Segunda chance escrita por Laura Vieira, WinnieCooper


Capítulo 33
Capítulo 32




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As linhas que Catarina precisava cruzar em sua vida eram sempre desiguais, ora iam para um caminho, ora para o outro. Na maioria das vezes nunca se cruzavam, mas quando isso acontecia as coisas que já não iam bem, pareciam piorar.

Ela passou três dias entregando currículos e batendo nos mais diversos estabelecimentos comerciais pedindo emprego. Apesar de seu ótimo currículo de cursos e mais cursos na Europa, nada parecia agradar seus contratantes. Todos pareciam conhecê-la antes de se apresentar. Tudo culpa da matéria do jornalista Serafim e sua foto estampada no jornal do último domingo.

— Estou cansada Filó, cansada de receber tantos nãos sem ao menos me darem a chance de tentar.

A amiga e confidente de anos da patroa quase não a reconhecia diante de tanta tristeza que ela carregava por aqueles dias, acabava se sentindo culpada.

— A senhora sempre tão boa comigo dona Catarina, às vezes eu me sinto mal em estar aqui, empregada graças a senhora, numa casa como essa graças a senhora e a vendo sofrer tanto.

— Não se sinta culpada. - Catarina segurou na mão dela tentando fazer ela lhe entender. - Jamais se culpe por erros dessa sociedade machista em que vivemos. A culpa não é sua.

— Mas a senhora não precisa se ver obrigada a ficar nessa casa por minha causa, pode ir morar na fazenda dona Catarina. Eu e Miguel nos mudamos para uma pensão.

— Eu não estou morando aqui para lhe fazer um favor, eu preciso provar a mim mesma que sou capaz de me reerguer nesse mundo sem o apoio de homem nenhum.

Filó entortou o pescoço pensando que a entendia em partes, ao mesmo tempo pensando que ela não precisava sofrer tanto.

No quarto dia de buscas pelo emprego novo a sorte pareceu lhe sorrir. O dono de um hotel luxuoso estava precisando de uma recepcionista que falasse francês. Catarina preenchia todos os requisitos, era solteira, tinha desenvoltura na língua exigida e tinha horário disponível na hora.

— …Ótimo, se a senhorita é solteira está contratada agora! Inclusive já estou precisando dos seus serviços.

Foi com um imenso alívio e grande felicidade que ela começou a trabalhar naquele dia. Parecia que a sorte havia começado a lhe sorrir. Mas o dia seguinte tudo voltou à estaca zero. Petruchio descobriu seu novo emprego e apareceu de repente na recepção com o maior sorriso do mundo, saltitante feito um sapo.

— …O que está fazendo aqui? - ela o repreendeu olhando ao redor para ver se mais pessoas reparavam neles.

— …Mas eu fiquei sabendo que ocê tava trabalhando aqui, Clara me contou que ocê falou pra ela ontem na casa de seu pai quando foi o visitar. E se ocê tá trabalhando… já pode voltar a morar comigo na fazenda.

Catarina olhava desesperada para os lados e tinha plena certeza que a voz de Petruchio era alta demais para uma recepção de hotel tão silenciosa.

— Grande conclusão, mas agora não posso conversar com você! Vá! - começou a o empurrar para fora desesperada.

Mas Petruchio era muito mais forte e pesado que ela, não saiu do lugar.

— Não quer me ver aqui? Tá com vergonha de mim? - ele pela primeira vez reparou na mulher toda elegante, tudo parecia elegante naquele lugar, quase faiscava ouro pelas paredes, ele não se encaixava ali. Não combinava com ela tão fina para um jeca como ele.

— Não é isso… por favor Petruchio, vá embora… depois conversamos… por favor. - ela lhe pedindo por favor e ainda aos sussuros aumentou ainda mais a sua desconfiança de que não queria que ninguém o visse lá.

— Eu já entendi! - ele quase gritou. Catarina quis se esconder, mais ao longe pareceu notar o dono do hotel se aproximando. - Sou muito simples para uma dama feito a senhora!

— Não é isso! - ela automaticamente negou, não queria que ele tirasse conclusões errôneas.

— O que está acontecendo aqui? Quem é esse homem? - o dono finalmente quebrou a distância entre eles e Catarina não sabia mais o que fazer. - Conhece esse senhor?

Petruchio olhou para Catarina esperando. Ela ia mentir que não, ia falar que não o conhecia. Mas ia piorar tudo. Não queria que Petruchio ficasse mais chateado consigo.

