Corte de Estrelas e Tormento escrita por Black Sweet Heart


Capítulo 11
Capítulo Dez




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Chegando no quarto, Rhaella e Athenais encontraram as gêmeas espectros e pelos rostos tristes elas já sabiam o que tinha acontecido no salão principal.  

— Sentimos muito, milady –Nuala disse indo até Rhaella e segurando sua mão. Cerridwen fez o mesmo. 

— Obrigada –a garota agradeceu sorrindo fracamente.  

— Que audácia é essa? Uma criada tocando-a assim tão intimamente? –Athenais agarrou os ombros da filha e a puxou pra trás –Não fiquem paradas, sirvam a sua senhora! 

—Não fale com elas assim –Rhaella impôs se colocando na frente da mãe. –Elas são minhas amigas.  

—Amigas? Não podemos ser amigas de nossos criados. 

—Melhor do que se aliar a tiranos –Um brilho frio instalou no olhar de Rhaella.  

—Rhaella! –Athenais olhou pros lados, como se um soldado de Amarantha pudesse se materializar ali e ouvi-las.  

—O que tenho a temer? O pior que tinha pra acontecer comigo já aconteceu.  

—Fora, as duas! –Ordenou Athenais as criadas. 

Antes de Rhaella contestar as espectros saíram do quarto. A femêa mais velha segurou o rosto da filha com força.  

—Menina tola, olhe ao seu redor, olhe a suas vestes. Acha que alguém como você sabe o que é pior? Bem, pois saiba que os miseráveis que estão abaixo nessa montanha dariam tudo pra ser você. Eles sequer podem ter tempo pra chorar a morte de alguém, antes que outro chegue à cova.  

Rhaella sustentou o olhar pra mãe, mas dessa vez não contestou. Ela sabia que havia pessoas em situação pior, ela escutou a dor através das paredes e toda a montanha se afogava no sangue de inocentes.  

Mas sua mente estava em Syrax. Estava só no ódio que sentia por ter o amigo naquela situação.  

—Agora sente e me deixe concertar você –Athenais guiou-a como marionete e a fez sentar na frente da penteadeira.  

A mãe limpou o rosto com cuidado, depois organizou os fios soltos. Logo Rhaella voltara a sua figura etérea do início do jantar, exceto pelo vazio em seus olhos.  

—Por que deixou que ele trouxesse Syrax? –Ergueu os olhos para encarar o rosto da sua mãe.  

Athenais terminava de limpar o rosto da filha e então parou ao ver a dor em seu olhar.  

—Aquele animal estava insuportável desde que partiu. Ele rasgou sua cama, as cortinas, destruiu tudo que encontrou quando cansou de te esperar. Tivemos que o trancar na torre. Aqueles barulhos irritantes... –Athenais esboçou careta.  

—Ele pensou que eu estava em perigo. –Conseguia imaginá-lo se perguntando onde estava, porque não o procurou assim que chegou, porque ninguém mais se preocupava em alimentá-lo além dela... Ele provavelmente pensou que ela o abandonou.  

—Ele foi um tormento, isso sim. Seu pai se cansou dele.  

Claro. O pai dela odiava qualquer vida que não fosse de serventia a seus interesses.  

—Syrax não matou Padma –Rhaella garantiu.  

Aquela história estava tão enterrada na sua cabeça. Como pensaria nos poderes que ganhou e perdeu em menos de uma semana? Como pensar em qualquer coisa além daquele pesadelo sem fim? 

Agora viu que alguém seria culpado pelo sumiço da criada. E que culpariam o único inocente da Cidade Escavada.  

—Como pode ter tanta certeza, menina?  

Athenais finalizou o rosto. Agora Rhaella estava inteira outra vez. O mesmo rosto que tinha quando entrou em Sob a montanha, mas não o mesmo coração. 

—Deixamos que ficasse com ele porque a fazia feliz, porque seu pai não queria que tivesse amigas, femêas que a desviariam de seus objetivos. Mas nunca deveria ter durado tanto, não devia se sentir tão triste por ele. É só um animal.  

