O Cavaleiro Reluzente escrita por The Lost World, Liz Blanc


Capítulo 1
O Cavaleiro Reluzente


Notas iniciais do capítulo

# amiga secreta.
Ela sabe que é a chuva que vai lavar os sentimentos ruins de quem a encontrar, sabe também que os sonhos são possíveis, mas que as lutas por eles veem a cada dia.
Ela sabe que é forte, ela sabe que é bela, ela sabe por mais que as pessoas não a entendam, o mundo é diverso e temos nosso espaço nele.
Ser quem somos, reflete sermos contra todo o resto do mundo, mas não deixemos de acreditar em nós mesmos.
Seja sempre forte e bela como uma flor do deserto, que mesmo na imensidão de um ambiente que vai contra ela, ela floresce e mostra sua superioridade.
Floresça sempre Lidi.



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O amanhecer daquele dia, trazia consigo sensações boas, após a temporada de chuvas, o sol brilhava forte, mesmo ainda tão cedo os pássaros cantavam lá fora, e a brisa agitava as folhas nas árvores próximas, era ao mesmo tempo fresca e reconfortante.

            Na varanda da casa da árvore ainda que os primeiros raios de sol apenas apontassem no horizonte, Lorde Roxton já se encontrava desperto e vestido, sentado confortavelmente na espreguiçadeira, limpando suas armas e conferindo as munições.

            Neste horário o habitual era que Verónica e Malone também já estivessem despertos junto da mesa do café da manhã, porém no dia anterior ambos fizeram uma execução de ida e volta até a aldeia de Zanga, escoltando o professor Summerlee até os mesmos, que pretendia passar alguns dias junto daqueles habitantes para estudar algumas de suas ervas medicinais, que futuramente poderia ser usada pelos próprios integrantes da expedição. É claro que tal execução havia deixado o casal mais jovem exaustos, fazendo com que dormissem até um pouco mais tarde, deixando a casa sozinha e silenciosa para o caçador.

            Roxton sentia a ausência de Challenger e de Marguerite, que haviam saído há dois dias, em busca de alguns minérios e plantas para os novos experimentos do cientista, a herdeira que odiava andar pela floresta, ainda que contrariada concordou em acompanha-lo, principalmente por que o cientista prometeu que eles passariam por um determinado local que a mesma adorava colher novas pedras e isso a animou. O caçador de imediato demonstrou interesse em ir junto, vez que não confiava muito naqueles dois sozinhos, sempre um ou outro os metiam alguma encrenca, seria bom alguém com mais experiência, para a própria segurança de todos.

            Porém Marguerite com o seu tom irônico habitual, se mostrando sempre capaz de se defender sozinha, desviou o assunto, agradeceu a sua proposta e saiu pelo elevador, sem sequer aguardar qualquer outra explicação do caçador, puxando Challenger consigo, que por sinal parecia também compartilhar da surpresa, pobre homem, sempre era pego desprevenido pela sua acompanhante.

            Roxton pensava que por um lado, não ter feito a “excursão” com eles foi bom, sentia que precisava ficar um pouco longe da herdeira, como se fosse necessário para colocar seus pensamentos em ordem, desde o incidente em Camelot, a mente dele estava nublada com sentimentos conflitantes dentro si mesmo, sentimentos que desconhecia e que não sabia com exatidão o que isso significava.

            Marguerite krux, era uma mulher que desejava desde o momento em que a viu, imponente, cheia de si, e com um auto controle admirável, qualquer homem seria louco se não olhasse e a desejasse, e o lorde tinha um ótimo juízo deste fato, porém com o passar dos dias, a convivência e os perigos que dividiam juntos, ele pode perceber que a mulher era mais, muito mais do que ele sonharia imaginar, seu instinto de auto preservação já os tinha ajudado em muitas situações, e sua experiência em negociações mesmo que de uma forma mais incisiva e agressiva, sempre livrava seus pescoços.

            No entanto, algo havia mudado depois do que passaram em Camelot, ele pode descobrir mais uma face da misteriosa mulher, uma face bondosa, de compaixão, e preocupação, ela poderia ter ido embora, oportunidade não lhe faltou, mas ainda assim, insistiu em ficar e se sacrifica para ajudar um jovem rei, que já tinha seu destino traçado para morrer, caso não fosse por sua interferência.