— Conheço. - engoliu em seco respondendo.

— É minha mulher! - então Petruchio finalizou tudo do pior jeito possível. O dono do hotel olhou bravo para ela.

— Me garantiu que era solteira.

— Mas eu sou!

— Preciso de autorização de seu marido para trabalhar aqui casada!

— Não sou casada! Sou divorciada! Não preciso de autorização nenhuma para trabalhar fora! - Catarina estava ficando nervosa,

Petruchio entendendo menos ainda acrescentou:

— Ela é divorciada, mas a gente tá tentando voltar, o senhor entende, fiquei muito contente quando contratou minha mulher.

— Pois vai ficar mais contente em saber que ela está demitida.

— Não! - o dono do hotel começou a caminhar para longe de Catarina e ela começou a correr ao encalço dele lhe implorando uma segunda chance. - …Eu sei que fiz errado em mentir ao senhor que era divorciada, mas…

— Mas nada, saia do meu hotel, não é bem vista e nada bem-vinda aqui! E também não irei lhe pagar nada do que já trabalhou, só me deu dor de cabeça!

Catarina ficou tão nervosa pois a única chance de um emprego que lhe apareceu escorreu pelo ralo feito água da chuva que caía naquele momento. Petruchio não entendeu seu nervosismo é claro. Ela só sabia gritar e o culpar.

— A culpa é sua! É sua! Eu te disse para me dar um tempo de me encontrar! Eu te pedi! Mas não…! - as palavras que ela lhe gritava no meio da rua lhe doíam mais que os socos que ela lhe dava no peito.

Petruchio segurou os pulsos dela e a olhou nos olhos dizendo chateado:

— Cansei! Não vou mais atrás d'ocê.

Ela o viu ir embora com o coração partido como o seu estava no momento. É claro que não era culpa dele, eram tantos culpados, tantos menos eles dois que eram apenas vítimas.

Os dias subsequentes foram  regados de frustrações, ninguém lhe dava uma chance, via sempre a edição do jornal em cima da mesa, mesmo com seu currículo de invejar qualquer outro, ela não conseguia nada. E tinha seu pai, que piorava a cada dia mais. Bianca sempre lhe informava como a doença estava acabando com ele, passava todos os dias a noite em sua antiga casa, conversava com os filhos e via seu pai sofrendo na cama, consciente e sem forças para ao menos falar. No quinto dia seguinte de frustrações ela precisou passar na loja.

O prédio estava lá chamando sua atenção, faiscava diante das outras lojas da cidade, era um acalento, fora lá que tinha recuperado Petruchio para si. Quando entrou no aposento e viu o ex-marido sozinho trabalhando atrás do balcão, concentrado, quis o abraçar. Dizer que ela fez tudo errado, mas que era assim mesmo, uma teimosa que não queria ficar debaixo de suas asas protegida, que queria se sentir útil sem precisar de um homem em suas costas. Mas não disse e não fez nada. Esperou que ele reparasse em si desolada no canto.

— Favo de mel? - Petruchio finalmente percebeu ela no cômodo. Apesar de chateado e triste ele não conseguia não a receber com seu apelido carinhoso.

Catarina sentiu suas costas pesadas, precisou sentar na cadeira da mesa de canto. Petruchio chegou perto dela preocupado.

— Ocê tá branca feito um fantasma. - Petruchio constatou percebendo as lágrimas nos cantos dos olhos dela, olheiras profundas em suas pálpebras, como ela estava mais magra que cinco dias atrás quando a viu no hotel.

— Está tudo dando errado Petruchio. - ela não queria ser frágil, não queria se mostrar acabada na frente dele, mas não conseguia. - O que eu faço?

Petruchio a abraçou diante da voz embargada, Catarina segurou seus braços fortemente em si e o agarrou como se precisasse dele para respirar.

— Eu tô aqui. Eu tô aqui. – as mãos dele percorriam toda a extensão de suas costas, era o carinho que ela precisava e não conseguia pedir em voz alta.

— Por onde eu ando as pessoas me olham torto. - ela acariciou sua nuca enquanto ele a enlaçava cada vez mais forte.

— São todos invejosos.

— Ninguém me dá nenhuma chance de emprego, mesmo com meus milhares de cursos na Europa. - escondeu seu rosto na curvatura do pescoço dele e permaneceu lá enquanto recebia um beijo em seu ombro.