—Ele é minha família. Senti mais falta dele do que senti de vocês.  

Jamais diria isso aos pais antes. Porém viver na escuridão fez com que perdesse o temor. Ela não fez nada e acabou no pior lugar do mundo. Então já não tinha nada a perder.  

—Suas emoções estão a descontrolando. Lembre-se de quem é. Estou vendo que foi esse tipo de descontrole que a fez desafiar nossa Rainha.  

—Ela não é uma rainha. É uma vadia que enganou a todos. –A resposta veio tão rápido que pegou Rhaella de surpresa.  

Também foi a primeira vez que chamou Amarantha pelo que era.  

—Depois de tudo ainda insiste nessa personalidade deplorável? –Keir abriu a porta naquele exato momento, e ouviu a afronta da filha.  

—Ela está só está abalada, querido –Athenais se endireitou no mesmo instante. Reta como tabua.  

—Eu a ouvi bem. Você me deu outra filha patética –Keir disse a esposa.  

Athenais recebeu a crítica em silencio.  

Rhaella observou bem o pai. Antes era tão ansiosa pra se mostrar perfeita, pra agradá-lo e não deixar que visse quão quebrada estava. Pra que não recebesse punição.  

Como ele poderia a punir mais? 

— A maçã não cai longe da arvore –Rhaella não temia mais dizer o que pensava. 

Em resposta Keir deferiu um tapa tão forte que Rhaella caiu em sua cama, segurando o rosto.  

—Ela não está pronta, marido. Precisamos contratar uma nova tutora e prepará-la por mais um tempo. Dois ou três anos a ajustaram pra ser a esposa perfeita -Athenais queria impedir que o marido maculasse a filha.  

—Ela sabe muito bem o que está fazendo. Se aliando a Rhysand, escondida no quarto como tola. Ela enfrentou nossa família! Amarantha poderia ter rompido nosso acordo por essa infâmia – Keir se exaltou tanto que era possível bater também em Athenais.  

Mas não foi nisso que Rhaella focou. Enquanto se erguia, as palavras do pai montavam um quebra cabeça em sua mente.  

“—Descobriu por que meu pai ficou tão ansioso pra vir pra cá? -Rhaella perguntou a Rhys. 

—Eu daria grande parte das minhas joias para quem me contasse todos os planos malignos do seu pai –O macho respondeu” 

Ela riu, Rhys teria que pagar aquelas joias quando saíssem dali.  

Keir e Athenais pararam a discussão e encararam a filha como se estivesse louca.  

—Você planejou tudo –Rhaella se levantou e continuou a pensar alto. –Sabia do plano dela, sabia que ninguém sairia mais dessa montanha tão facilmente. Você me usou pra distrair o Rhys, pois sabia que ele se importaria em me manter segura independente da rusga entre vocês. Com ele distraído, não perceberia que algo estava errado. Vocês tinham um “acordo”.  

—Bom ver que tanto tempo investindo na sua educação teve retorno. Pena que não foi tão inteligente no momento certo. –Keir ergueu o queixo.  

—Devia agradecer a isso. Fui burra o suficiente pra não alertar Rhys a tempo. 

—E o que o bastardo teria feito? O que qualquer um deles teria feito? Não sabe nada do mundo, nada sobre magia. A verdadeira magia. Amarantha veio a Prythian pra nos purificar, pra nos guiar enquanto bastardos e Grão-Feéricos fracos nos jogam nos escombros.  

—Quem é nós? –Rhaella questionou.  

—A elite. Os lordes e ladys que sustentam essas terras. Você –Keir agarrou o braço dela e a fez encarar o antebraço, mostrando as veias. –Tem sangue de reis. Com brutalidade e traição, o poder foi tomado de nós, mas nossa Rainha devolveu.  

—Como assim “devolveu”, marido? –Athenais soou confusa.  

Claro que ela não sabia. Rhaella não ficou surpresa. O pai fazia o que bem queria com as femêas, até mesmo negociava com uma usurpadora nas costas da esposa.  

