Cuidado com o que você usa como chaveiro escrita por Vanessa Sakata, Marimachan


Capítulo 7
Fantasmas de pirralhas de boca-suja não são tão assustadores quanto podem parecer




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Após ver o duelo entre Ginmaru e Dango, Gintoki seguiu até uma parte dos jardins, onde estava uma fonte. Sentou-se em um banco próximo, ouvindo a água fluir naturalmente em seu curso, em um ritmo bem calmo, contrastando com a sua mente que, desde que chegara àquela dimensão, estava um caos. Precisava tentar colocar sua cabeça em ordem e retomar algum controle sobre seu emocional que estava dominado pela instabilidade.

Estar a poucos passos de distância de duas pessoas importantes em sua vida, que haviam morrido em seu mundo, era ao mesmo tempo estranho e doloroso. Estar naquele lugar também trazia à tona lembranças pouco ou nada agradáveis. Não seria exagero dizer que parecia um teste para saber até onde suas feridas suportariam permanecer fechadas.

Sabia que Shinpachi e Ginmaru estavam preocupados com ele. Não haviam lhe falado nada ainda, mas sabia que uma hora eles expressariam em palavras a preocupação que sentiam. O de óculos o conhecia há cerca de duas décadas e seria difícil de enganar dando qualquer desculpa. O mesmo se aplicava ao filho, pois poucos meses de laços mais estreitos pareciam compensar a ausência de uma década inteira.

Não se lembrava desde quando se tornara tão transparente com os outros... Se bem que, na verdade, eram os outros que conviviam com maior proximidade que começaram a observá-lo melhor. Por um lado, isso era bom, pois sabia que o aceitavam tal como era. Por outro, porém, isso era bem ruim, pois não se importavam em carregar um fardo somente seu.

Estava tão imerso em suas próprias lembranças que foi surpreendido com uma voz bastante familiar:

― Gin-chan?

Quase saltou de susto ao ouvir aquela voz o chamando de “Gin-chan”. Se não fosse sua sensibilidade para assombrações, juraria que quem estava ao seu lado era uma. Mesmo assim, fugiu-lhe brevemente a cor do rosto.

― Ah... – ele hesitou após engolir seco. – Oi, Kagura...

Parecia um idiota, pensou. Como ele poderia esquecer que às vezes respondia ao chamado da ruiva com um “que é, estrupício”? Mas, mesmo sendo de outra dimensão, ainda era Kagura, a Yato que viera à Terra e que decidira morar com ele porque sim, e de quebra ainda arranjara um cão gigante para comer quilos e quilos de ração.

Não conseguia parar de ver naquela ruiva a Kagura de sua dimensão. Era aquela pirralha, até mesmo com aquele hábito peculiar de tirar catota do nariz, que aprendera com ele.

Kagura, por sua vez, deu mais alguns passos até alcançar a margem da fonte, largando seus chinelos na grama e sentando-se com os pés voltados para água, molhando-os. Passaram-se alguns segundos daquela forma, com os dois em silêncio, perdidos em seus próprios pensamentos e no desejo de começar aquela conversa, mas sem saber exatamente como. Até que Kagura fora corajosa o suficiente para cortar o silêncio.

— Né, Gin-chan... Como era a Kagura do seu universo? — questionou vaga, com o olhar longínquo, perdido nas nuvens fofas e brancas que passeavam pelo céu. — Ela se parecia comigo?

Estranhamente, ele se sentiu menos tenso, como se a presença da ruiva o deixasse mais relaxado, de tal modo que respondeu, fingindo aquela irritação que costumava ter com a pirralha com quem convivera.

— Se você foi uma pirralha que me azucrinou, esvaziou minha despensa e me espancou várias vezes, sim, se parecia muito. Até hoje eu tenho em casa aquele monstro peludo fazedor de cocô que ela deixou.

Kagura riu baixinho, lembrando-se dos próprios anos em que vivera com o Gintoki de seu universo. Era exatamente daquela maneira. Virou-se de frente para o yorozuya, sorrindo.

— Então tenho certeza de que ela foi tão feliz quanto eu fui, vivendo com você.

― Eu espero que sim... – ele disse com o olhar distante.

— Sei que sim — reafirmou, ainda sorrindo. O sorriso, porém, tornou-se um pouco mais melancólico, ao lembrar-se de sua própria história com o albino de seu mundo. — Até porque, ela esteve ao seu lado até o fim...

— ... E meu outro eu não fez bem isso... — ele completou, refletindo sobre o comentário.

Ela confirmou, acenando positivamente.

