Dez Mil Metros - Bônus escrita por Samyy


Capítulo 1
Antes tarde que mais tarde ainda


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas, este é o capítulo final/bônus de Dez Mil Metros. Precisei postar como nova história porque marquei a outra como concluída e não tem como postar novos capítulos depois disso.

Caso ainda não tenha lido, confira aqui o início da história: https://fanfiction.com.br/historia/799726/Dez_Mil_Metros/



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Eu não me surpreenderia se esse fosse mais um de meus sonhos, é assim que a maioria deles começavam ultimamente. Seu cheiro ficou mais do que registrado em minha memória, parece que encontrou um jeito de invadir meu subconsciente e me dominar de todas as formas.

Eu sei, eu sei, já falei muito do cheiro dela, mas cheiros, em geral, são algo marcante, pelo menos para mim. Quando mais novo fiquei um mês sem comer ovos porque quebrei um podre e sabe, ovos podres são... podres, em todos os sentidos. Também, por alguma razão, cheiro de mingau me lembra minha mãe, quem sabe por conta de sua obsessão em nos alimentar com isso. Enfim...

Abro os olhos lentamente, torcendo para não ser mais um de meus sonhos distorcidos e esquisitos (eu tenho muitos deles). E felizmente, não é mesmo. Quando foco a visão estou mais um pouco rodeado de Hermione, embora ela não esteja à vista. É impossível conter o sorriso que surge em meus lábios, eu estou feliz pra caralho!

Até ontem achei que nunca mais veria a moça que roubou completamente minha atenção no avião. Enquanto eu a via partir, meses atrás, me culpei por não ter pego seu número também. Minha intenção era deixar a decisão com ela, mas minha vontade era de ligar assim que nos despedimos.

É estranho, eu sei, só que aquelas poucas horas que compartilhamos foram o bastante para deixar um vazio esquisito dentro de mim. Todos os meus irmãos, inclusive minha mãe, me chamaram de louco após escutar minha história, mas no fim, mamãe ficou sentida por mim. Cansei de escutar que tudo na vida tem um propósito, que eu só não tinha descoberto ainda o motivo de nosso encontro ter sido breve e passageiro. Talvez ela estivesse certa afinal, não sei.

Até ontem achei que nunca mais fosse ver Hermione, hoje estou na casa em que ela passou toda sua infância e adolescência.

Ontem meus olhos e mãos estavam ocupados em outra coisa, mas hoje me permito alguns minutos contemplando seu quarto.

As paredes têm uma tonalidade azul pastel bem agradável e alguns pôsteres de bandas e cantores que nunca ouvi falar. Logo em sua mesinha de cabeceira vejo mais fotos marcando a passagem dos anos. Em uma Hermione está com quem eu acredito que seja Astoria, abraçadas e sorrindo para a câmera e na outra Hermione está sozinha abraçada a um gato laranja.

Me pergunto se o gato ainda está vivo.

Ela tem uma estante branca que ocupa uma parede inteira, onde estão centenas de livros e alguns troféus de vôlei. Me surpreende que ela tenha jogado vôlei na escola pois esse é o estereótipo de gente alta. Eu escutei a minha vida toda que deveria jogar vôlei ou basquete, mas jamais pratiquei nenhum dos esportes.

Leio rapidamente os títulos na estante e não há nada parecido com A Virgem e o Cafajeste, vai de séries infanto-juvenis, como Percy Jackson a Henry Lotter (uma saga de livros que fez bastante sucesso quando eu era pré-adolescente) à Os Miseráveis, 1984 e até mesmo livros em outros idiomas que eu não faço a menor ideia de quais sejam.

Ela é uma caixinha de surpresas.

Tudo está perfeitamente arrumado e no lugar, dá até um nervoso de desarrumar alguma coisa.

