Valo Tomo escrita por Geoshin Impact


Capítulo 2
A Cidadela




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Capitão Em'rala esbravejava e balançava seu sabre no ar, demonstrando claramente sua vontade de acabar com a vida dos usurpadores de seu precioso tesouro.

 

"Impossível! Não tinha como ninguém entrar aqui!".

 

Os marujos estavam apreensivos, não somente o tesouro do capitão havia sumido, como também a parte correspondente a toda a tripulação do Coroa Enferrujada. Mais de cinco anos de economia estaria perdida caso não recuperassem o tesouro. O capitão conseguiu se acalmar por alguns instantes, quase choramingando em um dos cantos da câmara do tesouro.

 

Alguns marujos ficaram imóveis, perplexos com a situação, esperando uma ordem do capitão. Contudo, os mais antigos dentre eles, já estavam acostumados com os pitis do capitão e começaram a investigar a cena do crime, afinal, dezenas de baús cheios de mora não são tão fáceis de carregar. Sem contar todas as obras de arte, armas e artefatos.

 

"Capitão! Olha isso aqui", disse um marujo apontando para o chão.

 

Em'rala retomou a compostura, ajeitou seu chapéu e caminhou até o marujo. Em um primeiro olhar o capitão foi incapaz de perceber o que o marujo estava apontando, mas após alguns segundos de contemplação conseguiu identificar o rastro deixado por algo sendo arrastado. O problema é que o rastro levava até a parede rochosa da câmara. O capitão encheu os pulmões de ar e esbravejou:

 

"Bastardos imundos! Eles cavaram outra caverna!".

 

Cheio de ódio diante a audácia dos usurpadores, Capitão Em'rala empunhou seu sabre com vigor e desferiu um golpe Anemo na parede falsa, espalhando os pedregulhos e revelando a passagem secreta.

 

"Vocês três, voltem para a praia e avise os demais para ficarem de guarda. Envie alguém para o navio e informe-os da nossa situação. Todos os demais sigam comigo, hoje nós vamos caçar!".

 

Agora que o capitão tinha voltado a ativa, a moral dos marujos estava elevada mais uma vez. Os três apontados pelo capitão correram para transmitir a mensagem, enquanto todos os outros adentraram a câmara para seguir pela caverna que se abriu.

 

"Qual o seu nome marujo?", perguntou o capitão para aquele que havia percebido os rastros.

 

"Eu..eu sou o ra...ratooo… rato de porão, capitão!" Respondeu apreensivo.

 

"Rato de porão? Rato de porão???" Seguiu-se uma gargalhada. "A partir de agora você é o Farejador Sarnento. Vá na frente e nos guie!" Exclamou o capitão empurrando o marujo caverna a dentro.

 

O recém nomeado Farejador Sarnento seguiu pelo vasto túnel que surgiu após o ataque do capitão. Era um túnel estreito e sem nenhuma iluminação. O chão rígido da caverna só indicava o rastro de objetos pesados sendo arrastados, essa era a única pista que o Farejador Sarnento podia seguir. Por sua sorte, o túnel seguia em linha reta, sem bifurcações. Após alguns minutos, que pareciam horas, eles avistaram a saída. Uma fraca luz azulada indicava que já havia anoitecido. Ao se aproximar da saída, Farejador Sarnento advertiu:

 

"Capitão, temos um problema".

 

*******

 

O arqueiro Lancaster recuperava sua consciência aos poucos. Ao abrir os olhos tudo estava a rodar e aos poucos foi se acostumando e enfim revelando seu estado atual: "estou vivo" disse aliviado. Ele tentou se mexer, mas algo o impediu. Mais duas tentativas em vão até se dar conta que estava amarrado ao tronco da árvore que contemplava momentos antes de desmaiar.

 

Uma corda de cipó estava enrolada através de seu tórax prendendo-o ao tronco da árvore juntamente com seus braços. Sentado, viu suas pernas enroladas tão forte quando seu tórax. Desespero tomou conta do arqueiro, ele se debateu de todas as formas possíveis tentando se livrar das amarradas, mas era em vão. 

 

Lancaster fechou os olhos em uma súplica:

 

"Oh Visão Electro que me acompanha, neste momento de aflição clamo por auxílio. Com seu trovão majestoso, destrua essa árvore que me faz prisioneiro. Invoco a ti, TROVÃO FULMINANTE!"