—Você acordou com ela pra manter Rhys aqui –Rhaella disse. Aqueles seis meses de silencio, sem Rhys sabendo tão pouco da Cidade Escavada. –Você traiu o seu Grão-Senhor. 

—Só há uma Grã-Senhora, e ela confia em mim pra manter a Corte Noturna sob suas ordens –O orgulho era presente na voz dele.  

Era pior do que imaginou. Rhys podia puni-los com a morte. Keir, e toda a família.  

—Querido, isso é traição –Athenais sussurrou.  

—Rhysand não fara nada conosco, estamos sob proteção da rainha e ela detém todo o poder agora. Ele é só um cachorrinho com coleira.  

Rhaella chorou por Rhys. E agora, a última peça finalizou o mistério: 

—E como preço pra manter Rhys aqui você a deixou aprisionar a sua filha –Rhaella mal podia acreditar em sus palavras.  

Keir desviou o olhar, um pingo de vergonha devia ter em seu coração sujo.  

—Seu pai nunca faria isso! –Athenais segurou o rosto da filha, agarrando na esperança de que o marido tinha um pingo de sentimento pela filha deles.  

Um pingo de apreço. Um pingo de misericórdia.  

—Rhaella é a moeda de troca mais cara da Cidade Escavada, um prêmio tão grande requeria um sacrifício grande também. –Keir deu as costas.  

Athenais abraçou a filha, Rhaella sentiu seu ombro ficar molhado, e a mãe dela nunca chorava.  

—Meu bebê, minha única filha –Choramingava encarando o marido com ódio. –Você disse que se ela fosse melhor que Mor a deixaria escolher. Que ela teria um futuro melhor! Como pode? Como pode a entregar dessa forma?  

—Somos peças em seu tabuleiro –Rhaella murmurou. –Somos só meios pra que ele alcance seu objetivo.  

Mor com Eris, ela com Amarantha. Keir jamais sonhou em lhes dar escolha.  

—Chega! Não suporto ouvir mais seus choros e lamurioso. Vocês são da família mais importante de Prythian. Outras dariam tudo pra serem quem são. Ainda assim não cansam de me decepcionar. –O vestido de vergonha foi apagado, estava de volta o macho orgulhoso e calculista. -Você me deu duas filhas fracas e inúteis. Morrigan foi uma tola covarde, e você, Rhaella, é uma criatura sem poder algum, e com a sorte de ter um rosto acima dos outros que encantada os outros. Devia só agradecer, Athenais, que não a matei no segundo que soube que era outra menina.  

Athenais soluçou. Rhaella apertou mais a mãe. A Lady mais impressionante da Cidade Escavada, agora seria a primeira Lady da corte ao lado do marido.  

E chorava descomedidamente pela filha.  

Rhaella achou por anos que a mãe só amava a beleza dela, que se importava tão pouco quanto Keir. Se tinha algo pra ficar feliz naquela história era que finalmente descobriu que a mãe a amava.  

—Precisamos ir –Keir agarrou o braço de Athenais e sacudiu. –Tenho terras pra cuidar e ela estará confortável demais aqui.  

—Por favor, me deixe levá-la –Murmurava Athenais sem deixar a filha sair de seu abraço.  

—Se não a soltar agora proibirei que envie até mesmo cartas pra ela! 

Keir não estava brincando e não querendo infringir mais dor a mãe, Rhaella se soltou.  

—Ficarei bem, você me criou pra ser impressionante, pra suportar qualquer desafio –Assegurou limpando o rosto. –Pode ir, mamãe. 

—Minha estrela –Athenais beijou o rosto da filha. –Não enfrente mais ninguém. Encontre um marido bom pra te proteger, tem essa chance aqui. Seja uma lady.  

Rhaella só concordou. Morreria antes de permitir que um macho a comandasse como Keir comandava sua mãe.  

Porém a mãe teria paz, Athenais se agarraria a esperança de um futuro melhor. 

