O guardião de seus segredos escrita por The Lost World, Olívia Ryvers


Capítulo 1
O guardião de seus segredos


Notas iniciais do capítulo

Esta fanfiction foi escrita com todo carinho para uma amiga muito especial, que assim como eu, é apaixonada por este casal maravilhoso. Eis aqui como eu gostaria que tivesse sido a revelação dos segredos do passado da herdeira ao seu amado caçador. Boa leitura!



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Marguerite ainda não tinha se recuperado totalmente depois de inalar grande quantidade de gás de carvão. John, preocupado, ditou um ritmo mais lento à caminhada de volta para casa. A estrutura corporal da herdeira era menor que a sua, e por isso, foi mais afetado pela toxicidade do monóxido de carbono. Roxton conhecia um pouco sobre o quão perigosa essa substância poderia ser, inclusive o seu apelido de assassino silencioso. Vez ou outra, o caçador a examinava verificando se seu corpo estava voltando a oxigenação normal.

            Ela ainda estava muito ofegante, e suas unhas tinham sinais de cianose. Era um grande erro insistir no percurso. Agora, mas, que nunca, ele se interessava pelo seu bem-estar e sua proteção. Há tempos Marguerite tinha se tornado prioridade em sua vida, mas, depois do aconteceu naquela caverna, sentia que seu mundo não faria sentido se a morena não estivesse ao seu lado.

            — Não podemos continuar! Marguerite precisa descansar. – num ímpeto ele anunciou, enquanto a amparava.

            — Eu estou bem, John. Apenas preciso de mais uma pausa.

            — Você sabe que isto não é verdade. O esforço só está prejudicando a sua recuperação. Acho melhor passarmos a noite aqui nesta clareira.

            — Roxton, estamos a uma hora da casa da árvore, e ainda temos alguma claridade. – Verônica argumentou.

            — Verônica tem razão. A casa da árvore não está longe… – George embora estivesse com um pouco de dor pela concussão que havia sofrido durante a explosão, se sentia disposto o suficiente, para fazer mais alguns quilômetros contanto que pudesse desfrutar do conforto de dormir em sua cama.

            — Se quiserem continuar não se prendam por nós. Eu cuidarei de Marguerite esta noite, e amanhã, quando acordar, caso sinta-se melhor nós seguiremos viagem.

            — Vocês têm certeza disto? Podemos ficar todos e continuar pela manhã. – Finn sugeriu, sem notar que o casal precisava de um pouco de privacidade.

            — Eu acho que é melhor John e Marguerite ficarem. Nós seguimos. Challenger precisa de cuidados, e se ele se sente disposto a continuar a caminhada, não vejo motivos para não fazê-lo. – Verônica, mais perspicaz que a jovem do futuro, notou o olhar dos amigos logo depois que saíram da caverna. Não era segredo que os sentimentos entre John e Marguerite não se limitavam apenas a amizade, porém, ambos se esforçavam em não admitir tal fato. A intuição da beleza da selva raramente falhava, e, ela podia quase apostar que alguma coisa tinha mudado entre os dois. Talvez a realidade da morte eminente fez com que todo o disfarce e orgulho se dissipasse, e os dois teimosos finalmente tenham admitido seu amor. De qualquer forma ambos precisavam de privacidade para conversar sobre isto.

            — Eu acho realmente que isto não é necessário. Inclusive já me sinto melhor. – a herdeira até tentou se se livrar do apoio de Roxton, para demonstrar autossuficiência, mas, o tiro sai pela culatra, já nos primeiros passos que dá sozinha, sente as imagens girarem a sua volta e precisa do amparo do caçador novamente.

