It's a sin. escrita por Jones


Capítulo 1
everywhere I'm going to: it's a sin.


Notas iniciais do capítulo

Olá, aqui estou novamente.
Estou muito feliz em estar aqui novamente postando mais uma fic no pride.
Essa aqui é de certa forma muito pessoal, são as minhas visões e vivências religiosas, coisas que eu já escutei... Eu era a coroinha que no dia anterior era outra pessoa. De certa forma, escrever essa fic foi libertador. Eu tenho amigos que escutaram coisas horríveis dos pais e que estão presentes aqui.

Minha intenção não é ofender ninguém inclusive. HAHAHAH

Após tirar isso de meu peito:
Quero agradecer por estar aqui mais uma vez as meninas organizadoras luísa, camila, clara e karou ♥
Tess mais uma vez pela capa ♥
A Isa por ter lido e me garantido que eu podia postar e tava sendo doida.
E Wolfstar por ser meu ship supremo graças a violet hood com introduce me a good person que já agradeci ali em cima ♥

Sou péssima em escrever notas, amo vocês ♥



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Whatever gets you to the light, it's alright, it's alright. 

24 de Dezembro de 1974

 

Que ano fora aquele. 

Eurovision aconteceu em Brighton, não que ele pudesse assistir tal festival com músicas tão mundanas e comuns. George Harrison estava fazendo uma tour pela América - Americanos com péssimo gosto o veria ao vivo antes que ele pudesse assisti-lo e sim, ele era uma das pessoas que achavam que George era subestimado (ou talvez ele só fosse do contra). Há menos de um mês John Lennon cantou três músicas com Elton John no Madison Square Garden e era uma delas que Sirius Orion Black cantarolava quando olhou para suas vestes brancas e vermelhas, tentou não respirar tão fundo para não sentir o cheiro de incenso forte que escapava o opérculo e ameaçava fazê-lo espirrar. Turiferário era o nome da posição que ocupava naquele dia com seu objeto prateado que jogava para frente e para trás em toda a nave daquela igreja.

 

Lance o turíbulo três vezes para frente. Amém.

Lance o turíbulo três vezes para trás. Amém.

 

Pelo menos não seria o rapaz da sineta. Aquele que teria que tocar o sino durante toda a oração ou canto "Glória a Deus nos Altos Céus". Ou isso é coisa da páscoa? 

Não espirre. Não espirre. 

Queria sair tanto daquelas vestes pesadas e se enfiar novamente na jaqueta de couro que ganhara de aniversário de James. 

Era o único adolescente que conhecia que odiava as férias. Significava estar na mesma casa que eles, fazer o que eles queriam ou sofrer as consequências... Consequências essas que sentiria nas suas costas naquele momento se se mexesse um pouco mais, em diversas formas e formatos, em marcas largas e vermelhas nas costas. 

— Na noite do nascimento de Jesus Cristo, Walburga? - ele gritou enquanto apanhava com qualquer um dos objetos que a “mãe” encontrara pela frente. 

— Insolente. - ela o atingira mais uma vez. - Você vai se vestir e ir para a igreja, ou… 

— Ou o que? Você me bate um pouco mais? - ele a desafiou com um sorriso mesmo que os olhos estivessem cheio de lágrimas.

Ela pareceu ponderar por mais uns minutos e sorriu daquela maneira enviesada de quem fazia da tortura um hobbie:

— Ou eu te tiro de Hogwarts. - ela sorriu e cruzou os braços, vendo-o perder a postura desafiadora pela primeira vez. - É algo que eu já deveria ter feito, te tirar de perto daqueles pagãos não tementes a Deus, já que você é tão patético que não consegue se afastar daqueles pecadores… Arranja um melhor amigo adorador de Alá, outro um judeu e adepto do homossexualismo.  

— Todos são pessoas melhores que você, sua-

— Sua o que? - ela o desafiou com o olhar. - Mais uma palavra que depois dessas férias você não volta para aquele castelo altamente mal frequentado, como eu sabia que seria assim que eles começassem a aceitar bolsistas. Pobres. 

Sirius parou de escutar a mãe naquele instante, pegando a camisa branca passada, a gravata e a calça preta social. Estava velho demais para ser um coroinha, para ser obrigado a ir a igreja, para participar do grupo da juventude unida que se dizia progressista o suficiente para aceitar os amigos que vivessem em pecado e amá-los como Deus ensinara, mas não concordar com suas escolhas e tentar tirá-los do caminho da escuridão. Ide e evangelizai! 

Amigos como Remus, que insistia em dizer que não estava em escuridão nenhuma. Que se Deus condenava os que deitavam-se com outros homens, como ele que beijava garotos e garotas, ele não era seguidor daquele Deus e sim de um diferente. E ele deveria ser seguidor de um que acolhia prostitutas e perdoava adúlteros, já que era o ensinamento daquele livro que seguia. 

Mas como Sirius seria capaz de diferenciar tais deuses quando ouvia do padre após a leitura que Deus era amor e perdão, que era apenas pedir com o coração contrito que Ele o perdoaria, mas ao mesmo tempo Deus castigava os que não vigiavam e oravam, pois não sabiam o dia e a hora. Ao mesmo tempo em que só Deus era capaz de julgar, as pessoas daquele lugar se sentiam no direito de rejeitar os que não se vestiam tão bem, não faziam parte de tal família ou que não compartilhavam os mesmos preceitos que ele. 

Tudo era confuso. 

Tudo ficava ainda mais confuso quando percebia que talvez se as pessoas soubessem o que ele realmente pensava sozinho em sua cama com as cortinas fechadas, os sonhos que tinha com um certo garoto de cabelos castanhos e ondulados cheio de sardas... Talvez se eles soubessem o seu mundo nunca mais seria o mesmo. Tinha um medo maior do que ser tirado do único lugar em que se sentia bem e amado. 

Ele tinha um medo real de ir para o inferno. 

