Can I Have This Dance? escrita por Siaht


Capítulo 1
U: so can I have this dance?


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoas maravilhosas!!!
Tudo bem com vocês?
Bom, ouvi por aí que é melhor Wolfstar se cuidar, pois Dean Thomas e Seamus Finnigan chegaram com tudo e têm grandes chances de se tornarem os novos reis do Pride. É claro que, por enquanto, é apenas um boato, mas estou aqui para ajudar os dois nessa difícil missão. É provável que vocês já tenham visto uma imagem dos atores que interpretaram Dean e Seamus dançando com os figurinos do Baile de Inverno (para quem não viu: encurtador.com.br/AEQZ2). Desde a primeira vez que essa foto apareceu na minha timeline, eu soube que precisava escrever algo inspirada nela. Demorou alguns anos, mas finalmente saiu. E que bom que acabou saindo para algo tão especial como o Pride Month. ♥
Quero aproveitar para agradecer novamente à Callie pela capa maravilhosa. Amiga, obrigada mesmo, você é incrível e eu tive muita dificuldade me escolher qual das opções usar. E para falar novamente sobre como as organizadoras desse projeto são maravilhosas: Prongs, Noora, Red Hood e Violet Hood, vocês são tudinho! ♥
Enfim, dito tudo isso, espero sinceramente que gostem da história! ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/802673/chapter/1

Can I Have This Dance?

.

.

“It's like catching lightning

The chances of finding someone like you

It's one in a million

The chances of feeling the way we do

And with every step together

We just keep on getting better

So can I have this dance?”

.

.

I

.

.

A música ecoava pelo cômodo, o som dos violinos preenchendo cada centímetro da casa, e, ainda assim, nada conseguiria soar mais alto do que a melodia das risadas. Era verão, todos os corpos celestes brilhavam do lado de fora e todos os corpos humanos se moviam em uma harmonia desajustada do lado de dentro. Dean Thomas se sentia feliz pela primeira vez em semanas. Não que estivesse triste. Ao contrário da crença popular, as duas emoções não precisavam existir em oposição. O garoto estava apenas… confuso. Era difícil colocar em palavras. 

Após meses na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, ele havia voltado para casa. O que era uma coisa boa, já que sentira saudades esmagadoras de sua família, ao longo de todo aquele tempo. Mas também era estranho. O menino olhava para a mãe, as irmãs e o padrasto e achava que havia algo errado. Que não se encaixava ali. Não mais, pelo menos. A culpa era de sua magia? De todas as experiências fantásticas que vivera naquele primeiro ano em Hogwarts e nunca conseguiria traduzir? De todas as experiências familiares que perdera durante aquele período? Do fantasma de seu pai – aquele homem que o abandonou a mais tempo do que ele tinha de vida –, pairando sobre todos? Dean não saberia dizer, porém, sabia que não gostava daqueles sentimentos estranhos. E definitivamente não gostava de como aquele verão estava se desenrolando. Ele amava sua família – realmente amava –, no entanto, se sentir desajustado em meio a eles era desagradável. Doía. 

Aquelas férias vinham sendo um novelo de dias cinzentos e emoções complicadas. Até que Seamus Finnigan lhe enviara uma coruja, o convidando para passar alguns dias em sua casa, na Irlanda. Os dois haviam conversado sobre aquilo em Hogwarts. Na verdade, os dois haviam conversado sobre tudo em Hogwarts. Feito e desfeito um milhão de planos malucos. Planos sobre o que fariam no verão e no ano seguinte e nas próximas duas décadas. Em sua maior parte, eram apenas devaneios tolos. Logo, Dean não estava realmente esperando por um convite. E, mesmo assim, quando a carta chegou, ele sentiu seu coração acelerar em empolgação, enquanto um alívio estranho o invadia. Saber que Seamus estava falando sério, quando sugeriu que ele o visitasse no verão, deixou o garoto feliz de uma forma inexplicável. Finnigan era seu melhor amigo, afinal, e só naquele momento Dean percebeu como sentia falta dele.

Agora ele estava ali. Em uma casa em Galway, Irlanda, assistindo a família de Seamus dançar pela sala. Uma casa híbrida. A mãe do amigo era uma bruxa, o pai era um trouxa. De alguma forma, os dois faziam aquilo parecer um mero detalhe. Algo sem qualquer importância. Era diferente de tudo o que o menino já havia conhecido. Diferente de uma forma positiva. Diferente de uma forma que o fazia se sentir confortável e contente. Como se, de algum modo, ele pertencesse. E quando o olhar de Seamus o encontrou, Dean Thomas sentiu vontade de abandonar seu ponto de observação, no canto da sala, e dançar com ele. Mas Dean não era um bom dançarino. Então, apenas sorriu. E Seamus sorriu de volta.