 

O arqueiro trovador gritou suas súplicas aos céus e uma forte ventania soprou no alto do monte e nuvens escuras se formaram no céu noturno, mas nada além disso ocorreu.

 

Perplexo, ele clamou novamente pelo poder de sua Visão Electro e novamente não obteve resposta. Pressentindo uma situação pior, ele procurou com seu queixo algo que deveria estar em seu pescoço. Sua busca era por um cordão de ouro, fino e elegante, que discretamente se escondia debaixo de suas roupas de couro, mas não tinha nada ali.

 

Desesperado, Lancaster começou a correr seus olhos pelo chão, pensou que talvez tivesse caído quando foi atingido, mas nada encontrou. Foi então que ele ouviu, vindo de trás, passos pesados que não tinham a menor intenção de esconder sua aproximação. O arqueiro ficou ofegante, estava desprotegido e a mercê do seu captor.

 

"Ke ke ke ke ke"

 

A figura desconhecida ria de uma maneira singular enquanto se aproximava. Lancaster fechou a cara. Estava a poucos segundos de ficar frente a frente com seu inimigo. A figura desconhecida entrou no campo de visão do arqueiro e, para sua surpresa, a luz do luar revelou um Hilichurl.

 

A criatura humanóide era, aparentemente, comum aos olhos do arqueiro. Como todo Hilichurl, tinha a pele negra, juba castanha e uma máscara cobrindo a face. No entanto, o arqueiro percebeu uma alteração na colocação da máscara, era vermelho sangue, diferente do convencional tom alaranjado da maioria dos Hilichurls que ele já havia encontrado.

 

Os dois ficaram se encarando por um tempo. Apesar dos olhos do Hilichurl não serem visíveis, era possível sentir que estava encarando Lancaster. O humano sabia que estava em perigo, apesar dos Hilichurls serem tidos como criaturas fracas, a atual situação do arqueiro não permitia um duelo justo, apenas um espancamento gratuito.

 

"Olá… Eu… ser… amigo". 

 

Lancaster já havia ouvido que alguns estudiosos dedicaram suas vidas para aprender a se comunicar com os Hilichurls, mas para ele isso era perda de tempo. Até então, em seu modo de pensar, Hilichurls eram criaturas burras e selvagens e nunca precisaria se comunicar com elas.

 

O Hilichurl ouviu atentamente as palavras de Lancaster, e após o arqueiro repetir algumas vezes, a criatura começou a dançar, tipicamente como os Hilichurls fazem ao demonstrar suposta felicidade.

 

"Isso… Amigo… Somos… amigos… Você… Eu… amigos"

 

O arqueiro tentava se comunicar de todas as formas. Falando devagar, dando ênfase em cada palavra separadamente, na esperança do Hilichurl compreender algo positivo e, no melhor dos casos, o Hilichurl ia soltar as amarras e lhe oferecer comida e abrigo. Contudo, no pior casos, o Hilichurl iria espancá-lo até perder a consciência, ou morrer. Lancaster lançou um pequeno sorriso no canto da boca, contemplando sua desgraça enquanto o Hilichurl dançava.

 

Num certo momento daquele diálogo infrutífero, o Hilichurl parou sua dança e rapidamente correu até um pedregulho que estava na redondeza. Após agachar-se e pegar um objeto, voltou até a presença do arqueiro mostrando-lhe a novidade: a Visão Electro de Lancaster. O arqueiro arregalou os olhos de tão surpreso. "A donzela da sorte me sorriu finalmente" pensou.

 

A criatura humanóide, enquanto segurava a Visão em uma mão, correu a outra pelas suas costas e sacou uma faca rudimentar de pedra. Lancaster ficou surpreso e quase chorando de emoção começou a agradecer:

 

"Graças aos Deuses. Obrigado por me soltar! Muito obrigado mesmo!"

 

Lancaster estava ansioso aguardando o Hilichurl cortar o cipó que lhe prendia, entretanto, o Hilichurl estava imóvel, olhando para o arqueiro fixamente.

