A biblioteca da escola pegou fogo! escrita por Fane


Capítulo 4
Show de horrores




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/801553/chapter/4

Eu tenho que admitir que sou um pouco exagerada. Alguns diriam até que sou dramática. Geralmente eu percebo isso quando tenho um ataque de nervos por um motivo bem besta e então surpresa!, uma coisa pior acontece. Então eu tenho outro ataque de nervos ao perceber que desperdicei um bom surto com algo que nem merecia minha atenção.

Foi isso que aconteceu depois da aula de história. Eu estava meio chateada — alguns diriam até, furiosa — por causa do meu colega de carteira e nem percebi que havia mil outras coisas que mereciam mais a minha atenção do que ele!

O problema é que eu só fui perceber isso tarde demais.

No intervalo eu precisei sair correndo para ir ao banheiro — a mistura de raiva, nervosismo e ansiedade faz absurdos com a minha bexiga — e quando voltei vi Giselle conversando com várias pessoas, parecia até candidata a prefeita com aquele monte de gente ao redor.

Sorri sozinha, no meio da multidão, e pensei que talvez um dia eu me tornasse uma das pessoas ao redor dela. Não custa sonhar, né mesmo?

Um intervalo depois — que pra mim se resumiu em aproveitar os ótimos minutos que eu tinha sem Dennis Flores do meu lado — Giselle voltou pra sala com um semblante diferente. Parecia chateada com alguma coisa e eu, obviamente, precisava saber do que se tratava.

Talvez Dennis tenha razão. Talvez eu seja mesmo enxerida.

— Ei, tá tudo bem? — Perguntei como quem não quer nada aproveitando que a sala ainda estava meio vazia.

— Tá sim... — ela respondeu, mas é claro que não estava. — Mia, por acaso... — arrepiei —... você não estaria interessada... — meu coração deu um pulo e virou do avesso —... em ajudar no grêmio?

An.

— Ajudar no quê? — Perguntei só por perguntar, eu já devia ter desconfiado. Nessa vida, nada vem fácil.

Giselle então suspirou, se sentando na cadeira de Dennis.

— Assim... todo ano a escola faz uma quermesse na época de festa junina pra arrecadar dinheiro pra viagem de formatura dos terceiros anos e o grêmio fica encarregado de juntar os voluntários e fazer um balanço financeiro e tudo mais. Mas metade do grêmio pegou catapora e sobrou pouquíssima gente pra ajudar nessa parte da organização. Eu tô tão estressada!

Eu estava hipnotizada. Não somente pela dicção e assertividade de Giselle, mas também porque mesmo estando frustrada ela ainda reluzia como um raio de sol que caiu na terra e formou a mais bela flor.

Mas é óbvio que eu também prestei atenção no que ela estava dizendo, é claro.

Então respirei fundo. Era meu primeiro dia de aula. Ninguém naquela escola conhecia minha falta de responsabilidade e comprometimento perante a assuntos escolares! E, segundo os conselhos do diabinho no meu ombro, aquela era a minha chance de impressionar Giselle!

— Dá licença? — Fiquei tanto tempo contemplando a ideia que nem me dei conta de que a sala de aula já estava cheia e que Dennis estava ali, bem do lado de Giselle esperando que ela se levantasse para que ele pudesse se sentar.

O que ela fez de bom grado, chegando pro meu lado e se abaixando pra ficar bem pertinho de mim. Foi um sonho virando realidade.

— E aí?

— Ah... eu não sei. Eu nunca participei de nada disso antes.

Pode até ter sido coisa da minha imaginação, mas eu juro que ouvi Dennis soltar uma risadinha sarcástica.

— Não tem problema! Não é tão complicado, a gente só precisa de ajuda pra agilizar as coisas.

— Tudo bem, então.

Ela sorriu. Ela sorriu!

— Ótimo! Quando a aula acabar a gente vai juntas pra biblioteca. As reuniões são sempre lá!

— Tá!

É o melhor primeiro dia de aula ever, eu pensei. Sem contar o atropelamento e outros poréns, mas quem diria que eu conseguiria alcançar tanto em apenas um dia de aula? Por um período curto de tempo eu realmente me senti orgulhosa.

Um período curto, porque, logo que me virei (ainda sorrindo toda boba por causa de Giselle) percebi que Dennis estava me encarando de novo.

E dessa vez eu não deixaria barato.

— Quê?

Tentei soar ameaçadora, mas foi difícil porque a professora de geografia tinha acabado de entrar na sala.

— Nada.

Ele esboçou um sorrisinho e soltou a mesma risadinha sarcástica que eu tinha ouvido antes! Como eu já suspeitava, esse Dennis Flores não vale uma moeda de cinco centavos!

