O círculo das quintas escrita por Ellie Bright


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Essa fic é dedicada a minha amiga Kaachan, a qual vocês devem conhecer como a dona de " Encontre-me aqui ao alvorecer". Espero que tu goste Kaachan S2
Faz um bocado de tempo que eu não escrevo, aí estou meio enferrujada.
Esses tempos estão bem difíceis para mim, mas, aos poucos, estou voltando para a escrita. Espero que gostem S2



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O círculo das quintas

 

~ Capítulo único ~

 

Dez de outubro. Vigésimo aniversário dele

Itachi trabalhava em casa quando notou os números no computador marcarem a data e nem mesmo o trabalho poderia distraí-lo agora. Sem nem perceber, ele mordeu o lábio inferior; um hábito que tinha sempre que estava preocupado. 

Todos os anos a mesma preocupação.

Naruto era o tipo de pessoa que correria para achar o fim da linha que saia da ponta do anelar; Itachi sabia. Não era de hoje que o outro percorria por toda a cidade atrás das várias possibilidades amorosas dele. 

Ao longo dos anos, Itachi tinha visto aquela cena mais vezes do que seu coração poderia contar. Ainda assim, a linha de um pálido rosa ligeiramente perolado se mantinha intacta em volta do seu dedo anelar. 

Frustrante.

Um suspiro exasperado escapuliu de Itachi enquanto ele escondia o rosto nas mãos. Azar Uchiha era mesmo uma sina idiota.

Todos no seu clã tinham algum problema com suas almas gêmeas. Alguns como seus pais teriam casamentos envenenados pelo ciúme em excesso que se tornava um homicídio mais imbecil que o de Romeu e Julieta, outros como Óbito paravam na ala psiquiátrica de algum hospital. A exceção eram os sortudos como Shisui e Izumi, os poucos que escaparam da maldição do amor em excesso. 

Já diziam os filósofos do Nazareth: “o amor dói”; Itachi concordava. Todo ano era o mesmo martírio: Naruto teria um fio conectando-o a Itachi? Se sim, ele iria ficar furioso com Itachi por saber que eram almas gêmeas e nunca ter tentado algo? Ele compreenderia o receio que isso dava? Será que pensaria que a súbita aproximação deles nos últimos anos era Itachi tentando se aproveitar dele?

Era sempre algo que poderia acontecer.

Almas gêmeas, em essência, eram possibilidades nesse mundo. Uma pessoa até poderia ser compatível com a outra, o destino poderia selecionar essa compatibilidade, porém era incapaz de prever as escolhas que ambos tomariam e que poderiam tornar um relacionamento ideal em algo infernal. Trocadilho intencional porque uma vez se começa a rimar ficava engraçadinho demais em não continuar.

Sim, Itachi tinha um humor estranho. 

Naruto era uma daquelas pessoas com muitas possibilidades de pretendentes. Desde que suas linhas começaram a aparecer aos dezoito anos, Itachi nunca o vira em um relacionamento que durasse mais de alguns meses. Aí uma nova linha brotava em seu anelar e lá ia o Uzumaki abanar o rabinho para outra oportunidade. 

Itachi só tinha uma linha em seu anelar e ela o conectava a Naruto. 

Simples e completamente patético.  

O relógio marcava meia noite e dez quando Itachi resolveu desligar tudo, e tomar um leite morno com biscoito integral sabor cacau, rico em fibras e que ajudaria o intestino a fazer o trabalho dele. Sasuke costumava dizer que havia um velho de setenta anos habitando o corpo de Itachi e, bem, talvez ele estivesse certo.

Talvez fosse por isso que, apesar de bem-apessoado, Itachi iria morrer encalhado. Ah, tudo bem. Itachi se espreguiçou ao se levantar, seus ossos fazendo uns cracks bem tensos para alguém de vinte e cinco anos. Seus olhos formigavam como se alguém tivesse jogado areia neles, uma dor fina na base da sua coluna o lembrava do quão confortável era a sua cama de casal (porque ter sua própria casa tinha uma ou outra regalia como essa) e um bocadinho de fome.

Ele saiu do quarto-estúdio, fechando a porta que rangeu alto; ele precisava colocar óleo na dobradiça. Enquanto descia as escadas, preguiçosamente coçando a barriga por baixo da camisa do pink floyd grande demais, ele ponderava se tomaria leite com canela ou comeria com biscoitos mesmo.

O barulho estrondoso da campainha ecoou pela casa. Várias e várias vezes. E junto disso tinha as batidas na porta, quase como socos. Itachi retesou. Sabia quem era.  Sem dizer nada, Itachi abriu a porta. 

— Itachi…?  

E, sim, lá estava ele. Depois de vários anos, Naruto estava ali. Esbaforido. Olhos azuis arregalados e captando cada detalhe da expressão de Itachi. Gotas de suor escorrendo das madeixas loiras para a testa enrugada com vincos de confusão cômica. Jaqueta laranja cor de moranga num calor dos infernos. 

Se bem que Itachi não podia falar muito: usar preto numa noite quente como aquela também não era uma escolha muito sábia. O bolso de Itachi agradecia a economia com o ar condicionado. 

Refletir essas miudezas fez com que Itachi se sentisse orgulhoso de si mesmo. A linha que os conectava era como um elefante cor de rosa no meio de um salão abarrotado e Itachi estava lidando muito bem com isso ao refletir sobre a conta de luz. 

—  Você…! — Naruto estendeu a mão direita, de onde saia o fio. Era curioso que a cor tinha mudado.

O fio era branco, como uma pérola. Tão claro que parecia uma teia de aranha, mas, em contraste com a pouca iluminação da rua, a linha emitia singular brilho.  

Itachi observou a linha por alguns segundos, depois encarou Naruto. Os lábios apertados em apreensão, um rubor leve nas maçãs do rosto (por calor ou por vergonha, Itachi jamais saberia), os olhos grudados em cada movimento seu. Naruto sequer parecia piscar.

Lentamente, Itachi ergueu a mão esquerda e a aproximou da palma de Naruto. O fio se adaptou a curta distância entre as almas irmãs e, por um momento, Itachi ficou fascinado em ver o fio completo, do começo ao fim. Com todas as suas alterações de matizes e seu brilho frágil, porém insistente.

— Você já sabia. — Naruto constatou, sua voz saindo muito mais baixo que o normal, o que mostrava que Naruto ou estava triste ou com raiva.  

Muita raiva.