Minha curiosidade é momentaneamente saciada por um cheiro de fritura que invade minhas narinas e faz meu estômago roncar. É tipo uma habilidade especial. Meus pais costumam dizer que eu parecia um poço sem fundo quando criança, nada escapava dos dedos e boca de Ronald.

A não ser pela cueca que estou usando, minhas roupas continuam espalhadas pelo chão. Aliás, não, apenas minha calça e sapato continuam no chão. Preciso me vestir, só que onde diabos foi parar minha camisa?

É quando vejo de relance um roupão em um cabideiro próximo à escrivaninha. Eu tenho uns vinte centímetros a mais que Hermione e mesmo que as mangas tenham ficado um pouco curtas ou que o roupão fique na metade das minhas coxas, vai ter que servir por hora.

Tenho uma leve suspeita de onde minha camisa possa estar.

Saio do quarto em busca do cheiro de comida, pois tudo indica que junto a ele também encontrarei Hermione.

Dito e feito.

Na cozinha ela está de costas para a porta, junto ao fogão, cantarolando uma música que eu não conheço. Hermione não canta bem, o que é engraçado, mas só de escutar sua voz me sinto alegre, por dentro.

Alguns fios de cabelo escapam do coque que ela deve ter feito às pressas e ela está vestindo minha camisa, como suspeitei. As mangas ficam largas e o tecido mal cobre suas coxas.

Eu ando tentando fazer o mínimo de barulho possível, inutilmente, pois quando estou a cinco passos de distância ela se vira, me pegando no ato.

Me inclino e digo em seu ouvido:

— Bom dia!

— Bom dia. – ela responde rindo, sem fazer ideia do poder que sua voz tem sobre os pelos eriçados da minha pele. —Vou avisar minha tia que o roupão ficou melhor em você do que em mim. – diz em um claro deboche, me olhando de cima a baixo.

— É mesmo? Então acho que estamos quites. – digo me referindo a camisa. Sinto outro sorriso nascer em meu rosto, é incrível como é completamente involuntário. Ela faz qualquer coisa e eu tô rindo, temo que eu sorria mesmo que ela me bata... ou me mate.

Roubo um beijo seu apenas para ter a oportunidade de soltar seu cabelo do coque. Hermione me empurra longe e se volta para o fogão onde está fritando ovos e bacon. Ela tenta esconder, mas consigo ver seu rosto ficando vermelho.

— Fiz panquecas – ela diz enquanto eu vou me sentar do outro lado da ilha da cozinha. — E temos algumas frutas, suco de laranja e bolo.

— Meus Deus, Hermione – ela se vira espantada. – Você já me conquistou, não precisa tentar conquistar meu estômago também.

Assim que falo me dou conta de que posso ter soado um tanto machista, o que não foi minha intenção. Tendo mãe e irmã cresci aprendendo a ser alguém decente e tento ser um homem melhor, de quem elas tenham orgulho, todos os dias. Entretanto, antes que eu corrija meu erro, Hermione rebate:

— Se eu fosse você, jamais contaria com isso. – ela me lança um olhar divertido que me causa um pouco de medo. Talvez ela esteja tentando me matar com a comida por conta do meu comentário, bem feito Ronald.

Hermione desliga o fogo, coloca os ovos e bacon em um prato e se vira para mim, do outro lado da ilha.

Acho que vou pagar para ver.

Algumas vezes, como neste exato momento, eu não faço a mínima ideia do que está se passando na cabeça dela, o que torna as coisas um pouco confusas. Do tipo, em que pé exatamente estamos?

Por mim eu levava essa mulher para morar comigo e nos casaríamos agora mesmo, mas eu tenho que me controlar porque eu não sei como ela se sente em relação a mim. Quer dizer, ok, depois de tudo o que aconteceu, acho que tenho uma leve noção. Só que eu deixo bem claro o quanto ela mexe com a minha sanidade, não acho que ela tenha dúvidas.

Pequenos passos, Ron, pequenos passos.

