Glass Humans escrita por Douglastks52


Capítulo 22
Vermelho Puce


Notas iniciais do capítulo

Tons de vermelho que conduzem a trama! Bem-vindos ao último arco! Como prometido, a partir de agora haverá uma publicação na quarta e outra no domingo! Espero que aproveitem a aventura!



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Andrew termina de escrever a sua resposta e percebe que terminou o teste. Todas as experiências que teve nos últimos meses fizeram a sua visão de si mesmo mudar bastante. Ele sentia-se mais confiante e hesitava menos, lidar com situações estressantes parecia ser algo mais fácil. Ele caminha para fora da sala e começa a ouvir a conversa entre dois alunos da sua turma: 

—Naquela última pergunta, o teste pedia para calcular a força resultante, o que você escreveu? -Pergunta um rapaz loiro. 

—Não sei, não tive tempo de responder essa. -Responde o outro jovem. 

—Eles te davam a velocidade num ponto e em outro ponto, certo? -Diz Andrew se aproximando. -Era só você calcular a aceleração a partir disso e depois multiplicar pela massa do corpo. 

—Ah, isso faz sentido… -Responde o loiro pensando um pouco. -Calma, qual é o teu nome? 

—É Andrew. -Responde ele. -Se você olhar as páginas noventa até noventa e cinco do livro, eles explicam isso com alguns exemplos. 

—Bom saber que existe alguém que entende isso na nossa turma, meu nome é Rogério, prazer em te conhecer, Andrew. 

Andrew estende a sua mão e os dois se cumprimentam: 

—Prazer em te conhecer também, Rogério. Se vocês precisarem de ajuda podem falar comigo. -Diz Andrew enquanto acena e se afasta. 

—Ele é da nossa turma? -Pergunta o outro rapaz. 

—Sim, lembro de ver ele algumas vezes, mas ele não parecia ser uma pessoa muito social, apesar que a impressão que ele passou agora foi diferente. 

—De qualquer forma, toda a ajuda é bem-vinda. 

Andrew segue a sua caminhada pelo corredor enquanto percebe o quão fácil e natural aquela interação tinha sido. Ele não sabia há quanto tempo se sentia daquela forma, mas alguma coisa tinha definitivamente mudado nestes últimos meses. A sua mente começa a divagar do assunto, mas algo não saía da sua cabeça: 

—O que aconteceu com Charlote? 

Ela não apareceu na escola na sexta, o que poderia ser considerado normal já que Charlote não era a aluna mais assídua de sempre. Mas hoje já era quarta e Andrew ainda não tinha a visto: 

—Talvez ela veio à escola, mas simplesmente não nos encontramos. 

Mas isso parecia improvável. Na última conversa que tiveram, Andrew e Charlote combinaram de se encontrar em breve para terminar o assunto. Se Charlote tivesse vindo à escola, ela teria procurado por Andrew: 

—E ainda por cima estamos numa semana de testes, não acho que ela faltaria sem nenhum motivo depois de ter estudado tanto. 

Curioso e preocupado, Andrew decide visitar a casa de Charlote após as aulas. Ele chega lá usando transportes públicos e toca a campainha. Passados alguns segundos sem resposta, Andrew volta a tocar. Ainda sem uma reação, ele pula o portão com bastante dificuldade e caminha até a porta da casa de Charlote: 

—Boa tarde, tem alguém em casa? -Pergunta ele batendo na porta. 

—Você é bastante insistente para um entregador, como conseguiu passar o portão? -Pergunta a voz do outro lado. 

—Charlote, sou eu, Andrew, o que está acontecendo? 

Ela demora alguns segundos a responder: 

—Nada, vai embora. 

—Eu não vou embora enquanto você não explicar o que está acontecendo. 

—Então você vai morrer aí do lado de fora. 

—Charlote, se você não abrir a porta, eu vou abri-la na força. 

—Com os teus braços de menina, Andrew? Por favor... 

—Se você tem energia para ficar fazendo piadas, devia abrir a porta. 

—Já disse para ir embora, não preciso de você aqui. 