 

"Ke ke ke ke ke"

 

A criatura humanóide soltou sua risada única mais uma vez. A feição de Lancaster mudou completamente, aquele som não trazia bons sentimentos ao arqueiro. Sua esperança começou a se tornar agonia. "A donzela da sorte está me preparando uma peça?" Pensou horrorizado. O Hilichurl passou a contemplar a Visão em suas mãos. O amuleto dourado com o pingente adornando a pedra mágica conhecida como Visão. O presente sagrado dos Deuses aos humanos merecedores. Um bem precioso de valor inestimável e sentimentos sobre-humanos.

 

O Hilichurl apertou a Visão fortemente. Pequenos raios começaram a surgir do amuleto. Lancaster pressentiu o perigo. A Visão clamava por ajuda. Ela estava horrorizada e transmitia esse sentimento para o arqueiro.

 

"O que você está fazendo?"

 

O Hilichurl apertou a faca e a empunhou com a lâmina apontando para o chão, pronto para desferir um golpe.

 

"Essa visão é minha… voc… você não pode tomá-la de mim!"

 

Os raios que saíam da visão se intensificaram, ela clamava por ajuda e tentava se desvencilhar da mão do Hilichurl a todo custo.

 

"Não faça isso! Eu imploro!"

 

O Hilichurl se aproximou do arqueiro impotente e falou em seu ouvido:

 

"Ke ke ke ke ke"

 

Aquele som percorreu a espinha do arqueiro e lágrimas transbordaram de seus olhos. A criatura humanóide ergueu a faca sobre sua cabeça. Lancaster apertou os olhos e sentiu o braço do Hilichurl descer com toda a força.

 

Um grito ensurdecedor seguido de uma explosão electro ecoou pela ilha.

 

*******

 

O Capitão Em'rala se aproximou do Farejador Sarnento e o questionou sobre o suposto problema.

 

"Capitão, o rastro segue até uma aldeia de Hilichurls. Consegui avistar algumas cabanas".

 

"Uma aldeia?" Em'rala alisa a barba. "Eu já sabia que tinha algo assim".

 

"Sabia?".

 

"Sim, sim, sabia. Na primeira vez que chegamos nessa ilha, subimos no alto do monte para averiguar o quão seguro esse lugar era. Apesar da vegetação densa da selva, nós avistamos alguns Hilichurls e supomos que haveria uma aldeia em algum lugar por aqui".

 

"O que vamos fazer?"

 

"Será que vou ter que te chamar de Medroso Sarnento? Vamos em frente!"

 

O Capitão empunhou seu sabre e seguiu adiante. Seus marujos o mesmo fizeram. Com seus sabres em mãos eles avançaram selva adentro até a suposta aldeia.

 

A lua cheia iluminava a noite. A mata densa se abria conforme eles avançavam e revelava, aos poucos, a magnitude da aldeia de Hilichurls. A princípio foram cinco, depois nove, seguido de treze, então vinte e uma, por fim, trinta e três cabanas eles contaram. Apesar do capitão não se abalar com a imensidão do local, os marujos começaram a se questionar o quão seguro era aquela incursão.

 

Com pouco tempo a tripulação do Coroa Enferrujada já estava dentro do território Hilichurl. Não haviam sentinelas, tão pouco tochas ou fogueiras. O silêncio era quebrado apenas pelo vento batendo na copa das árvores e pelos insetos na selva. Em'rala olhou para seus homens, apontou para três, depois para as cabanas do lado esquerdo e em seguida passou o dedo pela garganta. O mesmo se repetiu para o lado direito e para as cabanas mais à frente. Desta forma o capitão ordenou que seus homens atacassem os Hilichurls sem dizer uma única palavra.

 

Os marujos tinham o elemento surpresa e Em'rala sabia que era crucial manter a vantagem diante a imensidão do território inimigo. Apesar de sempre agirem com algazarra e brutalidade em seus saques, naquele momento todos sabiam que andar pelas sombras seria a melhor estratégia.

 

"Isso não é uma aldeia. É uma cidadela".

 

Encoberto pela selva densa, protegidos pelo paredão rochoso da costa. Em todos os anos que a tripulação do Coroa Enferrujada usou a ilha como esconderijo, jamais tiveram qualquer contato com os Hilichurls, exceto as inúmeras tentativas de acertar o Hilichurl que ficava no alto do monte. Enquanto esperava seus marujos terminarem o trabalho sujo, Em'rala alisava a barba, pensativo.