E eu quase retruquei! Quase. Não fiz isso porque a aula de geografia já tinha começado e eu precisava ser inteligente e esforçada pra chamar ainda mais a atenção de Giselle tendo em vista que tínhamos um date depois da aula.

 

O date não foi um date. E é claro que eu já estava ciente disso desde o início, mas acabou sendo pior do que eu esperava.

Depois de uma aula de geografia e outra de sociologia, meu cérebro tinha pegado fogo. Não por causa dos assuntos de extrema importância e das explicações incríveis dos professores, mas por causa de Dennis Flores.

Dar uma segunda chance para esse garoto foi a pior coisa que eu já decidi fazer. E por quê? Em algum momento da aula ele decidiu que seria incrível ouvir música (coisa que eu nem implicaria tanto se fosse uma musiquinha gostosa de ouvir) e, como se não bastasse, o volume estava tão alto que a música estourava nos fones de ouvido dele e chegava até os meus ouvidos como um zumbido horrendo.

Precisei respirar fundo diversas vezes, lembrando no date depois da aula que eu teria com Giselle. Mas não adiantou. Era impossível pensar cm aquela barulheira toda.

Minha cabeça não focava em nada além de: como ninguém mais tá ouvindo essa barulheira? Como ninguém diz nada? Como todo mundo aceita isso calado? Ele tem algum motivo pra ouvir música alta no meio de uma aula em que é preciso pensar e refletir?

Mas, mesmo sofrendo com aquilo, eu fiquei quietinha. Ninguém gosta de X9 e era meu primeiro dia de aula.

E esse esforço valeu a pena, pois assim que a aula acabou Dennis enfiou as coisas na mochila e evaporou. Me senti até um pouquinho mal por ter xingado tanto ele mentalmente.

Mas passou rapidinho quando Giselle veio até a minha carteira pra irmos juntas até a biblioteca, (ela foi comentando sobre a quermesse e sobre a festa junina da cidade, falou como o dia de São João é importante e também explicou que, antigamente, as pessoas vinham de longe só pra festejar em Mandacaru, que é famosa por essas festas religiosas) e quando chegamos lá, não tem ninguém.

Pelo menos eu achei que não tinha ninguém. Mas tinha sim. Um garoto. Um garoto bem básico, loiro, alto, bem padrão. Ele estava agachado no fim do corredor entre duas prateleiras e surgiu suspirando alto, como se estivesse ali há horas.

— Gabriel, eu trouxe alguém pra ajudar! — Giselle disse, indo até a mesa onde uma pilha de papéis estava espalhada.

— Tô vendo. Achei que ia trazer a Emily.

Emily?, eu pensei. Mas não deu tempo de prestar atenção em muita coisa, me juntei a Giselle e começamos a separar aquele monte de papéis. Eu não fazia ideia do que estava fazendo.

Até que Giselle suspirou.

— Eu também achei, mas sabe como ela é, né? Mas a Mia aqui é nova e não sabe como é a quermesse da escola então pode ser legal, né?

Fiz que sim, simpática. E Gabriel saiu detrás das estantes para se juntar a nós.

— É, pode ser. Prazer em te conhecer, é Mia, é?

— É sim — respondi, já antecipando o que viria em seguida.

Meu nome na verdade é Amélia, mas eu não preciso sair dizendo isso pra ninguém.

— Igual a Mia de RBD, né? — ele perguntou, mas nem era uma pergunta, porque no momento seguinte ele e Giselle já estavam cantando “Sólo Quédate em Silencio” juntos num tom tão desafinado que eu comecei a bater palmas pra acompanhar, já que não tinha fôlego o suficiente de tanto que ri.

Por sorte, a bibliotecária não estava lá.

Depois da cantoria — descobri que Gabriel tem um repertório invejável e que Giselle, mesmo sem saber a letra de todas as músicas, sempre conseguia acompanhar com as batidas no tampo de madeira da mesa — precisamos voltar ao trabalho e, finalmente, me explicaram o que eu precisaria fazer.

— Ok, — Gabriel disse, depois que separamos os papéis cantarolando Ser o Parecer e mais outras clássicas que eu nem lembrava que existiam — esses papéis são as autorizações que precisamos entregar na coordenação e esses outros são o resultado da apuração que foi feita em cada turma. Vou entregar na sala dos professores amanhã e o grêmio só precisa separar as assinaturas dos voluntários pra separar as funções e agilizar os crachás... cadê a pasta amarela com as assinaturas?

Imediatamente Giselle bateu na própria testa.

— Putz! Esqueci de ir buscar na casa da Emi. Te falei que deixei lá sexta-feira, lembra?

Pelo visto ele lembrava. Lembrava tanto que olhou pra mim como se eu também estivesse a par da fofoca.