            — O que você dizia mesmo? – perguntou John com sarcasmo. — Você não tem condições de caminhar mais hoje. Precisa de repouso e eu não estou disposto a carregá-la até a casa da árvore. – ele sorriu com a própria provocação, Marguerite era uma mulher leve, se fosse preciso ele o faria de bom grado, entretanto, também ansiava por um momento a sós com ela. Queria conversar sobre o que havia acontecido. Assim que saíram da caverna, diante do constrangimento dela, ele tinha sugerido que manteria em segredo as confidências de amor que trocaram e o ato de pura paixão que compartilharam, porém, isto era na frente dos amigos. Não estava entre as pretensões dele fingir que nada tinha mudado entre eles, ao contrário, agora que tinha certeza dos sentimentos de Marguerite, o que mais desejava era viver este amor.

            — Nem eu lhe pediria isto… você se julga indispensável demais, Lorde Roxton. – os olhos da mulher se estreitaram com ódio pela insinuação de que ela estava pesada, ao mesmo tempo, tinha receio de estar a sós com Roxton, sabia que ele poderia querer conversar sobre os ocorridos horas antes e ela precisava de tempo para processar tudo que estava acontecendo. Marguerite havia admitido que o amava, tinha se entregado a ele sem reservas, e pela primeira vez em sua amarga vida soube o que é ser amada. Porém, ainda precisava pensar sobre como seria a relação dos dois dali em diante. Foi fácil admitir seus sentimentos quando achou que sua vida estava prestes a acabar. Na caverna não havia nada além do ali e do agora, o futuro de ambos era aquele, porém, com a liberdade vieram de brinde todos os obstáculos que a impediam de viver o seu amor. Definitivamente não estava preparada para discutir isto naquele momento. Por outro lado, também estava ciente do seu estado físico e seria burrice insistir em continuar, sabendo que o simples ato de respirar estava sendo uma tarefa complexa. — Se eu não tenho nenhuma outra opção… aceito brincar de escoteira mais uma noite.

            — Vejo que ficarão bem. – ironizou o cientista. — Aguardamos vocês na casa da árvore amanhã antes da hora do almoço. Qualquer problema enviem sinais de espelho.

            — Podem ir tranquilos. Com o humor de Marguerite não há sequer um predador corajoso o suficiente para se aproximar. – o caçador riu com vontade, não se importando com a careta que a herdeira lhe oferecia.

            O trio seguiu viagem e assim que sumiram de vista, Roxton se certificou que Marguerite estava segura e confortável e saiu pelas proximidades em busca de gravetos para acender uma fogueira que os manteria aquecidos. Era curioso que mesmo depois de compartilharem atos mais plenos de intimidade agiam com certo receio e até mesmo vergonha um do outro. Não tinham certeza de quais palavras ou gestos podiam ser proferidos, tudo se apresentava como novidade, sua relação tinha adquirido outro patamar, mas, até que ponto eles estavam dispostos a conviver com isso?

            Quando voltou com a lenha, John estava decidido a iniciar um diálogo.

            — Se sente melhor? – perguntou tentando desfazer o ambiente constrangedor instalado.

            — Sim, obrigada por perguntar. – ela emitiu um sorriso discreto.

            — Escute, Marguerite, eu gostaria de falar sobre… bem… sobre nós.

      — John, agora não é o momento. – Instantaneamente todas as suas barreiras de autoproteção se ergueram e sua fala foi de certo modo rude. Isto o surpreendeu, entretanto, não ao ponto de fazê-lo desistir do assunto.

             — E quando será este momento? Esperamos três anos para finalmente assumir o que sentimos e você ainda acha que este não é o “momento”?

           — Achei que você tinha sugerido que respeitaria o meu tempo. – a fragilidade que ela aparentava ter minutos antes havia sumido. Marguerite, como uma fera selvagem encurralada, assumiu uma postura de ataque.

            — Eu não disse isto, apenas sugeri que poderíamos manter certa descrição por um tempo, justamente por que sei de sua dificuldade em demonstrar que tem sentimentos! – piores palavras não podiam ser escolhidas. O caçador pode ver a expressão de ódio se formar na bela face da herdeira. Ela não o deixou se explicar.

            — Então sou uma pessoa sem sentimentos? É isto mesmo que pensa de mim?

