A campainha tocou e Katniss atravessou a sala para atender.

"Pizza de frango?" O garoto de boné vermelho e uniforme da pizzaria no centro da cidade a saudou. Ela sorriu e o deixou entrar.

"O que faz aqui, Peeta? Você não devia estar trabalhando?" Ela perguntou enquanto ele a seguia até a bancada da cozinha.

"Fui dispensado. Aconteceu um vazamento de gás e a rua toda foi esvaziada. Me lembre de sempre verificar o fogão." Ele bagunçou os cabelos ao tirar o boné e o jogou sobre a mesa.

"Então, qual é o plano, Katniss? O que você vai fazer hoje a noite?" Ele perguntou com a boca um pouco cheia de queijo derretido.

"Primeiro, não seja nojento. Engula antes de falar. E segundo, não tenho plano nenhum. A menos que você considere ficar em casa como um."

Essa era a rotina de Katniss às sextas-feiras. Ela estaria em casa, comendo macarrão instantâneo e assistindo alguma série de TV até que a mãe voltasse do turno no hospital. Então, quando seu amigo Peeta estava de folga ou o quarteirão ameaçava explodir, ele viria lhe fazer companhia.

"Eu diria que isso é deprimente se você não fosse minha amiga e não estivesse prestes a me passar o Ketchup." Ela revirou os olhos em desdém, mas ainda deslizou o Ketchup sobre a mesa até ele." Mas, é sério. A gente devia sair. Eu não preciso voltar pra casa até meia-noite e, bem, sua mãe não volta pra casa até meia-noite."

"Não sei, não. Se eu tiver que sair vou precisar de calças de verdade e eu gosto dessas." Ela estava com suas roupas de dormir. O tecido era macio e quentinho, nada como os jeans que usava durante o dia.

"Você pode ficar com elas. Só ande do outro lado da calçada, por favor." Ele segurou a tempo o pedaço da borda de pizza que ela jogou na intenção de acertá-lo no rosto.

"Você teria sorte de ser visto comigo nessas calças, Mellark. E você, vai oferecer cupons de desconto na compra de pizzas tamanho família?" Ela apontou para o uniforme dele que exibia algumas manchas de gordura e um pouco de mostarda.

"Não. Se a gente fosse realmente sair você me emprestaria uma de suas calças de vovó. Talvez, eu encontre alguma cartela de bingo no bolso."

"Idiota. Vamos apenas sentar no sofá e assistir um filme. Eu não quero ir a lugar algum." A pizza em sua mão acabou e ela levou o resto do refrigerante para derramar na pia.

"Tudo bem. Mas nada de filme de natal. Ainda estamos em novembro." Peeta seguiu atrás dela como uma criança mimada. Ela desabou entre as almofadas do sofá e pegou o controle remoto antes que a mão dele pudesse.

"Okay, senhor Grinch."

Eles se acomodaram lado a lado enquanto um filme de fantasia rolava na tela plana. Peeta em algum momento tirou os sapatos e cruzou os pés sobre a mesa de centro exigindo suas meias laranjas. Katniss riu e ele bateu em sua barriga com a almofada.

Os fones da televisão vibraram com a orquestra típica desse gênero enquanto uma cena de guerra se desenrolava. Já tinha se passado quase uma hora e ela estava começando a se sentir sonolenta. Ela olhou para Peeta pelo canto do olho. Ele digitou algo na tela do celular e o guardou no bolso das calças. Katniss bufou, irritada. Ele nem mesmo estava prestando atenção ao filme.

Ele tornou a tirar o aparelho do bolso, franzindo as sobrancelhas quando, aparentemente, respondeu a quem quer que estivesse do outro lado da tela. Ela se inclinou um pouco de sua posição no sofá e descaradamente olhou por cima do ombro dele.

"Não. Sem chance, Peeta." Ela praticamente rosnou, tomando o celular das mãos do amigo, não encontrando nenhuma resistência.

"Katniss, para. Devolve." Ela negou com a cabeça e desviou das tentativas dele de alcançar sua mão direita.