Isso Itachi conseguia saber pelo pouco tempo que eles podiam se chamar de “amigos”, embora os dois se conhecessem há anos. 

Seria complicado explicar tudo. Um ótimo início de madrugada aquele, não? Uma alma gêmea irritada e um princípio de dor de cabeça.

— Sim. — ele não perdeu tempo em negar. Naruto lhe lançou um olhar igual ao de um cão que acabou de perder o brinquedo favorito. Itachi suspirou e abriu espaço na porta para o outro entrar. — Entre. Você quer leite com cookies? Eu ia preparar pra mim.

— Não é justo, ‘cê saber disso te deixa preparado e calminho enquanto eu pareço que vou soltar as bufas aqui mesmo no tapete! — reclamou Naruto fazendo um beiço meio irritado, meio constipado. — E se você sabia, por que nunca me contou?

Itachi ergueu a sobrancelha. 

— Por favor, não vomite no tapete. — Itachi pediu, fazendo um gesto para que Naruto se sentasse no sofá. — Mochi e Dango são sensíveis ao cheiro. 

A casa de Itachi era pequena. O hall de entrada já dava de cara para a escada do segundo andar. A sala ficava a direita e era aconchegante, dado aos tons claros, porém clássicos dos detalhes. Desde o sofá de uma tonalidade creme a escolha da cor cinza-pálido dos móveis. O lugar parecia maior do que realmente era porque não havia paredes divisando sala da cozinha, nem móveis desnecessários ou mudanças bruscas de cores de um ambiente ao outro.

Cada metro quadrado era projetado para ser útil. A gaiola onde moravam os sugar gliders de Itachi ficavam atrás da escada e mesmo isso se integrava ao lugar. 

Àquela hora da noite, Mochi estava brincando com as bolsinhas que Itachi colocara na gaiola. Dango ainda estava dentro da sacolinha em forma de banana, provavelmente dormindo. Ela sempre foi a mais quietinha das duas.

— Oh! Eu posso ver elas? Eu sempre quis ver seus bichinhos! —Naruto parecia mais animado agora com a perspectiva de ver Dango e Mochi. 

Itachi sorriu e apontou para onde ficava a gaiola dos gliders. Prontamente Naruto ficou de pé e foi lá checar Mochi. Entretanto a pobre criaturinha, ao sentir um cheiro diferente, logo se jogou dentro da bolsinha de banana junto da irmã, deixando Naruto fazendo um beicinho contrariado. 

Sem falar nada, Itachi foi até a geladeira, pegou uma uva e a partiu ao meio. Em seguida ele se aproximou da gaiola, ficando ao lado de Naruto, e aí ele segurou a uva bem próximo a abertura da bolsinha.

— Elas são tímidas. — Itachi explicou bondosamente.

Mal ele terminara de falar um focinho apareceu. Mochi  ficou só com a cabecinha de fora e, com os dedinhos pequenos, segurou a fruta para devorá-la em pequenas lambidas.

— Que fofinha! — sussurrou Naruto extasiado.

— Não é? — Itachi concordou enquanto observava o outro. Sem nem se perceber, Itachi sorria.

Naruto se virou para encará-lo com um sorriso radiante. Era incrível como alguém pudesse mostrar todos os dentes em um sorriso perfeito; Naruto era uma dessas pessoas. Quando ele sorria os olhos ficavam pequeninos, covinhas apareciam nos cantos da boca e os dentes todos apareciam.

Era o sorriso mais bonito que Itachi já vira.

Mas então, Naruto percebeu a proximidade dos dois e o riso murchou. Um levíssimo tom rosado cobriu as maçãs de seu rosto e ele desviou os olhos dos de Itachi para olhar Mochi comer a uva. Dessa vez, Itachi julgou que o rubor no rosto do outro era de vergonha e um pouco da esperança insistente (a qual ele era expert em ignorar) o atanazou por um milissegundo. 

— Você quer o leite com cookies, Naruto-kun? — Itachi perguntou outra vez, se afastando do rapaz. 

Naruto voltou a lhe encarar com algum vestígio de constrangimento.

— Como ‘cê consegue ficar tão de boas assim é um mistério. — Naruto reclamou em um muxoxo. — Talvez ‘cê seje mesmo um et.  

O comentário fez Itachi rir baixinho e ajudou também com que ele se acalmasse o suficiente para levar a conversa com naturalidade. Itachi foi até a cozinha, abriu a geladeira outra vez e pegou leite. Em pouco tempo o líquido já estava amornando em uma pequena panelinha enquanto Itachi abria um dos armários para buscar os cookies de cacau que acompanhariam aquela pequena ceia. 

— Eu não ‘tou, acredite. Não importa quanto tempo eu fiquei esperando por isso, nada ajuda. — Itachi respondeu sem olhar o outro. Em vez disso, ele abriu o pacote de cookies. — Mas comida é sempre um bom começo? 

— Não tem como eu contrariar esse argumento. — Naruto decidiu por fim. — Eu vou querer.

Naruto foi até Itachi que, assim que o outro se aproximou, estendeu o pacote de biscoitos ao outro.  

— Cookie integral? — Naruto disse fazendo uma careta. 

Itachi ficou estóico, olhando as feições contrariadas de Naruto que, muito relutantemente, pegou um cookie.

— É rico em fibras.  — foi sua resposta enquanto desligava o fogão. — Faz bem pro intestino.

Itachi despejou o conteúdo da panelinha em dois copos de vidro que ele separara. Depois ele abriu um armário, pegou o pote com açúcar e uma colher depositando tudo sobre um prato. No centro da cozinha havia uma ilha e Itachi depositou o prato ali para que os dois pudessem comer. Em seguida, ele puxou um banquinho que ficava abaixo dela e logo Naruto fez o mesmo.

Naruto ficou quieto em todo esse processo e quebrou o silêncio quando perguntou:

— Você tem problema com intestino preso?

Itachi, que estava colocando uma colher de açúcar em seu leite, travou ao ouvir aquilo. Aquela era uma pergunta estranha a se fazer.

Naruto o encarava com uma curiosidade no mínimo estranha. Itachi se manteve neutro.

— Não. — Itachi respondeu, voltando a adoçar seu leite. — Eu só tenho uma alimentação regrada e saudável. 

— Você nem sabe fritar um ovo que eu sei! —Naruto rebateu violentamente. Sobrancelha erguida e braços cruzados ao redor do peito. Depois ele apontou para Itachi. — Sasuke me contou!

