Phantoms escrita por Sereia de Água Doce


Capítulo 1
Capítulo Único




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Abril de 2009, Califórnia

— Mais vinte minutos pessoal. - A produtora avisou ao passar por trás da mesa em que os garotos estavam sentados.

—Não querendo ser desanimador, mas temos público para mais vinte minutos? - Bobby perguntou para ninguém em especial, preocupado com seu horário.

—Qual é, Bobby! Ânimo! Não podemos pensar desse jeito, é só nosso primeiro encontro! - Luke rapidamente defendeu a falta de fãs no ambiente, ressaltando que todo mundo começava por algum lugar.

Aquele estava sendo o primeiro meet and greet que a Sunset Curve fazia em uma loja de discos famosa de Los Angeles. Tinha aproximadamente três ou quatro meses que eles tinham conseguido gravar seu primeiro álbum independente, e cerca de um mês que uma rádio local havia comprado os direitos de pelo menos três faixas, as tocando de forma recorrente. Com o pequeno sucesso, não demorou muito para que a rádio organizasse aquele meet-and-greet, com um pequeno show marcado para o Orpheum na semana seguinte.

Mas aparentemente seus fãs deveriam ter achado quente demais para irem até a loja, ao que parecia. Estavam a quase duas horas sentados naquela mesa, e apenas dez pessoas tinham passado por lá - sendo que três não tinham a menor ideia de quem eram.

—Eu só não quero me atrasar muito. Sabe como é o trânsito aqui a essa hora.

—Você vai conseguir pegar a Carrie a tempo, cara. Não se preocupa. - Alex deu um tapinha em suas costas. - Olha só, tem alguém vindo para cá!

Os quatro observaram a mulher morena vir na direção deles, de mãos dadas com uma garotinha de não mais do que cinco anos, que os encarava com os olhos completamente vidrados.

—Vamos lá, Juliezinha. Como é que se fala? - A mulher perguntou a obviamente sua filha, que parecia ter perdido a capacidade da fala.

Se contorcendo nos próprios pés, a garotinha encarou fixamente cada um deles antes de decidir abrir a boca.

—Oi, meu nome é Julie! - Tadinha, ela estava nervosa!

—Oi, Julie! - Reggie tomou a dianteira, sendo bom com crianças e já tendo olhado Carrie uma ou duas vezes enquanto Bobby ia ao banheiro ou atender ao telefone. - Eu sou o Reggie!

—Eu sei! E você é o Luke, Bobby e Alex! - Ela apontou para cada um, perdendo a timidez. - Eu escuto vocês!

—E gosta da gente? - Luke abriu um sorriso que a fez rir ainda mais, gostando da atenção.

—Muito! 

—É a nossa fã mais nova! É um prazer te receber no nosso fã-clube, Julie! Quantos anos ela tem? - Alex perguntou a mãe da garotinha, que apenas sorria para a filha.

—CINCO! - Ela respondeu por ela própria, mostrando os cinco dedinhos da mão.

—Uau, tem quase a idade da minha filha! - Bobby confessou, fazendo a mãe de Julie se assustar. - Tive a minha Carrie com quinze anos, ela tem quatro agora.

—Ah, entendo… - Mas era nítido a expressão julgadora que ela tentava esconder. - Julie, não vai mostrar para eles como você sabe cantar as músicas?

—Você sabe as nossas músicas? - Luke perguntou genuinamente animado, mudando seu tom de voz para algo infantilizado. - Mas eu só acredito ouvindo.

Sendo instigada pelo desafio, a pequena Julie imediatamente estufou o peito e começou a cantar.

 

Whatever happens

Even if I'm the last standing

I'ma stand tall

I'ma stand tall

 

—Olha só! - Reggie se animou, se juntando a ela no pequeno trecho a capella

 

Whatever happens

Even when everything's down

I'ma stand tall

I'ma stand tall

 

Luke não aguentou de empolgação e cantou os dois últimos trechos da estrofe com ela, com um sorriso gigante no rosto:

 

I gotta keep on dreaming

Cause I gotta catch that feeling

 

—Você canta muito bem, Julie! Quer ser cantora quando crescer? - Alex perguntou, ficando contente quando ela acenou freneticamente a cabeça.

—Mais alguns anos e nós te chamávamos para ser  a nossa vocalista. - Luke piscou para ela, recebendo o sorriso mais lindo do mundo.

—Quando eu crescer mais um pouco, promete que posso participar? - Ela perguntou com aquela voz fofa de criança.

—Isso vai depender da sua mãe, e se você for bem na escola e comer legumes. - Bobby acrescentou para a mãe de Julie. - Carrie odeia legumes, só assim para conseguirmos que ela faça alguma coisa.