— Naquela época, nós fomos totalmente pegos de surpresa... estava tudo bem, tudo de volta ao seu devido lugar... ou era assim que pensávamos. Até que um dia acordamos e ele não estava mais ali. O Gin-chan havia ido embora e nem mesmo se despediu de qualquer um de nós. — Pausou baixando o olhar para a grama, recordando-se dos momentos que descrevia. — Eu e o Shinpachi o procuramos por toda parte, e ainda esperávamos que ele pudesse voltar. Mas isso nunca aconteceu... ­— Voltou a levantar o olhar, sorrindo tristemente. — Mesmo depois de termos nos reencontrado com ele, ele nunca mais voltou pra yorozuya... — Apertou as mãos levemente sobre o cimento da fonte. — Sabe... hoje eu aceito melhor isso, porque sei que, apesar de tudo, ele é feliz aqui. Mas não foi assim nos 11 anos que ele passou desaparecido e nem no início, quando o reencontramos.

— Aposto que vocês queriam me matar com requintes de crueldade. — Ele sorriu com uma ponta de humor enquanto se colocava no lugar de sua contraparte. — Eu pensei que me matariam também após ter sumido por dez anos.

— Era o que eu vivia prometendo que faria se algum dia voltasse a vê-lo. Mas sabe a verdade? — Encarou-o, voltando a sorrir de maneira mais leve. — Foi que quando eu o vi naquela rua, pela primeira vez em quase 11 anos, a única coisa que eu consegui fazer foi chorar e tentar conter a vontade absurda que eu estava de abraçá-lo.

O sorriso de Kagura era o mesmo do qual Gintoki sempre se lembrava, memória reforçada pela pirralha de catorze anos que viera do passado meses atrás. E aquele sorriso o contagiou, fazendo com que, mesmo que por um momento, ele sentisse menos a dor que carregava por dezoito anos.

― Se eu a reencontrasse na minha dimensão, daria um cascudo por ela ter morrido.

Kagura riu debochada.

― Até parece... Se não me engano, você se borra de medo de assombração.

― Ei, ei – o albino protestou. — Eu não tenho medo de assombração, só... Só tenho mais sensibilidade à presença delas!

Kagura fez uma expressão cética, a qual Gintoki há muito não via. Ela não a segurou por muito tempo, porém, caindo na risada. Ele, por seu turno, também não conseguiu segurar a cara que fazia quando se dizia sentir ofendido por algo que lhe diziam ou faziam. Um sorriso mais espontâneo brotou em seus lábios por um breve momento, enquanto a via mexer os pés descalços nas águas cristalinas como se fosse uma criança fascinada pelo frescor.

Frescor esse que contrastava com o calor que surgia em seu peito.

Ele poderia ficar horas ali, observando aquela mulher que parecia uma criança feliz, enxergando nela os traços que ainda restavam da pirralha de boca suja da qual se lembrava; e, curiosamente, aquilo não lhe trazia a dor que acreditava que sempre sentiria ao ver na ruiva à sua frente tudo aquilo que a sua Kagura poderia ter se tornado e não conseguiu chegar até lá, mas agora aquele calor gostoso e leve parecia se manter dentro de seu peito. E ele estava realmente aliviado por isso.

A saudade sempre iria apertar, mas as lembranças agora pareciam ter se tornado mais leves e bem-vindas.

Sua linha de raciocínio só fora interrompida quando o Shinpachi de seu universo o chamara.

— O que houve, Patsuan? Percebeu que o seu outro eu tem uma personalidade mais original porque da armação nova?

— Não seja tão cruel com o seu Shinpachi, Gin-chan. — Kagura levantou-se, voltando a calçar os chinelos. — Pro Shinpachi conseguir uma personalidade mais legal ele também precisou mudar as lentes.

— Minha personalidade não é determinada pela armação dos meus óculos! E nem pelas lentes!! — retrucou indignado, mas preferiu suspirar resignado e dar a notícia que vinha trazendo. — O outro Gin-san mandou avisar que encontraram uma pista sobre o ladrão que tentou furtar o Ginmaru.

(...)

Enquanto era levado pelo carro luxuoso por entre as ruas, ficava admirado em como aquela cidade era diferente de Edo e, principalmente, do Distrito Kabuki. E isso, de certa forma, incomodava profundamente o visitante de outro mundo.

Tudo parecia organizado demais, calmo demais, certinho demais pro gosto dele. Estava acostumado a zona de seu distrito de origem, e não conseguia se imaginar vivendo naquele lugar.