Era a maldita culpa católica a mistura em te dar liberdade e chamar de livre arbítrio e ao mesmo tempo dizer que tudo o que você quer fazer, tudo o que você quis fazer, todos os lugares que você gostaria de ir e todas as pessoas que você gostaria de amar: tudo é pecado. 

Era cômico como ele poderia se sentir o maior dos pecadores ao mesmo tempo em que estava em uma daquelas cadeiras próximas ao padre, com um rosto sério e uma camisa perfeitamente abotoada por baixo de vestes solenes. Isso deveria contar em alguma coisa, certo? 

Em todas as quaresmas, e principalmente a daquele ano, quando começou a acordar ofegante no meio da noite com vontades não puras no coração, rezava, mesmo que se portasse com o bravado de quem não se importava, rezava para que suas vontades fossem diferentes. Para que seu coração não batesse por Remus Lupin. Para que a vontade de fazer o que queria fazer com a imagem de um de seus melhores amigos na cabeça diminuísse até desaparecer. Para que ele só sentisse coisas por meninas. 

Por meninas apenas. 

E naquela véspera de natal, sentado numa cadeira naquele altar na frente de todos da igreja, quando sentiu vontade de voltar para a escola e dividir o colchão com Remus para escutarem baixinho Goodbye Yellow Brick Road e talvez ter coragem de esticar os dedos e tocar nos dele, Sirius Orion Black fez a mesma oração.

Father, forgive me. 



I'm not the man they think I am at home, oh no no no, I'm a rocket man, rocket man: burning out his fuse out here alone

5 de agosto de 1975

 

Ele gostava da igreja. Não batia com o visual meio punk meio glam rock que ele levava no dia a dia (por mais contraditório que isso pudesse ser), mas tinha as músicas legais, as barraquinhas de lanches depois da missa e os amigos que tinha feito na pré escola que durante o restante do ano frequentavam escolas religiosas sem o mesmo prestígio de Hogwarts. A igreja era um dos únicos lugares onde podia tocar instrumentos e alguém o achava bom o suficiente por isso. Ele tocava o órgão todos os domingos, era como o piano, mas com o som mais encorpado, que fazia com que as carolas da igreja vibrassem de alegria. 

As pessoas elogiavam sua postura, sua sensibilidade com aqueles hinos bonitos, antigos e tradicionais. Às vezes ele floreava um pouco, ou adiantava um pouco o passo e dizia que tinha ficado nervoso, ainda assim todos diziam que ele tinha um dom dado por Deus. Deixa a luz do Céu entrar, deixa luz do Céu entrar: abre bem as portas do seu coração e deixa a luz do Céu entrar. 

Se eles soubessem onde ele encontra-lo aos sábados… Talvez o acusassem de se afastar da luz divina de propósito. 

Pelo menos nos sábados em que conseguia escapar pela janela do seu quarto no segundo andar da casa, usando as treliças com folhas de hera ajeitadas de maneira estética pelo jardineiro e mordomo da família, Kreacher eram os sábados que ele se sentia com mais luz própria. E se Kreacher soubesse que Sirius  usava sua parafernália decorativa  para sair de casa com seus delineadores nos olhos enquanto a família acreditava que ele estava em algum tipo de prática de instrumentos ou terço paroquial… Bom, seria minimizar dizer que suas costas e outros lugares que não poderiam ser vistos sentiriam o drama. 

Todos os sábados ele passava o delineador nos olhos do jeito que Marlene o ensinou, colocava as calças que seus pais achavam que tinham se livrado por estarem apertadas demais desde que ele completou quinze anos, e naquele sábado em específico, uma camiseta com o rosto de Robert Plant. 

Sirius sempre pegava um pacote de cigarros, um pouquinho do líquido de cada garrafa do bar dos pais - uma mistura nada saudável de Bourbon, Whisky, Tequila e qualquer outra coisa que tivesse a cor da mistura do dia - até formar um litro de algo perigosamente alcoólico. No posto de conveniência do caminho, encontrava algo doce para amenizar o golpe daquele álcool todo, talvez um suco de groselha. E às duas da tarde ele encontrava a galera atrás do centro comercial. De longe eram um grupo de adolescentes degenerados fãs de rock que curtiam se vestir de preto e escutar Led Zeppelin… Mais de perto você via cores, cabelos tingidos, camisetas com o rosto de David Bowie, calças justas e jaquetas sem camiseta por baixo.

Suficiente dizer que aquele era o lugar favorito de Sirius Black. Ali ninguém julgava ninguém por roupas ou status social, todo mundo, desajustado como Sirius ou extremamente ajustado como James Potter era bem vindo. Eram bem vindos os fãs de Bowie, de Elton, do glitter e do glam e os do The Who, The kinks and Rolling Stones… Às vezes rolavam uns socos e pontapés em discussões acaloradas após alguns goles a mais de bebidas roubadas de algum lugar. 

Naquele dia, Sirius conseguira um feito inédito. Todos os garotos, conhecidos no internato como Os Marotos, estavam com ele naquele lugar onde ele finalmente era ele mesmo. James porque sempre ia com a desculpa de manter o amigo longe de problemas e ver uma Lily Evans e seus amigos fãs de folk rock. Peter morava longe, mas não perdia uma oportunidade de seguir seus amigos como um cachorrinho, odiava se sentir de fora mesmo que estivesse deslocado. Já Remus… Remus fez todo um caminho de trem de Gales até ali. Passaria algumas semanas na casa de James, já que na casa de Sirius nem na mais remota hipótese de cogitação. 

Mas ali eles estavam: bêbados e rindo sem cerimônias do drama que Sirius estava fazendo sobre o acidente de  carro que Robert Plant e sua esposa sofreram no dia anterior (e ele nem sabia a extensão do problema, já que a imprensa não tinha tantos detalhes assim, imagina se soubesse!). E mesmo triste por Robert, que tinha que sair dessa e continuar presenteando o mundo com rock in roll, estar ali com seus amigos, falando sobre coisas que amava, podendo ser ele mesmo e flertar descompromissadamente com garotos e garotas… esfregar o batom de suas amigas na boca de seus amigos. Aquilo quase o fazia esquecer que naquele lugar ele não era a mesma pessoa que era em casa. 