— Pois eu te contrato, agora. - Ele a puxou mais longe de si e a olhou nos olhos. - Eu preciso de alguém pra cuidar da loja enquanto as crianças tão na escola, eu tenho tanta coisa pra fazer que às vezes me atrapalho e…

Catarina o calou com um dedo em seu lábio, fez não com a cabeça.

— Obrigada, mas eu não posso.

Petruchio entortou o pescoço para o lado não entendendo.

— Não pode ou não quer?

— Aqui vai se repetir a história do hotel.

Petruchio bufou nervoso, não havia engolido toda a história do hotel, ainda remoía dentro de si tudo o que se passou naquele dia. Doía.

— Eu não consigo te entender, eu juro que eu tento, eu juro que tento não brigar, eu tento ser compreensivo e te dar espaço, mas eu não consigo entender.

— Você nunca vai me entender, você é homem! Você entra e sai dos lugares sem chamar a atenção, as pessoas são educadas com você, te respeitam, ninguém te coloca sob suspeita, ninguém te julga, eu só queria respeito, eu só queria não ser julgada. – ela tentou explicar, com a voz decidida e não mais embargada.

— Eu não entendo, a gente não é casado?

— Divorciados! Tecnicamente sou solteira! E é isso que disse ao dono do hotel, eu não quero mentir. - A rapidez com que Catarina respondeu aquela pergunta o irritou.

— Pois para mim é tudo muito simples… - Petruchio começou a lhe explicar, queria dizer que era só eles se casarem de novo e viverem como marido e mulher, mas Catarina logo o cortou

— Para você é sempre muito mais simples. A roda gira a seu favor, eu preciso me esforçar para ela girar a meu favor e não importa a força que eu faça ela nunca gira. - a voz dela estava nervosa e frustrada ao mesmo tempo, a velha Catarina revolucionária estava de volta, Petruchio sabia que não tinha voz contra aquela Catarina. - Você não precisa lutar para conseguir um emprego mediano, a maioria das mulheres solteiras trabalham quase de favor nos lugares, por vezes em segredo, todas as vezes precisando se explicar, as que trabalham fora sendo casadas precisam da autorização do marido. O quão humilhante isso é? Você não faz ideia.

Petruchio olhou para baixo cansado diante do desabafo dela.

— Eu nunca te impediria de trabalhar fora mesmo a gente casando de novo.

A voz dele saiu tão baixa e chateada que Catarina só conseguiu o acariciar no rosto.

— Eu sei… - era ela que o consolava agora. - Eu só preciso de um tempo para me encontrar. Entende agora?

Ele negou com a cabeça. Entendia que ela queria se provar sozinha, sem um homem para encurtar os caminhos difíceis que passaria.

— Eu jamais vou entender essa sua vontade de sofrer sozinha. Me dói te ver assim.

Ela o abraçou novamente, não queria mais brigar, Petruchio a enlaçou em seus braços e ficaram em silêncio assim por um bom tempo.

Foi quando Cosme, o motorista de seu pai, apareceu na porta da loja esbaforido, como se tivesse corrido uma maratona.

— Desculpa, desculpa dona Catarina e seu Petruchio…

Catarina saiu do abraço e encarou-o, previa a notícia que viria.

— Seu Batista acaba de falecer.

xx

Catarina detestava cerimônias fúnebres, lembrava-se da de sua mãe com tanta nitidez. Ela chorava abraçada ao caixão enquanto as pessoas a resgatavam dizendo que ela devia ser forte aos nove anos. Ela não queria ser forte aos nove anos. Era apenas uma menina que teve sua mãe arrancada de sua vivência brutalmente.

— Minha querida, não abrace o caixão desse jeito, é feio. – uma senhora que nunca tinha visto na vida a tirava de perto da mãe.

Queria aproveitar cada minuto em que poderia ainda ver o rosto dela. Não queria esquecer o rosto dela.

— Dona Josefa, por favor, deixe Catarina se despedir da mãe. – ouviu  a voz de Mimosa atrás de si.

— É claro que ela pode se despedir da mãe. O erro é que vocês passam muito a mão na cabeça dessas meninas. Bianca já é grandinha e pouparam ela de vir ao velório da mãe. Uma se debruça no caixão. Outra é poupada de ver a mãe morta! – Catarina  gravava cada palavra atrás de si e voltava a se debruçar perto da mãe.