—Sei bem como é. Você não trouxe nada para eles assinarem não, querida?

Tomando da mão da mãe o álbum deles, Julie andou em passos rápidos até a mesa, empurrando onde alcançava e vendo os garotos autografarem a capa do cd.

“Para Julie, a nossa melhor fã!

Luke    Alex

        Reggie      Bobby”

—Quer tirar uma foto com a gente? - Luke ofereceu, vendo a alma sair do corpo da garotinha de tanta felicidade.

Os quatro se levantaram e foram até em frente a mesa, com Luke a pegando no colo para que ficasse melhor a foto. Completamente encantada de estar com seus ídolos, a pequena Julie quase começou a chorar, sentindo seus olhinhos serem enxutos por um Reggie sorridente.

—Ah, não chora! Você ainda vai ver muito a gente por aí.

Depois da partida de Julie com a mãe, não demorou muito para o horário dos garotos terminar. Tinha sido bastante promissor aquele dia, afinal!

—Nós vemos que estamos no caminho certo quando até uma criança é nossa fá. - Luke apontou. - A Carrie também escuta nossas músicas, Bobby?

—Até escuta, mas ainda não consegue cantá-las muito bem. Ela acabou de fazer quatro, Luke! 

—Dá tempo de você ir comer com a gente?

—Se eu me atrasar mais quinze minutos, a avó dela me mata! Minha namorada ainda está no trabalho, então se ela precisar ficar de babá mais alguns minutos vou ser obrigado a ouvir todo o sermão sobre ter sido irresponsável quatro anos atrás.

—É melhor não demorar mais então. Dá um abraço nela pela gente! - Reggie desejou, colocando a jaqueta dele e seguindo os outros dois. - O que vamos comer?

—Conheço um cara que vende um dogão muito bom aqui perto. - Luke tinha dito, infortunadamente decretando o fim da existência deles.

Ora, o que se podia esperar de um cachorro quente feito na mala e motor de um carro velho?! Uma simples dor de barriga que não seria! Bem, ao menos foi isso que Alex julgou ser quando aquelas malditas cólicas atingiram o seu estômago, junto da leve falta de ar pelas pontadas agudas. Não deveria nem ter uma hora e meia que tinham comido e decidido caminhar pela praia quando tudo começou. Luke sentia suas pálpebras pesadas, muita vertigem e dor de cabeça, enquanto Reginald fazia das tripas coração para não colocar o conteúdo do seu estômago para fora como ele tanto queria. Os três garotos não tinham a menor condição de irem para casa, e quando cederam às dores, não conseguiam parar de gritar. Uma ambulância foi chamada para eles, mas tinha sido tarde demais para Alex, que teve uma parada cardíaca no caminho do hospital, não aguentando as fortes dores. Reggie e Luke tinham sido transferidos para a UTI, cabendo ao guitarrista tentar falar o que tinha acontecido, apenas para entrar em pânico quando percebeu que sua capacidade de fala estava mais do que comprometida.

Luke tinha sobrevivido por quase uma semana, apenas para ver seu baixista também sucumbir ao botulismo e falecer ao seu lado. Ele sabia que precisava ser forte, muito forte - já que o nível de contágio nos organismos deles eram alarmantes (também pudera, cozinha no motor e porta malas de um carro!). Tanto os médicos como seus pais pediam que ele aguentasse mais um pouco, e apesar dele estar semi consciente durante todo aquele período, ter escutado que certamente teria sequelas da doença e que provavelmente nunca mais poderia cantar em sua vida pelas complicações em sua língua e fala o fizeram desistir de tudo. Sua vida era música e se não poderia continuar com ela, para que continuar tentando? Seus melhores amigos já tinham partido por culpa de uma ideia estúpida dele, seria injusto que ele continuasse a viver quando Reggie e Alex não podiam.

Foi em uma visita de Bobby que o monitor cardíaco começou a gritar desesperadamente, indicando que Luke também havia se desprendido. 

—___________________

 -Meu pai quer vender a casa, ele acha que as lembranças da minha mãe não estão me fazendo nada bem. - Julie comentou comedida durante o almoço.

—Eu não tenho muitas lembranças do meu pai, mas acredito que eu tenha sido bastante dolorosa para minha mãe quando nasci. - Flynn comentou em uma falha tentativa de ajudar Julie. - Mas não acho que seja a mesma coisa ou que eu consiga te entender agora.

Flynn não tinha um pai, Willie tinha sofrido um acidente alguns meses antes dela nascer - mais especificamente quando iria descobrir que seria pai. Por ela nunca ter sabido a dor de perder um parente, não conseguia ajudar muito a amiga nesse quesito, apenas na falta que sentia dele.