            E quando ela foi atingida por aquela faca e o desespero tomou conta de si, foi então que Roxton soube que os sentimentos entre eles já não eram os mesmos, algo não estava mais no seu “lugar”, e isso honestamente o preocupava, o suspiro alto foi uma prova, uma demonstração de que as coisas estavam piores do que imaginava, e  como se não bastasse ele se via perdido, não sabia como agir, até porque a mulher em questão era fechada dentro de seu próprio muro de Berlim.

            Ainda perdido em meio das suas lembranças e pensamentos, o caçador percebe que no lugar da confusão, a preocupação o toma quase instantaneamente, eles já estavam fora há dois dias e para a distância que supostamente percorreriam dois dias era tempo suficiente para ir e voltar, e aquele instinto que ele sempre seguiu para salvar sua vida e a dos amigos começou a lhe incomodar e invadir todo o seu ser, algo poderia ter acontecido, era o que lhe assombrava a mente.

            Neste momento o sol já brilhava alto no céu, talvez fosse a hora certa de chamar os outros, quem sabe os amigos também concordassem de sua opinião, o bastante para irem busca-los, mas não houve tempo do caçador tomar qualquer atitude, o som de um tiro próximo foi escutado, seguido de mais dois, o que arrepiou sua espinha, esse era o sinal quando havia problemas, dois tiros se fosse relacionado a ferimentos, e três tiros se fosse algo realmente urgente, este era o sinal.

            O caçador não esperou, agarrou o rifle que estava em cima da mesa e num pulo correu para p elevador, Verônica e Malone também despertaram assustados, chegaram na sala de imediato, e com as fisionomias ainda meio amassadas de sono, mas alertas, ambos não conseguiram acompanhar o caçador, que saiu em disparada para a floresta, algo não estava bem e ele sabia disso.

            A imagem da herdeira em sua mente era perturbadora, e se algo tivesse acontecido com ela? Ou até mesmo com Challenger? Aumentou a velocidade dos passos, até que surpreendentemente e abruptamente se chocou com o corpo do cientista, que caminhava em sua direção, cambaleando e com um dos braços coberto de sangue, assim como as suas roupas. Roxton por alguns minutos prendeu a respiração e olhou ao redor em busca de predadores, nada, não detectou nenhum sinal de perigo, o que o deixou de certa maneira mais aliviado.

            Correu apreensivo até o amigo, que se assustou com seu o toque, mas assim que o identificou, conseguiu relaxar e se sentir mais seguro.

— Roxton, meu caro, como é bom encontrá-lo. Eu não sei quanto mais aguentaria nessas condições. –  Suspirou o cientista já cansado, ele estava quase a noite toda andando, sem que tivesse ao menos um descanso, isso porque precisava da ajuda dos amigos.

            Roxton não precisou olhar muito para perceber que algo estava errado, observou a sua volta e não a viu, demorou alguns segundos, mas criou coragem e perguntou, embora temesse a respostas.

— Professor ... Onde está Marguerite? – A pergunta saiu como um sussurro, como se o fato dele falar em voz alta poderia piorar a situação, nesta mesma hora Verónica os alcançavam, corria até a clareira que se encontrava, seguida por Malone em seu encalço, ambos aflitos com o estado de saúde de Challenger.  

            A resposta não chegou a ser pronuncia, pois o desgaste físico e o ferimento cobraram seu preço, e o cientista perdeu os sentidos, o seu corpo tombou inerte, ao lado do caçador, causando mais preocupação a todos.

            Veronica pode claramente ler as intensões de Roxton, assim que a mesma o olhou, pode observar em seus gestos que o mesmo cogitava a hipótese de deixá-los e partir em uma busca que só lhe causariam mais problemas, ele pensava em ir atrás de Marguerite, nem que fosse sozinho. Mas a garota da selva foi mais rápida e segurou o braço do caçador.

— Nós vamos busca-la Roxton, porem primeiro temos que cuidar do Challenger e ver a intensidade de seus ferimentos. 

            Mesmo relutante, o caçador concordou, fez o seu melhor, junto de Malone, ambos pegaram alguns galhos mais resistentes e montaram uma maca improvisada, não demorou e logo estavam caminhando em direção a casa.

            Em pouco menos de duas horas os aventureiros chegaram à casa da arvore e com isso começaram a fazer os procedimentos que George precisava, Roxton estava impaciente e por mais que tentasse não conseguia prestar tanta atenção ao amigo como gostaria.