— Se Robert Plant não sair dessa, é o fim do rock in roll. É o fim do mundo! É o apocalipse. - Sirius exclamou no colo de Caradoc, com os lábios no pescoço de Mary. - Podem mandar os quatro cavaleiros, a destruição, as labaredas de fogo e a escuridão! 

Mas era tudo inocente, certo? Ele pediria perdão no dia seguinte. Perdão por ter bebido, perdão por ter beijado mais de uma pessoa. Perdão por brincar de dar selinhos e estalinhos em meninos… Perdão por estar perdidamente apaixonado por um. Bom, ele achava que estava. 

Deitado na grama, viajando em algo mais forte que sua mistura mortal… Decidiu que isso ficaria para o dia seguinte. Agora ele era livre, ele não era Sirius Orion Black. 

Ele era apenas Sirius. A rocket man, a rocket man flutuando em nuvens de piano e felicidade. 

— Você está bem? - Remus o perguntou minutos ou talvez horas depois, seu corpo magro e alto esticado numa linha paralela ao de Sirius, como se ele quisesse estar perto e longe ao mesmo tempo. Uma distância segura. 

— Extremamente. - ele sorriu, deitando-se de lado, com o corpo de frente para o melhor amigo. Os olhos do amigo o faziam querer perguntar sobre as coisas mais idiotas do mundo e as mais profundas, apenas para que ele continuasse falando, apenas para que ele pudesse conhecer cada detalhe de cada coisa que estivesse na mente de Lupin. - Remus, como você sabe com certeza que está apaixonado por alguém? 

— Eu não sei se eu sou a pessoa mais indicada para te contar. - Lupin sorriu, olhando para o céu cinzento. Seu rosto estava naquele tom disfarçado de rosa de quem estava um pouco envergonhado, tom esse que se combinava a todas aquelas sardas alaranjadas na ponta de seu nariz e bochechas e o deixava… encantador. 

— Por que? - Sirius quase se esqueceu de que estava tendo uma conversa. A mistura do álcool ao entorpecente natural que era estar perto de Remus Lupin o fazia perder o sentido. - Você nunca se apaixonou?

Remus o olhou de uma maneira diferente, significativa. Talvez se Sirius estivesse sóbrio, catalogasse esse olhar a todos os outros na subpasta permanente de seu cérebro intitulada "Olhos de Remus Lupin" para tentar desvendar mais tarde o seu significado.  Costumava saber o que ele estava pensando só de olhar em seus olhos cor de âmbar com aqueles pontinhos esverdeados, mas às vezes, só às vezes, gostaria de ser capaz de invadir sua mente e saber porque ele tinha olhares e sorrisos reservados só para ele. Sabia que sua amizade com Remus era diferente da sua com James, James era seu irmão. Remus era… Algo diferente. 

— Pelo contrário. - Remus riu baixinho, num sorriso que nunca alcançou seus olhos (e nos olhos de Remus Lupin, Sirius era quase fluente). - Eu só estou apaixonado pela mesma pessoa há tanto tempo que eu não sei descrever o momento em que eu soube. Talvez tenha sido a primeira vista, talvez eu tenha sentido algo que só aumenta e nunca diminui e não percebi quando virou algo maior... mesmo que nunca seja recíproco. 

— Como você sabe que é amor? - tinha um quê de ciúmes, tinha um pouco de dúvida e tinha também curiosidade sobre quem era o receptáculo de todo o afeto de Remus naquela pergunta. 

— Talvez eu seja a porra de um sentimental, como vocês vivem me dizendo, e eu não saiba de fato. Quer dizer, eu ainda nem saí da escola, caramba! O que eu sei? - ele encolheu os ombros. - Mas é o que eu sinto. É o primeiro pensamento quando acordo e o último antes de eu dormir, é o que faz meu coração acelerar e quase parar… É insano. 

— Parece doloroso.  - Sirius comentou desviando o olhar do rosto de Remus. Sentia vontade de chorar. Mas queria sorrir porque alguém finalmente sentia o que ele sentia, mesmo que não fosse por ele. Alguém finalmente descreveu o sentimento devastador que sentia. 

Talvez fosse melhor mesmo que Remus não gostasse dele. Era verdade que já achou outros rapazes atraentes, mas ninguém lhe causou o que Remus o causou. Então, naquele momento de embriaguez decidiu de maneira sóbria que nenhum outro garoto causaria, ele seria o filho que Walburga tanto queria que ele fosse. Ele seria aquilo que o padre dizia que era certo. 

Se não fosse Remus, não seria nenhum outro garoto.

Todo rocket man em algum momento tem que sair do espaço sideral e voltar para a vida real. 

And love lies bleeding in my hand, oh it kills me to think of you with another man. I was playing rock and roll and you were just a fan, but my guitar couldn't hold you… So I split the band

3 de novembro de 1975 

 

— Eu não estou de mau humor. - Sirius repetiu, cruzando os braços e aumentando o bico gigantesco em seu rosto. -  Estou no meio da minha festa de aniversário, minha cerveja está gelada e eu estou bem. 

— Exatamente, Pads. - James bufou. - Você fez contagens regressivas, acordou o quarto inteiro às 7 da manhã, isso porque fomos dormir depois da meia noite porque você exige uma comemoração no exato momento em que começa o dia três e agora você está todo borocoxô. 

— Eu estou bem. - ele repetiu, com os olhos fixos em Remus que ria no ouvido de Benjy Fenwick. 

A audácia. 

Bem ali no meio de sua festa ilegal de aniversário de dezesseis anos na sala comunal de Grifinória. Estava arriscando uma detenção para Remus ficar de paquera com a porra do Benjy ou Benjamin (sabe-se la o nome dele). A realização invadiu sua mente como um tsunami numa praia paradisíaca da Tailândia: era de Benjy que Remus estava falando naquele dia de agosto. 

