Kotodama escrita por Dani Tsubasa


Capítulo 1
Capítulo único - Kotodama


Notas iniciais do capítulo

*Essa one-shot é um complemento da minha fic longa "Haruma", que foi inspirada pelo musical Rock Musical Bleach Shinsei, de 2011, ou Burimyu Shinsei 2011. Quem quiser saber o que acontece depois dessa one-shot, leia a fic, ou melhor ainda, assista o musical. Lembrando que o próprio Tite Kubo acompanha os musicais, até fez uma dedicatória no volume 20 do mangá e apareceu na gravação da edição conhecida como Live Bankai Show Code 003. Pra facilitar pra quem tiver curioso, nessa minha fic longa Rukia morre no capítulo 8.

*Kotodama, em japonês, significa literalmente "o espírito das palavras". É o nome da canção que Rukia canta para Ichigo quando ele se encontra com ela em seu coração após a tragédia que os dois acabaram de viver.

*Aqui também há referência à canção "Ashita ni ishizue", cantada por Byakuya, durante uma conversa com Ichigo, sobre o que houve com Rukia.

*As imagens colocadas aqui são prints da apresentação desse musical. Sério, vão assistir. Apesar de preferir o elenco original, ainda gostei bastante de alguns dos atores novos, e nessa edição a história é autoral da equipe do musical e super acho que valia a pena recriá-la em mangá e animação. Os personagens novos são muito cativantes e foram muito bem interpretados por Niiro Shinya e Ayano Kanami. Ichigo e Rukia forma interpretados por Norizuki Kouhei e Miki Sato (única atriz mantida em todos os musicais desde o início, com exceção do remake em 2016).



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Kotodama

 

                Depois de muitas horas de dor ao lado do corpo dela, cuidado pela própria Unohana, que fora bastante solidária e gentil diante do que aconteceu aos dois, Ichigo estava de volta à Karakura, no local onde tudo aconteceu, tentando absorver e reagrupar suas ideias desordenadas. A chuva já havia lavado todos os resquícios de sangue do chão e no momento o céu permanecia nublado. O som de trovões distantes anunciava uma nova tempestade, que provavelmente cairia ainda naquele dia, e refletia perfeitamente o que acontecia dentro do coração do shinigami.

                Afogado em sua dor, ele não sentiu a reiatsu de Byakuya se aproximando, apenas percebendo sua presença ao ouvi-lo falar.

                - É aqui que Rukia foi morta?

                O coração de Ichigo sofreu outra pancada, se tornando ainda mais pesado ao adicionar lidar com Byakuya à dor da perda de Rukia. Sua intenção era erguer a cabeça e falar com ele dignamente, fossem quais fossem as consequências, mas até mesmo sua cabeça parecia mais pesada agora, e seu olhar caiu novamente para o chão, onde no dia anterior ele estivera segurando o corpo sem vida da shinigami.

                Byakuya andou pelo lugar, olhando em volta e erguendo uma das mãos no ar como se tentasse sentir algum tipo de energia.

                - Você está no caminho – o capitão falou ao passar em frente a Ichigo e se virar para ir embora.

                - Espere – ele pediu, fazendo Byakuya parar, apesar de não se virar para encarar o ruivo.

                - O que?

                - Você não tem negócios a resolver comigo? – Perguntou ainda sem encarar Byakuya.

                - Não. Estou aqui pra investigar a Lua Vermelha.

                - Você não vai me culpar?

                Sem dizer nada, Byakuya virou o rosto ligeiramente para olhá-lo.

                - É minha culpa que ela morreu. É minha... – ele respirou fundo, tentando impedir as lágrimas de voltarem a seus olhos – Rukia morreu por...

                - Culpar você... Não vai trazer Rukia de volta.

                - Então por que?! Por que você está tão calmo?! Rukia está... – Ichigo exclamou, indo até Byakuya, sem sequer se dar conta, e o agarrando pelos braços para fazê-lo lhe encarar – Você não está triste porque sua irmã mais nova morreu?! – Questionou abaixando a cabeça novamente, não conseguindo mais conter suas lágrimas.