            Depois de seus pensamentos pela manhã, que desconfiava de seus sentimentos pela herdeira, seu coração e mente confusos, tudo parecia colaborar para que ficasse ainda mais aflito, sem saber aonde ela estava e o que teria acontecido. Sabia que ela não precisava de ninguém para cuidar de si, mas o sempre que estavam juntos algo o impulsionava a ser seu defensor e protetor.

            No meio da tarde George vagarosamente recobrou a consciência, um tanto confuso, mas sabia que precisava se esforçar, tinham que ajudar Marguerite, sabia que a morena mesmo com aquelas camadas de frieza, a reputação que sempre estava preocupada em manter, tinha se entregado em seu lugar, e agora ela precisaria dele, de todos eles, como se o cientista sentisse que precisava o quanto antes retribuir o seu belo gesto de amizade.

— George, sei que você ainda está exausto, e precisará descansar por mais algum tempo, mas precisamos saber o que houve enquanto estavam fora, para ajudarmos Marguerite. – Comentou Malone com toda a calma que era uma característica única de sua personalidade, mesmo em momentos como este, ele sabia como se portar da melhor maneira possível, enquanto o caçador permanecia em silencia, observando toda aquela situação, procurando controlar todo aquele nervoso que o consumia.

            O cientista com a ajuda de Verônica se sentou e esperou tudo a sua volta parar de rodar, agora que tinha mais clareza das coisas, recobrava as lembranças do ocorrido, poderia informar aos amigos os fatos com maior precisão e inclusive a direção correta.

— Marguerite e eu estávamos perto do rio Summerlee, discutíamos algumas variações acerca dos caminhos que às águas podem nos guiar, e eu estava animado, nunca tinha a visto compartilhar comigo um diálogo tão diferente do que é seu habitual, aberta a escutar as minhas teorias, posso dizer que apreciava a sua mente incrível ... – Um coçar de garganta do John, fez o cientista voltar a si, fora de suas divagações. —... Pois bem, onde estávamos. Oh sim, estávamos já quase parando para um pequeno descanso quando fomos abordados por um grupo deveras peculiar ao meu entendimento, eles usavam roupas de linho banco impecáveis até mesmo para este planalto, o grupo não constituía só de homens, mas de algumas mulheres também, como sempre não entendia seu idioma, diferente de Marguerite que a cada palavra deles, gesticulava mais com as mãos. Pelo que eu pude compreender, eles queriam fazer algo comigo, no entanto ela se interpôs e é tudo que me lembro, antes dela me acertar com a arma atrás da cabeça.

— Somente isso Challenger? Nenhuma informação mais? Como vamos achá-la no meio desse platô maldito, entre tantas tribos diferentes? – Roxton não conseguia conter sua preocupação, já o consumia por completo, estava ansioso para sair logo atrás dela.

            O olhar de Verónica para o caçador era ao mesmo tempo sério e preocupado, não sabia bem o porquê de o mesmo estar a agindo dessa forma, tão agitado e até mesmo precipitado, mas tinha que admitir que as informações de George não eram tão boas e muito menos precisas.

— Lembro-me de uma palavra que eles não paravam de repetir… Pharmakos.

            O arquejo de Verônica pode ser ouvido claramente, já que todos estavam em silencio e Roxton sabia que boas coisas não significavam, ela não precisou pensar muito, lembrava-se de ter ouvido esse termo há muito tempo, o qual não poderia ser esquecido, seu pai sempre lhe contara histórias antigas do povo grego e como eles tinham deuses incríveis e tradições absurdas. Ainda quando era uma criança e os seus pais encontraram um povo ao norte do platô, que mantinha as tradições gregas milenares e seus costumes arcaicos, e como os pais depois de alguns dias quiseram ir embora as pressas, nunca mais retornando até aquele povo.

            O livro que ela procurava estava mais afastado do que os outros, como se os pais quisessem que aquele povo ficasse mais escondido do que já eram, não foi preciso procurar muito, o que ela buscava já estava nas primeiras páginas escritas.

— Aqui está: “A sociedade grega era obcecada pela beleza e pela pureza e os que fugiam destes padrões eram vistos como uma ameaça. As imperfeições físicas poderiam ser vistas até como uma falha moral e, por isso, muitas crianças com deficiências foram abandonadas fora dos muros da cidade.