Benjy nem era tudo isso! Como Remus poderia estar apaixonado por um cara tão… Normal? Cabelo escuro, corpo atlético, altura mediana e olhos castanhos. Ele era básico. Essa poderia ser a descrição de qualquer John ou Phil. Mas era Benjy Fenwick e Benjy tinha o coração de Remus. Sentiu vontade de vomitar, sentiu vontade de se enfiar embaixo de um cobertor e chorar até se desidratar e definhar sozinho. Viu o mundo girar rápido demais e de repente parar de girar.

— Você deveria falar para ele.  - James murmurou, se jogando ao lado de Sirius. 

— Falar o que? - fingiu-se de desentendido. 

James apenas o olhou, uma sobrancelha erguida e os olhos cheios de preocupação.

— Você não deveria estar enchendo o saco de outro? - Sirius a procurou por toda a sala antes de avistar e berrar: - Ô Evans, James está disponível.

Lily Evans lhe mostrou o dedo do meio e girou os olhos, voltando a contar algo aparentemente impressionante a Mary Macdonald. 

— Sirius. - Potter o repreendeu. 

— Eu não sei do que você está falando, James. - Sirius olhou para os próprios pés. - Eu não… Eu não sou como Remus… Eu sou hétero. Eu gosto de garotas. Peitos. Bundas. 

— Bundas? 

— Você me entendeu. Todo mundo gosta de bundas. - Sirius girou os olhos. - E mesmo se eu… Bem, se eu… você sabe. Gostasse dele, ele parece estar bem com Benjy. 

— Eu não sei se é verdade. - James encolheu os ombros - Ele olha para cá muitas vezes para quem está interessado na pessoa com quem tá falando. 

— Se ele quisesse falar comigo já teria vindo aqui. - ele bufou. - No meu aniversário ainda! De todos os dias que ele poderia me…

Trocar? Trair? Enfiar uma faca no meu coração? 

— Ficar com alguém, por que no meu aniversário? 

— Porque ele não sabe que você gosta dele. - James girou os olhos, impaciente. 

— Eu já disse que eu não gosto dele desse jeito. - Sirius cruzou os braços. 

— Você está tendo uma crise de ciúmes nesse instante. 

— Ciúme de amigo. Essas coisas. - Sirius apertou os lábios. - Eu mereço atenção no meu dia! 

Claro que merece!  

E ainda assim, Remus estava colado a Fenwick. Estava com um bico gigantesco nos lábios quando de repente viu o rapaz que ele amava beijando outro. Então seu mundo caiu. O bico se transformou numa boca aberta surpresa e então em lábios cerrados e narinas infladas. Ele ia acabar com aquilo. 

— Ele é apenas seu amigo. - James impediu que ele se levantasse e fizesse alguma coisa impulsiva o suficiente para ser uma marca registrada de Sirius Black. - Ele não ia sentar a vida inteira e esperar você resolver suas merdas. 

— James. - Sirius disse entre os dentes. - Me solte. 

— Não se além de se atrapalhar, você vai dizer algo que vai acabar com sua amizade e destruir a gente. 

Sirius apertou os olhos em ódio e se virou em direção aos dormitórios. Chega de festa por hoje. 

Subiu com pressa, tentando disfarçar o ardor dos olhos que ameaçavam deixar as lágrimas caírem.  Por que Deus? Eu fiz tudo que você pediu! Eu tentei não sentir nada por ele, não tentar nada. Não desejar outras pessoas… E você o entregou para outra pessoa! 

Talvez aquele fosse o castigo e a punição que o padre tanto falava para aqueles que queriam ceder e cair na tentação o tempo inteiro. Pensou, pecou. Para aqueles que bebiam pelas costas dos pais, se masturbavam e sonhavam com beijos e sexo antes do casamento. Lembrou-se do padre dizendo em agosto, no dia que fizera um instrumental suave para acompanhá-lo em sua homília: “O mundo perfeito que Deus criou para nós está cada vez mais perdido, cada vez mais perto de encontrar sua ruína. Jesus está voltando e vai ver perversão, jovens bêbados, trocando a pureza por apenas prazer vazio… Os senhores acham que estamos aqui diante de doenças mortais e silenciosas, crianças grávidas e por que? Homens vestidos de mulheres, homens dormindo com outros homens… Porque as pessoas se afastaram da palavra Dele.”  

Simples de imaginar que ele nunca caiu no sono de verdade. Foi aquele misto de estar dormindo, ter pesadelos com a voz do padre e escutar todas as coisas ao seu redor, até mesmo Remus chegando de manhã cedo com os sapatos nas mãos e um roxo no pescoço tentando não fazer barulho. 

— Se divertiu ontem a noite? - Sirius disse com o máximo de veneno possível. 

— Sirius? - Remus teve a decência de parecer surpreso e envergonhado, se a cor de suas bochechas e pontas das orelhas significavam alguma coisa. - Eu não te vi mais ontem a noite. 

— Eu estou surpreso que tenha notado, com a língua tão no fundo da garganta de Benjy Fenwick. - Sirius cruzou os braços. 

— Ah merda, você viu aquilo? - ele coçou a cabeça, ainda envergonhado, caminhando em direção a sua cama, que ficava de frente para a de Black. 

— Será que alguém não viu? - ele encarou Remus com o rosto vermelho de raiva. 

— O que está acontecendo, Sirius? - ele perguntou, sentando-se em sua cama. 

— Era meu aniversário, Remus. 

— Eu sei. - ele disse ainda sem entender. 

— E você estava com Benjy. 

— Sim. Qual é o problema? 

Sirius não soube como responder aquilo, não de uma maneira que não entregasse tudo aquilo que estava sentindo. Então ficou em silêncio deixando um flash de horror e indignação passar pelo rosto de Remus Lupin, que de repente era apenas ira. 

