Thoughts escrita por moreutz


Capítulo 1
Capítulo único




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Verão de 2019

— Mas eu não quero subir nisso. — Frank torceu o nariz para a namorada que esperava por ele na bicicleta. 

— Sobe logo, Frank, é só uma bicicleta. — Alice revirou os olhos. Seus olhos cor de mel brilhavam com o sol da tarde. 

— Foi em uma bicicleta que eu consegui essa cicatriz. 

— Eu gosto como você jura que tem alguma coisa aí, mas na verdade não tem nada. 

— Você é tão insensível. 

— SOBE!

Frank conhecia Alice por tempo suficiente para saber que não adiantaria nada lutar contra quando ela pedia - mandava - ele fazer algo. Aprendeu isso depois de muitas discussões onde ele sempre acabava falando ‘’Ok, você está certa.’’ ou ‘’Ok, eu faço só uma vez.’’ (mas acabava não sendo apenas uma vez).

Subir na garupa de uma bicicleta não era o jeito que ele havia planejado passar seu sábado a tarde romântico, mas eles normalmente tinham planos diferentes num geral. Quando Frank viu a namorada um pouco mais à frente dele no parque segurando dois capacetes e a bicicleta laranja dela, ele percebeu que a cesta de piquenique com os lanches favoritos dos dois provavelmente ficaria para bem depois. 

— Você tá bem aí? — Ela perguntou quando ele se ajeitou e segurou a cintura da namorada. 

— Bem é uma palavra muito forte, Alice.

— Você é muito dramático, eu tô há tempos tentando te convencer a andar de bicicleta, e já que não vai por conta própria porque não comigo? 

— Isso, se acontecer algo pelo menos a gente morre juntos, bem estilo aquelas tragédias literárias.

— Foi um erro falar pra você começar a passar mais tempo com Remus. — Ela sorriu e olhou para trás antes de perguntar — Posso ir? 

Frank apenas sinalizou com a cabeça um sim. 

Alice começou a pedalar aos poucos até pegar uma boa velocidade.

O garoto conseguiu sentir ela respirando fundo e soltando em forma de alívio. Uma das atividades favoritas da namorada era pedalar por toda a cidade, isso desde os seus 10 anos, e, sendo uma cidade pequena, ficava ainda mais fácil para ela sair por aí sem um rumo. Foi com ela, inclusive, que Frank conseguiu cair da bicicleta. 

Em sua primeira vez no veículo sem as rodinhas de suporte, completamente inseguro e com sua mãe já longe dele em um parque cheio de crianças, ele não soube de onde e nem como mas uma garota magra, com o cabelo curto, a pele negra, os olhos brilhando, e a língua para fora da boca, vinha em sua direção com sua bicicleta - roxa com glitter, na época - e não mostrava vontade de desviar dele, como se estivesse desafiando-o. 

Por fim, ele acabou caindo na terra com pedras enquanto a garota parou perto dele freando e falou sorrindo de lado: ‘’Bom trabalho! Ninguém nunca me desafiou assim, sabe? eu sou a rainha disso aqui. Se um dia quiser fazer isso de novo é só me encontrar aqui.’’ ela deu um tapa no objeto e depois se despediu rapidamente.

Obviamente Frank nunca voltou a subir numa bicicleta até então, mas voltou para encontrar a garota várias vezes a partir dali naquele mesmo lugar. Quando ela perguntava sobre, ele inventava alguma desculpa - e assim continuou por alguns meses, até Alice ser transferida para sua escola e seus amigos contarem que na verdade ele tinha medo. 

Na época pareceu uma grande ofensa para ela, mas depois passou a ser um desafio, e, desde então, é seu objetivo fazer o atual namorado subir em uma bicicleta. 

— ISSO NÃO É BOM, FRANK?