Há outro ponto importante: a mitologia grega sugere que o sacrifício humano tem o poder de salvar uma comunidade. Assim sendo, o ritual Pharmakos era uma catarse, representando a purificação de toda a sociedade através do sacrifício de seus membros marginalizados.

O termo “pharmakon”, que posteriormente originou a palavra em inglês “pharmacy” (farmácia), significa tanto veneno quanto remédio, o que demonstra o papel ambíguo do ritual: o escolhido era o “culpado” por todos os males, mas também o salvador. O sacrifício não libertava a cidade dos tempos difíceis, mas aliviava as tensões sociais que se acumulavam durante a crise.

Em tempos de crise, guerra e pragas, quando a sociedade temia por sua sobrevivência, cada cidade deveria escolher um habitante. Os escolhidos seriam nomeados pharmakos e serviriam como uma espécie de bode-expiatório, alguém em que recaem as culpas alheias.

Durante a cerimônia, que durava três dias, os pharmakos eram muito bem alimentados com as iguarias mais requintadas disponíveis, como figos, bolos, queijo e outas mais. Também usavam boas vestimentas e colares com figos pretos e brancos, simbolizando homens e mulheres.

O objetivo da cerimônia era livrar a comunidade das desgraças e isso era feito com a execução do escolhido. Outros elementos eram arremessados, como bulbos de cebola e alho, que, na fé popular, repeliam o miasma, os maus espíritos e a má sorte.”

            Dizer que espanto era a feição que definia os rostos presentes era pouco, se este ritual era feito em três dias e já faziam quase 12 horas desde que eles tinham se separado, o tempo era escasso. Por mais que John desejasse sair em busca da herdeira, eles concordaram em descansar e partir logo ao raiar do sol, George também queria acompanhá-los e não houve quem o convencesse do contrário, as mochilas e equipamentos foram arrumadas na noite anterior, levariam somente o necessário para pequenos acampamentos e não causando muito peso para não se cansarem.

            A noite passou lenta e angustiante, o caçador não conseguia pregar os olhos e quando se deu conta estava no quarto da bela morena, o cheiro de Marguerite estava presente em todos os lados e ele podia visualiza-la ali, deitada em sua sempre impecável camisola longa de seda branca, seus cabelos negros espalhados pelo travesseiro, mas ela não dormia, e sim o olhava com curiosidade e aquele olhar clinico como se soubesse de todos os segredos do mundo. John serrou os punhos e pensou consigo que iria trazê-la de volta, a qualquer custo.

            No meio da manhã do dia seguinte o grupo já havia percorrido uma boa distancia, mesmo George estava com uma boa disposição, então paravam poucas vezes para descansar, o dia quente também não ajudava, mas isso não os fazia diminuir o ritmo. Se não estivessem errados, quase 24 horas já haviam se passado e ainda tinha um bom percurso do caminho para chegarem ao destino, graças aos pais de Verônica que haviam desenhado um mapa eles não tiveram dificuldades em seguir os trajetos traçados e puderam evitar as zonas mais perigosas, como os bandos de raptores ou as tribos canibais.

            Em todo momento eles pensavam e se perguntavam o que poderia ter despertado novamente o ritual, já que pelo que Verônica havia descrito a última vez que esteve no local, o ritual só era realizado em casos de desespero, concordaram que talvez a época das secas poderiam ser um dos fatores, tendo em vista que o norte sempre sofria mais com essas épocas, e isso podia desestabilizar tanto seres humanos, como animais que acabavam por migrar em busca das maiores fontes.

            O primeiro acampamento foi bem simples, sem barracas para não perderem tempo, Verônica forçou John a dormir um pouco, para que ele recuperasse as forças, sabia que na noite anterior o amigo permaneceu acordado, Malone ficou de vigia, e a refeição deles também não passou de algumas frutas e raptor desidratado.  O tempo estava se passava mais rápido do que eles imaginavam e não sabiam o estado em que Marguerite se encontraria.

            Se os nativos seguissem as normas à risca, os primeiros dias dela seriam de prazeres e cuidados, como uma verdadeira rainha, e depois ela seria executada, tinham mais 24 horas para encontrá-la e de alguma forma salva-la, sendo apenas os quatro contra um número de possíveis inimigos desconhecido.