            — Marguerite, não inverta as palavras. O que eu quero dizer é que… bem, não impota agora. Não falarei mais nada que você possa usar contra mim.

            — Agora também sou manipuladora?

            — Quando lhe convém, sim!

            — Se inventou este acampamento para meu melhorar meu fôlego, fracassou terrivelmente. Eu estou mais irritada e cansada do que nunca. Deste modo, não pretendo mais falar sobre nenhum assunto, muito menos com você. – ela se virou dando as costas a ele.

         “Maldição! Que mulher teimosa!” Roxton pensou enquanto acendia a fogueira e se preparava para a vigília, já que tentar uma conversa com Marguerite com aquele humor seria uma batalha perdida e ambos provavelmente falariam algo do qual se arrependeriam depois.

          A manhã chegou depressa. Marguerite se sentia melhor depois de ter descansado um pouco durante a noite, a coloração de sua pele e unhas pareciam muito próxima do normal, e a frequência respiratória estava tranquila tornando a respiração muito mais fácil. Eles desarmaram em silêncio o acampamento improvisado. A discussão do dia anterior ainda estava presente em suas memórias, e talvez ambos estivessem arrependidos do que haviam dito, mas o orgulho e até mesmo o medo de uma nova troca de farpas os faziam evitar algum assunto mais íntimo. E assim foi todo o percurso de volta, quase não se falaram, apenas o essencial.

           Assim que chegaram, Marguerite usou como argumento o fato de ainda estar debilitada para passar o resto do dia em seu quarto. John também estava mais calado do que de costume. Isto não passou despercebido pelos seus amigos, que logo imaginaram que o plano de deixá-los a sós para se acertarem havia sido um desastre.

           Como sempre fazia quando precisava pensar, o caçador, naquela noite, se ocupou de limpar e lubrificar suas armas até mais tarde. Sentado em uma cadeira de frente para varanda, vez ou outra, ele observava a selva escura tentando buscar explicação aos últimos acontecimentos. Enquanto deixava o óleo lubrificante escorrer pelo cano metálico do seu Webley calibre 45, Roxton pensava como Marguerite podia evitá-lo depois de que se entregaram de corpo e alma ao amor que sentiam. O que experimentaram naquela caverna foi muito além de um desejo carnal, era como se almas que habitavam seus corpos estivessem se buscando por muitas vidas e que finalmente o destino os colocaram no tempo certo para viverem aquele amor. Isto era tão óbvio para ele, será que ela não se sentia assim também? Será que tudo foi tão fugaz que a liberdade apagou de sua lembrança o que compartilharam ou... talvez ela tenha mudado de ideia? Roxton pegou a flanela e com força começou a polir o revólver descarregando nele sua raiva e frustração. Não conseguiria dormir sem tirar essa história a limpo. Num ímpeto se ergueu da cadeira e largou as peças todas espalhadas sobre a mesa. Sem nem ele mesmo se dar conta estava caminhando decidido em direção ao quarto dela. Quando estava próximo da entrada diminuiu o ritmo, tentando controlar o nervosismo pra evitar um novo pleito.

            Furtivamente espiou pela fresta da cortina que servia de porta. Não era uma atitude muito nobre observar uma dama em seu leito, mas, suas intenções com Marguerite eram as melhores possíveis, queria fazer daquela mulher a nova Lady Roxton, se assim ela o permitisse. Se surpreendeu ao notar que a mesma também se encontrava acordada, olhando pela janela a escuridão da noite do platô, alheia em seus próprios pensamentos. John podia observá-la por horas e ainda sim não se cansaria de olhá-la. Entretanto, algo o chamou o deixou preocupado. Em um momento notou que sua amada secou o rosto com as costas de uma das mãos. Toda a mágoa e raiva que pudesse sentir se dissipou imediatamente diante daquela cena. Que tipo de angústia teria em seu coração ao ponto de fazê-la chorar? Em todo o tempo que passaram juntos, ele conseguia contar nos dedos quantas vezes a viu deprimida, e ainda sobraria muitos deles. Marguerite era a mulher mais forte que já conheceu. Mesmo sofrendo recusava-se a demonstrar, preferia que os outros apenas a reconhecesse como fria e calculista, este foi o personagem que ela criou para esconder quem realmente é. Há muito que Roxton sabia quem existia por de baixos das inúmeras camadas de frieza e indiferença e foi esta Marguerite que o apaixonou. Ele precisava saber o que estava acontecendo e o que a preocupava, não a deixaria sozinha quando necessitava do seu apoio. Entrou no quarto e pigarreou para fazer-se notado. Ela se assustou quando o viu ali parado e tentou disfarçar as lágrimas.