.

.

II

.

O garoto adorava dançar. Não importava o motivo. Na verdade, na maior parte do tempo não havia qualquer motivo. Mover seu corpo ao som de alguma música era tão natural para Seamus Finnigan quanto respirar. A culpa era de seus pais, ele supunha. Niall e Aisling Finnigan eram duas pessoas muito diferentes. Niall era um homem simples, dedicado ao trabalho e à família, bastante prático e um tanto introvertido. Aisling, por sua vez, era a excentricidade em forma de mulher, uma sonhadora tagarela que adorava experimentações, mesmo que algumas delas acabassem em pequenas explosões. Ela havia esperado até estar casada para contar ao marido que era uma bruxa, um fato que o pegou de surpresa, é claro, mas que acabou se mostrando insignificante. A racionalidade e a praticidade já haviam sido derrotadas, o homem estava  incondicionalmente apaixonado. Apesar de todas as diferenças, no entanto, o casal tinha algo em comum: os dois amavam dançar. Fosse para celebrar alguma conquista ou afastar a tristeza, não importava, o casal estava sempre bailando pela casa. 

Sendo assim, Seamus aprendeu a dançar antes mesmo de aprender a andar. Talvez estivesse em seu código genético. Talvez fosse uma lição que seu cérebro aprendera há tanto tempo que parecia que havia sido implantada ali ao nascer. O menino não achava que fazia diferença. O fato era que, assim como os pais, ele amava dançar. E era exatamente isso o que estava fazendo naquela tarde de sexta: valsando sozinho pelo dormitório vazio. Seu humor não poderia estar melhor. O fim de semana estava tão próximo que era possível tocá-lo, no dia seguinte todos iriam para Hogsmeade, o professor Lupin havia elogiado seu desempenho na aula de Defesa Contra as Artes das Trevas e ele havia conseguido passar pela aula de Poções sem grandes desastres e, consequentemente, sem grandes humilhações vindas do professor Snape. Tudo estava perfeito e Seamus resolveu extravasar aquela alegria da única forma que conhecia. Um velho disco em uma vitrola antiga, um corpo adolescente se movendo com liberdade graciosa. 

— O que você está fazendo? — a voz conhecida soou da porta, parando o Finnigan em meio a um movimento elaborado de sua coreografia. 

Dean Thomas estava reclinado contra a porta, um sorriso divertido nos lábios. O coração de Seamus falhou uma batida. Um fato que o menino se obrigou a ignorar. 

— Dançando. —  ele deu de ombro. O que mais poderia fazer?

— Algum motivo especial? —  Dean cruzou os braços sobre o peito. Seu sorriso havia se alargado. Aquele sorriso era como uma tarde ensolarada de verão. Belo e caloroso. Algo a ser ansiado durante os dias frios e escuros. Algo que sempre fazia Seamus incendiar por dentro.

— Apenas tive um dia muito bom. —  ele tentou soar descontraído. 

—  Você também dança quando tem dias ruins. —  o outro garoto pontuou, porque conhecia o amigo muito bem. 

— Dançar faz bem à alma. 

—  Se você diz… 

— Você deveria experimentar. —  e foi apenas após dizer essas palavras que Seamus se deu conta de que adoraria que o amigo experimentasse. Com ele. Que dançar com Dean Thomas seria a única coisa capaz de tornar aquele dia ainda melhor. 

—  Você sabe que para tudo, menos o futebol,  eu tenho dois pés esquerdos, Sean. 

Seamus sabia, mas teria dançado com Dean do mesmo jeito. 

.

.

III

.

O salão estava completamente iluminado. As paredes brilhavam. Tons de azul e prata dominavam todo o lugar. Era como observar a luz de mil estrelas. Belo e tocante. O Baile de Inverno era um evento que os estudantes de Hogwarts vinham aguardando há semanas. Dean Thomas tentou se manter indiferente, fingindo ser muito descolado para perder tempo com aquele tipo de tolice. E, ainda assim, mal conseguira dormir na noite anterior, consumido pela empolgação. Aquele seria seu primeiro baile bruxo. Não, aquele seria seu primeiro baile. Ponto final. Então, sim, Dean estava entusiasmado. Para o inferno com essa baboseira de ser “descolado”!  