— Bianca é muito nova para ter esse trauma, seu Batista achou melhor deixá-la com uma babá. – Mimosa voltou a se justificar. Enquanto dona Josefa voltava a tirar os braços de Catarina em volta da mãe.

— Veja mocinha, sua mãe era riquíssima, deve ter deixado muito dinheiro para você usufruir quando for maior, agradeça a Deus! Veja, eu preciso encaminhar minha Dinorá, que está na flor da idade, para que se case com um homem ric... digno. Por isso, seja forte, pare de achar que o mundo acabou.

No presente, as lembranças pareciam vividas em sua frente. Ela não queria ser forte aos nove anos. Ela não queria ser forte nem aos quarenta e tantos anos. E não queria que sua filha precisasse ser forte os quinze. Via Clara, debruçada no caixão do pai, chorando, aflita.

— Vovô o senhor me prometeu que ia aguentar até que eu conseguisse vender meus quadros e vestidos para fazer o tratamento nos Estados Unidos. Isso não é justo!

As pessoas em volta olhavam a cena e cochichavam:

"Que papelão… alguém tem que tirar a menina de lá".

"Já é uma moça e está fazendo escândalo desse jeito".

Catarina sentiu sua garganta fechar de dor, tudo o que viveu no passado com a morte de sua mãe voltando à tona com sua filha. Foi quando dona Josefa, que na idade que estava parecia mais um dinossauro, segurou as mãos de Clara tentando tirar ela de cima de seu pai:

— Querida, você já é uma mocinha, não fica bem chorar desse jeito em cima do caixão do seu avô. Nem parece que vai receber uma herança gorda.

Não ia ficar calada diante da cena.

— Tire as mãos de minha filha! Ela chora o tanto que ela quiser sob o corpo de meu pai! - puxou Clara para si, que abraçou a mãe sem entender o que estava acontecendo.

— Catarina tente se controlar. - Bianca pediu aos sussuros vendo várias pessoas reparando na cena.

— Não vou me controlar, cansei de me controlar! Não quero esse bando de abutre vindo fofocar no velório de papai!

— Somos amigos da família Catarina, anos e anos se passaram. Queremos só nos despedir de seu pai. Cornélio era um grande amigo de seu pai - foi Dinorá que apareceu ao lado da mãe, acompanhada do marido.

— Eu sinto muito Catarina, é realmente uma tristeza ver o fim de um grande amigo meu de anos.

— Minhas condolências a você também Cornélio, sei que você e papai eram grandes amigos.

Cornélio agradeceu reparando em Clara que observava tudo ainda abraçada a mãe.

— Fico feliz em saber que está com sua família reunida novamente.

— Não fazia ideia que tinha uma filha escondida na Europa com você. - Dinorá comentou.

Fazia tantos anos que não via Dinorá, a raiva que sentia dela e de toda sua traição com sua família só aumentou seu ódio.

— Mesmo assim se acham no direito de ditar o que Clara deve ou não fazer.

— Mas eu não disse nada. - Josefa tentou se defender.

— Mamãe está de idade Catarina, não controla mais o que fala. - Dinorá tentou se justificar.

— É claro. Só saiam de perto de minha filha. Eu sei educar ela, não quero ninguém falando o que ela pode ou não pode fazer no velório de meu pai!

Petruchio apareceu ao lado, cumprimentou brevemente seu tio e  sussurrou no ouvido da ex-mulher. 

— Catarina venha aqui. Venha. - pediu segurando as mãos dela.

Catarina obedeceu ainda com Clara agarrada a si. Não queria deixar a filha.

— …Eu também não suporto as duas víboras, mas aqui não é hora… - explicava como se fosse para uma criança.

— Eu não suporto elas se metendo na vida de Clara, não depois do que fizeram comigo, com Bianca e com você. Eu não quero elas perto da Clara.

A filha olhou para a mãe transtornada, nunca tinha visto ela daquele jeito.

— Mãe, está tudo bem. Calma. - Júnior se aproximou da mãe preocupado.

— Eu não quero elas perto de você também. - ela puxou Júnior pela mão tentando o abraçar com o braço direito enquanto ainda prendia Clara em seu braço esquerdo. Quase uma galinha com os pintinhos debaixo das asas.