                Nesse instante, com o olhar de Ichigo longe, secretamente, Byakuya sentiu a dor do garoto. Ele conhecia essa dor, muito melhor do que gostaria. E sabia que Rukia também. E que talvez... No momento em que ela tomou a decisão de trocar sua vida pela de Ichigo, ela estivesse pensando outra vez não. Eles eram assustadoramente parecidos, e talvez fosse isso que a fizera se apegar tanto a Ichigo, além de salvar sua família, quando o conheceu, embora agora já parecesse bem claro que sua irmã realmente gostava do jovem, e não do fantasma de Kaien Shiba. Provavelmente ela não chegara a contar essa história a Ichigo, não completa ao menos, e esse não era o momento a se pensar se ele deveria saber ou não.

                - O que você ainda está fazendo aqui?

                Ichigo ficou atento ao ouvir de Byakuya exatamente a mesma frase que ouvira de Rukia num instante em que ela conseguiu recuperar a consciência para falar com ele antes de morrer em seus braços. Ela o repreendeu por continuar em risco, mas seus olhos violeta o olharam cheios de carinho por traz da preocupação e tristeza que os nublava. Finalmente voltando a si, se ergueu para encarar Byakuya.

                - ... o que?

                - Se você sente que Rukia morreu por sua causa... Por que você ainda está vagando por aqui?

                Quando o peso dessas palavras o atingiu, afastou suas mãos do shinigami mais velho, e cambaleou ligeiramente para trás.

                - Não estou mais qualificado pra lutar – respondeu sem conseguir encarar o capitão – Rukia... Ela me confiou a luta contra Iruma. Ela acreditou em mim. E ainda... E ainda, por minha causa, que Rukia... Eu... Eu só consegui assistir quando ela foi morta! – Falou quando seus joelhos caíram para o chão – Eu... Eu não pude proteger Rukia! – Gritou para si mesmo quando as lágrimas correram com mais intensidade por seu rosto, e escondeu o rosto entre os braços quando se apoiou no asfalto.

                Byakuya continuava olhando em silêncio para o jovem, que permanecia totalmente alheio às várias lembranças e sensações que passavam por ele agora.

                - Parece que você não consegue ouvir, afinal. Nesse caso, não posso fazer nada além de seguir em frente... – o nobre disse, já se afastando alguns passos.

                - Espere! – Ichigo pediu, erguendo-se um pouco do chão e virando o rosto para vê-lo se afastar – O que você... Quis dizer agora?

                Byakuya voltou a olhar para a frente, desviando os olhos de Ichigo.

                - Rukia era... Uma shinigami orgulhosa. Ela sabia que o orgulho de um shinigami é cumprir seu dever, mesmo ao custo de sua própria vida. Que as lutas sempre nos desafiam a abandonar nossas dúvidas, e que tudo que nos acontece é que vai criar os dias que ainda viveremos. Se Rukia ainda está em algum lugar dentro de você... Você só precisa ouvir a voz dela – Byakuya falou, finalmente indo embora sem olhar para trás.

                Observou o nobre desaparecer na escuridão da noite, e voltou a cair para o chão com um suspiro pesado.

                - Dentro de mim... – sussurrou para si mesmo, levando uma mão para apertar o tecido do quimono sobre o peito, como se assim fosse possível aliviar a dor insistente ali – Rukia...

                Imerso em sua dor, e sozinho naquela área da cidade, Ichigo sequer percebeu quando fugiu para seu mundo interior, mesmo porque não o reconheceu a princípio, apenas notando a mudança de ambiente quando a luz do sol iluminou o entorno, flocos de neve e pétalas de cerejeira passaram voando por ele, e as gotas frias de chuva atingiram suas costas, tudo de uma só vez. Ergueu a cabeça para olhar para a frente e se viu em seu mundo invertido com prédios de vidros brilhantes, mas cobertos de neve, e com árvores de cerejeira brotando da neve sobre eles. Cravadas na neve, a frente de uma das árvores, estavam Zangetsu e Sode no Shirayuki, em sua forma liberada, ainda mais alva que a pele de sua dona.