Para Seamus Finnigan, a sensação não era muito diferente. Na verdade, era pior, porque o garoto sempre fora péssimo em esconder sua euforia. Uma parte dele sequer sabia o motivo de tentar ocultá-la. Aquela era apenas mais uma das imbecilidades que garotos faziam. Agir como se não se importassem. Fingir que não sonhavam com romance ou coisas belas. Simular que eram bons demais para algo tão trivial como um baile. Seamus não sabia por que faziam isso, mas faziam. Ele não era exceção. Era apenas pior do que a média no quesito atuação. Talvez por seu entusiasmo também ser maior que a média. 

O fato era que, apesar de seus maiores esforços, os dois garotos estavam animados e nutrindo grandes expectativas. Eles não eram campeões tribruxos, ou heróis de profecias, ou pessoas muito especiais. Na maior parte do tempo, passavam despercebidos, coadjuvantes de uma história maior e mais importante. No entanto, ainda eram dois adolescentes, descobrindo a vida com uma inocência singular, esperando grandes coisas de uma grande festa, sonhando com um pouco de paixão e diversão.

Assim, Seamus entrelaçou seu braço ao de Lavender Brown e Dean foi até a Torre da Corvinal, para buscar Josephine Easton, e os dois casais partiram para o baile. Sorrisos nos rostos, expectativas no peito,  ilusões juvenis na mente.  Aquela deveria ser uma noite perfeita. Tudo fora cuidadosamente configurado para tal. Porém, quando os dois rapazes atingiram a pista de dança, com seus respectivos pares a tiracolo, algo pareceu errado. Fora de lugar. A sensação os perseguiu durante a noite inteira. Porque enquanto valsavam com suas parceiras, pelo salão magicamente iluminado, Dean e Seamus compartilharam um olhar silencioso e finalmente compreenderam o desajuste: eles queriam dançar um com o outro. E com mais ninguém. Suas fantasias de uma noite perfeita só se realizariam se pudessem bailar juntos pelo salão. Mas homens não dançavam com homens. Não era assim que o mundo funcionava. Não parecia certo para nenhum dos dois, mas era como era. Então, ambos se voltaram para as garotas em seus braços. E todas as estrelas morreram.

.

.

IV

.

Dean Thomas tinha dois pés esquerdos e era um péssimo dançarino. Sempre havia sido. Isso, contudo, não o impedia de estar dançando com Ginny Weasley. Não era uma dança lenta ou elaborada, porém, ainda exigia proximidade excessiva. O salão comunal da Grifinória estava em festa, após uma vitória no Quadribol. Seamus Finnigan, no entanto, se sentia em um funeral. Ele sabia que deveria estar feliz pelo amigo, só que não conseguia evitar o gosto de cinzas que tomava conta de sua boca sempre que via Dean ao lado da Weasley. Ginny era uma garota legal. Era divertida, inteligente e corajosa. Sempre tratava Seamus com bastante gentileza e, ainda assim, havia uma parte mesquinha do garoto que desejava que ela caísse morta. Naquele instante, de preferência. Não era certo e o rapaz não tinha orgulho disso, mas não deixava de ser a verdade. O ciúme era uma besta irracional. 

O fato era que Semus estava apaixonado por Dean. Era provável que houvesse estado apaixonado por ele há anos, mas precisara de tempo para entender aqueles sentimentos e aceitá-los. De qualquer forma, tudo estava bastante claro agora. Ele queria que seu melhor amigo fosse muito mais do que um amigo. O problema era que Dean estava completamente enamorado por Ginny Weasley. Os olhos dele brilhavam ao olhar para ela. A voz dele se enchia de ternura ao falar sobre ela. Os braços dele se enrolavam nos ombros dela como se houvessem sido feitos para isso. A língua dele estava constantemente enfiada na boca dela.

Cada um desses pequenos gestos era como uma adaga sendo enfiada no peito de Seamus. Até então, ele nunca havia entendido o conceito de um coração partido. Achava que aquela era uma forma excepcionalmente dramática de colocar os fatos. Mas agora ele entendia. Não havia melodrama ou exagero. E se houvesse, o garoto havia sido contaminado por ele. Porque toda vez que presenciava um ato de afeto entre o mais novo casal de Hogwarts, Seamus sentia seu coração se estilhaçando. De forma física e visceral. 