Ele tinha a certeza que o sorriso dela era o maior de todos, que ela conseguia sentir o vento em seu corpo renovando tudo em conjunto com o sol; que o cheiro da grama ao redor invadia tudo; e que o barulho e a vista era as melhores possíveis. Tudo ao mesmo tempo. Mas para ele apenas a concentração em segurar bem a cintura da namorada era suficiente. 

— Acho que não aproveito tanto quanto você, Lice!

Ela riu e foi diminuindo a velocidade. Já haviam chego no ponto do qual saíram. 

— Pode descer, meu bem. — Ela apoiou o pé na guia e esperou ele descer. — Tá com ânsia? 

— Por incrível que pareça, não. Quem sabe daqui uns 5 anos nessa rotina eu não consiga voltar a andar com rodinhas. 

— Eu acredito em você. — Alice saiu e tirou o capacete. — Vamos comer agora? Comemorar nossos 2 anos! 

A garota pulou no namorado que já estava sentado no chão arrumando as coisas, e os dois caíram juntos, rindo alto. O bom do que eles tinham era que nunca mudava.

 Ficaram por algum tempo olhando um para o outro, como que decorando cada detalhe do rosto, cada curva, pinta e mancha. Até mesmo os cravos e espinhas que davam algum sinal eram motivo para análise.

— Vai ser um bom ano, né? — Alice perguntou. 

Frank tirou um tempo para analisar. Esperava que fosse, mas não era algo que ele pudesse prever, porém falar isso poderia estragar o clima. 

— Com certeza, Lice.









Outono de 2019

 

Frank não sabia mais o que fazer. 

Não sabia o porquê de se sentir assim, ou o que deveria fazer para parar com isso. 

Falar com qualquer pessoa não estava sendo uma opção, e procurar na internet ‘’falta de vontade de transar’’ causava os maiores tipos de pânicos - desde depressão e ansiedade até algum tipo de disfunção erétil ou no sangue. E não sabia o que fazer quando o assunto dos seus amigos começava a ser sobre sexo, principalmente por namorar há mais tempo que todos eles e mesmo assim só terem feito uma três vezes - e em todas ele ficava com esse sentimento. 

O problema com certeza deveria ser com ele. Pelo menos foi o que concluiu após noites acordado, tanto sozinho quanto ao lado de Alice, a qual ele normalmente acabava de distrair para não fazerem nada, e tudo porque ele tinha algum problema. 

— O que tem de errado comigo? — Ele falou consigo mesmo enquanto encarava a aba do google com os milhões de sites que apareceram após pesquisar novamente sobre o assunto em aba anônima. 

Foi tirado dos seus pensamentos quando seu celular começou a tocar e o nome de Alice apareceu na tela. 

‘’Como eu falaria algo assim para ela?’’ 

— Esqueceu de mim? — Ela disse assim que o garoto aceitou a ligação. 

— Que? Ah não, já são 17h? 

— Sim? Perdeu a hora vendo filme de novo? — Haviam marcado com alguns amigos de saírem para um bar, e conseguia ouvir o barulho do local ao fundo da ligação. 

— Mais ou menos. 20 minutos e eu tô aí, podem já pedir as coisas. 

— Frank, nesse ponto Sirius já está acabando com a comida do lugar. Vem logo. Te amo. 

— Também te amo, até daqui a pouco. 

Alice era de longe a mulher mais bonita que ele conhecia. Seu sorriso; seus olhos; suas mãos; seu corpo. Ele costumava brincar que ele não sabia como, mas até suas orelhas eram as mais bonitas de toda a história, e orelhas nem são bonitas. A última coisa que ele queria era deixar ela pensando que não sentia nada por tudo aquilo. 

No banho ele não conseguiu limpar a mente e só pensava no que aconteceria quando voltassem juntos para a casa dele mais tarde. Ela já havia dado respostas de como ele estava afastado e mais fechado, e tentado fazer com que isso mudasse, mas a verdade é que todo esse processo estava sendo inconsciente. 