O primeiro desses pequenos passos é passar meu celular, como quem não quer nada, para que ela possa salvar seu número e apontar que ela gentilmente desbloqueie o dela para eu salvar, mais uma vez, o meu.

— Salvei como Hermione do casamento do Draco, assim você não confunde com outra. – ela diz ao devolver meu celular e eu gargalho.

— Esperta, odiaria te confundir com a Hermione de outro casamento.

Conversamos enquanto comemos o café da manhã. Faço questão de descobrir se ela utiliza alguma rede social e seu celular pipoca de notificação das minhas curtidas nas suas cinquenta fotos do instagram.

Em um momento recebo uma mensagem que faz meu coração bater mais forte, não do jeito que eu queria.

 

Bom dia querido, como vai? Teve uma boa noite? Que horas você vem hoje? Gui, Carlinhos e Percy já chegaram.

Beijos da mamãe.

 

Ah, caralho. Esqueci completamente que ontem foi meu aniversário e que hoje é domingo, um dia em que a família tradicionalmente se reúne. Eu quero ir, mas ao mesmo tempo não quero ir, quero ficar aqui com Hermione por quanto tempo ela permitir.

Que droga, será que tem uma solução para isso?

Ok, ter tem.

Um pouco arriscado, eu diria até ousado e dou com a língua nos dentes antes de pensar direito nessa ideia:

— Meus pais vão dar um almoço de aniversário para mim hoje. – digo antes de comer o último pedaço da minha panqueca.

— Ah. – ela acende a tela do celular, acho que conferindo o horário.

São 11:13.

— Você tem que ir embora, não é?

— Sim, mas eu não... – aah, como eu vou dizer isso? — Vai ser a mesma coisa de sempre, sabe... Não é como se eu não tivesse passado outros aniversários com eles.

Até porque eu passei os últimos trinta anos da minha vida comemorando aniversários com eles, não apenas os meus, claro. Família grande tem dessas coisas.

Hermione não disse uma palavra ainda, parece concentrada encarando seu prato vazio. E é disso que estou falando, eu não faço a mínima ideia do que seu silêncio significa.

— Posso te fazer uma pergunta? – arrisco mais uma vez, claramente a primeira abordagem não deu muito certo.

— Claro.

— Você quer ir ao almoço comigo? – ela ergue a cabeça tão rápido que me assusta.

— Na casa dos seus pais? – me pergunta descrente.

Droga, Ron, o que aconteceu com os pequenos passos?

— É. – gaguejo. — Não é nada demais, prometo, só achei que seria mais divertido se você também fosse.

Não tem volta. Eu tenho que começar a pensar nas coisas que quero dizer antes de dizê-las, para evitar esse tipo de armadilha. Não vou mentir, claro que eu queria apresenta-la aos meus pais, não faz muito tempo que eu disse que me casaria com ela hoje, agora mesmo, então isso não é nada.

Mas ela não parece muito confortável, droga, espero não ter estragado nossas chances com a minha grande e fofoqueira boca, eu preciso...

— Hm, tudo bem, eu acho. – ela diz finalmente, me encarando. — Não vai fazer mal, né?

— Claro, não, não. – suspiro aliviado, não estraguei tudo, afinal. — Eu só preciso passar em casa e trocar de roupa.

Nós lavamos a louça, eu passo um pouco de espuma em sua bochecha e Hermione responde molhando meu rosto e cabelo. Fazemos uma bagunça na cozinha, o chão fica encharcado. Eu prometo limpar tudo enquanto ela sobe para tomar um banho e se arrumar.

Quando subo para o quarto encontro Hermione se olhando distraidamente no espelho, com um vestido por cima da toalha. Aquele cheirinho de canela e frutas vermelhas mais presente do que nunca agora.

— Esse cheiro é de onde? – pergunto sedento para saciar minha curiosidade.

— Que cheiro? – ela não tira os olhos de sua imagem no espelho.