Dean Thomas estava do outro lado do salão comunal, dançando com Ginny Weasley. E não havia nada que Seamus Finnigan pudesse fazer, além de assistir aquele show de horrores e desejar estar no lugar da garota. Nada que pudesse fazer, além de continuar dançando sozinho. 

.

.

V

.

Estava escuro e frio na masmorra da Mansão Malfoy e o garoto estava apavorado. Não era uma novidade. Dean Thomas sentia que seu último ano havia sido consumido em lugares frios e escuros e que o medo era a única coisa que lhe restava. Ele havia sido um grifinório um dia. Um leão rugindo em ousadia e coragem. Não existia muito desse garoto agora. Não existia muito dele mesmo. O pânico se envolvia em seus órgãos, se fundia em seus ossos, penetrava por seus poros. Uma parte dele desejava que apenas o matassem de uma vez. Que acabassem com aquele sofrimento, ao invés de prolongá-lo de forma sádica e indeterminada. Dean estava cansado. Mais do que isso. Ele não achava que existiam palavras capazes de definir sua exaustão. 

Há pouco mais de um ano, ele era apenas um adolescente, se preocupando com suas notas, com romance e com Quadribol. Na época, ele já sabia que os tempos estavam se tornando cada vez mais sombrios e, como um nascido trouxa, se preocupava. Havia noites em que perdia o sono por isso. Havia até mesmo ingressado na Armada de Dumbledore, desejando lutar contra a ameaça que se tornava cada vez mais nítida. Ainda assim, bem no fundo, Dean nunca havia acreditado de fato que as coisas ficariam tão ruins. Como um tolo, o garoto imaginara que tudo iria se resolver antes que se tornassem tão horrendas. Antes de atingi-lo pessoalmente. Como um menino ingênuo, ele imaginara que não seria como a Primeira Guerra Bruxa. Até se flagrou sonhando com um pouco de glória e heroísmo. Ilusões de uma criança. Agora ele sabia mais. Enquanto sua inocência era destroçada, ele aprendera. 

E, mesmo assim, Dean não conseguia não se espantar ao se lembrar de que há pouco mais de um ano, ele se sentara na mesma sala que Draco Malfoy e ambos compartilharam aulas e professores. Agora, ele era um prisioneiro na casa do outro rapaz. Eles nunca haviam sido amigos, muito pelo contrário, mas não deixava de ser doloroso pensar que um garoto que, de certa forma, crescera com ele, assistia em silêncio enquanto ele era torturado. Eles tinham a mesma idade, haviam sido colegas de classe, haviam frequentado os mesmos lugares. Não eram tão diferentes. Mas eram. Porque Draco era um sangue-puro e Dean era um nascido trouxa. Uma estupidez que não deveria importar e que, ainda assim, importava. Naquele mundo horroroso em que estavam vivendo, aquilo importava mais do que tudo. 

Saber que havia pessoas que desejavam sua morte por algo tão banal como sua origem era sempre desesperador para Dean. Era tão estúpido e tão factual. Não era como se o preconceito e a opressão lhe fossem estranhas. Ele havia crescido como um garoto negro em uma vizinha de classe média, afinal. Porém, costumava acreditar que o mundo bruxo seria melhor. Nas histórias que ouvira quando criança, mundos mágicos eram perfeitos e livres de dor e tirania. Que belas mentiras! Com magia ou sem magia, não havia lugar na Terra sem genocídio e inocentes sendo oprimidos. Sem sangue derramado. Na maior parte do tempo, era o sangue de pessoas como Dean. E ele estava farto disso.

Luna Lovegood e o Senhor Olivaras, seus companheiros de cela, sussurram gentilmente sobre alguma história pregressa. Os dois tentaram incluir Dean no diálogo, mas o garoto não queria conversar. O esforço lhe parecia excessivo e vão. Do outro lado da alcova, Griphook se queixava de algo. Ele estava sempre se queixando de algo. O que o rapaz também acreditava ser um esforço excessivo e vão. Talvez tudo aquilo fosse uma estratégia. Talvez fosse assim que eles encontrassem forças para sobreviver. O problema era que Dean Thomas estava cansado de sobreviver. Ele queria voltar a viver ou nada. E "nada" parecia a opção mais provável naquela instante.