                Ichigo piscou algumas vezes tentando lembrar em que momento aquele sonho estranho tinha começado, mas passos na neve o congelaram, e ele arregalou os olhos com quem viu caminhar por entre as árvores mais distantes.

                - ...Rukia! – falou para si mesmo num fio de voz.

                - Você consegue ver as flores desabrochando nessas árvores, Ichigo? – Ela perguntou, e apesar de ainda vir distante caminhando em sua direção e do som da chuva, ele pode ouvi-la.

                Isso fez seu coração disparar e seu corpo estremecer de ansiedade, alívio e medo ao mesmo tempo. Medo de que ela desaparecesse antes de chegar até ele.

                - Olhe pra o sol.

                Ele a obedeceu, sentando-se sobre as pernas para erguer a cabeça e ver o ponto de luz brilhante no céu azul, de onde a neve caía das nuvens que haviam ali. Uma brisa muito suave e agradável acariciou seu rosto e fez seus cabelos esvoaçarem.

                - Vê o quão confortante o vento pode ser? – Rukia perguntou, e pelo tom de sua voz, ele sabia que ela estava sorrindo – Sabe... Do mesmo jeito que as estações mudam na natureza, o formato das nuvens que passam pelo céu também muda – ela disse ao finalmente alcança-lo.

                Ichigo tirou os olhos das nuvens para encará-la, e ela estava ali. Viva, saudável, com seus olhos, daquela cor tão mágica e rara, cintilando para ele, o quimono negro de shinigami contrastando com sua pele clara. Rukia lhe mostrou um sorriso triste, mas sincero.

                - Agora... Vamos dizer adeus... – ela falou pensativa como se dissesse aquilo para si mesma, e o encarou novamente – Vamos dizer adeus – ela repetiu para ele, lhe estendendo a mão e fazendo um gesto para que ele levantasse.

                Ichigo não esperava que seu corpo fosse obedecer, mas repentinamente sentiu a força correr por dentro dele, e se pôs de pé, ainda cambaleando um pouco pelo estado de fraqueza que suas emoções o tinham deixado, mas de pé.

                - Ichigo... – Rukia falou sorrindo para ele, seus olhos parecendo expressar mil emoções ao mesmo tempo, de gratidão, carinho, felicidade, tristeza, saudade – No meu coração, eu sempre vou me lembrar daqueles dias incríveis que passei com meus amigos, e com você. Eu quero que você saiba... Que mesmo quando estivermos longe, essas memórias vão permanecer no meu peito.

                Olhando para ela, Ichigo não conseguia dizer nada, como se seu corpo tivesse esquecido do que fazer para falar. Mas pela forma como Rukia o olhava, ele sabia que ela podia entendê-lo.

                - Vamos fazer uma promessa – ela disse desviando o olhar dele para as flores nas árvores, cujas pétalas continuavam se espalhando pelos ventos – Com palavras que só nós podemos entender. O espírito dessas palavras vai se esvair no vento, mas... Elas permanecerão em nossos corações – a pequena falou unindo as mãos sobre o peito.

                A essa altura Ichigo estava chorando de novo enquanto a olhava e a seguia conforme ela caminhava pelo local.

                - Vamos fazer uma promessa com palavras que não poderão ser dissipadas pela distância – ela falou quando chegaram até as espadas cruzadas no chão nevado.

                Ichigo se aproximou, observando com tristeza as duas espadas juntas, e notando o quanto combinavam bem. Por instinto teve o impulso de empunhar a Zangetsu, mas seu braço não teve forças para isso, e nem seus pés para chegarem mais perto.