—Vá e me espere ao final do corredor –Keir jogou a esposa pra fora do quarto e então fechou a porta. 

Rhaella esperou outra surra, outra ofensa.  

—Você se comportará bem, garanti isso –Keir afirmou. –Deixarei Syrax aqui pra que Amarantha possa sempre te inspirar a ser obediente.  

O coração dela afundou. No entanto seria a lady que a mãe lhe pediu, não berraria como criança, nem imploraria mais. Só respondeu pro macho que a aprisionou no inferno: 

—Aguardarei ansiosa pelo dia que Rhys arrancar a sua cabeça. 

O pai dela foi embora sem dizer mais uma palavra. Mas Rhaella podia jurar que ele quase correu pra ficar o mais longe possível do Grão-senhor.  

(...) 

As gêmeas surgiram uma hora depois e ajudaram Rhaella a se trocar. Era tanta coisa pra assimilar que não quis conversar com as femêas.  

Iria dormir e se preparar pra um dia, um ano, dez anos naquela maldita prisão. E não estaria sozinha, teria elas, Rhys e...  

Não. Syrax não podia ficar.  

—Tenho que ver o Rhys –Rhaella levantou da cama antes que Nuala tocasse a maçaneta pra partir.  

—O Grão-senhor não está em seu quarto –Cerridwen respondeu cautelosa.  

Aquele tom era a mensagem de que ele estava ocupado com alguém que não podiam interromper. 

—Está com Amarantha –Rhaella lembrava o caminho até os aposentos reais. Ela foi lá algumas vezes em sua busca de registrar os habitantes de Sob a montanha. 

—Durma e converse amanhã com ele, milady –Nuala pediu. -Ele estritamente nos proibiu de ir até lá. 

—Não vou deixar que tenham tempo de levar Syrax –Com pantufas, uma camisola longa e um chalé, Rhaella partiu em direção ao corredor.  

As gêmeas não a conteriam, e também não a acompanharam. Por mais admiração que tinham pela jovem, desobedecer a ordem de um Grão-senhor era crime e com certeza Rhys não as perdoaria por interromper.  

Rhaella iria por sua conta em risco.  

Os corredores da ala deles era o mais vazio, por ser o mais exclusivo e próximo da rainha. Era um prestígio que Rhaella devia ter perdido depois da sua afronta, mas agora fazia sentido o porquê Amarantha sempre a tratava como alguém de seu ciclo. Não ia demorar até chegar lá.  

Teve sorte de nem precisar andar tanto, pois Rhys já estar parado a três corredores depois do dela.  

No entanto ele estava errado.  

Rhys parecia totalmente diferente do macho confiante que via todos os dias. Estava sem sapatos, e a calça amorrotada, assim como a camisa. O cabelo chegava ao olho.  

A forma como se apoiou na parede e quase não conseguia se manter de pé. Se bão o conhecesse confundiria com um pedinte.  

Ele aparecia só depois de três dias quando precisava passar um tempo com Amarantha. Agora Rhaella via o porquê. Aquela monstra sugava sua vida.  

—Rhaella, o que faz... –Rhys questionou quando a viu parada no corredor.  

—Precisa me ajudar a salvá-lo. –Ela falou antes que ele lhe desse uma bronca.  

—O que? Salvar quem? –Rhys arrumou a camisa pra dentro da calça.  

—Syrax. Meu pai planeja deixá-lo aqui, pra ela.  

—Amarantha tem milhares de feéricos pra se brincar antes de se preocupar com seu animal –Rhys estava cansado e impaciente.  

Depois de Amarantha praticamente sugar toda energia do corpo a última coisa que queria era pensar em resgate.  

—Ela se importa com tortura. Ela se importa em nós fazer sofrer o máximo que consegue causar e eu vou morrer toda vez que ser obrigada a vê-lo ser torturado de novo. Como se sentiria se naquela sala fosse Mor? Sentaria e assistiria em silencio mais uma vez?  

—Não fale isso –Rhys seu braço com força. As estrelas em seus olhos morreram.  