Com esse pensamento reconfortante o guiando, o garoto se deitou no chão áspero e frio, sentindo cada hematoma em seu corpo, e deixou sua mente vagar. Pensou na mãe, em seus abraços fortes, em seus bolos de chocolate que sempre queimavam no fundo, nas canções que ela desafinava para embalar seu sono, quando ele era apenas um menino. Pensou no padrasto, a única referência masculina que tivera na vida, o homem que o criara como se fosse dele, sem jamais fazer distinção entre Dean e as filhas biológicas, que o ensinara a jogar futebol, a se barbear e a amarrar uma gravata. Pensou nas irmãs, no som de suas risadas, nas brincadeiras divididas durante a infância, em como elas eram duas tagarelas que o enchiam de histórias e fofocas todo verão. Se perguntou se eles estariam bem e o que aconteceria a eles se o Lorde das Trevas triunfasse. Tentou afastar aquela linha de pensamento, já que ela nunca levava a um bom lugar, mas era impossível, pois aquela preocupação estava sempre em algum canto no fundo de  sua mente. 

Então, ele pensou em Seamus Finnigan. Aquele era o maior período de tempo em que os dois rapazes passavam separados, desde que se conheceram, aos 11 anos. Dean sentia falta dele como sentiria falta de um pulmão. Sentia falta de como o garoto se empolgava facilmente, de sua personalidade caótica, de seu otimismo desconcertante, de suas piadas ruins, de sua aptidão para explosões bastante literais, de como ele estava sempre dançando pelos cantos. A verdade era que ele sentia falta de tudo sobre o menino. Achava que fazia sentido, Seamus era seu melhor amigo, afinal. Seamus era… algo mais. Algo que Dean nunca tivera coragem de nomear, mas que agora gostaria de ter feito. 

Um dia ele havia se apaixonado por Ginny Weasley. Realmente havia. E, ainda hoje, não sabia como não teria se apaixonado, já que ela era a garota mais incrível que conhecera. Logo, ele entendia o que era paixão e entendia o que era atração. E a questão era que esses dois conceitos se misturavam à miríade de sentimentos de nutria por Seamus. Porque, enquanto seu mundo desabafa e a morte parecia cada vez mais próxima, Dean podia finalmente admitir que, quando se tratava do Finnigan, havia atração e paixão. Mas também havia amizade e companheirismo e lealdade. Havia amor. Todos os tipos de amor que o ser humano já conseguira nomear se misturavam no coração de Dean e se destinavam a Seamus. E apenas a ele. 

Dean entendia isso. Finalmente entendia. O que talvez fosse apenas mais uma parte de sua tragédia pessoal, já que agora parecia tarde demais. Ele não sabia o que havia acontecido com o amigo. Seu status de “mestiço” o conferia alguma proteção, porém, não o suficiente. Além disso, todos os rumores falavam sobre como Hogwarts se tornara um pesadelo administrado por Comensais da Morte. Talvez o Finnigan estivesse morto. Merlin era testemunha de que Dean não tinha nenhuma expectativa de sair daquela masmorra com vida. Era o fim da linha. As últimas páginas de uma história que não havia sido escrita para possuir um final feliz. E tudo o que o rapaz conseguia pensar era que gostaria de ter entendido seus sentimentos antes. Que gostaria de ter tido a chance de se declarar para o melhor amigo. Que gostaria de ter dançado com Seamus Finnigan. Mesmo que só uma vez.  

.

.

VI

.

Dean Thomas gostava da sensação dos dedos de Seamus Finnigan entrelaçados aos dele. O que era uma coisa boa, já que Seamus Finnigan não parecia disposto a soltar as mãos de Dean Thomas nunca mais. Suas palmas se uniram pela primeira vez após o fim da Batalha de Hogwarts. Ambos ainda incrédulos com a constatação de que haviam sobrevivido e  devastados por toda morte e ruína que haviam presenciado. Nenhum dos dois sabia o que fazer ou dizer. Só haviam se reencontrado poucas horas antes e passaram a maior parte desse tempo lutando por suas vidas. Então, apenas se deram as mãos e se sentaram em um canto do que um dia havia sido o Salão Principal. Passaram um longo tempo em silêncio. Ninguém te diz o que fazer quando uma guerra acaba e, apesar de já não se sentirem assim, os dois ainda eram apenas adolescentes comuns. Não cabia a eles tomar decisões importantes. Um fato bastante acalentador, diga-se de passagem.

Foi Dean quem finalmente quebrou o silêncio, quando o choque começou a se dissipar.