Petruchio passou todo o resto do velório observando ela, que não desgrudou dos filhos um segundo, cada pessoa que cumprimentava ela, permanecia com ambos segurando as mãos e pronta pra jogar um vaso se fizessem qualquer tipo de comentário maldoso.

Catarina rugiu quando viu Dalva chegar com o marido em seu encalço:

— Eu juro que se esse jornalistazinho aparecer com alguma câmera fotográfica, tentando tirar qualquer tipo de fotografia, eu a quebro em pedacinhos.

— Mas aí eu é que te ajudo! - Petruchio fez coro.

Eram tantos mexeriqueiros, pessoas que passaram pela vida de seu pai só querendo seu dinheiro o observando agora no caixão: O ex-prefeito Teodoro e Kiki, Heitor, alguns colegas de banco. Antigos amigos seus que nunca mais tinha visto: Bárbara e Lurdes, Celso. Ela sentia seu estômago embrulhar, odiava cada vez mais cada um que aparecia e lhe prestava condolências.

— Eu sinto muito dona Catarina. - Até Januário apareceu com Lindinha.

Catarina aceitou as mãos do antigo empregado da fazenda, mas quando ela tentou a cumprimentar, Catarina pegou os filhos e os arrastou para longe.

Parecia a cerimônia fúnebre mais longa de sua vida. Odiava ter que se "comportar" diante de tantas cenas e pessoas. Lembrava-se de seu pai vivo, no auge de sua juventude, desesperado para a casar sempre lhe falando: "Não arme escândalos Catarina, por favor, vai atacar minha gastrite". Ela não ia armar escândalos no velório dele, lhe devia isso.

Antes do caixão fechar, com os filhos ainda debaixo de seus braços, disse isso a ele com os olhos cheios d'água:

— Saiba que só não armei um escândalo, porque não queria atacar sua gastrite. Fiz sua vontade, pelo menos hoje.

Durante o enterro ela finalmente desabou em lágrimas. O filho a abraçou a consolando, Clara fugiu de seus dedos. Catarina a olhou preocupada.

— Eu só preciso respirar um pouco. - disse a mãe saindo de perto do amontoado de pessoas observando o caixão sendo abaixado e o padre rezando em volta com todos fazendo coro.

— C-clara. - ela então ouviu a voz que fazia tanto tempo que não ouvia. Seu coração saltou do peito quando ele completou sem gaguejar. - Eu sinto muito pelo seu avô, sei o quanto era apegada nele.

O ex-melhor parecia tão diferente. Clara sabia que as condolências de Miguel eram verdadeiras, mas não conseguiu lhe responder nada, não conseguia pensar no que lhe falar e nem como agir perto dele.

Miguel começou a erguer os braços no ar em sinal de que pretendia a abraçar, foi então que Clara não pensou duas vezes e se jogou nos braços dele o abraçando fortemente e chorando, sem vergonha nenhuma pela primeira vez durante todo aquele dia difícil e triste.

— …Eu amava tanto meu avô… de verdade, não era por causa das mesadas e nem dos vestidos que ele me dava.

— Eu sei.

— Eu sei que já fui muito interesseira, mas ele foi um pai pra mim, durante tanto tempo.

— Eu sei.

Clara se justificava ao melhor amigo enquanto ele passava suas mãos por suas costas tentando a consolar, sentia as lágrimas quentes dela caírem em sua camisa. Lembrou-se do quadro que ela havia lhe feito com o último momento em que a abraçou e sentiu as lágrimas dela em si.

— Obrigado pelo presente, eu recebi seu quadro.

Clara ficou estática, não chorava mais e nem o apertava mais no abraço. Não sabia que ele havia recebido seu quadro. Não sabia o que dizer.

— Eu pendurei ele no meu quarto. Ficou tão bom, acho que podia investir nisso.

Era tão estranho ouvi-lo falar sem gaguejar, parecia outro Miguel, um Miguel mais maduro, um Miguel mais confiante. Um Miguel que ainda não conhecia direito.

— Eu ia tentar vender alguns para que meu avô fizesse o tratamento nos Estados Unidos, mas não deu tempo. - ela comentou saindo do abraço dele e limpando suas lágrimas com a manga de sua blusa. - Acha mesmo que levo jeito?

— Acho sim.

Clara ficou o encarando alguns segundos, tentando decifrar seu olhar que se mantinha nela. Queria lhe dizer que sentia sua falta. Todos os dias. Queria lhe dizer que agora sua melhor amiga era uma galinha, que ela se sentia tão sozinha. Mas não conseguiu. Elisa parou ao lado e disse:

— Eu sinto muito pelo seu avô Clara.