         — John?! O que você está fazendo aqui? – assumiu novamente a postura defensiva, porém, o caçador já a conhecia a ponto de saber que o ataque era a sua estratégia de defesa.

         — Vim ver como você está, e se precisa de algo.

           — Eu estou bem, obrigada.

           — Você estava chorando…

          — Eu? Chorando? Que bobagem está dizendo, Lorde Roxton? – ironizou. Ele ignorou a ironia e se aproximo da janela onde ela estava. Parou ao seu lado ainda sem mirá-la, apenas olhando despretensiosamente para a vasta escuridão. Ela o acompanhava curiosa.

            — Marguerite, você se arrependeu do que me disse ou… do que fizemos?

            Ela o olhou com surpresa, mas nem assim o caçador desviou o olhar da floresta enquanto esperava receoso por sua resposta. De certo modo ele temia a sinceridade dela, porém, pior que a cruel verdade seria a eterna dúvida.

            Entre todas os homens do mundo, Lorde Roxton seria o último que Marguerite julgaria inseguro, por isso, ela precisou tomar um tempo para entender o que ele queria realmente saber com aquela pergunta. Seria possível que John estivesse pensando que ela se arrependeu do que viveram, sendo que aquilo foi a coisa mais especial que lhe aconteceu em toda a sua existência. Nunca havia provado o amor em sua forma mais genuína, jamais alguém teve por ela tanto carinho e cuidado, se importando em fazê-la senti prazer e não só proporcioná-lo. Era como se sua alma finalmente encontrasse a sua metade, se sentia completa e sabia que nunca mais seria feliz sem ele ao seu lado. Por desconhecer esse sentimento novo e suas consequências, Marguerite temia.

            — Você não pode estar falando sério? Como imaginar que eu me arrependi se aquilo foi o mais lindo que já vivi?

            — Então, por que me evita? Do que está fugindo? – finalmente ele a olhou e então percebeu que haviam lágrimas não derramadas no seu olhar.

        — John… é que… se um dia voltarmos a Londres, acha mesmo que poderíamos ter um... futuro? – seu tom de voz era quase incrédulo.

            — Por que acha que eu lhe sugeriria isso se não acreditasse que nosso destino é ficarmos juntos? Não pode estar pensando que o que eu lhe falei foi apenas para conseguir…

            — Não… não… não é isso. – o interrompeu antes que pudesse sugerir que ela duvidava dos sentimentos dele. — Nunca pensei que diria isso a alguém, muito menos a um homem, mas, você é a pessoa a quem confiaria minha vida… e já o fiz… muitas vezes.

            — Então por que tantas dúvidas? Escute…  – ele se aproxima ainda mais e afasta mecha de cabelo negro que teimosamente está sobre seu lindo rosto. — Eu a amo, aqui ou em qualquer outro lugar deste mundo ou de outros mundos.

            — John, há tanto do meu passado que você não sabe. Coisas que fiz e das quais não me orgulho. Aqui no platô tive uma nova chance, conheci pessoas que pude chamar de família… encontrei...o amor. – baixou os olhos encabulada diante de sua própria declaração. — Porém, no nosso mundo, o meu passado pesará muito, e com certeza virá cobrar suas dívidas. Não quero envolvê-los nisso...não as pessoas que amo.