—Com certeza já imaginou. Foi por isso que mentiu e disse que ela estava longe. Mas eu vi o meu melhor amigo sofrendo essa noite, escuto a risada da minha corte em minha mente. -Rhaella fechou os olhos antes que voltasse a chorar. –Por favor. Você é o único que pode nos ajudar.  

Rhys negou com a cabeça, mesmo que seu coração já tivesse dito sim.  

E usando o fio de poder, ele atravessou com ela pra ponta da floresta, pouco depois das escadas da entrada. Ela tinha que aguardar e com paciência o fez.  

Rhys surgiu com Syrax nos braços, e o felino rugia e chorava ao mesmo tempo. Ao ver Rhaella, sua braveza sumiu e ele só era um gatinho assustado.  

—Nem parece que quase agora, iria arrancar minha cabeça –Rhys entregou o felino pra ela.  

Rhaella o acariciou com ternura, nas partes que não estavam machucadas que pra sua perturbação, eram poucas.  

Algumas recentes e outras já cicatrizadas.  

Não foi a primeira vez que o machucaram.  

Rhaella tratou de tocá-lo o mínimo possível, mas cantava baixinho todas as cantigas de dormir que Syrax gostava. Isso acalmava, e pelo jeito fraco que balançava calda, ele conseguia ficar feliz por estarem juntos novamente. Mesmo que fosse daquele jeito tão cruel.  

Um bile subiu a garganta. Sentia-se indigna daquele amor tão puro dos animais, sentia vergonha por ser uma Grã-feérica. Animais caçam por instinto, por sobrevivência.  

A espécie dela era quem ria enquanto uma criatura enjaulada era ferida a pauladas. Era a espécie dela que se deleitava com a dor que infringiam um aos outros. 

Rhys sumiu enquanto ela o embalava. Ela sabia que ele estava pensando em algo pra ajudar Syrax.  

—Foi o melhor que eu consegui encontrar –Rhys surgiu ao lado deles, com três animais mortos no braço.  

—Coelhos? 

Rhaella não esperava que o primo se encontra files pronto para serem servidos.  

Porém ver Syrax devorar as pobres criaturas felpudas pesava seu coração.  

—Desculpa, não tive tempo pra preparar um banquete. –Rhys jogou a refeição no chão. 

—Mas ele não gosta de animais assim –Rhaella franziu o cenho.  

—Terá que gostar, se quer ter forças pra andar. –Rhys cruzou os braços. Era ridículo que aquele animal enorme, que amedrontou Cassian esperasse que ele se preocupasse em limpar sua comida.  

Syrax lambeu os beiços, os olhos brilhando de forma predatória a carne. Rhaella percebeu que se seus instintos estavam tão aflorados era porque sua última refeição foi há muito tempo.  

—Vamos dar alguns segundos de privacidade –Rhys segurou-a levemente pelo braço.  

Rhaella ia espiar Syrax, mas Rhys forçou-a a olhar pra frente. Um barulho terrível e animalesco era emitido enquanto a pantera devora o coelho. O primo tinha razão em forçá-la a não encarar, ela nunca pensou em Syrax tão selvagem. Tão diferente do que criou.  

—Aqueles monstros! –A femêa tremia da cabeça aos pés. –Ele é um animal bom, e gentil. Olhe só no que os transformaram! 

—Você fez com ele o mesmo que seus pais fizeram com você –Rhys explicou acariciando o braço dela –Ser dócil não garante sua sobrevivência, só dá a chance que pessoas cruéis abusem de vocês sem que saibam se defender.  

Rhys estava certo. 

—Ele termina de comer e pode levá-lo a Mor ou aos... 

—Eles estão longe. Bem longe –Rhys falou em um tom que não deixava margem pra insistência.  –Não consigo me comunicar com ninguém.  

—E o que acontece agora?  

Sob a montanha estava fora de cogitação e Rhaella não tinha amigos a quem pedir socorro. Ela procurou ao redor, procurando a solução.  