 

"Seriam pacíficos? Se os usurpadores trouxeram o tesouro para cá, eles teriam que passar pelos Hilichurls. Diante a grandiosidade dessa cidadela, ou eles são pacíficos ou o grupo assassinou todos os Hilichurls. Se eles assassinaram os Hilichurls, devem ter um poder considerável".

 

Eram muitas dúvidas na cabeça do capitão, porém, sua linha de raciocínio foi interrompida com o retorno de seus homens e suas lâminas sem uma gota de sangue sequer.

 

"Não tem ninguém".

 

Um grupo após o outro retornou e a resposta era a mesma. Nenhum Hilichurl ou qualquer outra criatura foi encontrada no assentamento. O silêncio que antes era notório, foi completamente destruído pelo burburinho dos marujos. Ataque surpresa já não surtia efeito, pois não havia o que ser atacado.

 

"Procurem em tudo que for canto! Vasculhem cada centímetro!".

 

Os marujos percorreram toda a cidadela procurando qualquer vestígio de vida humanóide. Cabanas, caixas, barris, tendas, torres e até buracos no chão. Tudo foi revistado e nada foi encontrado. Aquele lugar havia se tornado uma cidade fantasma. Em'rala começava a se enfurecer.

 

"Farejador Sarnento! Onde está a trilha?"

 

"Cap… Capitão, a trilha leva até o centro do assentamento e depois some".

 

"Não tem como dezenas de baús cheios de Mora sumir! Eu quero uma solução agora!"

 

"Si… Sim… Capitão! Veja bem, há algumas poss… Possibilidades"

 

"Sou todo ouvidos, Farejador".

 

"Cer...Certo. Vejamos, a trilha vem até aqui e… e depois some… então… podemos dizer que… ou eles pararam de arrastar os baús, ou podem ter colocado os baús em uma carroça… isso, uma carroça… mas… mas… mas não tem sinais de carroça… o peso da carroça iria deixar vincos na terra… ou então… ou então eles carregaram nas costas… mas… mas então teriam várias pegadas levando para fora do assentamento… ou então…"

 

Enquanto o Farejador Sarnento divagava, um estalo no pensamento os levou a uma única conclusão:

 

"Eles enterraram o tesouro!"

 

O capitão ordenou que seus homens começassem a cavar. Os marujos empregaram suas forças na tarefa utilizando o que tinham em mãos: sabres, pedras e madeira se tornaram pás. Em'rala observava apreensivo, quando foi interrompido por um dos marujos que voltava do reconhecimento da área.

 

"Capitão! Encontrei algo que o Senhor precisa ver".

 

Em'rala notou a seriedade na face do marujo e o seguiu. Afastado do assentamento havia uma cabana de madeira com arquitetura humana. Suas portas e janelas estavam trancadas por fora, pregadas rusticamente, mas com eficiência para não deixar ninguém sair ou entrar. Pelas frestas da madeira os marujos puderam avistar dois esqueletos.

 

O Capitão ordenou que arrombassem a porta e assim foi feito. Adentraram a cabana com receio e se aproximaram dos esqueletos. A ossada era humana, pelos vestígios deixados no local deduziram que estavam ali há algum tempo. Suas vestimentas, que agora eram apenas trapos de retalhos, indicavam que era um homem e uma mulher.

 

Um calafrio percorreu pela espinha dos marujos. Aquilo estava se tornando algo sinistro. O capitão não disse nenhuma palavra ao ver os esqueletos, mas seus olhos falavam por si só. Era nítido em sua face a confusão. Ele procurava entender a situação e ligar todos os pontos, mas nada fazia sentido até então. Voltaram para o centro do assentamento e deixaram o casal no descanso eterno.

 

Uma comoção havia se instaurado no assentamento Hilichurl. Algumas moedas de ouro foram encontradas na escavação e a esperança de reaver o tesouro se intensificou. Já era madrugada e mais algumas horas o sol estaria dando bom dia a tripulação do Coroa Enferrujada, foi então que um grito se ouviu no horizonte seguido de uma forte explosão e um clarão arroxeado, como electro.

 

"Lancaster", disse o capitão, apreensivo.


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