            — Essa não é uma decisão sua. Uma vez lhe disse que seus segredos estariam bem guardados comigo, e eu não estava mentindo. Talvez seja este o momento de dividir esse fardo com alguém… eu me sentiria privilegiado em ser o escolhido.

            Marguerite suspirou, ponderou o que Roxton lhe estava propondo. Ele tinha razão, por muito  tempo havia guardado todas as suas angustias sozinha, e se ele desejava compartilhar a vida ao seu lado, tinha o direito de saber sob quais circunstâncias se daria o seu retorno a civilização e então julgaria se estava disposto a acompanhá-la.

       — John… você não ente, meus demônios… talvez você não queira… – ela procurava as palavras certas e organizar as ideias, buscando coragem para contar algo que, talvez, colocaria um fim em qualquer esperança de relação com o caçador.

        — Marguerite, permita que eu…

       — Eu sou casada! – disse de uma só vez. Notou imediatamente a surpresa e espanto dele, isto a  apunhalou. Pôde ver uma sombra de decepção no olhar do homem que amava, sabia que ele procurava entender se o que tinha escutado significava aquilo mesmo.

            — Você o que? – perguntou, implorando intimamente que não fosse verdade. Roxton tinha certeza que seria capaz de entender e apoiá-la em quaisquer que fossem suas atitudes no passado, porém, o fato dela pertencer a outro homem acabava com qualquer oportunidade de um futuro juntos. Isto o encheu de dor e ciúmes, a única mulher com quem um dia imaginou construir uma família não poderia se sua. — Você sempre disse que era viúva, como…

            — Meus casamentos foram falsos, apenas uma estratégia para manter seguro o disfarce de Parsifal. – ela esclareceu. — John, antes que me julgue, me escute. – pediu tocando seu braço. Ele assentiu, por mais que sua impulsividade quisesse que ele a deferisse milhões de perguntas, o caçador devia a ela o silêncio para uma explicação. Marguerite não o enganou, sempre foi sincera em dizer que tinha segredos e que o amor dos dois era impossível, ele foi insistente e agora teria que ter paciência para que ela o explicasse ao seu tempo. — Depois da guerra, eu tentei manter os negócios, você sabe disso. Foi nessa época que conheci Xan.

        — E roubou seu Oroboros. – ele tinha prometido o silêncio, mas, também não queria perder tempo com revelações já feitas. Estava angustiado e tinha a ilusão de que quanto mais rápido soubesse a verdade, mais cedo se livraria de tal pesadelo.

            — Sim… eu o roubei. Enviei o medalhão a uma caixa postal em Londres. Ele estaria seguro lá, entretanto, eu, não. Os capangas de Xan me capturaram. Ele me torturou por dias, mas, minha obstinação não permitiu que eu lhe revelasse onde havia escondido a peça. Xan então teve uma ideia brilhante. Me vendeu a um de seus parceiros comerciais. Imaginou que em algum momento  revelaria o paradeiro do Oroboros. Ele não podia ter pensado em um castigo pior. Meu marido, ou melhor, meu dono era um xeique egípcio, Mohammed Al Shirak.

