Tempos Modernos escrita por scararmst


Capítulo 11
XI




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Quando Miguel acordou no domingo de manhã, precisou de alguns instantes para se lembrar de por quê se sentia tão leve. O atordoamento dos primeiros instantes depois de acordar foi desaparecendo aos poucos enquanto sua mente trazia de volta as memórias de todos acontecimentos da noite anterior.

Ele se sentou, devagar. Tinha dormido em uma cama de puxar, e Zé Dois no colchão da cama principal ao seu lado. Agora, o garoto estava sentado na cama, ainda de pijama, meio enrolado nos cobertores e mexendo no celular, distraído. Ele se virou para Miguel ao vê-lo acordado, e abriu um sorriso quase imperceptível, mas estava ali. Miguel conseguiu ver.

— Bom dia. Você ronca.

Miguel franziu a testa, contraindo a garganta no instante seguinte, bastante ofendido com a descoberta.

— Não se preocupe, estou acostumado. Meus pais roncam o suficiente pra casa inteira ouvir — Zé Dois continuou, bloqueando o celular e o colocando de lado. — Como foi sua noite? Dormiu bem?

“Bem” nem tinha começado a descrever. Sentia-se descansado como não acontecia já há um bom tempo. Relaxado. Tranquilo. Pela primeira vez em muito tempo percebeu estar em uma situação completamente livre de estresse. Mesmo em sua casa, antes, costumava se revirar na cama pensando no que daria errado no dia seguinte, em como seus amigos iam descobrir e traí-lo como já tinha acontecido antes… Mas tinha acabado. Não havia mais esse peso. E, não apenas isso… Lucas.

Miguel abriu um sorriso pequeno, meio besta, quase sem perceber. A resposta de Zé Dois a isso foi uma risadinha sarcástica bem curta, e então ele levantou da cama, pegando roupas para vestir de sua mochila.

— Estou faminto, tava só te esperando acordar. Vamos comer alguma coisa.

E, simples assim, aquele domingo se tornou um dia pacífico e memorável para Miguel. Já era quase hora do almoço quando se levantaram, e foram para a região da piscina, onde agora Pedro, Arthur e Clara estavam preparando um churrasco. Miguel era um desastre na cozinha, então decidiu ajudar Lucas e Zé Dois a buscar pratos e utensílios, ou fazer qualquer outra coisa que fosse mantê-lo longe da comida a menos que quisesse causar uma infecção alimentar nos amigos.

Acabou conversando bastante com Lucas naquele dia. Não se sentiu confortável para beijá-lo ou abraçá-lo na frente dos amigos, mesmo imaginando deles não se importarem com isso, e Lucas entendeu sem Miguel sequer precisar dizer alguma coisa. E ao fim do dia, na hora de voltar para casa, Miguel se pegou ansiando pelo dia seguinte, para encontrar todos de novo na escola, uma sensação jamais esperada por si em sua vida depois do ano anterior.

Se seu pai percebeu a mudança, decidiu não comentar nada, talvez até por receio de quebrar a magia, ou algo similar. Para Miguel, estava tudo bem. Ele mesmo queria guardar esse pequeno momento de felicidade para si por algum tempo, quase como um segredo. Essa pequena bolha de felicidade se alojou em seu coração pelo resto do dia e pelas primeiras horas da segunda-feira também, mas Miguel não demorou a descobrir o quão rápido bolhas poderiam ser estouradas.

Enquanto na festa ele não sabia dizer se estavam todos olhando mesmo para ele ou se era só paranoia sua, ali ele teve certeza. Assim que pisou na entrada da escola, passou pela recepção e chegou no corredor de sua sala, viu três ou quatro colegas de turma o encararem, fazerem contato visual por alguns instantes e virarem o rosto. Alguns com risadinhas.

O pânico começou a subir pelo seu estômago na mesma hora, mas além de pânico, ele se percebeu triste. O dia anterior tinha sido maravilhoso, um momento para esquecer de seus problemas e pela primeira vez em sua vida poder estar com um interesse amoroso e com amigos no mesmo lugar sem ter medo de algo acontecer, mas agora, de volta na escola, as coisas poderiam acabar sendo diferentes.

Mas não devia se preocupar, não é? Seus amigos tinham lhe prometido ficarem ao seu lado acima de qualquer coisa, tinham prometido que nada ia lhe acontecer. Miguel apertou a alça da mochila, respirou fundo e levantou o queixo. Não estava sozinho dessa vez. Não precisava abaixar a cabeça.