Num dia quando ele viu não sabia bem como se abrir mais com ela, ou até inventando desculpas para não se verem tanto ou se verem apenas em locais públicos, tudo pela raiva dele consigo mesmo e o medo da decepção estampada no rosto da namorada. 

Além disso, ele sabia que esse assunto levariam a perguntas, suposições, e muitas outras coisas das quais ele estava desesperadamente afim de evitar visto que ele nem ao menos sabia do que se tratava. 

Para não fugir de seu planejamento começou a repassar o roteiro do que passou a tarde fazendo e o porquê de na próxima quarta não poderem se ver (ele tinha um médico agendado). 

— Vai dar certo. — Ele se olhou no espelho um pouco embaçado por conta do vapor do chuveiro e em seguida desenhou uma carinha feliz.

No caminho para o local ele relembrou alguns momentos do relacionamento com Alice. Todos os altos e baixos e a última briga deles enquanto tinham 17 anos onde ela falou ‘’Você sabia que essa é a nossa última briga como adolescentes? De agora em diante só podemos brigar por coisas de adulto como lavar louça, faculdade, emprego, filho.’’

Desde então eles não brigaram - houve uma tentativa mas Frank perguntou se era uma briga de adulto ou adolescente e após refletirem viram que era a segunda opção e decidiram resolver amigavelmente.

Já ouvia o som alto de pessoas falando e música a menos de uma quadra quando alguém o chamou do outro lado da rua. Apertou os olhos e viu ser Remus Lupin, melhor amigo de Alice. 

— Tá fazendo o que aqui? — Frank perguntou quando chegou mais perto e como resposta o mais alto apenas mostrou o cigarro — Ah sim. Alice fala que um dia você vai ir parar no hospital. 

— E eu falo que os energéticos que ela toma pra ficar acordada para a faculdade também. É uma via de mão dupla. 

— Vocês falam iguais. 

— Achei que soubesse que você me namorava, tal qual James namora a Lily, sendo assim, me namora. Leve um e acabe com 3. — Remus deu uma risada. — Enfim, como você tá?

— Bem.

— Hm. 

— O que foi? 

— Tem certeza? Quero dizer, eu te conheço, Frank. Embora eu seja mais próximo de Alice, nós estudamos juntos desde o jardim de infância, eu sempre fui na sua casa e James é um fofoqueiro que me conta tudo o que já aconteceu com você. — Ele deu uma pausa levando o cigarro na boca e soltando a fumaça logo depois. — E eu juro que Alice não pediu pra eu falar nada, ela não costuma falar quando tem algo errado mesmo que eu pressione muito, estou torcendo para você não ser assim. 

Frank suspirou. 

— É… complicado. 

— Vocês estão mal?

— Não — Frank se assustou — Não. Não. Longe disso, estamos bem. É algo mais… comigo. 

— Certo! Estamos chegando em algum lugar! 

— Não estamos não, é apenas isso. Não vou contar mais nada. 

— Nem se eu chamar o James? 

— Não quero falar sobre isso com ninguém, Remus.

— Tudo bem, tudo bem. — Lupin levantou as duas mãos, deu a última tragada no cigarro e o jogou fora. — Desculpe perguntar tanto, acho que me deixei envolver demais. Porém falo sério quando digo que se precisar falar comigo sobre algo é só me procurar.

— Eu sei. Obrigado. 

— Vamos indo? Sua namorada deve estar doida.

Frank checou o telefone e percebeu que não notou as 50 mensagens recebidas da mesma. 

— Talvez… — Ele mostrou o celular e os dois riram. 

Conforme foram andando em silêncio, Frank pensou se não seria uma boa ideia compartilhar aquela informação com alguém, tirar aquele peso que ele vinha sentindo e às vezes até ouvir algumas palavras encorajadoras como ‘’já passei por isso’’ ou ‘’não é nada demais, relaxe’’. Seria realmente bom ouvir algo amigável para tirar da cabeça que qualquer um reagiria como se ele fosse um maluco.