            — O que? Ele é…

            — Sim, ele mesmo. “O senhor todo poderoso do submundo árabe” um homem frio, cruel, quase satânico. O vi pela primeira vez em um leilão clandestino de artefatos históricos furtados, o homem me propôs casamento, seria eu sua nona ou décima esposa. É lógico que eu neguei, desde então eu fui sua obsessão. Sabendo desta informação, Xan me ofereceu a ele como uma mercadoria qualquer e Al Shirak não hesitou em pagar o preço que ele pediu. Lembro-me do seu olhar devorador quando foi observar naquela cela suja, eu estava muito machucada e desnutrida. Lembro-me das suas palavras frias “Achei que me venderia uma peça em melhor estado, Xan”. Assim que os dois criminosos chegaram a uma negociação justa por mim, Mohammed me levou para o Cairo. Curaram de minhas feridas físicas, mas minhas chagas emocionais estavam cada vez mais vivas. Fui sua prisioneira, disfarçada de esposa, por anos. Todo luxo, joias e conforto que sempre me encantaram eu tinha a minha volta naquele palacete, mas era como se eu estivesse em uma gaiola de ouro, vigiada dia e noite pelos seus comparsas sanguinários. Nada pagava o horror de ter aquelas mãos imundas tocando meu corpo. Me usando única e exclusivamente para o seu prazer e sua demonstração de poder. – a cada palavra era possível enxergar a expressão de nojo pelas lembranças. — Imaginei que logo seu interesse passaria e eu teria a chance de escapar. Não seria a primeira vez que fugiria de alguém, entretanto, o tempo foi passando e Al Shirak continuava sedento e obcecado. Suas outras esposas começaram a me hostilizar pela frequência e atenção com que ele me procurava, como se isso fosse algum tipo de privilegio, mal sabiam que era a minha principal tortura. Kalhiffa, em especial, tinha muitos ciúmes, ela era a favorita do harém de Mohammed antes da minha chegada, usei disto ao meu favor. Achei que talvez pudesse convencê-la a me ajudar a fujir, assim ela voltaria a ser a favorita. Chamei-a às escondidas ao meu requintado cativeiro e lhe contei meu plano. Ao contrário do que eu imaginava, ela não quis me ajudar, mais esperta do que eu, Kalhiffa viu no meu acordo uma possibilidade de se livrar de mim para sempre. Disse que contaria para o marido que eu estava conspirando contra ele, e que seria apedrejada por traição. Esta era uma acusação grave e uma punição como esta era legalmente aplicável no Egito. Tive medo, me desesperei e tentei impedi-la, eu só queria coagi-la. – os olhos de Marguerite eram suplicantes para que John acreditasse no que ela contava. — Quando me dei conta estávamos rolando no chão trocando tapas e puxões de cabelo… não nos demos conta que havíamos derrubado uma das tochas e no quarto repleto de tecidos, o fogo se espalhou com velocidade. Só nos demos conta quando sentimos o calor das chamas. Ela baixou os olhos com remorso. — Kalhiffa se descontrolou, eu tentei acamá-la e achar uma saída mas ela não me ouvia. Quando os guardas abriram a porta, o oxigênio oriundo do lado de fora causou uma explosão, a experiência que adquiri no tempo que fui membro do exército britânico me fez prever o que aconteceria, segundos me salvaram, me protegi atrás de uma parede, Kalhiffa e os guardas não tiveram a mesma oportunidade… foram consumidos pelas labaredas. Quando o fogo finalmente baixou, consegui sair dali, eu estava suja pelas cinzas e com as roupas rasgadas, roubei uma burca e assim foi fácil passar pelas pessoas sem ser notada. Entretanto, eu ainda tinha comigo as joias que usava, valeriam o dinheiro suficiente para escapar do Egito antes que Al Shirak me encontrasse. Percorri a medina e não precisei me esforçar muito, os legistas ao encontrarem um corpo feminino carbonizado chegaram a conclusão que era eu. As únicas pessoas que sabiam que Kalhiffa estava comigo eram os guardas que haviam morrido também. – ela fez uma pequena pausa como se estivesse encerrando um capítulo de sua história. — Foi assim que a Srta. Smith se tornou a Srta. Krux. Retornei a Europa e fui em busca do Oroboros, depois soube da palestra de Challenger ...

  — Marguerite…

 — Isto não é tudo, John… Na noite em que me ofereci para financiar esta expedição, eu fui seguida. O homem me chamou de Srta. Smith, John, eu fui descoberta. Você consegue entender isto? Xan seguiu meus passos e me encontrou aqui, não será difícil Al Shirak fazer o mesmo. Por isto quis que a expedição partisse tão depressa e por isso que Londres não será um lugar seguro para mim ou… para qualquer pessoa que esteja ao meu lado. – a última frase foi carregada de tristeza.