— Eu senti a sua falta, Sean. Muita. O tempo todo. — ele admitiu, porque precisava admitir. Especialmente após achar que nunca teria a chance de fazer algo parecido. 

E então, Seamus explodiu em lágrimas. 

— Eu achei que você estava morto. — o menino disse, entre soluços. — Achei que você estava morto e que eu nunca poderia te dizer o quanto… o quanto eu… o quanto eu — ele respirou fundo — Droga, Dean! Eu amo você! 

Foi a vez de Dean sentir as lágrimas queimando em seus olhos, mas ele não iria chorar. Não ainda. O rapaz sabia que o pranto seria inevitável, porém, também sabia que quando começasse, dificilmente pararia. Seria capaz de chorar um oceano inteiro. E provavelmente o choraria. Mas não naquele momento. Naquele momento, Dean tinha outras prioridades. Assim, se aproximou ainda mais do amigo, que já estava bastante próximo, e o beijou. Seamus correspondeu ao beijo no mesmo instante. Eles estavam em um salão arruinado, cercados por escombros e pessoas atordoadas e/ou feridas. Não era um cenário romântico ou minimamente discreto.  Talvez o gesto fosse até mesmo desrespeitoso com aqueles que choraram seus mortos. Ou com os amigos que ambos haviam perdido no curso daquela guerra. Mas nenhum dos dois conseguia se importar com nada disso. Não naquele instante. Naquele instante, tudo o que importava era que os dois estavam vivos e finalmente juntos. 

— Eu também amo você, Seamus. — Dean sussurrou, quando se afastaram. E sorrisos surgiram em seus lábios pela primeira vez em meses.

Desde então, eles passavam a maior parte do tempo próximos. Era algo bom, já que uma guerra não acaba quando termina. O trauma perdura, te persegue, te assombra. Dean Thomas e Seamus Finnigan eram pessoas repartidas. Pessoas que existiriam eternamente em “antes” e “depois”. Jamais voltariam a ser os garotos despreocupados que um dia foram. A inocência havia morrido. Havia dor e luto e cicatrizes. Havia coisas sobre as quais nenhum dos dois conseguia falar, mas que também não conseguiam esquecer. Seus sonhos se tornavam pesadelos com frequência assustadora e tudo parecia um tanto errado e cinzento. Na teoria, eles haviam vencido a guerra. Na prática, eles se questionavam se era realmente  possível sair vitorioso de uma situação como aquela. O fato era que tanto Dean quanto Seamus ainda estavam tentando digerir tudo o que acontecera e descobrir quem eram agora. Uma tarefa difícil, porém, não impossível. E que se tornava um pouco mais leve pelo fato de não a estarem enfrentado sozinhos. 

Aquela era uma tarde de verão e Dean e Seamus estavam deitados na grama recém-cortada do jardim dos Thomas. Era um dia bonito, céu azul e com poucas nuvens, temperatura agradável, brisa fresca. Em momentos como aquele era mais fácil esquecer os horrores do passado. Era fácil fingir que não existia nenhuma sombra no mundo. Os dois garotos mantinham as mãos entrelaçadas e discutiam amenidades. Qualquer coisa que não os lembrassem do que gostariam de apagar se suas mentes. 

— Você se lembra do Baile de Inverno do quarto ano? — Seamus perguntou de repente. 

Dean o olhou curioso. 

— Me lembro que você bebeu ponche demais e vomitou nos sapatos da Lavender. Eu achei que a pobrezinha iria te matar. 

Os dois riram. 

— A pobrezinha me mandou a conta daqueles sapatos. E não foi nada barata. 

— Bom, você mereceu. — Dean comentou ainda sorrindo — Falando em Lavender, a Parvati está me atormentando há semanas para nós dois irmos a um encontro duplo com ela e a Lavender. 

— Por que nós faríamos isso? — Seamus parecia um tanto horrorizado. 

— Aparentemente é romântico. 

— Pelo amor de Merlin, não!  — Finnigan foi enfático, mas tinha riso nos olhos — Você não acha isso estranho? — ele acrescentou depois de um tempo. 

— A ideia de ir a um encontro duplo com Lavender Brown e Parvati Patil? Sim, bastante. 

— Bom, isso também. Mas estava pensando na quantidade de casais que se formaram recentemente. Parece que o cupido andou acertando muitas flechas por aí. 

Dean  deu de ombros. 