Estava em conflito com seus próprios pensamentos, sem perceber o caminho quando sua boca soltou as palavras. 

— Não sinto vontade de sexo com Alice e tenho medo de falar isso para ela. — A cara de Remus a princípio foi de assustado apenas com a fala repentina, mas aos poucos seus olhos foram abrindo ainda mais e então Frank percebeu o que aquilo significava: alguém havia ouvido. E ele esperava que não fosse ela.

Se virou devagar e deu de cara com aquele grande par de olhos o encarando com um semblante entre a tristeza e a surpresa. Não sabia o que falar e só se mexeu quando alguém pediu licença para passar na calçada. 

Remus começou a falar algo e logo foi cortado por Alice que pediu para ele entrar e deixar os dois a sós. O garoto obedeceu e tocou o ombro da amiga antes de entrar, mas ela parecia alheia a qualquer outra coisa que não Frank. 

— Quer começar? — Ela saiu do porta em que estava e foi para a calçada junto dele. 

O garoto permaneceu quieto.

— Não? Tudo bem, eu falo então. Acabei de ouvir do meu namorado, que falou em voz alta no meio de uma rua movimentada e para o meu melhor amigo, que ela não tem vontade de fazer sexo comigo e tem medo de me contar. E medo do que exatamente, eu não sei, e a única coisa que passa pela minha cabeça é que ele está com medo de terminar comigo. — Frank fez menção de interrompê-la mas ela continuou sem perceber, ou apenas ignorando — E logo esse namorado que há mais de um mês está afastado e fechado comigo, e quando eu questionava o porquê e o quê havia acontecido, dizia que estava normal e era coisa da minha cabeça. O mesmo namorado que não tem respondido mais minhas mensagens e tem evitado até mesmo minhas ligações, mesmo que nos vejamos pouco por causa das faculdades. Esse namorado que não consegue mais conversar comigo olhando nos meus olhos e muito menos, como deu para perceber, me dar o mínimo de honestidade, mas conseguir fazer isso com quem ele quase nem tem intimidade.

Ela tomou ar e continuou. 

— Sabe, eu sempre estive aberta a tudo, e você bem sabe disso. E pensar na possibilidade de que você deixaria de me contar algo por medo da minha reação me deixa preocupada com a imagem que você tem de mim mesmo depois de anos me conhecendo melhor do que qualquer um. — Ela parou de falar e ficou encarando o chão. 

Frank não sabia o que dizer, não depois de tudo isso. Não depois de ter percebido o quão estúpido ele estava sendo de ter evitado um diálogo com a pessoa a qual era mais fácil de se conversar em todo mundo e em quem ele mais confiava. 

A insegurança nos levava a fazer coisas confusas até mesmo para nós. 

Após algum tempo, quando finalmente tomou alguma coragem, Alice recomeça. 

— Eu acho que devemos terminar. 

O mundo apagou por alguns segundos. Tudo ficou em silêncio. Nenhuma música do bar, ninguém falando do lado de fora, apenas a voz dela ecoando e seu rosto ainda encarando o chão. Ela não olhara para ele nem por um momento. 

— Claramente não estamos em sintonia, você tem fugido de tudo o que fala sobre sermos um casal e eu não tenho mais forças para continuar assim, Frank. Eu tenho muito com o que lidar com o que achei que era ir atrás do nosso futuro, mas agora nem ao menos sei mais se você me conhece, se tem questão de algo e se faz alguma diferença eu continuar aqui. — Sua voz ainda estava difícil para se ouvir pois Frank sentia que alguém havia furado seus tímpanos, mas pôde ver ela limpando o que achava ser lágrimas.

— Alice, não é isso. 

— Então é o que? Vai me dizer que nada do que falei é verdade? Que não te falei como eu me sentia excluída, como sentia que não fazia mais parte da sua vida? 