  — E o que sugere que eu faça? Que a abandone a própria sorte, como todos os outros fizeram? Que eu finja que você não está por aí, sozinha, correndo perigo? Como imagina que será minha vida sabendo que não estou ao seu lado para protegê-la? É tão egoísta que não consegue pensar nos meus sentimentos? – Roxton a escutou em silêncio incapaz de interrompê-la, pois sabia o quanto era difícil recordar seu passado e compartilhá-lo com ele, mas agora era a sua vez de falar. As coisas que Marguerite lhe contou eram duras e pesadas, ocultar sobre seu matrimônio a princípio foi um choque para John, porém, ele não estava ali para julgá-la e sim para apoiá-la. Talvez, a herdeira tomado atitudes controversas, antes de mais nada, ela foi vítima, desde criança, de uma sociedade que lhe virou as costas.

 No tempo que passaram juntos no platô, esta mesma mulher lhe deu muitas provas de lealdade salvando a vida de todos incontáveis vezes. Se em algum momento de sua trajetória se comportou como vilã, foi porque a vida assim a exigiu, quando teve oportunidade de escolher, Marguerite foi heroína.

— Por que acha que eu não lhe compreenderia? Eu não posso julgar seus atos, pois nunca estive na sua posição. Você foi abandonada a sua própria sorte e teve que ser forte para sobreviver. E ser forte, implica em tomar decisões difíceis._ ele a pegou pelos braços obrigando-a a olhá-lo._tudo que me contou esta noite serviu para que eu entendesse algumas de suas atitudes e isto não diminuiu em nada a minha admiração e o meu amor por você, minha querida. Se um dia você foi sozinha, isto não existe mais. Eu lhe prometo que eu não deixarei que lhe façam mal, lhe protegerei nem que seja com meu próprio corpo. Eu te amo e estarei sempre com você.

Ela o abraçou com força não sem importando que ele percebesse sua emoção. Ficaram assim por algum tempo, apenas sentido um ao outro. Quando se afastaram podiam se entender apenas com o olhar. Eles sabiam o que queriam e era urgente. John tomou seus lábios com paixão, suas mãos habilidosas abriam os botões da camisa azul de Marguerite enquanto ela o ajudava a se livrar do colete e da própria camisa. A pele bronzeada das mãos ásperas do caçador se contrastava com a cor clara e a delicadeza do corpo dela. Ele passou os dedos com suavidade sobre a renda requintada de sua lingerie antes de delicadamente desabotoá-la. Não era primeira vez que John a via desnuda, porém, sua imagem sempre o encantava. Todo seu ser ansiava por ela como uma necessidade vital, em poucos movimentos estavam ambos nus. Roxton carinhosamente soltou os seus cachos, enquanto depositava beijos e carícias ousadas em seu pescoço, colo e seios cálidos por seu toque. A excitação de ambos era clara, a herdeira se afastou alguns centímetros e segurando-o pela mão o convidou para sua cama. Este era o convite que ele jamais recusaria. O caçador foi dedicado, saboreou sua pele pálida, seu perfume, era uma troca mútua de amor, carinho e prazer. Ela se perguntava se toda a vez que fizessem amor seria assim mágico, quando estava nos braços de John era como se não houvesse mais nada, nem ninguém, o amava de uma forma que nem mesma sabia que pudesse existir. Por ele, tinha vontade de ser uma pessoa melhor e escolher sempre o lado do bem. O que ela foi ou sua origem não tinham mais tanta importância, o que a interessava era quem ela seria a partir de agora. Depois que alcançaram juntos o ápice do deleite, exaustos, descansaram abraçados.

            — Eu te amo… – ela sussurrou achando que ele já estivesse dormindo. John sorriu e respondeu, ainda de olhos cerrados.

            — Eu também te amo e sempre seriei o guardião de seus segredos, minha Marguerite.


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