Entre Mentiras e Amor escrita por The Deathly Mockingjay


Capítulo 2
Capítulo II




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Panem.

Se não fosse por mamãe, eu talvez nunca saberia da existência desse lugar. Lembro quando era criança e falava sobre um pequeno país insular entre a Itália e a Grécia. Nunca soube como ela sabia que existia esse lugar, mas o tom de carinho em sua voz me fez nunca esquecer dele.

Panem era, de fato, uma ilha. Um pouco maior que Sicília e que atualmente deve pertencer à Grécia. Ou à Itália. Eu não faço a mínima ideia... Agora percebo que estou indo para um país que não tenho a mínima ideia de como é, ou sua história, ou sua língua oficial. Estou num barco há horas, quase chegando ao meu destino e não tenho nada preparado.

Deus, nem mala eu tenho!

A única roupa que tenho é o meu vestido de noiva sujo e rasgado e um par de salto alto em que um deles está quebrado. Eu tenho sorte por conseguir sair da Grécia sem metade de meus documentos. Será que conseguirei passar pela emigração? Sinto minha respiração aumentar de frequência ao mesmo tempo que consigo ouvir meus batimentos cardíacos de tão nervosa que estou... É claro que sei todos os meus documentos de cor, mas seria isso o suficiente para passar pela emigração? Quanto tempo pretendo ficar por aqui? Eu tenho um prazo, certo? Pela facilidade que tive de entrar nesse barco, tenho certeza que não necessito de nenhum visto para entrar em Panem.

— Moça, a senhora está bem? – ouço uma voz doce carregada de sotaque ao meu lado – Está um pouco verde...

Viro meu olhar para voz e me deparo com olhos verdes e carinhosos de uma senhora idosa. Ela parece cansada, mas mesmo assim consigo ver preocupação genuína em sua expressão.

— Eu não sei... – é a única coisa que digo.

Se disser mais alguma coisa é capaz de eu fazer algo estúpido como chorar e atrair ainda mais para mim.

— Tem certeza, querida? Gostaria de algo? Tenho um pouco de água aqui. – a senhora insistiu enquanto me mostrava uma garrafa plástica em suas longas e delicadas mãos.

Não seria tão ruim aceitar um pouco de água, certo?

Eu aceno positivamente e pego a água de suas mãos. Destampo a garrafa e bebo como se não bebesse água há dias. De certa forma, eu realmente não lembro a última vez que bebi água...

— Obrigada. – É o máximo que consigo falar.

— Se precisar de algo, meu nome é Margaríta, mas é mais comum me chamarem de Mags – diz ela.

Alguns minutos se passam com um silêncio confortante enquanto eu degusto da água. Só percebo que deveria parar quando viro a garrafa mais uma vez e mais nenhuma gota se encontra com a minha boca. Sinto-me envergonhada por beber toda a água de uma completa (mas gentil) estranha.

— Desculpe, mas bebi toda a sua água – digo quase sussurrando para a senhora agora empenhada em um livro cujo título se encontra em outro idioma, provavelmente o grego.

A senhora, Margaríta, fecha o livro com delicadeza, dirige seu olhar para mim e fala:

— Não se preocupe, querida. Você realmente não parecia estar se sentindo bem. Mas e agora? Sente-se melhor?

— Acho que sim – respondo sem muita certeza em minha voz.

Margaríta toma minhas mãos nas suas e tal ação me surpreende e quase as puxo novamente para a segurança de meu colo.

— Não conheço a sua história, mas tenho quase certeza que deve se parecer bastante com a minha – ela começa – Eu também escapei de um casamento indesejado e parei em um outro país para recomeçar. As coisas antigamente eram muito mais simples que hoje, mas não menos difíceis e eu teria muito bem agradecido caso alguém tivesse me ajudado.

Estou prestes a dizer alguma coisa quando ela me cala:

— Ah, querida! Todos aqui sabem que você com certeza não é nativa, não precisa fingir.