Esse pensamento o levou a se perguntar o que sua contraparte estava fazendo numa cidade como aquela, considerando que ele também era um bandido originado de Kabubuki-cho.

— Oe. — Com isso em mente, chamou a atenção se sua cópia, chefe da facção de yakuzas. — Por que você veio pra Aokigahara?

― Montei meu bando em Kabuki e fui ganhando força, a ponto de ter rivais. – o mais velho respondeu. – Você se lembra daquele cara do sete por três?

― Kurogoma Katsuo?

― Esse mesmo. Não sei se na sua dimensão é igual, mas aqui ele se tornou um dos quatro Devas. Ele era o sucessor de Jirouchou e assumiu seu posto, assim como aquela travesti queixuda, a “Lady Gorila” e o Yorozuya. Enfim, meu bando ganhou força e tentamos tomar o poder dele, mas Kurogoma tem vários aliados e, por conta disso, fomos expulsos de Kabuki. Ouvi falar de Aokigahara, um lugar aparentemente tranquilo e fácil de se estabelecer, mas descobri que não é bem assim... Não, quando já cruzei meu caminho com o antigo Yorozuya.

O Aoshi vindo de outra dimensão suspirou.

― Esse idiota de cabelo prateado é realmente uma pedra no sapato!

― Não por muito tempo – o outro Aoshi disse com um sorriso ladino. – A sua vinda foi providencial. Esse gerador de portal é a solução para os nossos problemas. Podemos viajar ao passado em comum e apagar a existência daquele idiota de todas as dimensões!

— Sim, vamos acabar com isso de uma vez — concordou o outro com um sorriso idêntico.

O restante do caminho foi relativamente silencioso, exceto pelos momentos em que um ou outro fazia algum comentário aleatório. Depois de uns 15 minutos, eles finalmente alcançaram a estação ferroviária da cidade, onde pegaram o trem que os levaria a Edo.

Até a capital do país, levaria cerca de 6 horas. No entanto, seriam 6 horas tranquilas, já que sua contraparte, embora não fosse tão rico quanto gostaria, tinha condições de pagar a primeira classe.

Quando chegaram à estação central de Edo, Aoshi já se sentia 10x mais em casa. Eles seguiram para Kabukicho, onde ele percebera que não havia muita coisa diferente de sua Kabuki: O Distrito estava movimentado, barulhento e bagunçado como sempre. A maior diferença, talvez, fosse o fato de que por ali não encontravam-se os efeitos de uma guerra recente. Em sua dimensão, Kabuki ainda estava se reerguendo após o caos que fora a agora famosa Batalha do Terminal e o movimento pouco a pouco reaparecia em meio à reconstrução e à recuperação econômica ainda tímida. Fora isso, tudo continuava sendo igual, pois o distrito sempre fora único. Sabia que dificilmente se perderia naquelas ruas, vielas e becos.

Os dois Aoshis caminharam por mais um tempo até que aquele vindo de outra dimensão parasse diante de um prédio de dois pavimentos, com pintura vermelha. No andar de baixo estava o bar de Otose que, em sua dimensão, passara a pertencer a Catherine. No de cima, sentiu falta de um detalhe chamativo: uma grande placa branca pintada à mão, escrita “Yorozuya Gin-chan”.

— Olha só... — o ladrão murmurou. — Isso significa que não tem mais Yorozuya aqui?

— Existe, mas só com aqueles dois pirralhos que andavam com ele — o outro respondeu um tanto contrariado. — Como eu já te disse, o Yorozuya agora é o chefão da Shinikayou e vive em Aokigahara. Os outros dois pirralhos continuaram com o yorozuya aqui em Edo, mas não moram mais aqui. — Indicou o prédio com a cabeça. — Moram com a irmã do quatro-olhos.

O Aoshi mais jovem coçou o queixo, lembrando-se de sua dimensão. Não seria nada ruim deixar de ver aquela placa pelo resto de sua vida...

... Ou até mesmo deixar de ver aquela cabeça cheia de cabelo prateado.

Encarou mais detidamente o gerador de portais que trazia à sua mão. Pensava no quanto seria bom aquela geringonça voltando a funcionar e viajar pelo tempo e pelas dimensões para poder dar um sumiço naquele faz-tudo que quase o deixara desdentado.

Foi por esse motivo que quando ambos finalmente alcançaram a oficina do velho Gengai, um sorriso igualmente satisfeito e maquiavélico abriu-se nos lábios dos dois criminosos.

Se dependesse deles, aquela placa nunca mais existiria em nenhum dos universos possíveis.


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