            A aldeia ficava em um vale, surpreendendo os exploradores com a estrutura e a segurança do local, mesmo para Verônica tudo aquilo era novidade, já que quando os seus pais estiveram no local, ela não os acompanhou, era como se tivessem voltado a centenas de anos atrás, revivendo a verdadeira cultura grega. Os entalhamentos em pedra, as colunas erguidas, as estruturas dos prédios, esculturas espelhadas de uma vivacidade que só viram através de livros ou no caso dos rapazes em museus, e todas aquelas vestimentas, tudo indicava realmente uma descendência única e original.

            Tudo era muito calmo, mais do que esperavam, o que causou estranhamento no grupo que imaginava uma guerra ou conflitos, afinal o ritual era sempre convocado por esse propósito, mas todos ali, permaneciam calmos e realizando suas atividades normalmente. Entrar na cidade não foi difícil, já que eles tinham uma parte comercial dentro dos muros, onde puderam inclusive visualizar outras etnias e seres convivendo entre si e realizando trocas de objetos, civilizadamente.

— Seria possível uma informação? – Questionou Challenger, um dos habitantes locais.

            O rapaz deu um aceno de cabeça um tanto curioso, como se estivesse se divertindo com todo aquele ambiente.

— Claro que sim Sir, em que posso ajudá-lo? 

— Poderia me explicar o que aparentemente está prestes a acontecer aqui, percebo que a cidade está esperando algo, algum evento em especial? –  Tinham que saber todos os detalhes, caso contrária não conseguiriam libertar a herdeira.

— Oh sim, você deve ser estrangeiro! A cada 5 anos festejamos o pharmakos, a nossa governante diz que isso é necessário para trazer boa sorte e beleza para as nossas vidas, antes eram pessoas da nossa cidade, mas quando elas partiam isso nos entristecia, além de causar temores entre os mais velhos, de que ao invés de bençãos, sermos amaldiçoadas pela fúria dos deus, desde então as pessoas que não pertencem a nossa civilização passaram a serem escolhidas, veja, nós não fazemos mal nenhum, estas pessoas são submetidas a um tratamento digno de um nobre, e depois voltam para suas casas.

            Eles trocaram olhares confusos, não eram capazes de compreender o que o rapaz falava, isso não parecia nada com o que os registros dos pais da Verônica, as informações não eram condizentes, o jovem percebendo as feições dos membros daquele grupo peculiar, sorriu e voltou a explicar sobre o evento que aconteceria em breve.

— Vejam, nossa governante diz que se tratamos bem outras vidas seremos retribuídos, assim como se a tratados mal, é como uma troca entendem. Então a escolhida, que são sempre mulheres, será tratada como uma de nossas deusas durante estes dias, sendo bem alimentada e cuidada, e depois ela será guiada até o centro da praça, onde a observamos tomar uma taça do melhor vinho da nossa safra. Em poucos minutos ela terá o mais profundo sono, como eu disse tratamento dos deuses, feito isto, a mulher escolhida é levada ao palácio para um encontro com a nossa governante, um jantar digno de qualquer rei ou rainha. E no dia seguinte a guarda real a devolverá para o seu local de origem, e nunca mais a vemos, mas sabemos que assim como nós, o povo a quem está mulher pertencer por 5 anos terá a mesma prosperidade e felicidade.

            George ficou se viu em estado de choque, tanto que esqueceu-se de procurar saber o horário que o ritual aconteceria, porém estava claro, que por algum motivo que não podiam imaginar qual era, os habitantes locais desconheciam a índole da própria governante, que por óbvio deveria sacrificar aquelas mulheres em rituais secretos, que não caberia compartilhar com os demais.

            Nas dependências do templo Marguerite vinha sendo tratada como uma deusa, haviam lhe dado um banho de água de rosas o que deixou sua pele perfumada, seus cabelos foram aplicados óleos naturais que os deixavam ainda mais sedosos, e sua pele massageada com algum tipo de hidratante extraído de flores do campo, suas vestimentas substituídas por um tipo de camisola, da mais pura ceda em tons azulados, o que destacavam a cor dos seus olhos, tendo um busto todo trabalhado em renda manualmente, e o resto do tecido caia até um pouco acima dos tornozelos, lisa e suave, destacando a sua silhueta.