Andrew não responde e começa andar à volta da casa para ver se encontra outra forma de pelo menos ver o rosto de Charlote. Ele avista uma janela aberta e aproxima-se dela. A janela está um pouco acima do chão, mas não é impossível alcançá-la. Antes que ele tenha a chance de dizer algo, Charlote fecha a janela por dentro: 

—Já disse para você ir embora! 

Ele suspira e continua a procurar por outra abertura, mas Charlote é mais rápida e impede que isso aconteça. Sem outras opções, Andrew senta-se à frente da porta de entrada e decide esperar. Várias horas se passam e o sol começa lentamente a desaparecer. Charlote abre a porta por curiosidade e vê Andrew deitado no chão: 

—Você é tão estúpido, porque não foi embora? 

—Estou preocupado, não podia ir embora sem saber como você está. 

—Eu estou bem, pronto, você pode ir embora agora. 

—Eu tenho um pouco de fome, não comi nada desde o almoço, você não podia me dar algo para comer? -Diz ele tentando arranjar uma forma de falar melhor com Charlote. 

Ela suspira: 

—Tudo bem, mas depois você vai embora. 

Ele levanta-se e caminha com Charlote para dentro da casa. O interior está desarrumado, sujo e cheira a tabaco, o que era muito diferente do ambiente habitual daquele lugar: 

—Onde está a tua mãe? 

—No trabalho, ela só deve chegar mais tarde. 

—Você está mentindo, não está? -Pergunta Andrew. 

A voz de Charlote treme: 

—Claro que não. 

—Você não fumaria dentro de casa se a tua mãe estivesse quase a voltar do trabalho. Onde a tua mãe está? 

—Pare de fazer perguntas! Eu só te trouxe aqui para te dar comida. 

Charlote abre a geladeira e tira fiambre e queijo. Ela abre o armário, pega um saco de pão e coloca em cima da mesa da cozinha: 

—Pronto, coma o quanto quiser.  

Andrew observa o rosto de Charlote com mais calma e percebe o quão cansada a sua expressão facial parece. Ele prepara dois sanduíches e entrega um para Charlote: 

—Você tem comido? 

—Não tenho fome, obrigada. 

Ele come com pressa e caminha na direção de Charlote: 

—O que foi? -Pergunta ela. 

—É importante então queria te olhar nos olhos para dizer isso. 

—Se for aquilo que combinamos de conversar não quero saber, não me importo mais. 

—É aquilo, mas também é outra coisa. -Responde Andrew. -Eu não sei como você me vê, mas eu te vejo como alguém importante. Eu não sei pelo o que você passou até agora, mas eu quero te ajudar. Só que eu não posso fazer nada se você não quiser a minha ajuda. Charlote, por favor, não minta para mim, o que está acontecendo? 

Ela encara-o com ceticismo nos seus olhos: 

—Andrew, eu vivi a minha vida inteira sozinha até agora, a única pessoa que esteve ao meu lado foi a minha mãe e nem ela sabe da maioria dos meus problemas! O que você acha que a tua ajuda vale nessa altura do campeonato? 

Andrew sabe que Charlote está certa, mesmo que ele quisesse ajudá-la, o que ele podia realmente fazer? O que ele podia mudar? Ele demora alguns segundos a responder: 

—Não sei…talvez nada mesmo… 

—Então porque você está aqui? -Pergunta Charlote num tom agressivo. 

—E o que é suposto eu fazer então? Ir embora e te deixar aqui sozinha? Quando você claramente não está bem? Eu não posso fazer isso! Se você não quer a minha ajuda, tudo bem, me diga de quem você precisa de ajuda e eu vou buscar essa pessoa para você. 

—Eu não preciso da ajuda de ninguém, Andrew. Falar com outras pessoas não vai me ajudar. Eu sei o que é melhor para mim e eu posso resolver os meus problemas sozinha. Se eu precisasse da ajuda de alguém para estar viva, eu teria morrido muitos anos atrás. Vá embora, Andrew. 

—Porque você é tão teimosa? Se você conseguisse resolver os teus problemas sozinha, você não estaria trancada aqui dentro da tua casa até agora. Como você não entende isso?  