— Eu sei que seus pais te fazem ir para igreja onde eles falam aquele monte de merda sobre pessoas como eu, mas caralho, você me conhece, você é um dos meus melhores amigos, Sirius. - Remus disse com aquela voz de quem quer gritar, mas precisa sussurrar para não acordar os amigos. - Você não tem direito de jogar essa porra de julgamento em mim sobre quem eu escolho beijar ou não. Você não tem direito de olhar para mim com esse ódio todo porque eu beijei um garoto na noite passada. Você não tem direito de repetir para mim esse olhar de que eu sou pecador ou qualquer outra porra que eles te falam naquele antro de falsos puritanos hipócritas filhos de uma-, você não pode ser igual a eles, Sirius, isso… Isso ia acabar comigo, isso-

— Remus. - Sirius se levantou horrorizado. 

Doía pensar em Remus com outra pessoa, mas doía ainda mais que ele pensasse que Sirius pudesse ser como eles. E pelo jeito, doía em Remus também, que chorava copiosamente em sua frente. 

Sirius não conseguiu abrir a boca. Apenas repetiu Remus mais uma vez. 

— O que Sirius? O que? O que você poderia me dizer agora que faria alguma diferença? - Remus o olhou, despedaçado e com as lágrimas rolando pelo seu rosto. - Ou você tem tanto nojo de mim e da minha "degeneração" que não consegue nem fingir mais? 

Sirius sabia o que dizer que talvez fizesse toda a diferença do mundo, para o bem ou para o mal. Mas sua língua estava presa no céu de sua boca, a garganta obstruída e as cordas vocais cortadas. 

Tudo o que conseguia fazer era chorar e sair correndo por aquela porta. 

— Você é igual a eles. - ouviu a voz decepcionada de Remus antes de bater a porta. 

You know you can't hold me forever I didn't sign up with you

I'm not a present for your friends to open

This boy's too young to be singing the blues

20 de Dezembro de 1975

 

— Você não é bom para nada. Imprestável. Se esse é o caminho que você escolheu, você não é mais o meu filho. Você não é mais um Black. Você é mais um desses afeminados doentes que nunca vão ser amados. Você acha que um dia vai ter um lar ou uma família? Você acha que alguém amaria alguém como você? Pervertido, endemoniado. Você é uma péssima influência para o seu irmão. Some da minha frente. 

Talvez essa não tenha sido exatamente a ordem de tudo o que ela disse, mas entre as pancadas na cabeça, as costas marcadas, os olhos roxos e os poucos pertences que conseguiu recolher, aquilo foi o que ficou na cabeça de Sirius Orion, anteriormente Black. Ele deveria se sentir grato por não ser mais um deles, por não ser um Black. 

Blacks são preconceituosos, racistas. Blacks acham que se eles comprarem um pedaço, o lugar deles no céu está garantido. Blacks odeiam os próprios filhos. Blacks maltratam. Blacks matam. 

Então por que ele se sentia tão mal?

Você é igual a eles. 

Remus não falava com ele há um mês e meio. O pior mês e meio de sua vida, com a recente fuga de casa com apenas um saco de roupas aleatórias e sua carteira sem um centavo como cereja no bolo. 

Era estranho como só conseguia pensar em como Remus diria as coisas certas para que ele não se sentisse uma merda tão grande ao mesmo tempo em que tinha consciência de que talvez ele nunca mais falasse algo além de amenidades com o melhor amigo. Ele não sabia se estava rindo por estar tendo um surto psicótico ou pela ironia da situação enquanto mancava até um telefone público na esperança de pedir um auxílio a lista e conseguir achar o número dos Potter. 

James sempre fora mais um irmão que um amigo. Mais um irmão que Regulus já foi. 

Regulus não era o culpado por ele ter saído de casa, não, o culpado era Deus que tinha feito que ele gostasse de garotos, que ele beijasse um num corredor aparentemente desértico para ver como era, que seu irmão e seus amigos asquerosos tivessem visto e que Regulus, sabendo que seus pais eram quem eram, tivesse aberto a boca na primeira oportunidade possível. 

Abençoa Senhor as famílias, amém. Abençoa Senhor, a minha também. 

Quando James o encontrou, muitas horas depois, encolhido ao lado do telefone público, murmurando nonsenses e cantando Hosana nas alturas, não soube o que fazer. Monty soube menos ainda e Effie foi a única com reação o suficiente para abraçar o menino devagar, já que ele estava claramente machucado e o embalar lentamente e calmamente como uma criança. 

— E se ninguém nunca me amar de verdade, Sra. Potter? - ele balbuciou. 

— Impossível, já que nós amamos você. - Effie respondeu, beijando a testa dele enquanto James e Monty o levantavam do chão. 



Don't let the Sun go down on me

Although I search myself, it's always someone else I see

I've just allow a fragment of your life to wander free

But losing everything is like the Sun going down on me

24 de dezembro de 1975

 

Sua cabeça doía demais, aparentemente estava vagando entre o reino do sono e as paredes brancas demais do hospital nos últimos dias, onde descobriu ter uma das costelas quebradas, lacerações nas costas, corte nos lábios e hipotermia. Sua cabeça estava inchada. Em algum momento na fuga tinha torcido o tornozelo. 

Estava fudido.

Tentou identificar no calendário ao lado da cama que dia era aquele e riu de maneira abafada, histérica e chorosa quando lembrou-se onde estava nesse mesmo dia no ano anterior. 

Jerusalém, povo de Deus, igreja santa. Levanta e vai sobre as montanhas, ergue o olhar. Lá no Oriente, desponta o sol da alegria que vem de Deus aos filhos teus, eis o teu dia! 

Que volta completa em torno do sol, ele pensou enquanto cantarolava o salmo que servia de canto para a igreja, pela primeira vez sem o instinto de pedir perdão por alguma coisa que não sabia se tinha feito. Era como seu pai dizia quando estava bêbado: eu não sei porque estou te batendo, mas você sabe porque está apanhando. 

Teve tempo de ficar sozinho com seus pensamentos autodestrutivos antes de ouvir um som que não fosse sua própria voz. 