—Não sei se quero sair de lá, mas não sei se vou conseguir melhorar com todas aquelas lembranças.

—Porque você não vai até a edícula da sua mãe e tenta conversar com ela? Pode parecer bobagem, mas acho que meditar pode te fazer melhor um pouco. Além do que, a sua última chance na aula de música está chegando e não queremos que você perca a vaga, não é?

Julie Molina sabia daquilo, como também sabia que não conseguiria tocar. Mas não faria mal a ninguém tentar, não é?

Assim que chegou da escola, Julie seguiu direto para a edícula, trancando-se lá dentro apenas com seu silêncio e suas lembranças. Ela ficou um bom tempo apenas absorvendo a energia do ambiente para enfim começar a tentar algum contato, pedido de ajuda, esclarecimento ou apenas uma calmaria depois da tempestade. Ela chorou, chorou e chorou, e um pouco antes de se sentir abalada emocionalmente, escutou um barulho vindo de uma das caixas que estavam no segundo andar. Não tinha como animais terem entrado no ambiente, então como…? Deixando de lado as suas dúvidas, ela subiu as escadas e olhou para a caixa barulhenta, notando como ela havia virado subitamente, assim como o pobre cd no chão.

—Sunset Curve…. - Julie leu, não tendo ideia do que significava. - Se ao menos eu conseguisse ler o que está autografado…

Desistindo de descriptografar aquela letra horrorosa, Julie desceu e colocou o CD em seu rádio, não reconhecendo a melodia agitada antes que microfonia e chiados tomassem conta dos altos falantes, com três figuras altas aparecendo subitamente em sua frente.

—AAAHHH!!!

—AAAAH!!!!

Aquilo era ilógico demais! Fantasmas! Três fantasmas músicos e folgados que se sentiam no direito de perambular pela casa E quarto dela, quando bem entendessem! A propósito, o que eles estavam fazendo lá mesmo? Ela tinha pedido para a sua mãe um sinal que estava tudo bem, não três caras implicantes  e sem noção de espaço pesso… O que Reggie estava fazendo falando com seu pai mesmo?!

Ela não podia, muito menos queria se preocupar com aqueles três. Tinha coisas muito mais importantes para pensar, como por exemplo como faria para fugir mais uma vez do seu teste de piano na aula de música, ou sobre como Nick pediu licença para ela no corredor, ou até mesmo como….

—Ah, você gosta dele, Julie? - Luke perguntou rindo da cara dela.

—O que você está fazendo na escola, Luke!? - Julie rosnou, esquecendo-se que ninguém poderia vê-los.

—Fiquei entediado.

—E vem para a escola?!

—É que eu fiquei MUITO entediado.

Mas provavelmente o tédio do fantasma deveria ter passado antes do fracasso da aula de música dela, já que apenas teve Carrie Wilson jogando indiretas e diretas para cima dela. Garota estúpida. Julie não queria conversar depois disso, apenas voltar para a sua casa e ... gritar.

Gritar!

GRITAR!

Porque ela não conseguia superar as suas emoções e só tocar aquela droga de partitura? A droga de partitura que ela e sua mãe compuseram poucas semanas antes dela precisar ser hospitalizada e falecer. Porque….?

—Ei, quem deixou o rádio ligado? - Luke perguntou, voltando para a edícula e sendo parado por Alex.

—Shhh. Não é uma rádio, é a Julie cantando. Alguma coisa deve ter acontecido porque ela não me parece nada bem

Os três espíritos a observavam de costas, abismados pelo talento musical da garota.

 

Wake up, wake up if it's all you do

Look out, look inside of you

It's not what you lost

It's what you'll gain raising your voice in the rain

 

—Essa voz…. - Luke se perdeu em pensamentos, deixando escapar em um fio de voz. - Eu conheço essa voz… Está  diferente, mas é ela…

 

Wake up your dream and make it true

Look out, look inside of you

When you feel lost

Relight that spark, time to come out of the dark

 

—Ei, é a nossa fã pequenininha! Está mais velha, claro, mas é ela! - Reggie a reconheceu, ficando super contente de tê-la reencontrado.

—Mas ela não tinha a idade da Carrie? - Alex estranhou.

—Acho que ouvi ela chamando alguém de Carrie hoje na escola. - Luke fez uma careta. - Se passaram onze anos, não é?

 

Wake up

Mm-mm, wake up

 

E se ela pensava que cairia no choro logo em seguida, ficou contente de estar profundamente enganada e dar um grito de susto com a presença repentina atrás dela.

—Ei, Julie! A sua voz continua maravilhosa, sabia? - Reggie se adiantou, sentando-se em cima do piano.