— Você disse. Várias vezes. 

— Sim. E agora o quê? Você vai falar que vai mudar, que percebeu seu erro e é isso? Mesmo que haja uma chance disso, como você acha que eu conseguiria ficar pisando em ovos, sabendo que ao mínimo de desconforto você voltaria a se fechar e eu ficaria novamente num escuro completo. 

— Você está certa. — Frank falou baixo.

— O que?

— Você está certa, Alice. Eu não posso te prometer algo que sei que não vou cumprir, não agora pelo menos. — Frank levantou a voz tentando não demonstrar choro — Devíamos terminar por um tempo. 

Mais um tempo em silêncio. Dessa vez ela, que já havia olhado para ele, agora ficou analisando-o como tinham costume de fazer, mas com uma expressão triste, e tudo o que ele queria fazer era pegar o rosto dela, dar um beijo em sua testa e falar ‘’Nós vamos resolver isso juntos, eu sei que você está ao meu lado’’, mas como ele havia falado: não poderia prometer algo que não iria cumprir. 

Aquilo tudo o que estava passando tinha de ser sozinho, pelo menos no início. 

— Certo. — Ela voltou a olhar para frente. — Eu vou indo então. 

— Você não…

— Eu sei que não, mas eu quero. Se você entrar lá, avisa que eu fui embora, por favor. E não comenta nada com Lily nem Remus, eu falo depois. 

— Não faria isso. 

— Tchau, Frank. Até mais. 

Ele não conseguiu se despedir, embora quisesse. 

Parecia que dizer tchau era algo difícil demais de se fazer, então, apenas viu ela se afastar para esperar o uber do outro lado da rua. 

Frank sabia que aquela seria a última vez por um certo tempo que veria aquele rosto que compunha tudo o que ele mais amava em todo o mundo e que cresceu adorando cada dia que passava.

E quando ela foi embora a realidade bateu, e ele só teve tempo de sentar na calçada e chorar.




Inverno de 2019

 

— Pois é hora de acordar! — James abriu a cortina com força — Ora, quem diria que no inverno não teria uma luz que te cegaria, não é tão dramático quanto no verão, né?

— São 8h da manhã, saí do meu quarto. — Frank cobriu toda a cabeça. 

— Primeiro de tudo: São 8h30min. Segundo: Esse quarto é meu também, lembra? Dividimos dormitório na faculdade. 

— Eu nunca concordei com isso. 

— Você não concordou com o Remus e o Sirius aqui também, comigo você sempre concordou. — James puxou o cobertor — E agora eu tenho a missão de te colocar no banho e te deixar na sua primeira aula do dia, torcendo para que você vá em todas as outras antes que leve bomba em tudo por falta de presença.

— Isso não acontece, é a faculdade. 

— Que faculdade é essa que você conhece? 

— A de Community. 

— Tá explicado. Na nossa realidade falta leva você a não se formar, sabia?

— Na nossa realidade muito coisa ruim acontece. — Frank sentou com as pernas para fora da cama e calçou o chinelo — Eu tinha a única coisa boa e deixei ela ir embora. Você sabe como ela tá?

— Não, não. Você sabe bem as regras de sem informações sobre Alice por minha parte e por parte do Remus para que nada fique estranho e você não sofra mais ainda. 

— Essa parte do sofrer me dá a entender que ela está saindo com alguém… 

— Ela nã- — James parou de falar no momento em que percebeu — Boa tentativa mas não, não vou falar nada. 

Frank ia tentar conseguir algo a mais, como normalmente sempre fazia já que James honrava sua fama de fofoqueiro, mas foi atrapalhado pela entrada de Remus no quarto. 

— JAMES! A AULA DELE JÁ COMEÇOU! 

— EU SEI, EU TO TENTANDO! 

— James me falou sobre a Alice. 

— MEU DEUS!