Ele atravessou o corredor fingindo não perceber ninguém que o olhasse por mais de alguns segundos, entrando na sala e andando direto para sua mesa. A mochila de Arthur já estava ali na cadeira logo à frente da sua, e olhando para o outro lado da sala, ele encontrou seu pequeno grupo de amigos, todos reunidos ao redor da mesa de Zé Dois na parede oposta.

Ia se aproximar devagar, mas Pedro o viu primeiro e levantou o braço, acenando com um sorriso grande e um excesso de energia. Miguel respondeu o sorriso com um bem menor e um pouco sem graça. Sim, tinha o visto ali e estava tentando não chamar atenção. Não seria ruim Pedro ser mais discreto.

Miguel alcançou os amigos do outro lado da sala, cumprimentando todos com um aceno. Todos. Incluindo Lucas. Talvez a distância física colocada entre os dois fosse o incomodar, mas Miguel sentia fosse por verdade ou paranoia as costas queimando com os olhares de pessoas em cima dele. Não conseguiria fazer nada com Lucas nessa situação, nem segurar a mão dele. Esperava que o garoto pudesse entender.

— A gente tava bem falando das novidades — Pedro comentou, e ele parecia mesmo anormalmente feliz naquele dia. — Adivinha o que aconteceu.

— O quê?

— Meus pais liberaram meu namoro com o Pedro! — ela respondeu, com um sorriso igualmente enorme no rosto.

Eles não precisaram mencionar o fato disso ter acontecido pelos pais de Clara terem a levado e buscado duas vezes na casa do garoto e terem descoberto, de repente, que ele tinha dinheiro sobrando até não poder mais. Motivo escroto, resultado aliviante. Ao menos eles poderiam namorar em paz, não é? Seria errado de sua parte só olhar o lado bom da coisa e deixar a crítica social enterrada no fundo da sua cabeça? Esperava que não. De drama de relacionamento já bastava o seu por agora.

— Bem, ao menos isso, não é? — Miguel comentou, enfiando as mãos no bolso. Estava nervoso, e era um gesto comum de seu nervosismo tentar esconder as mãos em algum lugar.

O sino da aula tocou nesse momento, e Miguel se sentiu aliviado e chateado de forma conflituosa por ter de ir para sua mesa sem sequer ter tido muito tempo para passar com Lucas. Sua cabeça estava dando voltas. Seu coração também. Isso não parecia certo. Por que não podia simplesmente relaxar? Tinha um esquadrão de cinco amigos os quais prometeram ficar ao lado dele independente do que acontecesse, e ainda se sentia vulnerável como se tivesse entrado na escola de pijamas.

Ele acenou para os amigos de novo, indo para sua mesa e decidindo enfim que era sim um alívio a aula ter começado, e poder pensar em outra coisa e estar a algumas fileiras de mesa de distância de Lucas. Apesar disso, pegou-se conferindo a mochila três vezes naquela primeira parte da manhã, e também seu caderno, e a cadeira.

Era como se estivesse esperando algo dar errado. Estava mesmo paranoico, não estava? Um pouco de paranoia era até bom para se manter em alerta, mas só um pouco, não nessa quantidade toda.

Quando o sino tocou para o recreio, Miguel decidiu ficar em sua mesa. O pensamento de sair e deixar suas coisas ali o deixava muito desconfortável, e não conseguia nem pensar em uma coisa dessas. Arthur o chamou para comprar o lanche com ele, mas Miguel o deixou ir sozinho, indicando que, como de costume, tinha trazido seu lanche de casa.

Acabou sentado sozinho à sua mesa, desenrolando um sanduíche de patê de presunto quando viu um vulto se sentar na cadeira à sua frente. Lucas.

Miguel parou com o sanduíche a meio caminho da boca. É, ali estava ele. Iluminador no rosto, brilho nos lábios, cachinhos cuidadosamente arrumados na cabeça. Maravilhoso. Quase uma pintura.

— Como você está? — Lucas perguntou, apoiando o rosto na mão e olhando para Miguel com um olhar profundo.

Ele sabia. Miguel não esperava estar escondendo seus sentimentos, e conseguia imaginar seus amigos percebendo algum desconforto de sua parte, mas não era só isso. Lucas entendia o medo. A paranoia.

— Não sei.

— Eu posso fazer algo para te ajudar?