— A morte iminente é um grande catalizador de emoções amorosas e uma ótima casamenteira.

Seamus deu uma leve cotovelada nas costelas do namorado. 

— Nada de falar sobre a morte iminente hoje. Ninguém está morrendo em breve. 

Dean riu. 

— Tudo bem, Sean. — ele concedeu, embora não pudessem ter certeza de que ninguém morreria em breve — Mas você começou a falar sobre o Baile de Inverno apenas para se lembrar de que vomitou nos sapatos da Lavender? 

— Claro que não! Foi você quem fez questão de se lembrar desse detalhe inconveniente. Eu só tenho pensado muito sobre esse baile recentemente. Acho que foi quando percebi que estava me apaixonando por você. — o menino corou. Ainda era um tanto constrangedor admitir aquele tipo de coisa em voz alta. Mas não admitir parecia pior.

— Sério? — Thomas estava um pouco surpreso. 

— Sim. Não sei explicar, mas eu apenas sabia. Quis dançar com você durante aquela noite inteira. —  Seamus confessou. 

Dean apertou a mão dele um pouco mais forte. 

 — Bom, talvez eu seja mais lento do que você, porque não acho que tenha realmente entendido algo sobre meus sentimentos naquela noite. Apesar disso, também quis dançar com você. Na verdade, parecia bem errado que não estivéssemos dançando juntos. Só que, como disse, é provável que seja um tanto lento nesse departamento. 

Seamus riu. 

—  Você é, mas antes tarde do que nunca. 

Foi a vez de Dean dar uma leve cotovelada nas costas do namorado. 

—  Sabe, é meio doido pensar que eu quis dançar com você e você quis dançar comigo. E nenhum de nós fez nada a respeito. —  Seamus continuou e um sorriso malicioso surgiu em seus lábios — Acho que deveríamos corrigir esse erro agora. 

—  Agora? Tipo, aqui, no jardim dos meus pais?

—  Por que não? 

—  São três da tarde e não tem música. E, bom, nós estamos no jardim dos meus pais. —  mas mesmo enquanto dizia aquelas palavras, Dean sabia que não importavam. Mais do que isso: ele sabia que queria dançar com Seamus. Porque, embora eles realmente estivessem evitando falar sobre coisas sombrias ou a morte iminente naquela tarde, a vida era complicada e incerta. Não havia como saber o que te esperava na próxima esquina e, às vezes, as trevas venciam. O mundo começava a parecer seguro de novo, porém, Dean sabia agora que a segurança não era um estado permanente, mas sim algo que precisava ser assegurado todos os dias. E se tudo voltasse a ser consumido pelas chamas e sua vida se encontrasse na ponta de uma navalha, Dean Thomas gostaria de saber que havia dançado com o garoto que amava. Mesmo que apenas por uma vez.

Seamus deveria ter lido aquela certeza no rosto do outro menino, pois se levantou, espalmou as folhas para longe das roupas e lhe estendeu uma das mãos.

—  Senhor Thomas, você me daria à honra dessa dança? 

Dean sorriu, enquanto aceitava a mão que lhe fora oferecida. E então eles dançaram. Era o meio da tarde, não havia música, o jardim tinha uma estrutura irregular e Dean era um dançarino inexperiente e desajeitado, o que contrastava de forma bizarra com a graça habilidosa de Seamus. Eles quase caíram algumas vezes e era provável que aquela fosse a dança mais desengonçada de todos os tempos. Os dois riram o tempo todo. Não era perfeito, mas não precisava ser perfeito, eles apenas precisavam continuar dançando. Juntos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Ok, essa história acabou tomando uns rumos dramáticos que eu não previ inicialmente, mas me parecia impossível falar sobre os dois ao longo dos anos e não tocar na guerra bruxa, já que isso é algo imenso dentro do cânone. Além disso, eu simplesmente amo pensar em como a guerra teria afetado diferentes personagens dos livros e tenho escrito bastante sobre isso nos últimos tempos (tenho inclusive uma Deamus só sobre o pós-guerra). Quanto mais eu penso sobre o assunto, mais eu sinto vontade de abraçar o Dean, porque ele claramente se ferrou muito durante esse período. De qualquer forma, eu ainda queria um final feliz e espero que tenha conseguido entregar um e que essa última parte não tenha ficado muito ruim.
Na verdade, espero que tenham gostado da história! ♥
Beijinhos,
Thaís



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Can I Have This Dance?" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.