— Eu sei cozinhar ovo.  É só jogar ele na água fervendo e esperar oito minutos. Também sei fazer salada. — Itachi se defendeu e então reparou sobre o que eles estavam conversando. — Por que estamos discutindo meus dotes culinários? Para de rir!

— Não ‘tou rindo de você, mas com você, ok? — Naruto disse entre risos. Itachi estreitou os olhos.

Após essa prosa sem nenhum conteúdo substancial, a tensão de outrora aos poucos ganhava presença. Itachi sentia os olhos de Naruto fixos nele, lábios tremendo de vontade de fazer a pergunta que valia um milhão de dólares, mas, em vez de abrir o bocão e estragar tudo (uma atitude bem Uzumaki por sinal), Naruto se contentou em beber o leite quente e achar sua caneca a coisa mais interessante do mundo quando Itachi o encarou.

A covardia em Naruto era algo inesperado.

— Lembra aquela vez que você quase caiu da pedra grande no rio Nara? — Itachi perguntou ao outro que acabou se assustando e derramando um pouco de leite em si mesmo.

Sem dizer nada, Itachi se ergueu, foi até a bancada da cozinha e pegou um guardanapo, o qual entregou a Naruto. Em seguida, Itachi voltou a se sentar e tomou seu leite, observando o outro se limpar.

— Mais ou menos? — respondeu Naruto pensativo, mas logo um sorriso nostálgico tomou suas feições bonitas. — A tia Mikoto tinha chamado eu pra ir pro passeio com o mala do Sasuke. Aí a gente ‘tava xeretando se o vovô Madara não conseguia mijar mesmo com os outros vendo e eu me desequilibrei? Sei lá como senti um puxão que não me fez cair. E eu sei que foi um puxão, não me pergunte como!

— Pra começo de conversa, não deixe Madara te ouvir chamando ele de vovô. — Itachi pontuou e bebericou o leite.

Naruto gargalhou. Era um som que Itachi gostava de ouvir. A risada de Naruto era alta, porém não espalhafatosa. Era meio rouca e na maior parte das vezes era genuína, fazendo com que todo  mundo ao redor sorrisse. Nem Itachi era imune aquele poder que Naruto tinha e ele se viu sorrindo.

— Você ainda era um pirralho barulhento na época… — Itachi provocou de leve, vendo a gargalhada morrer e um “ei!” irritado sair mais alto do que o esperado.

Ainda bem que Itachi morava em uma casa e não em um apartamento. Os rompantes de Naruto seriam um problema para o pobre vizinho que só queria dormir. 

— Eu tinha o quê? Uns dez anos? Quem não é barulhento nessa época? — Naruto retrucou com a voz esganiçada pela raiva. Itachi já ia abrir a boca para responder que Sasuke não foi tão barulhento quanto ele, mas o Uzumaki o impediu com o dedo em riste. — Não conte seu irmão! Ele é um et de verdade!

Itachi sorriu.

— E o que isso tem a ver com…! — a voz foi perdendo a força e o rubor chegou junto com o estranhamento nas feições de Naruto. — Com a linha?

— O puxão que você sentiu. — Itachi disse e botou o leite no prato. — Era eu.

Era engraçado como a compreensão se desenhou no rosto de Naruto. Os olhos se arregalaram devagarinho, o constrangimento dando espaço a associação de um fato ao outro e então a compreensão veio com o queixo caído, olhos esbugalhados e o dedo em riste.

— Vo-você…? — balbuciou Naruto. — Mas… Você tinha o quê? Uns quinze? Não é pra linha aparecer quando ‘cê tem uns dezoito por aí?

De fato, a linha costumava aparecer quando o indivíduo terminava adolescência. A maior parte das pessoas relatava que a linha aparecia entre os dezessete e vinte um anos. Raros eram os casos de linhas que apareciam em crianças ou adultos acima de trinta anos.

Quem diria que Itachi seria contemplado com o bilhete da sorte?

Não que, naquele caso em específico, fosse uma mega sena da virada. Saber que Naruto era a possibilidade da sua vida não tornou a vida de Itachi menos solitária, tampouco menos confusa. 

— Há casos que a linha aparece antes e, pra mim, a linha apareceu ali. — Itachi respondeu com simplicidade, fazendo um leve gesto de desdém com os ombros. — Você pode imaginar o quão surpreso eu fiquei, né?

O olhar de incredulidade de Naruto atestava que o rapaz não compreendia. Paciência. Um dia Naruto compreenderia que as coisas na vida nem sempre tinham um sentido: elas apenas são o que são. Não há nada o que se possa fazer.

Muitas coisas estão fora do nosso alcance e não há como solucionar esses casos. Itachi bem o sabia. Era frustrante ter que conviver com isso, mas que escolha tinha? 

A resposta é: nenhuma. Ou vai, ou racha.

Por todos os pormenores, Itachi se lembrava do dia que a linha surgiu.  Era o aniversário de dez anos de Sasuke e a família Uchiha inteira se reuniu para um piquenique ao lado do rio Nara.

E, óbvio, uma boa comemoração Uchiha tinha direito a barraco, choro e comilança. Todos iam pela última parte, entretanto acabavam envolvidos nos aspectos ruins da coisa toda. O aniversário de Sasuke não foi exceção. 

O barraco veio pelo ataque de pelanca que Madara e o pai de Itachi tiveram sobre relações poliamorosas. A comilança foi patrocinada por sua mãe, já que ela sempre foi uma exímia confeiteira e o bolo de limão confeitado com morangos foi uma das melhores sobremesas que Itachi já provou em sua vida inteira.

Pena que ele não tinha a menor aptidão na cozinha, pois ele tinha a receita, só faltava o talento. 

O choro foi protagonizado por Itachi ao descobrir que a sua alma gêmea era um pirralho barulhento. Naruto definitivamente não precisava saber disso e Itachi garantiria que Shisui jamais revelasse esse segredo.  

— Eu não lembro muito da minha reação no dia porque a linha apareceu e sumiu em pouco tempo. — Itachi contou uma meia verdade. A linha realmente surgiu e logo tomou chá de sumiço, mas não sem antes deixar Itachi mais tenso do que jamais ficara na vida. — Ela aparecia em momentos aleatórios. Lembro que uma vez, assim que fiz dezessete anos, ela apareceu e me guiou até você outra vez. Você ‘tava num canto da quadra de basquete beijando uma menina. Eu fiquei tão assustado que bati as costas na mureta e caiu uma mochila.

Itachi também lembrava disso.