Miguel abaixou o rosto, deixando o sanduíche de volta na vasilhinha de plástico. Sentiu-se subitamente enjoado. Não queria mais comer.

— Não sei. Eu sei que eu estou paranóico…

— Com motivo. Não tem feitiço mágico pra fazer isso sumir. Eu só quero que você saiba que a gente tá contigo, viu? Todos nós.

— Eu sei. Racionalmente eu sei, obrigado, mas eu continuo…

— Conferindo a mochila três vezes nas primeiras aulas? Eu percebi.

Lucas estava o observando. Estava preocupado com ele, e tinha o observado para pensar em como ajudar. De repente, Miguel suspirou e sentiu vontade de chorar. Estava assustado e até aquele momento no qual se deu conta de fato do quanto tinha amigos para o ajudar vinha sufocando tudo no fundo da garganta, algo nada saudável.

— Eu só não quero que algo ruim aconteça…

— Não vai acontecer, ok? Confia em mim. Se a gente precisar comprar briga com a escola inteira, a gente compra. Eu juro.

Confiava. Se tinha adquirido alguma certeza, era a de seus amigos fazerem o que fosse necessário para o ajudar. Mas se algo acontecesse para essa ajuda ser precisa, já seria uma situação de estresse a qual Miguel não queria passar. Só queria ficar em paz, e agora percebia que mesmo sem risco visível no ambiente, sua consciência não o deixaria descansar.

— Você quer ir em algum lugar? — Lucas perguntou, tamborilando os dedos devagar na mesa.

Miguel viu a mão dele a meio caminho de tocar a sua, indeciso no gesto, mas querendo. Recolheu sua própria mão para o colo. Não queria acabar cedendo a um carinho desses sem perceber. Lucas franziu a testa de leve ao perceber o gesto, e Miguel se perguntou se ele estaria chateado e se já estaria estragando tudo com os dois depois de apenas um dia de relacionamento. Seria um recorde, com certeza.

— Não sei — respondeu, apenas, pois era a resposta sincera.

Queria estar em algum lugar com Lucas? Sim. Queria outras pessoas o vendo com ele? Não. Se fossem a um parque, restaurante, lanchonete, qualquer coisa isso iria acontecer. Não seria o tipo de lugar mais confortável que a escola estava sendo agora, a não ser talvez pelo fato de ser um lugar com estranhos em vez de pessoas as quais precisava ver todos os dias.

Na verdade, existia apenas um lugar onde se sentia totalmente seguro: sua casa. Mas não sabia como Lucas reagiria ao receber esse tipo de convite. Era muito cedo para chamá-lo para passar um dia lá? Em outras circunstâncias teria gostado de sair com ele para vários lugares antes de chegar a essa altura, mas não tinha muitas opções sobrando, tinha?

— Lembra quando você disse que não tinha muita experiência? — Miguel comentou, em um quase sussurro, receando alguém poder os ouvir, mesmo não tendo mais ninguém a menos de duas fileiras de carteira de distância deles. Lucas concordou com um aceno da cabeça. — Eu também não tenho, só que nessa parte, sabe? Tudo que eu fiz e vivi foi escondido e eu não liguei porque não era nada especial. Mas…

Mas eles eram especiais? Também parecia algo muito forte para se dizer tão cedo em um relacionamento. A questão não era tanto sobre Lucas ser especial, mas sim a situação. Apaixonar-se era novo. Miguel não queria fazer isso de qualquer jeito, não queria tratar Lucas como se fosse outro caso sem importância.

— Eu não quero só te encontrar às escondidas por aí — Miguel disse, por fim, decidindo por uma boa dose de sinceridade. — Eu quero poder ter tempo pra passar com você, fazendo outras coisas. Vendo alguma coisa, jogando um jogo, ou só fazendo nada juntos, mesmo. Mas não consigo fazer isso aqui, ou na rua, onde tenha gente pra olhar. Eu não estou com vergonha de você, sabe? Eu…

 

— Eu sei — Lucas cortou, com um sorriso pequeno no rosto.

Miguel abaixou o rosto, em silêncio, encarando seu sanduíche, pensativo. Talvez devesse sim convidar Lucas. Ele com certeza ia entender a situação, e se não quisesse, poderia recusar. Sem mágoas. Sem ressentimentos.

— Quer passar o fim de semana lá em casa? — perguntou, enfim, encarando a mesa sem coragem para olhar Lucas nos olhos e torcendo para ele entender e aceitar o convite.