— Esse que você usa. É um creme? Perfume?

— Ah – ela aponta para a escrivaninha onde há um pote de creme amarelo. — É um creme que ganhei da minha mãe, é muito cheiroso e me lembra dela, então uso sempre que posso.

Caminho até o lugar que ela apontou e anoto o nome da fragrância para descobrir onde vendem mais tarde.

— Ron? – ela me chama. Está experimentando um vestido diferente sobre a toalha. — O que você acha?

O vestido é azul escuro e vai até um pouco depois do joelho, mangas compridas.

— É bonito. – digo e ela bufa em desaprovação.

— Só isso? – Hermione joga o vestido em cima da cama, insatisfeita.

O que ela queria que eu dissesse? Não tenho percepção nenhuma de moda, não sou a pessoa mais indicada para esse trabalho. Tenho um pouco de dificuldade de imaginá-la usando-o, mas acredito que dificilmente alguma roupa vai ficar ruim.

Ela pega outras peças no guarda roupa, dessa vez uma blusa e saia. Nada a agrada e as peças vão se acumulando em cima de sua cama. Eu não sei o que fazer para ajudar.

— Ron, desculpa. Mudei de ideia, eu não vou. – Hermione começa a colocar as roupas de volta no guarda-roupa.

— O quê? Não! – levanto e a encaro. — Por quê?

Eu estava muito animado com a perspectiva de mais algumas horas em sua companhia, não estava preparado para esse balde de água fria.

— Não tenho nada para vestir, minhas roupas estão em casa! – tiro a peça que está em suas mãos e as seguro. — Tô parecendo uma menininha fútil, mas aqui só tem roupas de quando eu tinha dezenove anos. Não quero ir a casa dos seus pais usando essas roupas, parecendo uma adolescente.

Rio pelo nariz, não dela e sim da situação. É legal ver esse momento de insegurança, isso mostra que ela se importa, né?

— Quer passar em casa? – ela nega. — Podemos ir ao shopping, você escolhe qualquer coisa, eu pago.

— Claro que não, Ron! – ela puxa as mãos da minha. — Só preciso de uns minutos para pensar.

Durante esses minutos ela vai guardando as peças no guarda-roupa e após guardar a última peça se senta sobre a cama. Seu suspiro me arrasta até onde ela está, me sento ao seu lado.

— O que é isso, Ron? – Hermione me encara.

— Isso o que? – não faço ideia do que ela está falando.

— Isso entre nós dois! Eu sei que não é a melhor hora para perguntar, mas eu preciso saber porque... você basicamente me chamou para conhecer seus pais, sua família, não sei. E eu também preciso saber das suas intenções, se queremos as mesmas coisas. – ela desata a falar.

— Sinceramente?

— Não tem outra alternativa.

As palavras se atrapalham na minha garganta, uma querendo gritar mais do que a outra. Quero dizer que entendo o que ela diz, eu mesmo já estive em alguns relacionamentos confusos demais e não gostaria de voltar a sentir o que senti, mas não dá pra me basear para sempre em relacionamento antigos e que se depender de mim, ninguém mais vai fazê-la sofrer.

Novamente pego uma das mãos de Hermione e faço questão de encará-la enquanto beijo seus dedos.

— Você deve se lembrar muito bem da primeira vez que nos falamos, eu lembro porque gaguejei muito, foi horrível. Desde que eu te vi fiquei atraído e mesmo após esses meses nada mudou, na verdade acho que estou mais atraído ainda, se é possível. Então, Hermione, sim eu quero que você conheça meus pais e o resto da minha família porque se eu não estiver apaixonado eu não sei o que é isso que eu tô sentindo, sinceramente. – é tão fácil admitir, tudo é tão fácil com ela.

Hermione balança a cabeça, mas o riso em seu rosto não esconde que ela aprova o que ouviu. Ela não diz nada, embora o beijo que recebo dispense qualquer comentário.