Quando a linha apareceu naquela vez, Itachi teve esperança que ela fosse conduzi-lo a Shisui ou Izumi. Ele perseguiu a tênue linha rosácea até a o canto mais escondido da quadra, o que já era um mau presságio.

Todo colégio tem aquele ponto cego que os professores raramente iam e que os alunos aproveitavam para namorar ou fazer coisas piores, como fumar e se drogar. Na escola que Itachi, Sasuke e Naruto estudaram esse cantinho do pecado ficava na quadra de basquete, embaixo da arquibancada direita e próximo a sala onde se guardavam os materiais da aula de educação física. Itachi deveria ter se tocado que aquela mediação não ia ser algo agradável de ver. 

E não foi.

A decepção de ver Naruto se beijando com uma adolescente da mesma idade que ele, com cabelos de um preto azulado intenso, só não foi maior que a surpreendente raiva que Itachi sentiu. Não porque na ponta da sua linha estava Naruto, mas porque o adolescente estava com outra pessoa.

Itachi tinha dezessete, Naruto apenas doze.

Naquele instante, Itachi sentiu raiva e se empenhou para acreditar que a fúria que sentiu foi porque uma criança estava beijando outra criança em vez de brincar. Só que, embora a maior parte da raiva fosse por isso, ainda existia a pequena parte imprópria da raiva.

Sua alma gêmea queria outra pessoa que não era Itachi.

Por mais diferentão que Itachi tentasse ser, ainda assim ele mantinha o orgulho Uchiha e aquilo machucou um pouco seu ego. 

— Eu lembro disso! — Naruto bradou, tirando Itachi de seus devaneios. — Eu fiquei morrendo de medo quando a mochila caiu porque pensei que era o Neji vindo me dar umas porradas! Mas, porra, eu…! Eu sinto muito que você tenha visto isso!

— Você era um moleque. — pontuou Itachi com severidade. — Devia estar jogando futebol e não catando as garotinhas.

— Sem drama, Uchiha, please. — Naruto pediu enquanto revirava os olhos em irritação. — Posso ter sido um tantinho precoce na minha vida amorosa, entretanto, mas, porém, todavia e contudo sempre fui muito prudente e…

Itachi ergueu a sobrancelha ante a estupidez que acabara de ouvir. Naruto notou sua incredulidade e revirou os olhos outra vez.

— E, sim, eu fui prudente sim! Mas esse não é o ponto, senhor Uchiha certinho. — finalizou Naruto com a voz irritada. Itachi mascarou a risadinha de escárnio que queria dar ao pegar um cookie integral e comer. — O ponto é que você não devia ter visto isso. Eu sei como dói.

Uma nuvem tempestuosa amuou as feições outrora irritadas do Uzumaki. Os olhos claros não ousavam encarar Itachi, contudo o pesar escancarado em cada íris não fazia Itachi duvidar da veracidade da última afirmativa.

— Oh? — Itachi murmurou, educadamente tampando os lábios com a mão porque ninguém merece ver o conteúdo mastigado dentro da boca alheia. Obrigado. 

— Uma das minhas linhas é o Shikamaru, acredita? — Naruto revelou. E Itachi acreditava porque fazia muito sentido. — Foi o dia que ele se acertou com a Temari. Eles ‘tavam no maior love quando cheguei e depois o Shika levou uma surra dela e lá foi ele dizer que tudo era…

— “Problemático”. — Itachi finalizou o que Naruto diria. Quem conhecia Nara Shikamaru por um dia apenas sabia que o rapaz usava muito essa palavra. — Eu sei. Não sinta por algo que você não sabia, Naruto. Isso deixa a vida menos complicada.

Naruto deu um risinho de irônico e finalmente deu uma golada no seu leite morno.

— Você diz isso, mas complicar a vida é uma das coisas que eu sou expert em fazer! — Naruto afirmou com convicção apontando para Itachi com a mão que segurava o copo de leite.

Não era exatamente ameaçador, como provavelmente Naruto queria que fosse. Itachi ergueu a sobrancelha e tomou um pouco de leite. 

—  Além disso, você é uma das minhas almas gêmeas Itachi, quer você queira ou não, eu nasci pra me preocupar com os seus sentimentos, sabia? — concluiu Naruto parecendo muito orgulhoso do que dissera.

Dessa vez quem revirou os olhos foi Itachi. Grandes coisas. Amar alguém e se importar com os sentimentos dela não significam exatamente que você não vai machucá-las. Veja a mãe de Itachi, por exemplo. Mikoto amava os filhos, mas isso não a impediu de matar o esposo em uma crise de ciúmes e depois se matar por causa do remórcio. 

Itachi as vezes pensava se sua mãe chegou a ponderar o que isso geraria em sua vida e na de Sasuke. Noutras vezes ele só queria esquecer.

Era uma nuance engraçada. Essa  coisa de querer cuidar e, por conta disso, ferir. O inferno estava cheio de pessoas bem intencionadas, que sempre pensaram no melhor para aqueles que amavam. O problema (e este era o “x” da questão toda) é que ninguém, por melhor intencionada que estivesse, poderia compreender os sentimentos alheios e a melhor escolha a tomar.

— É estranho ouvir você dizendo isso.— Itachi comentou enquanto decidia parar de ruminar em coisas que machucavam. — É estranho ter que conversar sobre isso com você.

— Mas é! — insistiu Naruto com convicção. Ele tinha um bigode de leite no buço, já que, enquanto Itachi se perdia em pensamentos dolorosos, Naruto entornou todo seu copo de leite.

Naruto estava adorável com aquele leite todo no buço. Itachi descansou o rosto na mão enquanto se escorava no balcão da ilha. Suas costas doíam um pouco pela posição mais curvada; ele precisava se lembrar de se alongar após horas a fio trabalhando.

— Eu sei, mas não muda o fato que é estranho. — Itachi provocou o outro só para vê-lo com mais raiva.

— ‘Cê quer brigar, é? — Naruto quase gritou. Os olhos azuis com aquele brilho do desafio, os punhos fechados em uma posição de boxeador. O bigode de leite em destaque.

Itachi não aguentou: ele precisou dar uma risadinha que fez com que Naruto ficasse ainda mais irritado e, consequentemente, com mais fome. O Uzumaki enfiou a mão no pacote de cookies integrais e enfiou pelo menos seis deles na boca.

O risinho em Itachi estava quase virando uma gargalhada completa porque agora Naruto estava furioso, com um bigode de leite e as bochechas tão esticadas que ele parecia um esquilo com raiva por sua noz ter sido roubada. 