E dá uma risadinha doce que me lembra da minha própria avó. Tento esboçar um pequeno sorriso, mas acabo deixando algumas lágrimas escorrerem pelas minhas bochechas.

— Eu nem sei o que estou fazendo... – digo sentindo a minha voz embargar.

— Imagino, querida. E como! Por isso estou aqui, conversando contigo. Devemos chegar em Porto dentro de duas horas.

O choque deve estar estampado em minha face, pois ela solta mais uma vez sua risadinha doce.

— Sabe em que hotel ficar? – ela pergunta e quase me estapeio de tão estúpida que devo parecer.

— Entendi... – ela fala ao perceber o desespero em minha face.

Engraçado que parece que não preciso falar sequer uma palavra para Margaríta para a mesma me entender...

— Eu tenho uma pousada que gerenciava com meu falecido marido, perto do porto em que desembarcaremos. Estaria interessada?

— Sim, por favor! – digo um pouco mais desesperadamente do que intencionava e Margaríta ri mais uma vez.

— Então que tal a senhorita me acompanhar assim que sairmos desse embarcação? – ela pergunta.

Eu aceno mais uma vez.

— Como posso passar pela emigração? – pergunto com medo de sua resposta.

— Ah! Só diga que está aqui para visitar sua bisavó, Margaríta no Distrito 4. – ela diz piscando com um olho só para mim e me surpreendo pelo tom casual de sua voz.

— Está falando para mentir para as autoridades? – sussurro com medo de mais alguém ouvir nossa conversa.

— Sim! – ela diz e sorri para mim – Não tenha medo, querida, tudo ficará bem.

Então sua expressão facial muda totalmente para surpresa enquanto ela leva suas mãos para sua boca entreaberta.

— Θεέ μου! Ainda não sei seu nome, querida!

— Katniss Snow. – não havia motivos para mentir, afinal, essa senhora está me ajudando a escapar da emigração.

— Lindo nome! – ela diz. – Meu último nome é Ioannou.

— Sabe, de todas as vezes que já peguei essa travessia de Athina para Porto, nunca vi nada como você e sinto que devo ajuda-la, de alguma forma. Vejo a mim mesma aos 20 anos pegando essa mesma travessia para escapar de um casamento infeliz somente para encontrar o amor da minha vida nessa mesma ilha.

Sorrio para ela, mas não é aquele sorriso grande e falso que dei para meu grupo de maquiadores naquele quarto no Grande Bretagne em Atenas. Alguma coisa nessa completa estranha me faz me sentir mais confortável que jamais me senti com qualquer um em minha vida.

Então, entendo que me sinto acolhida.

— Muito obrigada, Margaríta. – digo prestes a chorar.

Ela balança a cabeça negativamente com um sorriso leve em seus lábios e fala:

— Me chame de Mags, como todos! A ajudarei de todas formas que posso, afinal conheço quase todos os funcionários nesse barco e no porto. – e novamente pisca novamente para mim e, por um segundo, consigo ver uma mulher jovem em seus olhos.

A juventude nunca saiu dessa mulher, não importa quantos anos ela tenha fisicamente. Pisco de volta e nós duas rimos como se tivesse contado a mais engraçada piada da história.

                                                                                          ~

A emigração foi mais fácil que imaginei. Margaríta, ou melhor, Mags, me deu dicas e mais dicas do que dizer. Ela parecia saber exatamente o que dizer e fazer que tive a sensação que essa senhora viajou para mais lugares que eu.

— Tem certeza de que não é uma espiã me emboscando para a prisão? – disse rindo levemente.

— Como sabe? – ela disse com falso choque em sua voz e começou a rir comigo.

Mags é a pessoa mais carismática que já me deparei em minha vida. Com seu olhar doce e sorriso acolhedor, tenho certeza que ela pode pedir para um completo estranho a emprestá-la mil dólares à vista que qualquer um faria de bom grado.