Clara virou seu rosto para ela, devia estar em algum lugar observando os dois o tempo tempo, aparecendo ao lado só quando achou conveniente. Ela sabia que havia perdido aquela batalha mais uma vez, não ia recuperar seu melhor amigo com um quadro.

— Obrigada. - se limitou a responder cumprimentando ela com um aperto de mão, mesmo Elisa tendo inclinado o corpo num abraço rápido.

Clara saiu andando de perto deles devagar. Tudo estava lhe sufocando. O mundo parecia a esmagar.

Foi caminhando devagar para longe do enterro, longe de Miguel, longe de tudo. Só queria respirar. Não aguentava mais tudo aquilo. Compreendia a mãe por ter ficado em cima de si e do irmão tentando proteger de todas aquelas pessoas curiosas que nem ao menos visitaram o avô doente a agora faziam questão de o assistir sendo enterrado.

Sentou-se na beira de uma árvore, a alguns metros do amontoado de gente, quando uma mulher parou ao seu lado.

— Olá, deve ser Clara Batista. - ela sorriu para Clara.

A jovem revirou os olhos, não tinha paz em nenhum momento, não podia nem chorar sozinha sem interrupções.

— Clara Batista Petruchio. - fez questão de colocar o sobrenome do pai em seu nome.

— É claro. - a mulher pigarreou. - Está melhor?

Clara estreitou os olhos para ela, não queria responder, não queria conhecer nenhum outro parente ou parte do passado de seu avô que só viera naquele velório pela curiosidade.

— Quem é você?

— Eu era uma amiga de seu avô do passado. Observei que você o amava muito, estava cuidando dele nesses últimos dias? Ouvi que falava de um tratamento para ele nos Estados Unidos. - a voz dela era suave, não parecia maldosa como as outras vozes de todas as outras pessoas que havia cruzado naquele dia.

— Se conhecia meu avô, sabe que ele era muito avarento.

— Ah sim. - ela deu uma gargalhada. - Seu avô detestava gastar dinheiro à toa.

— Eu estava tentando vender uns quadros que pinto, uns vestidos, para conseguir algum dinheiro e levar ele, nem que fosse arrastado, para tentar algo novo por lá. Infelizmente não deu tempo. - ela explicou.

— A ouvi falar mesmo sobre uns quadros. Já os vendeu?

Clara olhou para ela intrigada.

— Sou colecionadora, e muito rica, faço coleções de esculturas, de quadros, quero montar um mini museu em casa. As pessoas gostam de gastar com vestidos luxuosos, eu prefiro arte. Fiquei interessada em conhecer como seriam seus quadros.

— Eu não tenho nenhum aqui comigo agora. Mas gostaria de lhe mostrar. - Talvez nem tudo estivesse perdido e ela poderia começar a ganhar dinheiro por si própria afinal.

— Que bom. - ela sorriu pegando um papel e uma caneta em sua bolsa. - Estou há alguns dias hospedada num hotel em São Paulo, moro na França, vim fazer uma visita a meu pai. Por um acaso soube do falecimento de seu avô e vim prestar minhas condolências.

Clara concordou com a cabeça vendo ela escrever muito rápido.

— É só ligar nesse número e procurar por Muriel Durand.

Clara pegou o papel da mão dela um pouco desconfiada.

— Só não demore muito pois partirei do Brasil em breve, não suporto ficar aqui, muito quente.

Clara concordou com a cabeça um pouco desconfiada.

— Eu não mordo, eu prometo. Aposto que a filha de Catarina e Petruchio sabe fazer negociações sozinha. Se quer investir em você, é bom começar, já tem quantos anos?

— Quinze.

— Ah meus quinze anos. Uma moça, não é? - Marcela apertou as bochechas de Clara com seus dedos. - Dê um tempo, junte os quadros que têm e me ligue. Só quero te ajudar.

Clara concordou com a cabeça vendo ela se levantar de perto de si.

— Agora preciso ir. Foi bom te conhecer.

Clara não se despediu dela, o papel com o número de telefone grudado em sua mão, mil questionamentos passando por sua cabeça, ela o dobrou e guardou dentro do bolso de seu casaquinho. Pensaria o que fazer com aquilo mais tarde.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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