Mas a solução era exatamente o que estava ao redor: a floresta.  

—Ele tem mais chance aqui do que ficando com você. – Rhys viu quando ela chegou a conclusão.  

—Eu não o criei pra ser selvagem. Ele é manso –Rhaella fez beicinho. Ela colhia os pêssegos dele, como o deixaria pra viver sozinho?  

—Olhe pra mim: vocês dois foram criados pra serem submissos as ordens de outro. Mas precisam abandonar isso. É triste que tenha que ser assim, mas não há outra forma de sobreviver. 

Já alimentado e com as forças recuperadas, Syrax se afagou na perna de Rhaella.  

A femêa se ajoelhou e passou os dedos no topo da cabeça. Ele ficava maior do que ela. Qualquer criatura teria medo dele, tinha que acreditar que aquilo seria o bastante.  

Por isso falou olhando diretamente nos olhos verdes-jade do felino.  

—Terá que caçar, e se esconder. Vá pro mais longe daqui. Se esconda nas florestas, nos bosques ou cavernas. Haverá monstros e terá que derrotá-los um a um. Você será feroz, será violento, será aquele que fazem feéricos e grão-feéricos tremerem.  

Aquele que Cassian pensou que ele era na campina, que fez aquele macho cheio de musculo e cicatrizes hesitar em caminhar com ela só de acreditar que Syrax podia mordê-lo.  

Fariam e seriam o que precisavam pra sobreviver.  

—E eu também mudarei. –Rhaella prometeu. Queria que Syrax garantisse sua sobrevivência mesmo nunca tendo caçado um dia na vida. Então tinha que dar algo em troca. –Não acreditarei mais cegamente. Não direi besteiras ou o que se passa na minha cabeça. Serei resiliente e suportarei o que for até que esse pesadelo acabe.  

—Ficaremos vivos, pela promessa de estarmos juntos de novo. –Rhaella o abraçou, e tal como a mãe, as lagrimas dela o molhou.  

De todas as dores que conheceu, a maior forte foi se despedir daquele que era seu único amigo. 

Syrax choramingava, passando o rosto dele na bochecha dela.  

Foi difícil se afastar, Rhaella teve ajuda do Rhys pra não abaixar e o segurar pra sempre.  

—Eu prometo que a protegerei –Rhys garantiu ao felino, que o olhava com tanta atenção que o Grão-senhor entendeu o recado.  

Syrax respirou profundamente, Rhys viu que ficou aliviado. E foi ali que o Grão-senhor decidiu que aquele seria um momento que guardaria pra sempre na memória.  

Onde viu um animal, que amava tão profundamente uma menina, decidir que lutaria pela sobrevivência só pra encontrar com ela de novo.  

(...) 

  

Syrax sumiu entre as arvores, e Rhys permitiu que a prima chorasse ao longo da noite. Perto do amanhecer, voltaram andando para Sob a Montanha. Subiram as escadas densas como da primeira vez.  

Mas agora Rhaella sabia sua real situação.  

De repente seu corpo travou, como se estivesse mergulhado em um lago congelado. O coração acelerou, quase fugindo do peito.   

—Precisamos entrar. –Rhys disse.  

—Eu não quero entrar –Rhaella encarou a passagem rochosa. Maldito era aquele que adentrava aquela montanha. -Nunca vai melhorar. Nunca encontraremos uma saída. Meu pai me trocou para que ela o mantivesse aqui. Essa é a razão do porquê não podemos voltar a corte noturna. Eu fui uma moeda de troca pra que ela te manter prisioneiro. 

Rhaella cuspiu tudo. Rhys se manteve em silencio.  

—Estamos presos aqui e não há previsão de saída. Não há nenhuma salvação.  

Rhaella se sentou na escada. Não era tola de achar que podia fugir, mas se recusasse a entrar Amarantha podia fazer o favor de matá-la.  

—Eu devia ter morrido naquele poço –Rhaella deixou escapar em voz alta.  