—Andrew, você não vai conseguir resolver os meus problemas. 

—Eu não quero resolver os teus problemas. 

—Então o que você quer? -Grita Charlote. -Eu estou cansada desse tipo de coisa, porque eu deveria me expor a você? Mostrar fraqueza só para você não entender e ir embora? Estou cansada de me machucar por motivo nenhum. 

—Eu não vou embora, eu posso não te entender, mas eu vou fazer o meu melhor para te ajudar. Independentemente do que aconteceu, eu não vou te julgar, eu não vou te criticar, eu vou continuar do teu lado. 

Os olhos de Charlote começam a lacrimejar e formar palavras torna-se difícil: 

—Porque…você está sendo tão insistente…É muito mais fácil para você ir embora e me deixar aqui sozinha…porque você continua tentando? 

—Eu já te disse: eu quero apenas o teu bem. 

—Eu não sei, Andrew…não consigo confiar em você de um momento para o outro. 

—Está tudo bem, não precisa ser agora, temos tempo. 

Charlote limpa as suas lágrimas enquanto Andrew observa-a. As pessoas sofrem, isso é o normal. Mas mesmo sabendo que é hipócrita questionar a infelicidade de uma única pessoa, Andrew não consegue entender porque alguém como Charlote tinha de sofrer. O mundo parecia injusto e insensato. Não haviam palavras que traduzissem as suas emoções. Como ele poderia dizer a Charlote que tudo daria certo quando ele nem mesmo entendia a sua situação? Como ele poderia dizer que há esperança sem parecer insensível?  

—Eu posso te abraçar? -Pergunta ele tentando expressar as suas intenções. 

Charlote sorri: 

—Como você consegue pensar em si mesmo nesse momento? 

Ele abana os seus braços enquanto tenta se justificar: 

—Desculpa…não era isso que eu queria dizer… 

—Eu estava brincando. -Ri ela com os seus olhos ainda um pouco vermelhos. -Você pode sim. 

—Você faz piadas em momentos bastante inapropriados… -Responde Andrew tentando se recuperar do susto. 

Ele mantém a intenção de aproximar-se na sua mente, mas não sabe como prosseguir. Andrew hesita um pouco enquanto observa Charlote e em seguida move o seu corpo para frente. Os seus braços lentamente circulam o corpo dela e ele consegue sentir o seu calor no seu peito. Charlote ri enquanto coloca os seus braços a volta de Andrew: 

—Viu, não era tão difícil. 

—Eu estava imaginando vários cenários na minha cabeça onde isso dava errado… 

—Tipo como? 

—Sei lá, eu te abraçava com muita força e te impedia de respirar. 

—Está tudo bem, não acho que você tenha força pra isso. -Sorri Charlote. 

—Obrigado…? 

Os dois permanecem de pé naquela posição durante alguns minutos até que Charlote afasta o seu rosto do ombros de Andrew: 

—Porque você está fazendo isso por mim? 

—É difícil de explicar, mas eu sinto que você me ajudou a reencontrar o rumo da minha vida. Depois que o meu irmão morreu eu estava bastante perdido. Eu tinha perdido a pessoa que me aconselhava, minha relação com os meus pais estava pior e eu tinha falhado uma disciplina na escola. Estava sendo o pior verão da minha vida. Eu decidi arranjar um trabalho como uma forma de gastar o meu tempo livre e foi assim que eu te conheci. Você sempre chamou a minha atenção. Você era uma pessoa carismática, divertida e alegre. Quando eu estava com você eu esquecia dos meus problemas então eu acho que no começo eu só gostava da tua presença. Mas aí eu comecei a perceber que havia muito mais do que apenas isso. Você conseguia ser aquela pessoa mesmo que estivesse lidando com várias outras coisas na tua vida. Acho que foi aí que eu comecei a te admirar. Eu queria ser como você, ter a tua força de vontade e determinação. Por causa disso eu comecei a trabalhar em mim mesmo. A tentar mudar. Enfrentar os meus problemas de cabeça erguida, algo desse gênero. Desculpa, acabei falando demais. 

Ela ri um pouco desajeitada: 

—Não entendo como você consegue me admirar.  