"Não. Eu não vou fazer isso. Porque você está trocando mensagem com Delly? Você é um merda masoquista?"

"Katniss…"

"Ela é uma vadia sem coração. Você não devia ainda está falando com ela." Peeta pareceu surpreso com a escolha de palavras dela, mas ela se manteve firme e o encarou até que a expressão dele mudou para algo parecido com cansaço.

"O quê? Onde está a sororidade?"

"Delly não merece minha empatia depois do que ela fez com você."

Peeta levantou em um salto e caminhou até ela, deslizando as mãos sobre as dela para conseguir de volta o celular."Olha, eu agradeço que esteja sendo tão protetora em relação a mim, mas você sabe muito bem que ela não foi inteiramente culpada."

Ele tinha razão. Ela sabia. Começou no início do ensino médio. Peeta e ela se conheceram em uma aula de biologia. Ele vomitou depois de ver um pouco de sangue e Katniss teve que ajudá-lo a encontrar o caminho até a enfermaria. Seus cabelos dourados estavam grudados na testa pelo suor que escorria, mas ainda assim ele sorriu para ela com aquelas covinhas infantis. Ele a encontrou depois que as aulas acabaram para agradecê-la. E pelos meses seguintes, eles foram inseparáveis.

Então, em uma festa de Halloween na casa de alguém da escola, ele confessou sua enorme queda por Delly. A garota de vestido de babados, cachos perfeitos e de risada contagiante. Mas havia um problema. Delly tinha um namorado. E acontece que esse namorado foi o melhor amigo de Peeta durante todo o fundamental.

Então, em um jogo de ressentimento e inconsequência juvenil, quando o casal se desfez um pouco depois do natal, Peeta serviu de bom grado como o rebote de Delly. Katniss sabia como aquilo terminaria. Ela tentou alertá-lo, mas ele era estúpido demais para seguir seus conselhos. Ele tentou se convencer que estava bem em ser apenas o prêmio de consolação de Delly. Mas era quase óbvio que Peeta tinha esperanças de ser um pouco mais.

O fim foi nada surpreendente. Thom e Delly reataram, seguindo de onde haviam parado. E seu amigo ficou pelo caminho. O coração dele se partiu e o de Katniss também. Isso foi a quase um ano.

"Sim. Infelizmente, eu sei como você se fez voluntariamente de idiota por aquela garota. E é por isso, que eu não vou deixar isso se repetir."

"E não vai, eu juro. Ela ainda está com Thom, não é? Somos apenas amigos." Ele falou ao se lançar de volta no sofá. O filme foi totalmente esquecido e Katniss se moveu para sentar-se na mesa de centro em frente a ele.

"Então, diga olhando nos meus olhos que você não está rastejando de novo por ela e, talvez, eu acredite." Peeta revirou os olhos, sentando-se mais ereto para fazer o que ela havia pedido.

"Também preciso fazer juramento de dedinho?"

"O que você achar melhor."

"Tudo bem." Os olhos azuis encontraram os dela com determinação e quase não precisou de palavras para que ela acreditasse nele.

"Katniss, eu não estou rastejando mais por Delly. Eu prometo. De dedinho."

Seus dedos mindinhos se uniram, e Katniss riu. Então, ela sentiu quando ele ajustou as mãos ásperas para enredar os dedos restantes. Ela olhou para as mãos entrelaçadas e depois para o rosto dele.

Havia algo ali. Naquele olhar que nunca se desviou dela, descendo para os seus lábios. Na maneira como suas pupilas pareciam maiores e em como sua respiração estava cada vez mais difícil.

Katniss percebeu com horror que estava espelhando a postura dele, seus próprios olhos encarando os lábios cheios dele e a respiração saindo em lufadas. Meu Deus. Ela queria tanto beijá-lo. Ele parecia querer o mesmo.

Seus rostos estavam a centímetros quando ela perguntou: "O que estamos fazendo?"

Ele piscou e um sorrisinho se formou no canto da boca, fazendo o coração de Katniss bater um pouco mais rápido. "No momento, apenas adiando o inevitável."