— Muito obrigada mesmo, Marga- Mags! Você não tem ideia do quanto me salvou!

Mags não era o único fator que facilitou a minha entrada em Panem. Pelo que percebi, qualquer um de origem americana ou europeia podia entrar em Panem sem a necessidade de visto ou até mesmo passaporte! Foi somente necessário mostrar minha identidade que o senhor de meia idade encarregado de me deixar entrar ou não no país me liberou. Também tiveram as famosas perguntas de "O que veio fazer em Panem" e "Quanto tempo pensa em ficar?" "Onde será sua estadia?", mas essa parte com certeza teve dedo de Mags e suas dicas.

Sinceramente, eu deveria estar na carreira de atriz.

Encontrei Mags no hall principal do porto e ela diz:

— Está vendo, querida? Deu tudo certo! Vou chamar meu neto para nos levar à pousada!

Mags, então, tira um telefone celular mais moderno do que pensaria que uma senhora da idade dela teria. Rapidamente ela clica em um contato que deve ser do neto dela e leva o telefone para seu ouvido.

Enquanto ela conversa no que parece ser grego eu percebo que estou prestes a entrar num carro com dois completos estranhos num país que nunca visitei e todos os casos de tráfico humano que conheço passam em minha mente a 1000 km/h e novamente sinto meu pulso acelerar e os conteúdos em meu estômago se remexerem de forma muito desconfortável. Mal tenho tempo de tentar relaxar quando Mags desliga o telefone e se vira pra mim.

— Querida, está se sentindo ruim novamente? – ela pergunta preocupada.

Somente aceno. Tenho vontade de sair correndo e pegar o barco mais próximo de volta para Atenas. Deus, eu nadaria de volta para Atenas. Afinal, eu estou prestes a ser sequestrada, certo? Não serei forçada a me casar, mas outras mais terríveis que casamentos indesejados estariam prestes a acontecer comigo, certo? Sinto minha respiração ficar cada vez mais pesada. Sinto que não importa a quantidade de oxigênio que entrem os meus pulmões, nunca será o suficiente e logo sucumbirei às trevas da inconsciência. Sinto que morrerei aqui mesmo, com meus pulmões sem ar, como se estivesse me afogando.

Como o meu buquê.

Minha visão começa a escurecer, minha audição começa a se abafar até não sobrar mais nada. Sinto minhas pernas enfraquecerem ao ponto de não serem mais capazes de me sustentar e tudo fica preto.

                                                                                                   ~

Deus, eu estou morta, certo?

É assim que sinto. Mas se estou morta, como eu sinto algo? Abro meus olhos e os fecho de novo com tamanha luminosidade que encontro. Onde estou? Será que já fui sequestrada? Será que estão me operando e retirando meus órgãos para vender no mercado negro? Céus, eu realmente acho que estou morta... Ou quase.

Ouço uma voz conhecida exclamar algo numa língua desconhecida e abro novamente meus olhos. Dessa vez, a luminosidade não me cega e consigo ajustar meus olhos para perceber que estou, muito provavelmente, num consultório médico.

— Katniss? Katniss? Está me ouvindo? Consegue falar?

Percebo que a voz pertence à senhora carismática que encontrei no barco.

Mags.

Levanto-me num sobressalto e estou prestes a correr daqui (seja lá onde eu me encontro) quando percebo que há mais pessoas no quarto. Meu sangue gela quando vejo dois enormes homens loiros e mais outro homem de meia idade, que, pelo jeito que se veste, deve ser um médico.

— Onde estou? – grito amedrontada, sentindo novamente minha respiração ficar pesada.

— Katniss, está tudo bem! Sou eu, Mags. Lembra de mim?

Viro-me para onde sai a voz e encontro-me novamente com o doce olhar de Mags.