            Os cabelos longos e negros estavam soltos, usava somente um lindo e delicado adorno, com a estrutura em arco laceado, aplicado flores douradas feitas de ouro, que repousava suavemente em sua têmpora, como se estivessem combinando com o efeito, nos braços haviam braceletes semelhantes, e nos pés sandálias feitas a mão, tiras de couro que rodeavam seus tornozelos.

            Não era errado admitir que estava adorando os mimos, mas ao mesmo tempo ansiava pela chegada dos amigos, Marguerite sempre esteve sozinha, dependendo de si mesma para sobreviver, porém desde que chegou neste platô e se viu rodeada daquela nova família as coisas começaram a mudar, enxergava neles um novo porto seguro, principalmente em John Roxton, embora nunca admitiria isso a nenhum deles.

            Ela não era mais uma menina ingênua, aquela que foi um dia, hoje saberia reconhecer um olhar de luxuria para cima de si, e o charme daquele homem era surpreendente, depois dos dias que começaram a lutar pela sobrevivência juntos, ela pode observar outras qualidades e também os defeitos daquele homem, mas no geral eram contextos que se encaixavam bem, que o faziam ser honrado e justo da forma que era.

            Quando ela estava com o cientista e ouviu o nome do ritual algumas de suas aulas vieram a a sua mente, e soube que se tratava de um sacrifício, então convenceu aquele povo a leva-la e deixar o amigo ir embora, claro que na esperança de que ele permanecesse seguro e conseguisse retornar para casa, e que se a sorte estivesse do lado dela, conseguisse reunir a malta para ajudá-la, tudo isso em 3 dias.

            Ela tinha tentado escapar e convencer a governante com sua lábia, mas admitia que os homens eram muito mais maleáveis que as mulheres, e aquela mulher estava determinada, ela foi bem clara com a herdeira, na sua concepção os sacrifícios a manteriam jovem por mais tempo e lhe proporcionariam cada vez mais poder, e claro que os habitantes não tinham conhecimento do seu real objetivo, então durante anos ela os enganou e com êxito seguia o seu reinado, um tanto sangrento.

            O ritual ocorreria ao pôr do sol, quando o sol ao se por pelas montanhas demostraria uma passagem do Deus Apolo reinando mais um dia de luz e com isso levando a alma da oferenda com ele.  Marguerite também sabia que o vinho que tomaria continha veneno e que o mesmo consumiria o seu ser, era tudo muito bem arquitetado, dramático e teatral, o que a fez revirar os olhos, típico daquela civilização.

            Olhando pela janela do templo ela suspirou.  — John onde você está? 

            Os exploradores se reuniram e não sabiam por onde começar a sua busca, a cidade era imensa e cheia de guardas, o resgate dela teria que ser na hora da oferenda, antes que ela ingerisse o veneno, por mais que os amigos falassem Roxton não conseguia se concentrar, a cada minuto que se passava algo dentro de si lhe dava maus pressentimentos. E sempre que estava em suas caçadas, os extintos sempre foram importantes e fundamentais para se manter vivo e aqueles que o acompanhasse. Suspirando ele se voltou para os amigos, tentando de alguma forma pensar em algo que tirasse todos daquela situação, especialmente ela.

            Não demorou muito e o pôr do sol chegou, mais rápido do que o gostariam, a população já ansiosa começou a se reunir na praça central, muitos viajantes que estavam ali devido ao comércio também se juntaram para o curioso evento, os amigos tentaram ficar o mais perto da plataforma que foi montada, logo uma trombeta foi tocada e as portas do templo se abriram trazendo a governante que deveria ter aproximadamente 50 anos de idade, a pele tinha um tom mais moreno, resultado de alguns banhos de sol, os cabelos loiros e longos, estavam enfeitados por um arranjo no alto da cabeça e as roupas eram de um tom vinho, o que fez muitos se curvarem, porém a atenção e arquejo de todos foi evidente quando Marguerite apareceu na visão deles. Mesmo Roxton e os outros ficaram chocados, não tinham palavras, ela era trazida em um divã, carregada por alguns homens, a roupa em contraste com os cabelos longos e as feições delicadas da herdeira a deixaram de fato digna a se comparada a uma deusa, em conjunto com os raios solares que estavam a se pôr ao fundo, a deixaram realmente com um ar de nobreza e divindade.