— Eu ‘tou com cara de palhaço, é? — inquiriu Naruto em tom enfezado.

— Desculpa. — Itachi pediu com a voz fraca. — É que não dá pra te levar a sério com esse bigode de leite e essas bochechas de esquilo. 

Só então Naruto pareceu entender o motivo de riso. Itachi observou o outro limpar a cara. A vermelhidão de vergonha nasceu nas bochechas e desceu rapidamente para o pescoço e as orelhas.

Itachi não negava que parte dele já estava apaixonada por Naruto. Há anos atrás ele notara isso, porém nunca tomou a iniciativa porque certas marcas do passado eram difíceis de limpar. 

O peso dessa recordação fez com que Itachi se sentasse mais ereto no banquinho. 

— Quando eu fiz vinte anos a linha ficou fixa. — Itachi disse, obtendo novamente a atenção de Naruto. — Mesmo sabendo que era você, a diferença de idade me incomodava.

Naruto cruzou os braços, os lábios franzidos e os olhos fechados indicavam que ele ponderava sobre o que ouviu. Isso durou alguns segundos nos quais Itachi se perguntava que tipo de pensamentos rondavam naquela cabecinha imprevisível, mas, antes que pudesse perguntar, Naruto abriu os olhos e o fitou decidido.

— Você teve outras…?

Itachi balançou a cabeça em uma resposta negativa.

— E por mais que eu tentasse me relacionar com outros desalinhados, não dava certo. — ele acrescentou enquanto se recordava dos meses buscando alguém na internet.  

Aos quinze ele conheceu Deidara, um jovem loiro de olhos azuis e extrovertido como Naruto - exceto que Deidara tinha tendências piromaníacas e era completamente desajustado das ideias. Itachi deu um “chega pra lá” nele depois de dois dias. Até hoje Deidara lhe mandava cartas ameaçadoras, as quais Itachi lia apenas para rir das maneiras criativas que Deidara pensava em lhe matar. A sua favorita até o momento era: “vou enfiar uma bomba goela a baixo e acender o pavio pelo teu cu!”.

Quando fez dezessete anos, Itachi encontrou Kisame, um cara doze anos mais velho. Shisui fez tanta piadinha escrota de que Itachi encontrara para si um sugar daddy que Itachi ainda sentia vontade de estrangular o primo. O problema é que Kisame se apaixonou; Itachi não. Os dois se tornaram bons amigos, embora Itachi desconfiasse que Kisame ainda gostasse dele.

O coitado até mesmo parecia conformado com a friendzone! Itachi tinha pena porque ele próprio se submetera a isso quando se aproximou de Naruto.

Era engraçado pensar que a aproximação deles só ocorreu pelo desejo em comum dos dois de colocar algum juízo na cabeça de Sasuke. Na época, o tonto do seu irmão queria porque queria comprar uma naja no mercado negro. Sério. 

Itachi se lembrava de todas as vezes que ele e Naruto se disfarçavam para seguir Sasuke e ter certeza que o tolo não ia comprar a bendita serpente com o maluco do Orochimaru. Uma coisa levou a outra e Itachi se viu amigo de Naruto enquanto este estava namorando uma de suas possibilidades, um rapaz chamado Sai e que era muito parecido com Sasuke fisicamente.  Olha aí o carma. 

— A maldição Uchiha sempre foi mais forte. — Itachi comentou pesaroso. 

— Ah não, tu também não! Eu já preciso escutar essa ladainha do Sasuke e agora de tu também? — Naruto perguntou enfezado, o que surpreendeu Itachi. Ele não falara nada demais. — Essa coisa de azar ou maldição é balela! Você faz o seu destino com suas escolhas! Não tem essa do dna ou a genética Uchiha infectar suas escolhas ou o que ‘cê ‘tá sentindo. Não passa de uma desculpinha esfarrapada pra jogar a culpa em alguém quando você mesmo faz a cagada! 

Itachi tentou refrear o riso de escárnio, sendo mal sucedido nisso porque de alguma forma o riso saiu em uma baforada de ar do seu nariz. Naruto pareceu ficar ainda mais inflamado, contudo Itachi o cortou em pleno xingamento de que “Uchihas eram melodramáticos como mocinhas de novela mexicana”. 

— É uma convicção louvável, porém é difícil de acreditar com o histórico da família. — Itachi comentou com tranquilidade, voltando a relaxar no banquinho.

Suas palavras fizeram Naruto se sentar mais ereto, um beiço do tamanho do mundo e o olhar contrariado. 

Naruto era fácil de ler.

— Eu lembro o que aconteceu com seus pais.  — Naruto disse quando sua raiva murchou um pouco. — Não queria ofender e nem nada.

— Não ofende. — Itachi se apressou em dizer. — Meus pais não foram o único caso.  Meu bisavô Tajima matou a esposa porque ela queimou o arroz da janta e, claro, isso aconteceu porque ela estava “com outro”. Óbito ficou louco após a perda de Rin e ela sequer correspondia aos sentimentos dele. Tio Izuna se suicidou depois que o senhor Tobirama o rejeitou. Madara… seja lá o que for aquilo.

Itachi foi criado de uma maneira muito conservadora. Uchiha Fugaku o ensinou que o único tipo de relacionamento que um casal poderia ter era o monogâmico; Itachi podia não concordar, tampouco poderia entender. 

Ainda que Madara parecesse feliz em um relacionamento com Hashirama e Mito, Itachi não fazia a menor ideia como aquilo funcionava. Menos ainda queria algo assim para si. 

— Não seja preconceituoso. — ralhou Naruto. — Relações poliamorosas funcionam pra muita gente, ainda que não funcionem pra gente como a gente. 

—É meio estranho. — Itachi se viu dizendo. — Já é difícil ter relação com uma pessoa, duas ao mesmo tempo parece complicado demais. Não entendo como funciona.

— Por isso que funciona só pra alguns. — respondeu Naruto, dando de ombros. — A sociedade ensina a gente dum jeito, mas nem sempre esse jeito funciona pra todo mundo. O padrão e os sentimento é o que complica tudo. 

A fala de Naruto fez Itachi sorrir.

Era fácil sorrir perto dele.

— Nisso concordamos.

Ao perceber que ambos terminaram o copo de leite com cookies, Itachi se pôs a limpar o balcão e colocar os copos na pia para lavá-los.