Era para ser um beijo rápido, um roçar de lábios, suficiente para sentirmos o gosto um do outro, mas o contato rapidamente se transformou em uma batalha de línguas e toques aflitos para aliviar a vontade de se agarrar em algo.

Quando me dou conta Hermione está desamarrando meu roupão e eu soltando sua toalha. Felizmente, na madrugada passada fizemos questão de comprar preservativos a mais para evitar outro inconveniente.

O jeito que ela diz meu nome, que se contorce sob meu corpo e me toca me faz questionar se não deveria ser assim para sempre. Essa vontade de tê-la, de deixar suas bochechas coradas – mesmo que quase imperceptivelmente – após provocar seu clímax e de sentir sua pele contra a minha.

Onde você esteve por todos esses anos?

Hermione se desvencilha de meus braços, sob meus protestos, resmungando algo sobre tomar outro banho.

Em menos de vinte minutos ela escolhe uma roupa – calça jeans clara, blusa branca, um cardigã marrom e botas pretas – e arruma o cabelo com um spray que cheira a baunilha.

Eu visto as roupas do dia anterior e saímos.

Vamos no carro do pai de Hermione. Ela não sabe dirigir, então é a segunda vez que me guia pelas ruas do bairro. A primeira foi a noite quando precisamos sair para comprar camisinhas, já que nenhum de nós as tinha. Nem mesmo seu pai, ela própria constatou após procurar nas gavetas dele, enfim...

Meia hora depois estacionamos no meu prédio e eu corro para me arrumar, pois já são 13 horas e eu não quero nem pensar nas coisas que vou escutar, sobre pontualidade e responsabilidade, quando encarar minha mãe.

A sala fica pequena quando ela se senta em meu sofá e tudo se torna sem graça com sua presença marcante. Eu posso me acostumar facilmente com essa visão.

Deixo-a ali enquanto vou me arrumar.

Vinte minutos depois estou de banho tomado, vestindo as minhas calças preferidas e descendo o elevador.

O caminho até a mui antiga e nobre casa dos Weasley não poderia ser mais agradável, consigo me imaginar fazendo isso pelo resto dos meus dias. Subitamente me lembro do gato laranja no porta retrato de Hermione, ela me conta sobre todos os seus dezessetes anos de vida, sua morte triste, mas esperada e o assunto eventualmente acaba, mas o silêncio não é incomodo.

Ela aumenta o volume do radio e começa a cantar a música que está tocando, mais uma vez provando não ter nenhum talento para o canto.

Mas eu gosto, assim como todas as outras coisas que ela faz.

 

[...]

 

Se antes eu não tinha, agora tenho certeza de que estou apaixonada.

Só isso para explicar porque diabos eu aceitei vir a casa dos pais de Ron. Aliás, não sei como fomos de tomar café da manhã descompromissados a isso. Mentira, na verdade eu sei bem: Ron é o tipo de cara engraçado, você vai rindo das coisas que ele te fala e quando se dá conta já está pelada.

E esse foi um dos motivos pelos quais eu me atraí, além do fato dele estar assistindo uma das minhas séries preferidas e não vir com o mesmo papo de sempre dos últimos caras com os quais me envolvi.

Tenho plena consciência de que não sei cantar, mas não resisto quando toca Follow You, do Imagine Dragons no rádio. Pelo canto do olho vejo Ron rir e não o culpo, eu realmente não canto nada. Contudo, cantar me ajuda a relaxar, pois deixamos a estrada e entramos em uma rua residencial e de repente me sinto nervosa como nunca.

Tenho pouca experiência com família de... namorados e a última não foi das melhores.

Ron estaciona em frente a um lindo sobrado, típica casa de filmes, me deixando abobalhada. A construção é antiga e bem conservada, percebe-se que há muito amor em cada tijolinho.

