por memória muscular que ele conseguiu tirar o homem da água e proceder o RCP.

            Por quase trinta minutos angustiantes, Dazai continuo mortalmente pálido, imóvel e sem respirar.

            Por quase trinta minutos angustiantes, Chuuya rezou a todos os deuses conhecidos e desconhecidos por misericórdia.

            “por favor por favor por favor me tire qualquer coisa qualquer coisa qualquer coisa menos ele por favor por favor me deixe ter ele me deixe ter ele só por mais um pouco só mais um pouco”

            Por quase trinta minutos angustiantes, Chuuya se amaldiçoou, e amaldiçoou Dazai por tentar e amaldiçoou a água por entrar em seus pulmões e seus olhos por não verem os sinais e a vida por ser injusta e a química cerebral de Dazai por ser fodida.

            Após quase trinta minutos angustiantes, Dazai engasgou, abriu olhos turvos e vomitou quase dois litros de água no piso molhado do banheiro.

            Chuuya estava tremendo e Dazai parecia frágil, pequeno e assustado. As roupas e ataduras encharcadas grudadas no seu corpo o engolfando, fazendo o parecer jovem.

            E ele parecia jovem demais.

            Jesus Cristo, ele parecia tão jovem e Chuuya se viu batendo de cara com o fato de que Dazai era muito jovem e ele era muito jovem e os dois eram jovens demais para estar lidando com esse tipo de merda.

            Dazai não devia estar o olhando com aqueles olhos rasgados parecendo desapontados e tristes, e Chuuya não devia estar com os lábios molhados da água que pouco antes mergulhava dentro dos pulmões do detetive.

            Eles eram tão novos. Dazai, porra, Dazai só tem 22 anos e se isso não era jovem demais para querer morrer e ele lembrou que Dazai queria morrer desde os catorze e...

            E Chuuya não aguentou mais.

            E era por isso que agora Dazai estava enrolado em cinco cobertores no sofá da sala e ele estava na cozinha fazendo a droga de um chá que ele não gostava e tinha certeza que Dazai apreciava menos ainda.

            Porra, porra, porra, ele precisava de um cigarro.

            Chuuya respirou fundo, tentando ignorar quão trêmulas estavam suas mãos quando ele pegou a xícara de chá. As mesmas mãos que se tivessem sido um pouco mais lentas ou um pouco menos firmes não teriam conseguido arrancar Dazai do outro lado.

            Chuuya apertou a xícara com mais força.

            Não era o momento de ter pena de si mesmo. Ele podia entrar numa espiral de pânico depois.

            Inspirar, expirar, inspirar, expirar...

            Chuuya entrou na sala, chá quente em mãos. Dazai estava imóvel na mesma posição na qual o mafioso o havia instalado algum tempo atrás. Os cobertores enrolavam firmemente seu corpo esguio, o cabelo ainda úmido colado no rosto apático que parecia ainda mais branco que o usual.

            O ruivo pigarreou sonoramente, sinalizando sua aproximação porque mesmo em dias bons, o outro homem tendia a dissociar, deixando a mente vagar livre milha além do seu corpo. O moreno, porém não pareceu notar sua movimentação nem quando ele se sentou ao seu lado no sofá, apesar de ter pegado a xícara aquecida quando Chuuya a estendeu para ele.

            As pontas dos dedos dele estavam azuis, o leito das unhas num forte tom de roxo.

            Dedos cianóticos por má oxigenação sanguínea, porque ele passou tempo suficiente com pulmões sem ar, porque...

            Chuuya espantou a linha de pensamento que não o levaria para lugar nenhum, se contentando em assistir o homem bebericar goles mínimos do chá.

            E não era, de forma alguma, a primeira vez que isso acontecia, Chuuya ainda tinha camisas permanentemente manchadas do sangue que ele estancou dos pulsos sw Dazai e incontáveis eram as vezes que ele cortou cordas ao redor do pescoço do outro ou o retirou de lagos congelados ou o afastou de precipícios ou...

            Ainda sim, era a primeira vez que acontecia desde que eles decidiram tentar de novo.

            Tentar fazer certo dessa vez.

            “Eu sinto muito.”

            A voz de Dazai era baixa e ele não o olhava nos olhos.

            Chuuya segurou a língua para não dizer que sinto muito é o que você fala quando se esbarra com alguém na rua, não quando você tenta matar a outra metade da alma de alguém.

            Chuuya segurou a língua para não fazer perguntas que o machucariam e exigir reposta que Dazai não saberia dar. Chuuya segurou a língua para não começar a chorar ali mesmo, segurou a língua para não gritar com ele porque como ele podia ser tão irresponsável, como ele podia ser tão egoísta, como ele podia me abandonar de novo.

            Mas não era sobre ele, era? E essa havia sido uma lição difícil de aprender.

            “Tudo bem” Chuuya disse ao invés, mesmo que não houvesse nada, nada bem em ter passado meia hora ajoelhado, tentando segurar lágrimas, porque se ele tremesse podia perder o ritmo da RCP e se ele perdesse o ritmo, ele, ele, ele...