— É MENTIRA EU NEM COMENTEI QUE VOCÊS TIVERAM DE IMPEDIR ELA DE VIR ATRÁS DELE ESSES DIAS!

— JAMES!

— O QUE? — Frank falou.

— Não é nada, Frank, foi só um momento. — Remus jogou uma roupa limpa na cara do amigo, que começou a tirar a camiseta para colocar a roxa que havia recebido. 

— Remus, se ela quis me ver, isso não significa algo? 

— Não necessariamente, você quis ver ela e nem por isso significa algo, né? 

— É CLARO QUE SIGNIFICA, VOCÊ NÃO VÊ O QUANTO EU CHORO TODOS OS DIAS HÁ TRÊS MESES?

— Frank, você lembra o que disse para nós depois de um tempo sobre o término? Que você concordava com a decisão dela pois não podia prometer algo que não fosse cumprir e que precisava de um tempo para se resolver sem envolver ninguém nisso? Você fez o certo. — Remus jogou um desodorante. 

— Eu sei, mas onde isso me trouxe? Eu não tive nenhum resultado e passei por todos os médicos possíveis que poderiam me ajudar, fiz todos os exames hormonais que existem, e de quebra passei por psicólogo e psiquiatra para ver se eu tinha algum bloqueio. Até naquela hipnose a Emmeline me levou. — Frank se levantou e foi até o pequeno banheiro do quarto — E pergunto de novo aonde isso me trouxe, pois pelo que eu sei em lugar algum e morrendo de saudade de Alice. 

— Eu sei que tá difícil, mas eu acredito que você vai conseguir. — Remus falou e lançou um olhar para James que até então só olhava a conversa, pedindo para ele ajudar. Remus tinha medo de se deixar levar por ser melhor amigo de Alice. 

— Você disse uma vez que não sentia vontade de transar, e, bem, você saiu com algumas mulheres depois do término. Não teve vontade de nada também? — James falou. 

— Não, e até foi pior. O beijo até foi ok, mas quando era para ter algo mais eu simplesmente travava. Parecia que não conhecer ela antes, apenas naquele momento deixava tudo mil vezes pior de aguentar. — Frank respirou fundo e pegou a mochila. — E é como eu disse, eu sentia vontade com Alice, mas não tanta como ela, era algo como estrito, sabem? 

— Não. Mas tá tudo bem, cara. Você já pensou que pode não ser um problema com você? Tipo, algo que você seja e não algo que tenha como uma doença ou coisa assim. — James falou abrindo a porta.

— Eu sinceramente não sei, e cansei de tentar descobrir. Tá cansativo e pensar que meu relacionamento bom com a mulher que eu amava acabou por isso me deixa além de cansado e triste, também bravo. Só queria sentir as coisas do jeito normal. 

— Não tem um jeito normal de sentir as coisas, Frank. — Remus fechou a porta atrás deles, deixando-os no corredor.

— Vocês entenderam, embora não seja um padrão, meio que segue um. É difícil de explicar mas eu queria não me sentir quebrado e ser como todo mundo. 

— É que você é muito lindo pra ser como todo mundo. — James falou dando de ombros. 

— James, termine com a Lily e me namore. 

— Mas aí ela iria namorar a Alice. 

— Isso é verdade. — Remus falou. 

[...]

— Foram boas as aulas hoje? — Sirius perguntou quando Frank entrou no dormitório à noite. 

— Foram. Percebi que perdi muita matéria, vocês deveriam ter me forçado a ir antes. — ele jogou a mochila no canto e entrou no banheiro.

— Eu vou fingir que não ouvi isso. — Remus falou. — Ah, mandaram eu te entregar isso aqui. — O garoto foi até Frank e entregou um papel rabiscado com um user do instagram.

Cakeacelovers?— Frank perguntou confuso. 

— Não me pergunte, só procure. 

— Quem mandou? 

— Segredo. 

— ME CONTA! — James falou.