Ele toca a campainha e segura minha mão que ficou estranhamente gelada. Eu estou apreensiva como nunca. E se eles não gostarem de mim e ficar um clima desagradável na casa? Não seria a primeira vez...

Uma mulher por volta de seus sessenta anos, olhos castanhos e cabelos ruivos abre a porta.

— Ronald Bilius Weasley, onde se meteu? Não é possível que você não podia me mandar uma mensagenzinha dizendo que viria!

Apesar da clara indignação e dos gritos, dá pra ver o amor em cada palavra que ela diz. Ela não está realmente chateada, mas precisa manter a pose de durona. Por isso, penso, essa deve ser a mãe de Ron e eu gosto dela.

— Seu pai e irmãos estão todos...

— Mamãe! – ele ignora tudo que lhe foi dito e a abraça, deixando a mulher sem palavras. — Quanto tempo, que saudades.

— Hora menino, me solte! – ela se livra do aperto e bate de leve no ombro de Ron.

— Todos já chegaram mesmo? – ele pergunta.

— Menos sua irmã, claro. – ela respondeu como se fosse algo óbvio. – Achei que não viria para o próprio aniversário!

— E perder a sua comida? E ainda diz que é minha mãe... – antes que possa me controlar eu rio, o momento é engraçado.

Meu olhar se cruza com o da mãe de Ron, ela se dá conta pela primeira vez da minha presença, me deixando completamente desconcertada. Não gosto muito de chamar atenção.

— E quem é essa moça linda? – ela pergunta, me fazendo desejar dar meia volta e sumir.

— Mãe, essa é a Hermione. – Ron se inclina para a mãe e sussurra algo em seu ouvido.

Eu não ouço tudo o que ele diz, mas as palavras avião e lembra chegam até os meus ouvidos. Não preciso ser uma gênia para entender que, pelo menos sua mãe já ouvira falar de mim.

Quando ele sussurra, também, sua mãe faz uma cara de espanto que em um primeiro momento eu não consigo decidir se é de felicidade ou... desgosto? Entretanto, tudo é esclarecido no segundo seguinte, quando ela se vira para dentro de casa e grita:

— Arthur, venha cá, seu filho trouxe uma garota para nos apresentar!

Se possível, fico mais desconcertada ainda.

A senhora Weasley nos puxa para dentro da casa e faz questão de segurar minhas mãos, não me dando outra opção a não ser segui-la.

Sou apresentada a todos os Weasley, esposas e crianças presentes, uma verdadeira grande família. Os irmãos gêmeos de Ron fazem questão de zoá-lo todas as vezes em que o veem e eu levo na esportiva: se não pode com eles, junte-se a eles.

Apesar disso, todos fazem o possível para me incluir e eu me sinto inclusa, quase como se os conhecesse a uma vida inteira.

Em algum momento, mais atrasados do que nós, a irmã e cunhado de Ron chegam. Eu levo alguns segundos para perceber que se trata de uma das madrinhas de Astoria, mais especificamente a que queria me arranjar um encontro com seu irmão.

Ginny me abraça apertado enquanto ouve Fred ou George contar sobre os lamentos do irmão sobre nunca mais ver a moça do avião.

— O que? – ela me solta de repete. – Você é a mulher que meu irmão conheceu no avião? Não acredito, finalmente Ron teve bom gosto para escolher uma namorada, já não era sem tempo né!

Ginny e Harry têm um bebê, o neto mais novo de Arthur e Molly. Há essa altura, o pequeno James já está em meus braços e eu o nino como se fosse meu filho. Talvez eu o leve para casa mesmo, Ginny e Harry parecem cansados, um tempo longe do pequeno não os faria mal.

— Pera aí – Ginny diz muito depois de nos esbaldarmos na comida deliciosa de Molly. — Ontem Ron não ficou nem 5 minutos direito na festa, foi embora super rápido como se precisasse apagar um fogo em algum lugar. Acho que entendi o motivo de tanta pressa.