            “Eu não estava planejando...” Dazai continuou, os olhos opacos mirados no chá “Eu juro que só estava com frio, Chuuya sabe como fico com frio e eu queria tomar um banho quente e...”

            Dazai apertou os dedos contra a porcelana da xícara, o corpo tenso, os músculos encolhidos em si mesmos de um jeito doloroso, a voz sumindo aos poucos até desaparecer completamente no silêncio da casa e Chuuya colocaria fogo no mundo inteiro se isso tirasse aquela expressão perdida do rosto do homem.

            “Eu não queria, Chibikko” Dazai o olhou nos olhos, parecendo confuso e irremediavelmente triste e Chuuya não sabia porque Dazai sempre parecia tão gelado e triste, mas ele sabia que se pudesse se inclinar e cobrir o corpo dele com o seu do jeito que uma mãe faria, ele voltaria a ser quente novamente “Eu estava bem, eu estava bem até...Até não estar mais.”

            E Chuuya entendia que existiam coisas escuras e pegajosas nadando dentro de Dazai o tempo todo. Coisas que as vezes mergulhavam tão fundo que você não conseguia as ver, coisas que as vezes nadavam tão silenciosmanete que você podia esquecer que estavam ali.

            E essas coisas, de tempos em tempos, subiam para a superfície para respirar. Chuuya sabia que as crises suicidas de Dazai eram armadilhas que você só enxergava quando estavam travadas na sua carne, dentes famintos e pontiagudos no escuro dipostos a arrancar as peças que o detetive precisava para funcionar.

            Dazai não queria morrer, não de verdade, pelo menos não mais. Era só um sintoma.

            E sintomas não eram culpa de ninguém. Nem dele, nem de Dazai, os sintomas raramente seguem algum código ético moral.

            Por isso, Chuuya tirou a xícara de Dazai e a colocou na mesa de centro, entrelaçando os dedos deles juntos, enquanto respirava fundo. Levantou o olhar e focou nos avelãs, ele podia se afogar naqueles olhos castanhos.

            Chuuya não era bom com palavras, ele sempre lutou com elas, incapaz de dobrar o significado à sua vontade como Dazai fazia, mas ele conhecia cada canto do moreno e sabia o que o fazia sofrer e o que atenuava suas dores. E Dazai estava doendo.

            O ruivo permitiu-se esquecer o pavor paralisante por um breve momento e mergulhou no puro alívio que sentiu quando Dazai abriu aqueles olhos para ele de novo, tossindo, tremendo, mas vivo.

            O executivo sorriu um sorrisinho pequeno que doía nas bordas, mas que era honesto quando ele beijou os nós dos dedos do homem. Estavam voltando a coloração normal num rosa saudável.

            “Tudo bem, Osamu” Repetiu e dessa vez era verdade “La luz és fácil de amar, muéstrame tu oscuridas.” *

            Porque dois passos para frente e um para trás, ainda é um passo para frente e a cura não é um processo linear e...

            E ele queria fazer certo dessa vez.

                                                                    *

Dazai se espalhava nos lençóis, a pele pálida, mas ruborizada, contrastando com o tom escuro da seda. A vermelhidão subia-lhe pelo peito, pescoço e desabrochava no rosto suado, com lábios entreabertos e olhos vidrados de prazer não adulterado. Assim, carente e necessitado, refém dos seus próprios desejos, Dazai parecia mais valioso que qualquer pintura cara que Chuuya guardasse no seu apartamento.

            O ruivo moveu os quadris lentamente, quase sem realmente se mexer, sentindo o homem abaixo dele se contrair ao seu redor, o corpo reclamando do ritmo dolorosamente vagaroso que tinham estabelecido. Eram raras as noites assim: que eram só os dois entre travesseiros macios, calor e suspiros baixos à meia-luz. As noites em que Dazai era doce e flexível, maleável como massa de vidraceiro em suas mãos, sem nenhuma das respostas e demandas que viviam na ponta da sua língua.

            Chuuya podia vira-lo do avesso, provoca-lo, torce-lo no meio e não encontraria resistência nos olhos avelã. E talvez fosse por isso que em noites assim, Chuuya fosse incapaz de usar a placidez mansa de Dazai contra ele em seu próprio benefício. Nessas noites em que a pela branca era completamente despida de bandagens, as cicatrizes velhas e novas brilhando de suor eram um convite para a adoração e nada mais.

            E Chuuya ansiosamente se curvaria perante aquele altar aonde cada beijo, cada mordida e cada gemido eram uma prece e cada arrematar de quadris um contra o outro era uma oração. Não havia religião mais bela que Dazai nu, vulnerável e vermelho na sua cama e o ruivo sabia como extrair os mais belos cantos gregorianos daqueles lábios.