            Ela se mantinha calma ou pelo menos essa era impressão que transmitia, não foi difícil achar os amigos, reconheceria aquele chapéu do Roxton em qualquer lugar, o alivio inundou seu coração, mas não podia baixar a guarda, ainda corriam perigo, eles teriam que sair daquela situação, de um jeito ou de outro, só quando fixou os olhos no caçador que ela teve a certeza que esperava.

            A governante começou um discurso vanglorioso, e seu povo emitia tons de alegria, ansiosos, logo uma taça elegante trabalhada em ouro e pedras de rubis foi conduzida até si mesma, e ela ofereceu a Marguerite, a herdeira rebelde virou o rosto, negando-se ingerir o liquido, despertando a raiva da mulher mais velha, a mesma começou a se aproximar da herdeira e ordenou que os guardas segurarem seus braços, as pessoas que assistiam o ritual não entendiam motivo de Marguerite agir dessa maneira, ela só iria dormir por algumas horas e depois partiria para casa…

            Roxton tentou se conter, não fazer nada impulsivo, mas ele não conseguiu, levantou o rifle para cima e disparou dois tiros de aviso, assustando a todos os presentes, causando tumulto, as pessoas correram para se proteger daquela arma desconhecida, a governante assustada olhou para os frios olhos do caçador, e em um ato de desespero forçou a taça contra a boca de Marguerite, a obrigando a tomar o vinho, por mais que lutasse a herdeira não conseguiu evitar e ingeriu o veneno.

            O efeito da erva era rápido, ela a ingeriu e a sonolência começou a deixa-la sem forças, Roxton em passadas rápidas chegou até a mesma, afastando os guardas que estavam atordoados com tudo o que acontecia ao mesmo tempo. Verônica com sua faca imobilizou a governante, pressionando-a em seu pescoço, mas mesmo em desvantagem ela mantinha um sorriso triunfante no rosto, seu dever foi cumprido e seu objetivo alcançado.

— Nos conte o que você deu a ela! – A loira gritava, um tanto exaltada, mas a mulher se negou a responder. Enquanto Roxton tinha a herdeira nos braços, que já estava perdendo os sentidos.

— Marguerite fique comigo, não durma! – A voz firme tinha no fundo um tom de preocupação e uma pitada de desespero ela morreria se não encontrassem logo o antidoto.

Sorrindo lindamente ela olhou nos olhos do caçador….

— Eu sempre soube que você era meu cavaleiro de armadura reluzente… – Assim que as palavras lhe escapavam de seus lábios ela perdeu os sentidos que ainda restavam.

            Roxton sentiu um arrepio em sua espinha, o mesmo sentimento de quando perdeu William, não… isso não se repetiria! Ele entregou Marguerite a George, para que ele monitorasse as reações dela, sabia que estaria segura agora, e com um sinal para Malone, os dois correram para o templo, ninguém decidiu pará-los ou se pôs em seu caminho, já que perceberam que algo ali estava errado, e que somente depois de anos se perguntavam qual era verdadeiramente o motivo deste ritual, que ano após ano se repetia e que muitos dos seus haviam se envolvido.

 

            O veneno tinha que ser preparado no templo, então a erva tinha que estar em algum lugar, Roxton não conseguia pensar direito, o rosto da herdeira não saia de sua mente, mas teve que se concentrar, foi Malone que após procurar em alguns cômodos obteve sucesso, mas agora as dúvidas que habitavam os seus pensamentos era se existia cura para aquela substância? E se existisse, o que seria necessário?

            Eles voltaram para o local do ritual, George de todos eles era o único que poderia entender o que fazer, ao ver flor em questão, os seus olhos se iluminaram em reconhecimento, no entanto, algo instantâneo e passageiro.

— Está flor se chama trombeta de anjo, muito comum na América do Sul, em pequenas doses ela não é perigosa, mas em altas doses pode matar. Ela contém alcaloides tropânicos, como escopolamina, atropina e hiosciamina. Mesmo sabendo do perigo, algumas pessoas ingerem um chá feito com essas flores, como um potente alucinógeno. Além disto, pode causar algumas paralisias também, mas o pior é o ataque do coração, ela irá reter que o sistema circulatório bombeie sangue até o órgão, levando a pessoa a morte eminente. – Os amigos não entenderam nenhum dos componentes da flor, mas perceberam que tinham que agir rápido.

— Challenger existe cura? – Perguntou Malone ansioso.