O resto da tarde é perfeito. Eu cresci em uma família pequena, não temos o hábito de nos reunirmos dessa forma, principalmente com o passar dos anos. O que me faz pensar se não foi esse um dos motivos levaram meus pais a empurrar o casamento por tantos anos. Acho que eles queriam me garantir boas memórias enquanto eu crescia, o que, felizmente, conseguiram. Subitamente, eu penso: seria ótimo fazer parte dessa família. A energia é contagiante e eles são ótimas pessoas. Eu poderia me imaginar visitando-os aos finais de semana...

O pequeno James dorme em meus braços enquanto os pensamentos me rondam. Balanço a cabeça afastando alguns pensamentos. No que eu estou me metendo? Por mais que tudo pareça lindo agora, só Deus sabe quanto tempo esse conto de fadas durará. Não sou boba, muito menos idiota de acreditar que Ron ainda vai querer algo comigo daqui alguns meses, apesar de suas palavras e promessas.

Eles não ficam, ou se tornam tão abusivos que me obrigam a ir.

Ou suas famílias se intrometem, pois não querem ver seus meninos de ouro namorando uma mulher negra.

E eu? Muitas vezes preciso colar os caquinhos que ficam para trás e me fingir de forte, quando, na verdade, quero me esconder da crueldade do mundo.

Não seria diferente agora, não é? Sinto lágrimas se acumularem nos cantos dos olhos e me obrigo a sorrir quando Molly me oferece mais um pedaço de torta. Ela é uma mulher adorável e não posso imaginar tudo o que ela certamente passou ao criar sete crianças.

Já é bem tarde quando – relutantemente – entrego James aos pais e puxo Ron de lado. Ele me rouba um beijo antes que eu possa dizer algo e eu me deixo levar pelos segundos em que dura. Estou boba em seus braços porque ele já tem esse poder sobre mim, mas me obrigo a dizer:

— Não quero atrapalhar, mas eu preciso voltar para casa, amanhã tenho que trabalhar cedo. – o que não é mentira. Eu poderia ficar mais algumas horas, amei conversar com Fleur, Angelina e Ginny, ouvir suas histórias sobre os irmãos Weasley, se não fossem os pensamentos ruins me consumindo.

— Claro. – ele me solta. – Vamos nos despedir e eu te levo.

— Não, não precisa me levar – digo rápido demais. — Eu posso pegar um taxi ou Uber.

— Não, tudo bem, eu te levo. – Ron passa um braço pela minha cintura, me causando um arrepio gostoso.

— Mas é seu aniversário. – eu o encaro.

— Meu aniversário foi ontem. – ele argumenta e eu não sei como impedi-lo de me acompanhar.

Também não é como se eu não quisesse sua companhia por mais alguns momentos.

É irracional como eu me sinto? Ron já admitiu me querer, eu sei que o quero, então por que me sinto assim?

Simples, acho: eles sempre me decepcionam, mais cedo ou mais tarde.

Nos despedimos de todos que ficam e voltamos para a cidade.

O caminho é silencioso, embora minhas inseguranças façam o serviço completo de alimentar meus medos.

Ron mantem os olhos na estrada até chegarmos a minha antiga casa, desliga o carro e me encara na escuridão que nos cerca.

— Minha família gostou de você. – ele fala quase em um sussurro.

— E eu gostei deles. – respondo no mesmo tom.

— Aconteceu alguma coisa? – sua mão descansa na lateral de meu rosto, meus olhos se fecham com o toque. Por que esse homem me deixa tão mole? Sinto meus olhos arderem e a garganta fechar.

Quero despejar todas as minhas angustias em seu colo, dizer tudo o que estou pensando, mas me resigno a:

— O que poderia ter acontecido?

— Eu sei que não nos conhecemos há muito tempo, estou ralando aqui pra tentar te desvendar. – ele quebra o contato com meu rosto e pega uma de minhas mãos. — Você não está tão animada quanto antes. Se alguém disse algo pra você...