— Eu deveria te avisar que Remus está vindo aí. - James disse de um ponto cego do quarto para ele, que estava imobilizado na cintura. Ele virou o pescoço dolorosamente. 


— Você ligou para ele? - sua voz saiu mais rouca do que o pretendido. - Ele me odeia, James- ele…

— Ele não te odeia. - James girou os olhos. - Hope teve que impedi-lo fisicamente de pegar um trem assim que soube para vir aqui. E eu tentei contar só quando eu tivesse certeza do que estava acontecendo. 

— Você não precisava ter chamado ele aqui. - Sirius disse relutante.  

— Você não parava de falar o nome dele, você não lembra? - James perguntou em um tom mais delicado e respirou fundo. - Depois que você contou o que- o que- ela fez com você e, eu sinto muito, cara. 

— Eu estou bem agora, não estou? - ele tentou sorrir. 

— Você nunca mais volta para aquela casa. - James prometeu. - Nunca mais. 

— Eu não acho que eles me aceitariam de volta. - Sirius riu e fez uma careta em seguida. - Minha barriga quando eu rio, parece que dessa vez ela me fez um estrago. 

Eles ficaram em silêncio por alguns minutos. Sirius não queria olhar nos olhos de James e ver aquele olhar de compaixão… Era por isso que nunca falava sobre as surras, sobre suas dúvidas sobre si mesmo, sobre sua dor. Confiava em James a própria vida, mas não suportava que o vissem como menos que Sirius Black, o forte, o confiante, o popular.

Porém isso tinha caído por terra e agora ele estava ali, quebrado, vulnerável. 

— Eu achei que eu ia morrer. - confessou baixinho. - Eu não queria morrer, eu não queria morrer… Eu não queria morrer com todo mundo me odiando, com Remus me odiando. 

— Eu não sou a pessoa que diz o que você tem que fazer, mas eu sou a pessoa que te pede para você ser honesto com você, ser honesto com Remus… 

— Mas e se eu estragar tudo? 

— Honestamente, Sirius, tem como as coisas ficarem piores? - James disse com sua recém adquirida sensatez. - Eu nunca te vi mais destruído, abatido, fora de si e-

— Jesus, obrigado, James, você é um amor. - Sirius gemeu frustrado ao ver que não conseguia cruzar os braços. 

— O que eu quero dizer é que as coisas vão melhorar agora, você não é obrigado a viver naquele lugar e nem sob as regras deles. 

— Eu ainda nem sei onde eu vou morar, James. 

— Lá em casa, no quarto que você dorme desde os onze anos. - James disse como se fosse óbvio e Sirius quis esconder o fato de que as lágrimas começaram a descer descontroladamente de seus olhos. - Meus pais já estão arranjando tudo. Eu te disse que você nunca mais vai voltar para aquele lugar, não se depender de mim. 

— Eles me disseram coisas que eu não sei se são verdadeiras, James. - ele cutucou as cutículas com as unhas do indicador. - Eles me disseram que ninguém vai me amar, eles me disseram que eu sou… Que eles só tem um filho e que esse filho não sou eu. 

— Você não é nada como eles, eles que não são capazes de enxergar além da ignorância deles, eles que não se amam nem como casal sabem porra nenhuma de amor. - James não conseguia segurar a irritação. - Então que você não seja mesmo o filho deles, tenho certeza que eu sou uma família melhor de qualquer maneira. 

Nós somos uma família melhor. - Remus completou da porta.

Ele estava com os olhos vermelhos e inchados. A cicatriz que cruzava seu rosto brilhava branca entre sua pele rosada talvez pelo frio do lado de fora ou por estar escutando atrás da porta. Mas ele estava ali. 

Sirius quis correr até a porta e pular em Remus até ele perder o equilíbrio e quase cair no chão, como fazia o tempo todo antes do fiasco da madrugada de 4 de novembro. Quis chorar ao ouvir a voz dele dirigida a ele pela primeira vez em um mês e meio. Quis chorar de dor pela reação automática e magnética de seu corpo de querer estar ao lado de Remus. 

Remus Lupin, que largou tudo e chegou ali o mais rápido possível porque Sirius estava machucado, porque Sirius precisava dele. 

Talvez James estivesse certo e Sirius não fosse capaz de estragar essa única parte boa da sua vida, não mais do que já vinha estragando no último mês. Talvez falar a verdade, mesmo que a carga emocional do momento exigisse algo mais reflexivo e talvez mais terapêutico, fosse o suficiente para fazê-lo se sentir melhor de alguma forma. 

Talvez se ele abraçasse o que estava sentindo de uma vez, ele pudesse desatar o último laço que o prendia aos Blacks, mesmo que a voz de sua mãe ficasse no fundo de sua cabeça em todos os momentos sugerindo o contrário… Que ninguém seria capaz de amá-lo, nem mesmo o seu amigo-irmão que tirou os pais da cama de madrugada para procurá-lo no inverno gelado da Inglaterra depois de uma descrição vaga de onde estava, ou os pais desse amigo que estavam movendo céus e terra para dar a ele um lar de verdade, ou seu melhor amigo e talvez amor da sua vida que pegou um trem na primeira oportunidade na véspera de natal para tentar confortá-lo. 

Se Remus não sentisse o mesmo tipo de amor que Sirius sentia por ele, ele ficaria bem no final. Ele só precisava que Remus tivesse algum tipo de amor por ele, ele ficaria com qualquer pedaço. 

— James, eu preciso falar com Remus um minuto a sós. - Sirius disse sem tirar os olhos dos de Remus. 

James assentiu com a cabeça e sorriu em incentivo, com um olhar que dizia: seja honesto. 

E Sirius seria se Remus não tivesse aberto a boca primeiro.

— Você está bem? - ele examinava o corpo de Sirius com cuidado e uma raiva quase palpável. - James me disse mais ou menos o que aconteceu, mas não me explicou o motivo e eu só quero quebrar a cara da-

— Eu estou bem. - Sirius não conseguiu evitar sorrir. Ele está aqui, falando comigo. — Mais que bem agora que você está aqui. 