—É, está um pouco mais madura, mas ainda é aquela voz! - Alex se empolgou, sentando-se ao lado dela no banco do piano, deixando Luke ainda estático atrás dela.

Ela era tão bonitinha e fofinha, e agora estava tão… linda. E  sua voz! Se anjos existissem, ele tinha certeza que tinha acabado de escutar um cantando.

—Continua? Pensei que tivessem saído do CD ontem. Como saberiam como é a minha voz se estavam lá?

—Você não se lembra? - Luke susssurrou. - Bem, é obvio que não, se não não estaríamos sendo tão mal recepcionados aqui.

—Me lembrar do que, exatamente?

—O CD, onde está? Acho que pode se lembrar se escutar um pouco. Não é possível que tenha esquecido nossas músicas!

Mesmo pensando que os fantasmas tinham endoidado de vez, Julie buscou o álbum e o colocou no rádio, ouvindo a primeira faixa e se surpreendendo como era familiar para ela.

—Viu só? Olha só a capa! - Reggie apontou para o objeto em suas mãos. - O que está escrito?

—Eu sinceramente não consegui entender uma só palavra desse garrancho.

—EI! MINHA LETRA NÃO É FEIA! - Luke se chateou. - Não consegue ver? Aqui ó: para Julie, nossa maior fã! 

—Eu acho muito improvável que….

—Aqui, Julie! - Alex chamou por ela do segundo andar, encarando a fotografia na caixa. - Se puder vir aqui, vai poder ver com seus próprios olhos.

Mas até que ela viu os quatro garotos de pé, sorrindo, com Luke segurando sua versão miniatura dos braços quase chorando de emoção. Ela apenas teve capacidade de olhar para cada um deles pedindo uma explicação - já que seria muito para ela se lembrar sozinha.

—Foi no nosso primeiro meet and greet. Você e sua mãe apareceram quando já estávamos quase indo embora, ela disse que você gostava de ouvir as nossas músicas e que sabia ela de cor. O Luke aqui duvidou e você começou a cantar um trechinho e uau, Julie. Como uma garotinha de cinco anos conseguia cantar tão bem daquele jeito? - Reggie explicava. - Você perguntou se poderia participar da banda quando fosse mais velha, e Bobby deu a condição de apenas se você comece legumes, já que a Carrie…

—Espera, Carrie? Bobby teve ela na adolescência, não foi? 

—Você se lembra disso? - Luke estranhou. - Também se lembra que chorou de emoção por tirar uma foto com a gente?

—O que? É claro que não! Sei disso por que um Bobby fez parte do restante da minha infância, e coincidentemente tinha uma filha chamada Carrie. Minha mãe era produtora musical e trabalhava em uma gravadora, ela me contou que ele a tinha encontrado em uma reunião da escola e pedido uma chance, e ela conseguiu para ele. Eu cresci ouvindo as músicas do Trevor Wilson, ele me ensinou o que é rock!

—Trevor… Acho que foi mais sensato realmente ter mudado de nome depois disso tudo… - Alex resumiu.

—Vocês se lembram de mais alguma coisa desse dia? - Julie tinha os olhos úmidos, louca por mais lembranças da sua mãe.

—Se nos lembramos? - Luke bufou - Foi nesse dia que morremos.

—Corrigindo, eu morri nesse dia, vocês demoraram algumas semanas. - Alex consertou.

—Como se isso fizesse grande diferença! Deveríamos ter ido comer pipoca, isso sim!

—Se você aparecer com um cachorro quente na mão, vamos fazer de tudo para que ele caia. - Reggie avisou sério para Julie, que apenas fingiu entender.

Foi somente quando Julie se deitou em sua cama naquela noite que ela compreendeu um pouco do que aconteceu. Ela tinha pedido a sua mãe por um sinal de que estava tudo bem, que ela ficaria bem naquela casa e não fosse sufocada por lembranças e ela tinha recebido os meninos de volta - meninos estes de quem ela sequer se lembrava que era fã. Aquela caixa não tinha como cair sozinha, algo a tinha derrubado para chamar a sua atenção. Talvez fosse demais, mas ela gostaria muito de acreditar que sua mãe os tinha enviado para que ela não ficasse tão sozinha.

Ela tinha dado uma lembrança boa a Julie uma vez com o meet and greet, e agora dava mais uma os colocando mais uma vez em seu caminho.

Ela não tinha palavras para agradecer. Ela não queria mudar de casa. Só queria sua mãe de volta e se isso significava ter a presença constante daqueles três adolescentes, ela aceitava de bom grado.

Menos se Luke continuasse a tentar abrir a sua geladeira, aquilo era demais.

 


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