A primeira reação de Lucas foi um suspiro, para desespero de Miguel, que sentiu algo apertar no coração. Lucas coçou atrás da cabeça, recostando-se um pouco para trás e pensando em silêncio por um bom tempo antes de responder. Tempo o suficiente para Miguel começar a se arrepender da pergunta.

— Não é que eu não queira ir… — ele começou, parecendo procurar as palavras para responder. — É só que... Sua casa, assim, só nós dois?

— Não, meu pai também vai estar lá.

Miguel respondeu por reflexo, apenas para satisfazer a dúvida de Lucas, e ao ver o rosto dele atenuar a expressão de receio e um sorriso pequeno aparecer no rosto dele, percebeu que o receio de Lucas era de ficar sozinho com ele. E isso despertou uma nova série de dúvidas na consciência de Miguel.

— E seu pai é tranquilo? — Lucas questionou. — Tipo, se eu for pra lá, não quero que seja enganando, sabe? Se você disser pra ele “pai, posso trazer um garoto aqui em casa”, deixando claro que tipo de relação isso é, ele fica de boas?

Miguel percebeu, de repente, que não fazia a menor ideia de como seu pai responderia à pergunta. Não tinha discutido possíveis relacionamentos com ele, e apesar de terem a regra sobre não poder ficar sozinho com um garoto em casa, como antes não podia com garotas, nada mais tinha sido conversado no assunto. E isso era inteiramente culpa dele mesmo, quem vinha desviando do assunto há tanto tempo que tinha ignorado discussões muito básicas com o homem, o tipo de coisa se mostrando necessária agora.

— Se você não puder ir, ele diz que não, eu tenho certeza. Papai não vai deixar eu te levar para lá pra ficar sendo desagradável depois. Ele pode ficar um pouco desconfortável por não saber como agir, mas isso passa, tenho certeza.

Lucas ainda não parecia convencido, e ficou claro para Miguel o tipo de paradoxo no qual se encontravam. Para Lucas, seus pais sempre tinham sido problema. Ele jamais poderia levar um garoto em casa e, Miguel desconfiava, os pais de Clara só eram tão favoráveis à homossexualidade do garoto por ele não representar “risco” para sua menininha. Para ele, a ideia de passar um tempo com um interesse romântico na presença de um conhecido deveria ser terrível, e ele encontrava conforto em estar na escola, ou na rua, longe de qualquer pessoa que pudesse contar algo para seus pais depois.

Para Miguel, era o oposto. Sua casa era seu conforto, um local onde tinha certeza de não ser julgado, pois a única pessoa lá, seu pai, era seu aliado. Festas, locais públicos e até a escola estavam cheios de pessoas imprevisíveis e reações inesperadas. Para Miguel, estar nesses lugares era estar em estado constante de alerta, e detestava isso.

— Estamos em um impasse? — Miguel perguntou, olhando entristecido para seu sanduíche e se perguntando se teriam chegado ao fim daquilo tudo antes mesmo de começar de fato.

— Talvez — Lucas respondeu, parecendo também um pouco entristecido.

O silêncio se espalhou entre os dois como algo viscoso sendo derramado sobre pedra. Não sabia no que Lucas estaria pensando agora, mas esperava ser o mesmo que si: uma forma de encontrarem um meio termo naquela situação toda.

— Digamos que eu vá — Lucas comentou, depois de uns tantos segundos, para surpresa de Miguel. Ele sentiu uma ânsia no coração, uma vontade de dizer “sim, venha” no mesmo instante, antes que ele mudasse de ideia. Mas se controlou. — Quais são seus planos?

Miguel pensou por um instante breve, visualizando os dois em sua casa e percebendo não fazer a menor ideia, e nem mesmo ter algum plano específico. Ele deu de ombros em resposta.

— Quais seriam os seus? — Perguntou, em resposta. — Eu não tenho nada específico para fazer, só quero passar um tempo com você.

Não importava quantas vezes precisasse repetir isso, o faria, pois era a verdade. Queria que Lucas percebesse isso, e mais que isso, queria ter certeza dele saber o motivo. Miguel nunca tinha se apaixonado antes. Agora que tinha acontecido, queria explorar isso. Queria saber como era, queria aproveitar a sensação com ele.

— Tudo bem então — Lucas respondeu, com um suspiro. — Acho que eu posso ir.

— Verdade?