— Você desmaiou e acreditamos que tenha sido por falta de comida. Ah, querida! Está tão pálida! – ela diz e retira uma mecha de cabelo da minha testa. – Está se sentido melhor? O doutor...

— Antoniou – diz uma voz grossa vinda do homem de meia idade que agora tenho certeza de que é um médico.

— O doutor Antoniou lhe medicou com soro fisiológico. Se sente melhor?

A única coisa que consigo fazer é acenar enquanto tento estudar o ambiente em que me encontro. É pequeno. Não exatamente um quarto. Está mais para um cubículo de uma sala de emergência de algum hospital separado por cortinas. O doutor se encontra do lado de Mags (à minha direita), perto de uma mesa que se encontra um computador simples e muitos papeis. Recostado na mesma mesa, encontra-se um dos homens loiros enormes. Esse é um pouco musculoso e tem olhos azuis intensos. O outro homem loiro, eu na verdade, não é loiro e sim louro-avermelhado, de olhos verdes como Mags, é mais musculoso e parece um tanto sem paciência, com os braços cruzados e uma das pernas se mexendo num ritmo rápido e forte.

— Eu estou bem – Digo com firmeza, só querendo escapar de onde estou.

— Ela está ótima, vó, podemos ir? – diz o loiro-avermelhado de olhos verdes.

— Cale a boca, Finnick. – Ela diz firmemente para ele e se vira para mim novamente – Tem certeza? Consegue se levantar?

Aceno com a cabeça e me levanto enquanto me seguro pela maca. Ainda estou me sentindo fraca, mas tenho certeza que tenho forças o suficiente para sair daqui.

— Ótimo! – exclama Mags.

Então, ela se vira para o médico e pergunta-lhe algo. Ele a responde e ela se vira para mim.

— Ele precisa fazer uns exames para ver se está mesmo bem, okay? – ela pergunta e eu aceno.

Qualquer coisa para sair daqui, penso.

Sou cutucada não muito delicadamente em vários lugares enquanto o senhor de meia idade me examina e me faz perguntas que são traduzidas por Mags. Mas não demora muito para eu ser finalmente liberada.

— O médico se que está liberada. Vou assinar uns papeis e já já vamos para a pousada, okay?

Ela sai junto com o médico, me deixando sozinha com os dois homens. O loiro-avermelhado cujo nome aprendi ser Finnick se vira para o loiro ao seu lado e ambos começam a conversar como se eu não estivesse presente. Talvez eu não esteja prestes a ser vendida pelo mercado negro, então.

Mags volta e sou guiada para fora do hospital junto com os dois homens para um carro de modelo atual, que acho que seja um FIAT, preto (não sou boa com carros). O único carro que eu conheço de fato é o meu Volvo prata estacionado no estacionamento de meu apartamento no centro de Londres. Mags apoia seu braço fino em minhas costas como se tivesse medo que eu desmaiasse novamente e me guia para o assento de trás do carro. A porta é aberta pelo loiro de olhos azuis e Finnick entra no carro casualmente como se estivesse a caminho do trabalho.

A viagem não é longa, mas estou tão cansada que não consigo observar a cidade enquanto Finnick nos dirige até uma pousada no que parece ser no centro da cidade. A pousada tem um letreiro de madeira muito bem feito escrito em grego e abaixo em inglês "Pousada Mags e Íkaros".

— Chegamos, querida! Pedi para Finnick separar o melhor quarto para você e, como não tem malas, pedi para ele separar umas roupas de sua esposa para poder usar até que possa comprar novas.

Não digo nada, apenas aceno só pensando em me deitar numa cama confortável. Não consigo nem mais me importar com a possibilidade de ser morta ou vendida. O caminho do carro até meu quarto é um borrão e só percebo onde estou quando me deparo com um quarto pequeno, mas aconchegante com uma enorme cama de casal. Não penso duas vezes e me deito sem mesmo me despedir de Mags e caio num sono profundo e sem sonhos.

 


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