— A gente fica dando voltas em cima do que a gente precisa conversar. — Observou Naruto meio irritado. — E, Itachi, eu não consigo imaginar o sofrimento que foi pra você ou pro Sasuke, nem o medo que você tem de que isso possa se repetir, mas…! 

O som de um baque pesado, mais alto do que a água que caía da torneira, fez com que Itachi acreditasse que Naruto se escorara na bancada da ilha. Ainda assim, Itachi não se virou. Lavar a louça era seu momento de pôr os pensamentos no lugar para discutirem o que viria depois.

— Mas você consegue enxergar o que podemos fazer, né? — Naruto implorou com a voz carregada de esperança. — Me diz que consegue ver isso também e que não ‘tou loucão das ideia!

O problema era que Itachi, ao menos nesse caso, também era um “loucão das ideia”. Ele conseguia vislumbrar cada escolha que eles poderiam fazer naquela noite e isso não o ajudava a ficar menos tenso.

Foi proposital a demora para enxugar a louça e guardar os copos. Por outro lado, não era a intenção de Itachi prolongar o sofrimento de Naruto com a dúvida. Era só algo que Itachi precisava fazer.

— Você viveu o oposto, né? — Itachi perguntou após guardar o biscoito no armário. — Seus pais…

Ao olhar para os olhos semicerrados cheios de pesar, Itachi percebeu que suas suspeitas estavam corretas. 

— Uma única linha vermelha guiando um pro outro. — Naruto respondeu com a voz tomada pela tristeza e um sorriso frágil, nada a ver com ele. — É. Eu sempre sonhei com isso. Ter um monte de linha fugiu ao esperado e, na ponta de cada uma delas, nada daquilo que eles têm.

Itachi assentiu. Ele entendia e não entendia. Uma dualidade que parecia existir naquela relação com Naruto. Nada era certo e ao mesmo tempo tudo encaixava de uma maneira sobrenatural.

Se os Uchihas eram zicados no amor, os Uzumaki tinham sorte em abundância. Em ambos os casos, expectativas foram criadas e agora era difícil voltar para a realidade.

Naruto idealizava um relacionamento igual ao dos pais. Perfeito em todos os sentidos. Por outro lado, havia Itachi tomado pela preocupação de estragar tudo e seguir o mesmo caminho desastroso que todos os membros da sua família seguiram.

Entretanto, isso também não era os dois acreditando demais em uma possibilidade, quando a realidade era mutável por escolhas?

Itachi não sabia responder.

Talvez por causa disso que ele ficou ao lado de Naruto, o qual ainda estava sentado no banco, observando-o com todas aquelas dúvidas presas dentro de seu olhar. 

— Você tem que tomar cuidado com as idealizações, Naruto. — Itachi advertiu com sinceridade. — A linha só ajuda a nos guiar pra pessoas com quem dá pra gente se envolver bem, mas, como tu disse, são nossas escolhas, vontades e ações que ditam como tudo vai rolar.  Pro bem ou pro mal.

Naruto o observou por um longo tempo, até que o sorriso se tornou pesaroso. Foi a vez do Uzumaki se sentar curvado no banquinho porque, talvez, o peso do mundo estivesse em seus ombros. Itachi queria confortá-lo, ele só não sabia como.

— Eu nunca tinha parado pra pensar nisso, mas… — uma pausa longa que amuou ainda mais o sorriso já frágil. Naruto ficou de pé e sorriu, agora mais como ele era. — É, talvez tenha alguma razão no que você disse. Somos um par complicado, né?

— Um par inusitado, no mínimo. — Itachi confirmou, não se preocupando com a pouca distância entre seus corpos.

Naruto nunca respeitou o espaço vital de ninguém. Estranhamente, Itachi não se importava quando Naruto fazia isso com ele. Talvez fosse a linha ou talvez simplesmente uma habilidade do Uzumaki em deixar todos ao seu redor relaxados em sua presença insistente. 

Sem mais, nem menos, Naruto começou a gargalhar. Itachi nem percebeu quando franziu a testa em confusão.

— Eu imagino a cara da reverendíssima besta quando souber disso! — Explicou Naruto com a voz divertida. — O tanto de coisa que eu vou ouvir, você não tem nem ideia!

Era algo que Itachi também ficava curioso e ele acabou rindo com a careta que Sasuke faria. Essa era uma curiosidade inevitável, considerando que seu irmão sempre fora ciumento com ele e com o próprio Naruto - ainda que o Uzumaki não ouvisse os chiliques que Sasuke dava. “Eu sou o melhor amigo dele, mas agora é Shikamaru isso, Shikamaru aquilo!”, Sasuke dizia e Itachi tendo que ser sério, quando tudo o que queria era rir do seu irmãozinho bobo.

Itachi até imaginava o chilique que Sasuke teria com a notícia, porém a diversão desse pensamento minguava no momento que a dúvida nascia: seria Naruto também uma das possibilidades de Sasuke? Se Itachi e Naruto, por alguma armadilha do destino, ficassem juntos e bem, será que Sasuke sofreria?

Essa dúvida sempre estimulou Itachi a permanecer em silêncio quanto a linha. Ele jamais se permitiria magoar Sasuke; sua mãe já os magoara o suficiente. Sasuke não precisava de mais esse peso a carregar. 

O peso da dúvida envergava seus ombros, o ar parecia nocivo ali na presença de Naruto. Então Itachi foi até à sala para se refugiar um pouco.  Ele se sentou em uma ponta do sofá, entretanto Naruto o seguiu e, em vez de se sentar na outra ponta do móvel, Naruto se sentou rente a Itachi. As suas pernas se roçavam de tão próximos que estavam. 

Itachi lançou um olhar severo ao outro. 

— Eu sempre pensei que você e Sasuke tivessem uma linha igual a dos seus pais, Naruto. — Itachi perguntou, a voz saindo dura, quase acusatória. 

— Ah, mas nós temos! — Naruto respondeu sem pestanejar.

Itachi sentiu seu corpo inteiro se enrijecer de preocupação, porém o outro sequer reparou. Naruto tocou o dedo anelar esquerdo com a mão direita e, com esse mínimo toque, nove linhas apareceram.

Era a primeira vez que Itachi via o fenômeno. Ele observou que todas as linhas apontavam direções diferentes e cada uma tinha uma tonalidade diferente. 

As linhas de Naruto pareciam um arco-íris em tons de neon. Havia desde o dourado ao rosa-choque. Todas as cores, com exceção do vermelho, estavam ali. 