            Chuuya se inclinou, ajustando ligeiramente o ângulo das lentas estocadas para poder selar os lábio com o moreno abaixo de si. Era algo vagaroso, o som molhado das bocas de movendo juntas, engolindo suspiros e gemidos baixos, apenas aumentando o calor que já estava enrolado em seu baixo ventre há algum tempo.

            Nesse ritmo, ele não iria durar muito mais tempo, mas pela maneira que Dazai estava se contorcendo, o pênis ingurgitado furiosamente vermelho espremido entre os dois abdomes, Chuuya não era o único.

            Dazai quebrou o beijo com um estalo alto, um fio translúcido de saliva conectando seus lábios inchados. Os olhos semicerrados, o castanho líquido espiando pelos cílios úmidos de lágrimas não derramadas. Dazai era um parceiro vocal na maioria das noites, mas aquelas em que ele não era, havia sempre um pouco de choro. Chuuya acariciou o rosto do homem, colhendo com o polegar uma lágrima salgada perdida.

            “Chuuya...” Dazai gemeu baixinho, soando ridiculamente necessitado, tão distante da sua figura imperturbável diária “Por favor?”

            “Shhh” Chuuya distribuiu uma série de beijos ao redor da mandíbula afiada, as estocadas reduzidas a pouco mais que uma moagem, enquanto ele provava a pele salgada entre os lábios e dentes, puxando o lóbulo da orelha do outro com uma pequena mordida “Vamos chegar lá, não vamos?”

            Dazai suspirou, o som engatado parecendo dolorido, torcendo os dedos nos lençóis, enquanto pressionava os calcanhares nas curvas do seu quadril com mais força. O corpo como um feixo de nervos expostos, refém dos cuidados diligentes do seu amante.

            Chuuya sorriu contra a pele do pescoço do detetive, a mão vagando pela cama para entrelaçar os dedos juntos. As alianças gêmeas tilintando ao se tocar.

            O orgasmo de Dazai pareceu pegar ele mesmo de surpresa: Os olhos se arregalando ligeiramente e um pequeno suspiro engasgado deslizando por seus lábios, enquanto tremores corriam por seu corpo espasmódico.

            Chuuya o seguiu pouco depois. A crueza honesta no rosto do homem e a pressão do seu corpo levando-o ao limite com um gemido ofegante. Os músculos cedendo do esforço quando ele praticamente desabou sobre o corpo de Dazai.

            A pelo do moreno, normalmente fria ao toque, parecia extremamente quente, rivalizando com a sua própria e Chuuya se permitiu alguns segundos de bem-aventurança orgástica, feliz em ignorar a viscosidade que se espalhava entre a barriga dele e do detetive.

            Poucos minutos passaram antes de Dazai começar a resmungar sobre o peso e Chuuya ser obrigado a se mover para seu lado. O ex-mafioso prontamente aproveitou a oportunidade e deitou a cabeça em seu peito, como normalmente gostava de dormir para a infelicidade do braço de Chuuya pela manhã.

            O ruivo cantarolou em apreciação, acariciando o cabelo castanho desgrenhado do outro, desfazendo pequenos nós com cuidado.

            “Foi bom?”

            Dazai emitiu uma risadinha nasalada, parecendo divertido.

            “Eu estou pingando sêmen nos lençóis caros de Chuuya e ele me pergunta se foi bom?” Olhos castanhos e contentes o encararam em zombaria “Ficando inseguro, chibi?”

            Chuuya bufou, se sentindo muito tentado a chutar o homem mais alto para fora da sua cama, mas ele ainda não estava sentindo suas pernas muito bem, então provavelmente não valia o esforço.

            “Você entendeu, Dazai de merda” Resmungou, recusando-se a ficar constrangido “Quando fodemos, fodemos, e é isso, é bom. Mas é diferente quando fazemos amor.”

            Dazai levantou a visão para ele, os olhos se suavizando numa aparência muito mais vulnerável. O sorriso relaxado nos lábios, o pequeno que trazia a covinha em uma das suas bochechas, o verdadeiro.

            “Foi bom, chibi” Dazai fechou os olhos, voltando a se aninhar em seu peito, a mão acariciando a região “Agora repita isso para mim, uh?”

            Agora era a vez de Chuuya sorrir, os dedos voltando a correr pelo cabelo do homem.

            “Eu fiz amor com você.”

            “De novo?” Chuuya não teve que ver para saber que o moreno estava sorrindo.

            Chuuya pressionou o nariz nos fios castanhos do homem, aspirando o cheiro de suor, sal e algo doce que era puro Dazai.

            “Fiz amor com você” Sussurrou, abafado, o coração vibrando no peito “Eu, Nakahara Chuuya, fiz amor lentamente com você, Dazai Osamu.”

            Dazai embaralhou as pernas juntas, os olhos escuros brilhando nem abertos por um momento.

            “Sim, você fez.”

 


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Notas finais do capítulo

* Tradução: A luz é fácil de amar, mostra-me tua escuridão.

Espero que todos que chegaram até aqui tenham apreciado a história! Comentários são apreciados!



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