"Que seria?" Ela se ouviu dizer.

"O melhor beijo de sua vida. Bem, se você permitir." Pela primeira vez, ele parecia tímido, as bochechas corando lindamente. Droga. Ela era um caso perdido. Bem, ela sabia disso desde o dia da enfermaria a dois anos atrás, mas sentir a respiração quente dele em seu rosto era toda a prova que precisava.

"Estamos presunçosos, não estamos? Mas eu vou permitir."

"Você vai?"

"O melhor beijo da minha vida, lembra? Agora cumpra a sua promessa, Mellark."

Ele se aproximou mais, como se isso fosse possível, e sussurrou em seus lábios. "Eu vou."

O beijo foi lento e exploratório, como se os dois estivessem tentando testar os limites um do outro. A mão dele se moveu para cobrir suas bochechas, sua língua deslizando em um ritmo que se tornou rapidamente frenético.

Não era assim que ela imaginava que o primeiro beijo deles seria. Mas por algum motivo foi melhor. Todo o silêncio e antecipação tinham valido a pena se ele continuasse a raspar os dentes no seu lábio inferior.

Ela sabia como se sentia sobre ele, antes mesmo dele confessar que gostava de Delly. Foram os piores dois meses de sua vida. Ou talvez era isso que sua percepção adolescente lhe dizia. Mas, de fato, foi bastante difícil vê-lo saindo com Delly. Katniss ficou dividida entre o alívio e a culpa quando as coisas acabaram, então ela escolheu a opção mais fácil que era se conformar em ser apenas amiga dele.

O que mudou nesse último ano para que ele a quisesse como ela sempre o quis, ela não sabia. Mas não estava reclamando. Suas mãos deslizaram para segurar a frente da camisa dele para o puxar mais perto. Os dois sabiam para onde aquilo caminhava. Mas, a porta da frente se abriu e seus planos mudaram.

Eles se afastaram em um pulo quando sua mãe apareceu na sala ainda vestida com o uniforme de trabalho.

"Katniss, querida. Ainda acordada?" A Sra. Everdeen piscou surpresa parecendo notar tardiamente a presença de outra pessoa no cômodo.

"Oh. Olá, Peeta. Não está muito tarde? Seus pais devem estar preocupados."

"Sim, sim." Ele olhou para Katniss." Eu já estava de saída." Os sapatos voltaram a cobrir as ridículas meias laranjas e ele se levantou acenando para a mulher ainda parada ao pé da escada.

"Boa noite, Sra. Everdeen. Boa noite, Katniss. A gente se vê no colégio."

"Eu te acompanho até a porta." Ela seguiu atrás dele, tentando não se encolher de constrangimento. Eles não tinham sido rápidos o bastante e sua mãe pode ter presenciado mais do que gostaria.

Peeta desceu alguns degraus da varanda quando se virou para ela."Nós estamos bem?"

"Como assim?" Seu sangue gelou. Será que ele não estava sério sobre o beijo deles? Oh, meu Deus. Eles podiam ter estragado sua amizade.

"Eu te beijei. Só pensei que talvez você… quero dizer, se não ficou muito claro, eu gosto de você. Não como amiga. Mas eu vou entender se você não quiser fazer disso grande coisa." Ele parecia tão vulnerável que Katniss sentiu todas as suas dúvidas se dissiparem. Ele gostava dela. Ele havia acabado de dizer isso.

Ela desceu os degraus restantes e passou os braços pelo pescoço dele, selando seus lábios em um beijo menos urgente. Este não tinha que provar nada. Era o beijo de conforto para deixar claro que eles estavam bem. Na verdade, mas do que bem.

Quando se separaram, ele a encarou com um sorriso bobo que fez malditas borboletas voarem em seu estômago.

"Então, você vai me permitir te levar para sair?" Ela sorriu e tinha certeza que parecia tão boba quanto ele.

"Eu vou permitir."

"Com calças de verdade?" O tom dele era brincalhão e isso a encheu de felicidade.

"Sim, com calças de verdade." Então, ela o beijou uma terceira vez apenas porque podia.