— Não, todos foram maravilhosos comigo, é só... – eu quase falo, mas as palavras não vêm. Não faz sentindo compartilhar algo tão íntimo com alguém que muito provavelmente não vai ficar.

— Eu não sei o que está passando nessa cabecinha, – ele suspira. — mas espero do fundo do meu coração que não tenha nada a ver conosco. – Ron beija minha mão como fez mais cedo. — Eu disse e repito, Hermione: estou apaixonado por você. Pode ser cedo pra admitir assim, mas é a mais pura verdade. Achei que nunca mais fosse te ver e olha só você aqui do meu lado.

O aperto na garganta voltou. Boba emocionada.

— Eu quero ficar ao seu lado, você só precisa permitir. Não pretendo e nem quero ir a lugar nenhum.

Alguns minutos depois, Ron foi para casa. Foi como aquele dia no aeroporto, tirando o fato de que eu ficara para trás dessa vez.

Me certifiquei de que tudo estava em ordem na casa antes de ir embora para meu apartamento.

Eu permito, Ron. Apesar dos meus medos, inseguranças e angustias, você já conquistou um espacinho em mim meses atrás. Naquela viagem de avião, a mais de dez mil metros do chão.

 

[...]

 

Não nos vimos todos os dias, mas nos falamos em todos eles.

Eu me sentia ansiosa para ouvir sua voz, meu nome tinha um som agradável saindo de sua boca.

Nas vezes em que nos encontrávamos qualquer brecha era o suficiente para matar a saudade acumulada. Eu me vi querendo mais e mais sua presença, até que, eventualmente, passamos a morar juntos.

Eu nunca morei com ninguém, sempre fomos eu e minha solidão. Foi um desafio e tanto, pois, por mais apaixonados que estivéssemos, as brigas nos acompanharam. Era sofrido.

Foi quando eu pensei, mais de uma vez, que daria tudo errado. O fantasma de relacionamentos passados me assombrando.

Eu me encontrava ansiosa, – não de uma maneira boa – esperando por nosso fim e você sempre me surpreendeu mais e mais. Definitivamente, ter uma vida a dois não é nada fácil, mas as melhores partes eram as reconciliações. Com o tempo, – e aprendizado – eu provocava uma discussão ou outra apenas pela certeza de suas mãos em minha pele. Eu realmente gostava da sua voz rouca em meu ouvido e nossos corpos se encontrando.

Ginny e Harry não tardaram a ter o segundo filho, Arthur Regulus Potter, do qual somos padrinhos. Você e Harry apostaram que seria uma menina, Ginny e eu ganhamos 100 libras cada.

Inicialmente, eu não queria filhos, estava contente em mimar meus sobrinhos e afilhado, até o dia em que corri para seus braços para te mostrar o teste de gravidez positivo. Um misto de emoções que eu jamais senti e não saberia descrever.

Antes de comemorar você me perguntou umas cinquenta vezes se era algo que eu realmente queria, já que nossas conversas até tarde da noite revelavam algo diferente.

Sinceramente? Eu não tinha certeza ao te dizer que sim, mas se você estivesse ao meu lado eu poderia suportar tudo.

Acontece que meus medos, angustias e inseguranças sumiram no momento em que você segurou Rose em seus braços. Grandes lágrimas salgadas pincelaram seu rosto.

Naquele momento, eu percebi: nenhum problema do mundo seria maior que nosso amor.

Nosso pacotinho, fruto de todos nossos sentimentos, era tudo o que importava. 

Era o bastante.


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Notas finais do capítulo

Amei muito escrever esse projeto, foi algo ao qual me dediquei após meses sem escrever o que me agradasse.
Espero que vocês tenham gostado desses dois tanto quanto eu amei e, quem sabe, venham mais histórias por aí!



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