            O cientista não respondeu, apenas abaixou a cabeça, desviando o olhar, aquela planta não tinha cura, por mais que fosse usada em tratamentos medicinais, em se a vítima fosse submetida a proporções elevadas, o efeito era mortal, só um milagre para salvaria Marguerite.

— E se dermos leite a ela? – Perguntou Verônica. — Sei que não é uma solução e pode parecer besteira, mas muitos diários dos meus pais mencionam que o leite reduz os efeitos de alguns tipos de venenos, se é usado medicinalmente, podemos tentar abrandarmos os efeitos, o corpo dela pode resistir e reagir a está substância.

            George concordou animado, o que fez Malone correr atrás da bebida, enquanto John permanecia ao lado dela, como ele havia pego ela dos braços de cientista e a envolvido junto dos seus, foi como um borrão, ele não conseguia pensar em nada, a não no fato de que com todas as suas forças, ele gostaria de ver aqueles belos olhos o observando, nem que fosse apenas para provocá-lo, mas ele queria perde-la.

            Desde o ocorrido três dias se passaram, foram agoniantes, Marguerite permaneceu viva, mas as febres altas eram constantes, sinais de que o corpo lutava contra o veneno, o que deixou todos em alerta, revezando os turnos de vigia, embora Roxton sempre fosse o mais difícil de deixa-la sem a sua “guarda”.

            A governante pagou por seus atos, tinha sido destituída pelo próprio povo, que após descobrirem a sua farsa e ela fazia, ficaram horrorizados, assim como, também se sentiram culpados por colaborarem com aquilo, mesmo sem saberem.

            Roxton não saiu do lado da herdeira, mesmo quando descansava permanecia no quarto em que ela estava, e ainda que estivesse esgotado, ele cuidou de Marguerite a todo momento, dormia por curtos períodos, mas ao fim do terceiro dia a febre cedeu, e eles finalmente viram que ela estava se recuperando.

            Foi então que os exploradores decidiram retornar para casa da árvore, acomodando a bela mulher ainda adormecida em uma maca, seguiram o trajeto de dois dias até chegaram em casa, Verônica quem cuidou das vestes da herdeira, a deixando confortável com sua camisola branca habitual, coberta por uma manta fina também, sem que isso a perturbasse de seu sono profundo.

            A cena a trouxe lembranças, que ocorreu dias atras, quando ele jurou a trazer de volta, beijou suas mãos e decidiu se arrumar e se alimentar de algo, para depois voltar ao quarto. Quando saiu não viu os olhos da herdeira se abrirem lentamente, ela tentou chamá-lo, mas devido as dores de cabeça intensas, apenas suspirou, mais uma vez esse maldito platô quase levou sua vida, isso tinha que parar de acontecer, mas ao mesmo tempo um doce sorriso foi desenhado em seus lábios, vindo a mente um charmoso caçador, o qual secretamente o intitulou de seu cavaleiro reluzente.

            Tentou se sentar aos poucos, em seguida ficar de pé, fortalecendo as pernas, realmente aquela toxina era forte, ainda podia sentir alguns membros formigaram, um som atras de si a fez se virar de imediato e para sua surpresa Roxton a observava parado na porta, ele compartilhava do sentimento de surpresa, havia voltado ao quarto por um motivo, mas que naquele momento, ao vê-la consciente, já nem se lembrava mais.

            Marguerite estava acordada e era isso que importava! O sorriso que iluminou seu rosto era sem dúvidas motivo de algumas sensações minimamente prazerosas, ele não tinha palavras, lentamente se aproximou dela, pegando suas mãos, abaixou o rosto em direção a ela, depositando um suave beijo em suas feições, mantendo-se próximo a ela, seus rostos ainda se tocavam e sua têmpora junto a dela, como se a sensação de segurança dominasse o coração de ambos.

            Ela se atreveu a sorrir para ele, e se pôs a deitar levemente a cabeça no ombro do caçador, um pouco mais abaixo, o que lhe permitia escutar os batimentos ritmados, a ponto de acalmar o seu próprio coração, enquanto ele gentilmente rodeou os braços em torno dela, permitindo-se desfrutar daqueles sentimentos que floresciam em seu íntimo, com a certeza de que não seria desta vez que o platô custaria a vida de algum dos exploradores, e que acontecesse o que for, estariam todos juntos, como uma família, dispostos a lutar um pelo outro.

 

 


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