— Essa dourada é a dele. — explicou Naruto. — Só que fico até enjoado com a possibilidade de beijar o excelentíssimo senhor paspalho! É igual eu pensar em beijar o meu irmão! Eca!

Naruto fez uma careta exagerada, talvez imaginando a si mesmo beijando Nagato. 

— E você não ficaria enjoado com a possibilidade de me beijar? — Itachi perguntou verdadeiramente curioso. As pessoas costumavam brincar que diferenciar Itachi de Sasuke era como jogar o jogo dos sete erros.

Por alguma razão que Itachi desconhecia, Naruto voltou a corar e dessa vez o rubor desceu até o pescoço. Até as orelhas de Naruto estavam rosadas! Itachi franziu o cenho sem entender nada. 

— Digamos… — Naruto disse com a voz envergonhada, sem sequer encarar Itachi. — Que eu tenha descoberto minha bissexualidade por culpa sua e a excelentíssima besta comunal sabe disso. 

De todas as as coisas no mundo, isso sequer passou pela cabeça de Itachi.

— Oh, eu… — Itachi balbuciou percebendo que agora ele quem estava envergonhado e sem conseguir encarar Naruto. Uma esperança chata e crescente fez seu coração disparar. — Não esperava por isso. 

— E eu que imaginei que ia levar isso pro túmulo?  — retrucou Naruto cobrindo a face rubra com ambas as mãos. — Fiz Sasuke jurar nunca contar pra ninguém ou eu contaria uma coisa que eu não posso dizer pra ninguém e não insista porque não vou dizer! Preciso dessa memória pra chantagear o invencível cabeça de pato!

A última parte era curiosa. Como irmão mais velho, Itachi merecia saber alguns podres de Sasuke para irritá-lo. Era seu dever! Entretanto, por hora, ele respeitaria a vontade de Naruto. Só por hora.

— Estou curioso, mas não vou insistir. 

— Obrigado! — Naruto disse enfaticamente. Ainda estava vermelho, mas seu corpo parecia menos tensionado.

Itachi decidiu que quanto antes eles falarem sobre o inevitável, melhor. Seria igual arrancar um band aid: um movimento brusco e doloroso, mas que passaria.

— Eu não sei o que fazer, Naruto. — Itachi disse com franqueza. — Eu imagino que temos três opções. Primeira opção ignorar o elefante nos nossos dedos. A segunda cortar contato. Ou... tentar algo.

Itachi tentou, mas não conseguiu evitar olhar Naruto com alguma esperança pela terceira opção, embora fosse a mais problemática das três. 

— Jogo as duas primeiras opções no lixo e me jogo de cabeça na terceira. —Naruto sentenciou sem nem fazer uma pausa. 

Naquele instante, Itachi precisou lutar com todas as forças contra o sorriso que queria se formar em seus lábios. A euforia estava difícil de conter, só que ele conhecia Naruto. O Uzumaki não seria a cabeça do relacionamento, não, ele seria o coração. Sempre se tacava em tudo sem pensar duas vezes.

Não, Itachi é quem seria o cérebro da dupla e, por isso, ele precisaria alertar Naruto. O Uzumaki precisava entender que uma coisa era o que todos idealizavam de relacionamentos, outra a verdade dos fatos, onde pessoas se machucavam ainda que se amassem.

Só sabendo os riscos que os dois poderiam fazer isso dar certo.

— Eu definitivamente não sou como o crush que você já teve. — Itachi avisou e imediatamente ele soube que Naruto já não se importava.

Os olhos azuis reluziam como se milhares de estrelas estivessem por trás daquele olhar. Um sorriso terno era direcionado a Itachi, o que acabava deixando-o esbaforido, como se todo o ar do mundo não pudesse ser respirado.

Era difícil se controlar diante daquelas reações de Naruto. Depois de anos, após tanta espera… Naruto estava ali. Não era um sonho. Não era um treinamento: era real. 

E era perfeito.

E tão assustador!  

O momento era muito mais do que Itachi jamais se permitiu imaginar. Emotividade não combinava com ele. Normalmente, sentimentos o afastavam, lhe causavam tédio ou medo. Sempre um dos dois. E ali estava Itachi, completamente exposto e perdido.

Sem perceber, ele mordeu o lábio inferior, tomado pela incerteza. Isso seria o certo? Ele merecia um final feliz? E será que daria certo? 

— Você… Acho, acho que a gente tem alguma chance, Itachi. — Naruto disse com doçura em sua voz, enquanto pegava as mãos de Itachi tão gentilmente que nem parecia o Naruto que Itachi conhecia. Naruto era tão delicado quanto um hipopótamo dançando tango. — Talvez não seja como meus pais, mas definitivamente não vai ser como os seus…! Por favor, vamos tentar?

— A afobação não vai nos levar a canto algum. — Itachi disse com algum temor, mas sem se desvencilhar das mãos suadas do Uzumaki. 

Naruto estava tão perto dele que Itachi conseguia ver as pequenas sardas ao redor do nariz, os cílios longos e dourados… Era quase hipnótico. Itachi sabia que estava quase cedendo. E, Deus, ele estava quase cedendo.  Isso poderia ser um problema.

Ou uma solução.

A chance era de 50%.

— Eu sei que você tem medo. — Naruto comentou com tranquilidade enquanto acariciava o rosto de Itachi. —Eu também tenho, mas… O que a gente tem a perder? Já ‘tá rolando algo e não é alguma coisa ruim. Você não sente isso?

— Eu…

Antes que Itachi pudesse pensar em um argumento, sua atenção foi desviada para a proximidade do rosto de Naruto. Como as íris azuis se fecharam e Itachi pensou se Naruto iria cometer o clichê dos clichês e beijá-lo, como se aquilo fosse um dorama. No meio do pensamento, os lábios de Naruto (quentes, secos, reais) tocaram nos de Itachi e era um clichê. Só que um clichê acontecendo na vida real e Itachi estava confuso.

Não era como nos livros ou filmes. Não tocou nenhuma música fofa ou da Celine Dion na cabeça de Itachi, exceto a sirene do filme Kill Bill, o que não era exatamente romântico. Naruto não se mexeu, mas, ainda assim, Itachi acabou cedendo. Ele fechou os olhos e beijou de volta, em um biquinho idiota, mas que, felizmente, Naruto não veria.

O Uzumaki o segurou pela nuca e Itachi sentiu os pelos da sua costa se arrepiarem. Eram apenas selinhos e Itachi já fez mais do que isso com seus ex do passado. Ele não entendia como poderia ser tão diferente agora. Como ele sabia que Naruto estava sorrindo. Como todos os sons continuavam existindo ao mesmo tempo que tudo não importava mais.