Ele não acreditou que deixou tais palavras escaparem. Colocaria a culpa no remédio para dor que se misturava ao soro em sua veia, esses eram os culpados por seu rosto vermelho. 

— Eu fiquei desesperado quando James me disse que você estava no hospital e eu teria vindo antes se minha mãe não tivesse me trancado no quarto até eu me acalmar ou algo assim. - ele sentou na cadeira ao lado da cama de Sirius e enfiou o rosto entre as mãos, com os cotovelos apoiados no joelho. - Eu fiquei tão assustado, Sirius e eu sei que isso não é sobre mim e que você provavelmente não quer me ouvir falando e falando agora, mas eu não consigo parar!

— Rem…

— Eu não sei como eu consegui ficar sem falar com você esse tempo todo, eu não sei como! Foi o pior momento da minha vida, foi foda e eu sei que você está tendo o pior momento da sua vida nesse momento e eu estou aqui divagando porque eu estou nervoso e você sabe que é o que eu faço quando eu estou nervoso…

— Remus…

— Porra, eu só fiquei com tanto medo de te perder. De te perder e você não saber a verdade, e talvez você me odeie por isso e esse não é o melhor momento, mas eu preciso que você saiba que eu te amo para caralho. Que você é a única pessoa que eu já amei na vida e que eu já tentei não amar e não consegui e não consigo. Eu sei como você se sente sobre isso, quer dizer-

— Rem. - Sirius tentou interromper pela terceira vez. - Remus, eu estou tentando dizer algo aqui! 

— Merda. Porra. Desculpa. - ele olhou para os próprios pés. 

— Esse mês e meio estava sendo o pior período da minha vida. - Sirius tentou organizar as frases na sua cabeça. - Hoje não está sendo fácil também, talvez eu precise que você repita tudo o que você me disse com essa sua boca imunda de marinheiro para eu ter certeza que eu não estava alucinando ou inventando uma nova realidade condizente com minhas maiores fantasias sob o efeito de morfina. Apesar de que em minhas maiores fantasias eu estaria em pé e saudável e não na cama de um hospital quando o garoto que eu amo me dissesse que também me ama e não me odeia como eu tava pensando no-

— O que? 

— O que o que? 

— O que você disse? - Remus se levantou da cadeira e se ajoelhou ao lado da cama de Sirius. 

— Muitas coisas. - ele mordeu o lábio e soltou quando lembrou-se do corte. - Ai. 

— Eu pensei que você me odiasse. 

— Eu pensei que você me odiasse. - Sirius acusou. - Naquele dia eu não consegui te dizer o que eu estava pensando porque eu não estava pensando, eu nunca consegui confessar em voz alta o que eu sinto de verdade e você faz parecer tão simples, tão normal ser você mesmo e não ter que se questionar, tão fácil… Fácil andar por aí e beijar idiotas como Benjy Fenwick e eu não conseguia. Eu estava com tanto medo, Rem. Tanto medo. Medo de vocês não gostarem mais de mim, medo de você achar que eu não valia a pena, medo de ir para o inferno, medo de ser expulso de casa e bem, eu estava certo nessa última parte. 

Sirius respirou fundo e secou as lágrimas que caíam. 

— Ela me disse que gente como eu jamais seria amado. - ele apertou os lábios. - Ela me fez acreditar que eu nunca teria uma família… E eu escutei na igreja o que eles falavam de pessoas como eu e como você, que nós somos indecisos… Que não existe isso de gostar de mulheres e também gostar de caras. Só existiu Adão e Eva e não-

— Adão e Evandro? - Remus sorriu triste, secando tentativamente uma lágrima do rosto de Sirius. 

— Algo assim. - Sirius sorriu. - Eu não conseguia lidar com isso… E depois você me disse que estava apaixonado por alguém e-

— Era você! Eu estava falando de você! - Remus disse exasperado.

— Eu sei disso agora, não é? - Sirius girou os olhos. - E então você estava beijando Benjy. No meu aniversário. E eu não consegui segurar minha onda, eu não conseguia olhar e eu-

— Eu não sabia. - Remus parecia devastado. - Se eu soubesse que existia qualquer chance de você gostar de mim, eu ainda acho loucura que exista essa possibilidade. Você é você sabe, e eu sou… Bem, eu. 

— Quando você me disse que estava apaixonado por alguém eu me prometi que eu nunca mais ia gostar de um cara, que eu ia ser quem eles queriam que eu fosse. - ele fechou os olhos e sorriu. - Mas todas as vezes que eu fechava os olhos eu via você e seus cabelos castanhos, e seu sorriso tortinho e pensava: como eu vou deixar de amar a pessoa mais bonita do mundo?

Remus pareceu não conseguir se segurar mais e segurou o rosto de Sirius com cuidado, encostando os lábios nos dele delicadamente. 

Sirius soube naquele instante. Mesmo que tivesse apenas dezesseis anos, que não soubesse se iria para o inferno ou para o céu, ou se isso existia, mesmo que não soubesse o que seria da sua vida agora ou se as palavras da sua mãe sairiam um dia da sua mente. 

Ele soube naquele momento que Remus era a única pessoa para ele. Fosse o destino querer que desse certo ou não, aquele seria o amor da sua vida.  

 

Father, forgive me, I tried not to do it

Turned over a new leaf, then tore right through it

Whatever you taught me, I didn't believe it

Father, you fought me, 'cause I didn't care and I still don't understand

15 de Outubro de 1979

 

O primeiro instinto foi o de querer colocar a igreja para baixo. Queimar do sino até o chão. 

 

Regulus Black estava morto aos dezoito anos. 

Walburga Black encontrou o endereço do apartamento que acabara de arranjar para dividir com Remus e de alguma forma conseguiu culpá-lo através de uma carta. Ela disse que o pecado dele amaldiçoou toda uma família, que o irmão dele morreu por sua culpa. 