— Sim. Eu vou pedir meu pai direitinho e te respondo amanhã, mas não vejo ele tendo um problema com isso.

De repente, Miguel se deu conta de que parte do receio de Lucas poderia justamente dizer respeito a seu pai. E se Lucas fosse arrumar problema em casa para se encontrar com ele? Isso não era justo. Devia ter pensado nisso antes de propôr a visita com tanta veemência.

— Se for dar problema na sua casa…

— Não, tá tudo bem. Um fim de semana pra jogar video-game com um amigo não é algo que meu pai vá estranhar, é capaz dele achar até bom. Ele vive dizendo que eu preciso de uns “parça” pra andar comigo. Ele acha que eu passar tempo demais com Clara de amiga é muita influência feminina na minha vida — Lucas completou, com uma risadinha curta. — E olha que ele não sabe de nada, imagina se soubesse.

Miguel não conseguiu rir, mesmo o próprio Lucas fazendo isso. Os dois ouviram de repente uma arruaça de vozes na entrada da sala, e olhando pra lá identificaram se tratar de Pedro, Clara e os garotos, trazendo seus lanches para comer na sala.

— Sábado de manhã então, combinado? — Miguel sugeriu.

— Combinado.

Os outros se aproximaram enfim, e Miguel trocou uma piscadela e um sorriso suave com Lucas. De repente, tinha apetite de novo, e pegou seu sanduíche para voltar a comer. Já tinha começado quando percebeu a forma com a qual Arthur o encarava depois de ter chegado.

— Aí — Arthur disse, de repente, perto o bastante para ouvir os dois. — Não precisa ficar com viadagem na sala, né? Tá que vocês querem fazer os negócio de vocês aí, mas eu não sou obrigado a ver.

Não soube, em princípio, se era sério ou brincadeira, mas não demorou de mais de meio segundo encarando Arthur para saber. Arthur era muito honesto com seus sentimentos, tudo se mostrava de forma bastante direta. Era sério. Ele não estava brincando.

Miguel não soube o que dizer. O sangue fugiu de seu rosto, e ele sentiu o coração acelerar.

— Arthur, eu já conversei isso com você…

— Ah, caguei Zé Dois, eu não sou obrigado…

Nesse instante, Zé Dois pegou Arthur pelo braço e foi o levando para o fundo da sala. Miguel não conseguia ouvir mais nada, mas podia ver Arthur esbravejando e Zé Dois tentando acalmá-lo em sua mesma tranquilidade de sempre.

— Não liguem pra ele — Pedro comentou, com o braço passado nos ombros de Clara. — Ele só resmunga, mas não é perigo.

Mas machucava. Pedro sequer tinha noção disso? Miguel teve um péssimo flashback para quando tinha os conhecido, e todos os comentários desagradáveis feitos por Arthur sobre Lucas bem na frente dele. A cada dia, conhecia o garoto um pouco melhor. Agora sabia que tipo de homofóbico ele era. “Tudo bem ser gay, só não precisa mostrar”. Esse tipo.

— Mas machuca — Miguel respondeu, de repente, sentindo os olhos encherem de lágrimas. Tinha derrubado suas defesas emocionais ao se abrir com eles, e custava muito as levantar de novo quando isso acontecia. Dessa vez, não queria levantar. Deixou tudo sair. — Você prometeu que ia me proteger disso. Vocês prometeram. Isso não vai ser sempre alguém esquisito fazendo uma brincadeira sem graça, não vai ser sempre uma questão de me proteger dos meus inimigos, eu posso precisar de proteção dos meus amigos também.

— Ei, Miguel…

— Ei Miguel o caramba, Pedro. Se ele estivesse te chamando de bandido, ou traficante, não ia te magoar também? Resmungar pode não ser perigoso, mas dói.

Arrependeu-se de suas palavras quase em seguida. Ele viu Pedro arregalar os olhos, certamente surpreso e talvez até ofendido com a comparação. Não era sua intenção, e percebeu, mais uma vez, estar atacando as pessoas erradas. Pedro era seu amigo. Não podia falar uma coisa dessas pra ele.

— Desculpa… Eu…

— Não. Tudo bem.

O sino tocou, e foi a melhor coisa a acontecer naquele intervalo. O grupo se dispersou para suas carteiras e Miguel deitou a cabeça na mesa, perguntando-se como tinha conseguido estragar tudo mais uma vez.


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Notas finais do capítulo

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