— O espírito dessa promessa também vai fluir no vento – a voz de Rukia continuou, quando seus passos se aproximaram atrás dele – E assim ela nos fará seguir em frente – ela disse no instante em que Ichigo sentiu novamente uma força impulsioná-lo, fazendo-o completar os passos até Zangetsu e Sode no Shirayuki, como se o próprio vento o tivesse empurrado, mas tão suave quando seria se as pequenas mãos de Rukia o fizessem.

O shinigami se virou para olhá-la.

— Agora, levante sua cabeça e olhe pra o céu – ela lhe disse, e ele assim o fez, vendo as nuvens que estavam cinzentas clarearem conforme a intensidade da chuva começava a diminuir rapidamente – Toda a chuva vai parar em algum momento – Rukia falou, erguendo uma das mãos para sentir as últimas gotas que caíam do céu – Você ficará bem, Ichigo.

Ichigo abaixou a mão que também erguera para sentir a chuva parar, e olhou para Rukia, sentindo o choque das palavras dela, as quais julgava impossíveis. Mas ela apenas sorriu diante de seu olhar desesperado e dolorido.

— Você ficará bem – ela repetiu, naquele tom de voz que ela sempre usava quando queria acalmá-lo, como tantas vezes antes – Certamente chegará um dia em que você poderá sorrir de novo.

Não aguentando mais, ele desistiu de conter o choro, e avançou na direção dela, caindo de joelhos a frente da shinigami, a abraçando pela cintura, e descansando a cabeça contra seu pequeno corpo. Ichigo soluçou quando as mãos dela se enredaram carinhosamente em seu cabelo, num afago suave.

— Me desculpe... Rukia... – murmurou entre as lágrimas – Por demorar tanto.

Ela suspirou, e ele soube que ela estava sorrindo.

— Tudo bem, Ichigo. Eu escolhi salvar você. Eu escolhi – ela enfatizou – Naquela época... Não foi por isso que você quis tanto me salvar?

Ao ser lembrado disso, ele conseguiu acalmar seu choro, restando apenas sua respiração ofegante para controlar. Continuou respirando abraçado a ela, sendo confortado pelas mãos pequenas embalando a cabeça dele contra o estômago.

— Você ficará bem – Rukia repetiu num sussurro cheio de afeto quando ele não falou mais nada – Você ficará bem. Ichi... Do mesmo jeito que encontramos um ao outro... Não foi só a sua chuva que parou. Certamente vai chegar um dia em que você poderá sorrir de novo.

Ichigo se sentiu tão leve que parecia que seu corpo nem existia mais, e que sua alma era pura luz, sem peso e sem forma. A sensação das mãos de Rukia em volta dele, e de seu corpo delicado em seus braços, desapareceu, embora ainda pudesse senti-la perto dele. Ainda tinha muito a dizer a ela, coisas que ele enterrara dentro de si por inúmeros motivos, e tinha deixado que ela partisse sem saber, mas sem se dar conta de como ou quando, ele abriu os olhos e estava de volta no local onde conversara com Byakuya sabe-se lá quanto tempo atrás. Ainda era noite, e apesar das nuvens pesadas, a chuva não caía mais, os trovões estavam diminuindo, e a Lua sangrenta continuava brilhando no céu escuro. O sangue dela também estava ali, onde deveria haver apenas luz branca, clara e confortante, como Rukia e sua espada.

Se você sente que Rukia morreu por sua causa... Por que você ainda está vagando por aqui?

As palavras de Byakuya e as lembranças do que tinha acabado de viver em seu mundo interior, ou no de Rukia, ou em seus sonhos, ecoaram em seu coração, e finalmente conseguiu forças para empunhar a Zangetsu e se por de pé, encarando a Lua Vermelha e jurando para si mesmo acabar com aquele massacre, ainda naquela noite se pudesse.

— Rukia... – falou para si mesmo, numa promessa silenciosa, que só os dois seriam capazes de entender, e que nenhuma distância poderia quebrar, onde quer que ela estivesse agora.


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