Só podia ser já que, de que outra forma um garoto inocente e temente a Deus como Regulus encontraria a morte tão cedo. 

Ele queria que o mundo fosse um lugar seguro onde seu irmão não se metesse em lugares estranhos com os amigos radicais da igreja, amigos que tinham como missão espalhar toda uma merda conservadora por toda a Inglaterra. Amigos que batiam, espancavam e matavam pessoas como ele porque se achavam em algum tipo de direito divino, como uma cruzada. 

Claro, existiam lugares no Reino Unido em que era crime ser quem ele era. Mas nada doía mais do que pensar que o único Black com o qual ainda se importava tivesse opiniões tão fortes contra apenas amar alguém. 

Um dia eu tentei ter as mesmas opiniões. Um dia eu quis apenas fazer parte. 

Regulus queria apenas fazer parte. 

Em um outro universo talvez ele não fosse assim, em um outro universo ele teria respondido às cartas do irmão... Em um outro universo talvez ele fosse um herói tentando consertar toda a dor que pudesse ter causado a alguém. 

Naquele universo sobrara apenas Sirius, um galão de gasolina e um palito de fósforo.

— O Senhor me perdoe, eu tentei não fazê-lo. - ele disse entre lágrimas, despejando gasolina na igreja vazia que frequentara até a adolescência. - Virei uma nova página e depois fui lá e rasguei completamente. O que quer que você tenha me ensinado, eu não acreditei. Pai, o Senhor lutou contra mim, porque eu não ligava. E eu ainda não ligo. 

 

Espírito, Espírito que arde como fogo, vem como em Pentecostes e enche-me de novo.

 

— Sirius, apaga esse fósforo! - Remus gritou, jogando seu corpo contra o dele e jogando-o no chão. - Você enlouqueceu?

— Você não vê, Rem? Eu preciso destruir esse lugar… Antes que esse lugar termine de me destruir! 

— Não é a igreja que te faz isso. - Rem repetiu baixinho, abraçando-o, tentando acalmá-lo. - Eu não sou muito partidário de Jesus Cristo, uma vez que meu povo acredita que ele não é o messias, mas eu imagino que ele tenha sido o cara que disse "amai-vos uns aos outros, como amam a si mesmos” e qualquer coisa que as pessoas falam aí dentro é apenas a opinião delas. 

— Mas as pessoas acreditam nessa opinião. 

— As pessoas acreditam no que elas querem acreditar. - ele murmurou e beijou a testa do namorado. - Eu acredito em amor. O amor que eu acredito não vê esse tipo de barreira, só constrói e fortalece. 

— Eu acredito em você. 

No fundo ele podia escutar o barulho das mangueiras de água que James usava para dispersar o líquido combustível. 

 

Onde estava com a cabeça?

 

I hope you don't mind that I put down in words

How wonderful life is while you're in the world

24 de dezembro de 2014

 

Finalmente o mundo colocara a cabeça no lugar. 

Passaram as últimas décadas lutando contra uma doença silenciosa que matara amigos que fizeram nos anos 80 e 90, diziam que era uma doença exclusiva de pessoas que dormiam com pessoas do mesmo sexo. Tiveram que sobreviver à onda de violência que agredia os que escolhiam demonstrar qualquer forma de afeto em via pública. Ataques, julgamentos… Mentiras. 

Mas ali estavam, no mesmo ano em que aprovaram algo que não deveria nem ser um projeto de lei. 

Ali estavam, prontos para se casarem, depois de quase quarenta anos daquela primeira vez que disseram que se amavam na cama de um hospital, com as palavras de Walburga Black no fundo de sua mente. 

Sirius olhou para o homem grisalho de terno branco a sua frente. O seu rosto era menos infantil, cheio de ângulos e algumas rugas e nada daquela bochecha cheia e redonda de menino. Ele era mais alto do que quando começaram a namorar aos quinze/dezesseis. Quase tão alto quanto Sirius. 

Ele ainda era a pessoa mais bonita do mundo inteiro. 

Sirius ainda o amava como nunca amaria outra pessoa. 

Era por isso que estavam ali juntos na praia antes da cerimônia começar, aquele era seu porto seguro, sua calmaria. Era quem ajudava a aliviar toda uma dor de uma vida complicada e cheia de dúvidas no caminho. 

Era ele quem fazia a voz da sua mãe sumir da sua cabeça.

 

— Quando eu olho para trás é sempre com o sentimento de que eu estou errado, que eu sou culpado. - ele olhou para os nós dos dedos brancos de tão apertados em seu punho cerrado e com a outra mão colocou uma mecha de cabelo, daquelas que insistia em cair na frente de seus olhos, atrás da orelha. - Que o meu destino é morrer sozinho e não ser amado como Walburga sempre me gritou odiosamente. Para ela tudo o que eu faço, ou que eu fiz, querendo fazer o bem ou não, é um pecado. 

— Mas você sabe que isso não é verdade, não sabe?

— Agora eu sei. - Sirius sorriu para o homem que uma vez amara em segredo e repetiu: - Agora eu sei.

— Só agora? 

— É modo de dizer, idiota. - Sirius riu e entrelaçou os dedos aos de Remus. - São dias como esse ou os que eu acordo todos os dias com o cheiro das suas vitaminas nojentas que eu tenho certeza de que ela estava errada. Pecado seria fingir e mentir que o mundo não é melhor te amando, pecado seria não dividir minha vida inteira com você. 

Remus sorriu antes de beijá-lo pela milionésima vez, talvez bilionésima. 

— Meus votos são de merda perto do que você acabou de me dizer. - Remus fez uma careta. 

— Eu imagino que você vá chorar de qualquer jeito. - Sirius mostrou a língua. - E olha a boca, desbocado. 

 

Don't you know I'm still standing better than I ever did

Looking like a true survivor, feeling like a little kid

 

 


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Notas finais do capítulo

Hey!
Espero que você tenha gostado ♥
Tchau!



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