Talvez a Mãe não tivesse lhe dado uma benção ao salvá-la da morte. Talvez ela estava atendendo os pedidos de Keir e a deixando viva pra ser uma boa moeda de troca.  

—O que? –Rhys sentou também, e pacientemente a observou. 

O pobre macho salvou Syrax aquele noite. Rhaella sentiu que podia confiar a ele o seu momento mais sombrio.  

E quem sabe ele a ajudaria morrer de vez? Seria mais gentil do que deixá-la entrar em Sob a Montanha. 

—Meu sangue veio há poucos meses. A Grã-Sacerdotisa do tempo me ajudou a atrasar durante um tempo, ela me preparava um chá. Tínhamos a esperança que ao pensar que eu... Não sei, achei que se orasse muito a Mãe iria me ajudar a nunca me tornar fértil e assim Keir não me usaria.  

—Mas a Grã-Sacerdotisa não pode impedir que o corpo agisse a seu modo –Rhys comentou.  

—Não. Padma me encontrou prestes a queimar meus lençóis manchados. Então o pegou e exibiu aos meus pais, a minha família inteira... 

Todos comemoraram aquela noite, a abraçaram, comentaram como seu corpo era capaz de gerar uma vida. Só que ninguém perguntou se ela queria isso.  

—Finalmente me tornei alguém de valor, finalmente ele podia me oferecer por minha beleza e minha utilidade pra procriação. Eu não tinha poderes, mas um belo rosto e bom útero poderiam servir.  

—Imagino que essas palavras são do seu amado pai. -Keir nunca teve respeito nenhum pelas femêas, ele sabia disso desde que Mor nasceu e Rhys assistiu como a criou só pra servir a seus planos.  

—Ele me exibiu há muitos lordes da corte noturna. Queria aproveitar a oferta e criar alianças. Ele não me preparou pra um mero lorde, claro que não, mas a possibilidade era o suficiente. Fui exibida de casa em casa na corte noturna. Me sentei na mesa de cada lorde, eles me tocavam e olhavam... Você sabe como.  

Ele provavelmente leu cada pensamento nojento daqueles machos. Rhys teve respeito de não confirmar.  

—Eu não teria outro futuro, outra vida. Ninguém se importaria com uma garota sem poderes. Minha vida não era como os das guerreiras que conheci e eu tinha medo dele fazer pior do que fez com a Morrigan. Decidi que encerraria com tudo. Pra que ficar em um mundo onde não tem nada pra mim?  

Rhaella respirou fundo. O imenso desespero que estava naquele dia. Teve que trancar Syrax pra ele não a seguisse.  

—Fui até o poço com uma corda amarrada a uma pedra, depois coloquei a corda no pescoço e...  

—Pare... –Rhys agarrou as mãos dela. Os olhos dele brilhavam cheios d’água –Eu não quero imaginar o que fez a si mesma, é... Eu sinto muito por não poder te ajudar antes. Que tenha se sentido tão sozinha que não via outra saída.  

—Eu me sinto assim agora, saber que por vontade do meu pai terei que ficar aqui. Sei o que disse pra Syrax, mas não tenho nem mesmo uma casa pra nós se sobrevivermos a isso. Eu só quero...–Rhaella apertou os dedos dele. –Rhys, você pode tornar tudo mais fácil pra mim. Você pode me dar descanso.  

Rhys só a olhou por um tempo. Ele via nela muito de si mesmo, uma jovem perdida que não tinha mais pelo que viver. Foi assim quando sua mãe e irmã morreram, nos momentos da guerra onde pensava que perdeu Cassian e Az também. Ele só queria um descanso de uma vida de dor.  

E se tivesse optado pela morte, não teria a família que tinha agora. Não teria um lar por quem ele aceitava tudo só pra ter a chance de voltar.  

—Você não vai descansar até que ganhe a felicidade que eu sei que te espera.  Tem um mundo onde Rhaella será feliz. E se não tiver, prometo que o criarei –O macho beijou a testa dela, selando sua promessa.  

E o sol beijou o rosto deles, finalizando assim uma noite de dor.  


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