Mais tarde, já deitado em sua cama, Frank acessou a conta no instagram e passou a madrugada lendo informações sobre assexualidade e suas diversas definições, os preconceitos e as formas em que se manifesta. Foi muito além de todos os suplementos que recebeu de médicos, ou as dicas tântricas que lhe falaram. 

Ao ler os posts, e textos e relatos, algo pareceu abrir em sua mente, e, ao amanhecer - já que passara a noite em claro - Frank percebeu que pela primeira vez em meses ele não se sentia frustrado ou confuso do que poderia ser. Pela primeira vez ele sentiu um peso saindo de seu peito e mal podia esperar para se reconstruir como assexual.






Primavera de 2019

 

— Sabia que ia te encontrar aqui. — Frank ouviu uma voz atrás de si. 

— Alice Fortescue me procurando? — Ele disse antes de se virar totalmente — A que devo a honra? 

— Bom, a começar que você saiu correndo da festa de aniversário que é sua, o mínimo que procuro é explicações. — Ela sorriu e se aproximou. — E por que tá falando como se não me visse há tempos? 

— Para dar um ar dramático, aprendi com James. — ele se inclinou na direção dela para dar um beijo em sua bochecha. 

— Gostou da surpresa? 

— Sim, ainda mais as cores da bandeira ace… Você parece mais animada do que eu com isso. 

— Triste é que não fiquei, né? O dia que você apareceu na saída da minha aula enquanto o Sirius e o James jogavam água de um regador em vocês apenas para um ar de romance para quando você me pedisse em namoro, foi um dos melhores da minha vida. — Alice deu uma risada. 

— Ainda demorei, sabe? Depois de ter passado aquela madrugada lendo tudo o que consegui, ainda sentia que precisava de mais. Foi engraçado descobrir que foi você quem indicou aquilo, depois do boca aberta do James contar tudo o que eu estava sentindo, mas não é como se eu não desconfiasse que fosse você.

— A sorte é que eu sabia como procurar. — ela sorriu e voltou a falar sussurrando — a realidade é que eu tinha visto uma menina no twitter falar sobre assexualidade e sua descrição me lembrou, então passei duas aulas revirando tudo o que poderia achar, até que encontrei o perfil e mandei o Remus te entregar o papel.

— Bonita, inteligente e de boa memória. 

— Eu sou. 

A primavera estava em sua metade, portanto era possível mais ainda sentir o aroma das flores, principalmente na varanda cheia de plantas da casa dos pais de Alice. Lembrou, na noite anterior enquanto tentava fingir que não sabia de festa alguma e andava pelo shopping com ela para compras de aniversário, do começo do ano em que ele falou que haveria de ser um bom ano. 

Constantemente lembrava dessa cena, em especial após o término. E em todas as vezes ele pensava: ‘’Como você é um idiota, Frank Longbottom.’’. Mas agora, na última estação do ano, após todas as reviravoltas dignas de uma história escrita meio doida, ele conseguia dizer com a certeza daquele dia no verão após ele e Alice caírem juntos no chão que foi um bom ano. 

Se descobrir e aceitar como assexual foi uma das melhores coisas pela qual ele passou, e ajudou no processo de entender o que ele mesmo bloqueava. Se entender em seu relacionamento amoroso com Alice, com seus amigos já que ele evitava falar sobre esses assuntos, e o mais importante consigo mesmo. 

Nem sempre rótulos são necessários, mas saber quem você realmente é com uma característica a mais é algo que ajuda muito.

Frank deu uma última olhada para Alice que estava ao seu lado, com o fundo do céu da noite. Reconheceu a sorte de ter alguém tão incrível quanto ela ali consigo, e como ter seu apoio fazia tudo mais leve. 

Se ela estivesse ali sabia que daria certo, por seu apoio e conversas.

— Vamos entrar? — Ela perguntou. 

— Vamos. 

Ia ser uma boa vida.


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