Era esquisito e maravilhoso. 

Naruto parou de beijá-lo, mas não se afastou. Itachi abriu os olhos e viu o sorriso mais idiota do mundo em primeira mão.

 — Você é uma graça, sabia? — Naruto disse alegre, meio rosado, mas completamente eufórico. 

Itachi sorriu.

— Não se ache o maioral só porque é mais alto que eu. — ele repreendeu sem malícia e se permitiu acariciar o rosto de Naruto. 

O Uzumaki ainda estava ligeiramente suado, porém a quentura da pele dele só mostrava que aquele momento estava acontecendo. 

Era real. 

— Ainda sou mais velho e mais experiente que você. —Itachi provocou e, só porque podia, ou ao menos assim ele achava, Itachi roubou um selinho de Naruto. 

— Hehe, ainda acho fofo, mas eu ‘tou feliz, Itachi. — Naruto retrucou abraçando Itachi. — Nós vamos fazer isso funcionar! Um dia por vez! Sem pressa!

Itachi soltou uma risada irônica pelo nariz, enquanto aconchegava Naruto em seus braços.

— Disse o cara que bateu na porta da minha casa a meia noite de uma quinta-feira. — retrucou Itachi em tom brincalhão. 

— Foi mal, foi mal. — Naruto disse em meio a beijinhos no queixo de Itachi. — Eu prometo não repetir.

— Aham...

Ele totalmente iria repetir isso. Itachi sabia disso. Naruto também, mas, por hora, estava tudo bem. 

Itachi estava feliz. 

— Que tal um cinema e um jantar amanhã pro nosso primeiro encontro oficial? — Naruto propôs, saindo do abraço só para ver que expressão Itachi faria. 

Itachi pensou sobre a oferta. Dali algumas horas seria um dia relativamente calmo. Ele precisaria apenas passar na universidade para dar uma aula de teoria musical. A maior parte da música estava feita e era necessário só que o vocal cantasse a letra, só então o trabalho pesado viria que era sincronizar o áudio cantado ao instrumental.

Só que o vocalista ainda estava de atestado, daí Itachi tinha tempo disponível.

— Eu quero ver 1917 e se eu pagar o cinema, eu vou assistir ao filme. — Itachi avisou, já antevendo que Naruto podia ser um daqueles caras que vão para o cinema se pegar com o crush.

Itachi era diferente. Se ele tinha que pagar quase quarenta conto num ingresso, ele iria ver o filme.

— É óbvio que a gente vai ver o filme, já viu quanto custa o ingresso? — Naruto retrucou parecendo um pouco ofendido. — Eu sou um estudante quebrado que mora numa quitinete, Itachi! Tu jura que eu vou pagar quarenta pila pra não ver o filme? E eu também gosto de filme de guerra!

Era um ponto válido.

— Ok. 

— Ótimo! Vou ‘tá aqui as oito em ponto! A gente pode comer no shopping, tagarelar um pouco até a sessão das nove e meia. —Naruto disse tudo muito empolgado. — Fechou?

Itachi assentiu e se viu notando o quanto o clima ficou mais esquisito agora. Ele tinha um namorado que estava na sua casa e era tarde da noite. Seria educado oferecer que Naruto ficasse ali e dormisse no sofá, mas Itachi não achava que eles estavam no ponto de Naruto dormir em sua casa.

— Tudo certo e agora vou pegar um uber e ir dormir! — Naruto disse como se fosse a coisa mais natural do mundo. 

Em seguida o Uzumaki se sentou ao lado de Itachi e puxou o celular do bolso. Itachi respeitou a privacidade do outro e não olhou para a tela do celular dele.

— Ainda tem uber funcionando nessa hora? — Itachi inquiriu genuinamente surpreso. Devia ser uma da manhã ou algo assim.

— Uhum. — respondeu Naruto compenetrado em seu celular. — Esse é o horário que as novinha tudo vão pras baladas e calhou que tu mora perto de uma das baladinhas chiques, aí tem vários uber na região. 

Essa era nova para Itachi.

Tanto o lance do uber, quanto que em sua vizinhança tão pacata tinha uma balada “chique”.  Se bem que, Itachi não deveria estar tão surpreso. Ele morava em um bairro boêmio de Konoha, o que mais tinha ali era barzinho e restaurante.

— Opa, o uber ‘tá há um minuto daqui. — Naruto disse, logo se levantando do sofá. Itachi o imitou e o guiou até a entrada.

Mal Itachi abriu a porta e um sandeiro prateado estacionou em frente a sua casa. Isso era um tempo recorde para um uber. 

—O quão perto é essa balada daqui de casa? — Itachi se viu perguntando completamente estupefato.

Naruto deu uma risadinha da sua cara.

— Beeeeem perto! — Naruto disse em meio a uma risada. Itachi se virou para retrucar e Naruto lhe roubou um beijo. Ele fez cara feia e Naruto o beijou de novo. — Tchau Itachi! Mal posso esperar por daqui algumas horas! Inté!

— Até! — Itachi respondeu acenando.

Naruto entrou no carro e o motorista logo deu a partida para saírem dali.  Itachi observou o carro virar a rua e então sumir. Ele fechou a porta e a trancou.

A linha em seu dedo anelar mudara de coloração. De um rosa pálido, quase inexistente, agora para um vermelho intenso. A linha parecia até mesmo mais grossa, tão palpável quanto possível.

Itachi se encostou contra a porta de entrada e refletiu em tudo o que ocorrera na última hora. Era insano como a vida de alguém poderia mudar após alguns breves instantes. Uma decisão tomada e toda a sua vida mudava, para o bem e para o mal. 

Durante anos, ele acreditara que aquela linha só trouxera decepções ou preocupações. Tudo isso parecia muito distante agora. E Itachi decidiu que só dessa vez ele acreditaria que (talvez) essa linha não fosse trazer mais infelicidade.

Só dessa vez, Itachi queria ter fé nas decisões que ele e Naruto tomariam.

Eles fariam esse relacionamento dar certo.

E, com um último sorriso que tinha o nada como testemunha, Itachi se viu pensando que mal podia esperar que a noite seguinte chegasse também.


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Notas finais do capítulo

Eu tentei fazer algo fofinho, não sei se consegui. Gostaria de saber o que vocês acharam! Responderei todo mundo com muito carinho S2



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