—Eu fui despedido nas primeiras quatro horas de trabalho do meu primeiro emprego e depois tive que dormir durante quatorze horas para recuperar. Você vai e volta do trabalho de bicicleta, trabalha melhor do que alguns adultos, ajuda a tua mãe a cuidar da tua casa, estuda e ainda tem motivação para ficar fazendo piadas. Eu não conseguiria fazer metade do que você faz. 

—É só uma questão de necessidade, eu não faria tudo isso se não tivesse que fazer. 

—Ninguém te obriga a tentar alegrar as pessoas à tua volta, você faz isso porque quer. 

—Mas- 

—Você disse que ia concordar com tudo o que eu dissesse sobre você, lembra? 

—Não...lembro de dizer isso... 

—Você lembra sim, não minta. 

Charlote desvia o seu olhar: 

—Não sei do que você está falando... 

—Tudo bem, vou fingir que esqueci também. Eu já disse tudo o que tinha de dizer, mas não acho uma boa ideia te deixar sozinha… -Diz Andrew pensando numa solução. -Eu podia dormir aqui. 

—Os teus pais vão deixar? 

—Eu invento uma desculpa qualquer para eles. 

—Eu não quero te causar problemas... 

—Está tudo bem, eu estou fazendo isso porque quero. 

Charlote pensa um pouco sobre a situação. Apesar de não querer confiar em Andrew, tudo o que ela precisava naquele momento era companhia: 

—Tudo bem…obrigada… 

—De nada. 

Ela afasta-se dos braços de Andrew: 

—Eu acho que vou tomar banho. 

—Tudo bem, vou esperar por você aqui na sala. 

Charlote caminha até o seu quarto para buscar roupas limpas enquanto Andrew senta-se no sofá. Ele entende que algo aconteceu com Nora, mas não consegue deduzir exatamente o quê. De qualquer forma, permanecer ao lado de Charlote era definitivamente a opção correta. Ela retorna vários minutos mais tarde e senta-se ao lado de Andrew: 

—Você quer assistir um filme? -Pergunta ele. 

—Não quero fazer nada, apenas estar aqui. -Responde ela apoiando a sua cabeça no ombro de Andrew. 

Ele coloca o seu braço a volta dela percebendo que talvez fosse o momento apropriado: 

—Tudo bem. 

Os dois permanecem ali sentados durante algumas horas. Pensamentos negativos invadem a cabeça de Charlote em alguns momentos, mas mesmo naquela situação, ela faz o seu melhor para evitar mostrar fraqueza: 

—Estou ficando com sono. 

—Você quer ir dormir? -Pergunta Andrew. 

—Sim, acho que vou para o meu quarto. 

—Tudo bem, eu vou dormir aqui na sala então. 

Charlote encara-o: 

—Você não quer dormir comigo? 

—Se isso for o que você quer… 

—Não me faça dizer isso diretamente... 

—Tudo bem, sim, eu quero dormir contigo. 

—Agora parece que você está sendo forçado a fazer isso... 

—Por favor, me deixe dormir contigo. 

Charlote sorri um pouco: 

—Tudo bem. 

Os dois caminham até o quarto de Charlote e deitam-se na cama virados um para o outro. Andrew fecha os seus olhos e consegue ouvir a respiração de Charlote. Ela segura a mão dele para não se sentir sozinha. Charlote adormece depressa, mas Andrew mantêm-se consciente durante mais algum tempo. Ele abre os seus olhos e observa o rosto de Charlote. A sua pele branca parece tão macia que Andrew pondera tocá-la. Mesmo dormindo Charlote é cativante ao olhar: 

Ele segura com mais força a mão dela e sorri: 

—Nunca imaginei que estaria aqui... 

Aquele momento mágico é interrompido quando Charlote move bruscamente o seu joelho e acerta o estômago de Andrew. Ele faz o seu melhor para não reagir com muito barulho enquanto respira com alguma dificuldade: 

—Era bom demais para ser verdade... 


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Notas finais do capítulo

Andrew está de volta e os nossos protagonistas conseguem aproveitar uma noite juntos!



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