— O que aconteceu com vocês duas? Brigaram de novo? — Ele perguntou sem nem disfarçar que estava sendo sorrateiro.

— Não. E para com isso — então ela olhou pra mim. — Não liga pra ele, não, Mia. A Emi é minha melhor amiga e é um amor de pessoa.

Achei que ela fosse dizer namorada, quase desmaiei.

Melhor amiga pra quem não conhece vocês duas — Gabriel voltou a falar, me olhando no fundo dos olhos como se soubesse todos os meus segredos. — Todo mundo sabe que a Emily é apaixonada na Giselle desde o ensino fundamental.

Senti meu estômago revirar.

Nem consegui rir quando Giselle se levantou pra dar três tabefes bem dados em Gabriel.

—... e eu menti?

— Claro que sim. A Emi nunca disse nada disso.

— Óbvio que não! Você nunca dá chance pra coitada falar!

A discussão durou um bom tempo, mas eu estava ocupada demais pensando em como Giselle talvez também tivesse apaixonada por sua melhor amiga, Emily.

Mas... pelo que eu sei, Emily não estudava na mesma sala que Giselle, mas eu sim. Eu poderia muito bem usar isso ao meu favor, só precisaria dar um jeito de...

— Gabriel... — juntei coragem pra perguntar. — Vocês que são do grêmio e tal, sabem se tem alguma forma de eu trocar a minha dupla na sala de aula?

Pelo canto de olho percebi que Giselle estava prestando atenção.

— Geralmente fazem um mapeamento a cada semestre, mas a não ser que seja uma urgência, eu acho que não. — Ele respondeu, bem assertivo e sem engasgar nenhuma vez. Eu tenho inveja de gente assim. — Por quê? Você não se deu bem com a sua dupla?

— Não, é que...

— Mia, se você quiser a gente pode falar com a Luzia, talvez ela abra uma exceção já que você é novata! — Giselle comentou, me interrompendo. Foi até estranho. E aparentemente Gabriel percebeu isso também.

— Ué, quem é a sua dupla? Não pode ser tão... — ele parou de falar, como se uma grande nuvem de conhecimento tivesse pairado bem em frente a seus olhos. — É o Dennis, né?

Como sabes?, eu pensei. Mas então Gabriel começou a sorrir sozinho e Giselle revirava os olhos a cada mínimo barulhinho que o presidente do grêmio fazia. Eu já não estava entendendo absolutamente nada, até que eles voltaram a se comunicar normalmente.

— Eu ia dizer que não pode ser tão ruim assim, mas é... pode sim. Meus pêsames — Gabriel ria e murmurava mais para si mesmo do que pra gente, era até triste de se ver.

Giselle, por outro lado, chegou pertinho de mim (não vou dizer que não gostei) e colocou a mão no meu ombro.

— Gabriel e Dennis se odeiam — ela explicou. — Sempre que um tem oportunidade de falar mal do outro, eles fazem isso por horas. É horrível. Mais horrível ainda porque eles são irmãos...

Silêncio. Gabriel parou imediatamente de falar e eu de pensar. Era impossível! Não somente pela aparência física, mas pelo jeito de se comportar. Gabriel, apesar de ser meio fora da casinha, é simpático, canta músicas de RBD e tem um semblante inteligente admirável. Já Dennis... ele ri das pessoas e passa as aulas ouvindo música no volume máximo.

— Ele não é meu irmão.

— Eles dois são irmãos?

Falamos quase ao mesmo tempo. Eu ainda estava em estado de choque.

— Não. — Gabriel respondeu. — O meu pai se casou com a mãe dele. Não somos nada um do outro.

— Eles se odeiam — Giselle me disse, mas eu já tinha pegado aquele detalhe no ar. — Por isso eu nem me atrevi a chamar o Dennis pra vir ajudar.

Gabriel soltou uma risada sarcástica, assim como Dennis já tinha feito. Saber que os dois são meio-irmãos bagunçou total a minha cabeça.

— Como se ele se prestasse a fazer o mínimo. Ele só faz o que quer e nunca se esforça em nada. Por isso eu detesto esse cara, não suporto gente preguiçosa.

Eu poderia ter me ofendido, mas até então, ninguém sabia do meu leve problema de preguiça.

— Ele tá exagerando. O Dennis é gente boa e só faz essas coisas porque é engraçado ver o Gabriel com raiva — Giselle disse, eu até soltei uma risadinha com ela. — Mas na maior parte do tempo ele é legal.

Eu não engoli aquilo. Muito menos Gabriel, já que ele se levantou de repente com uma carranca enorme na cara.

— Acho que já deu por hoje. Gi, amanhã você traz a pasta amarela urgente, semana que vem a gente se encontra aqui de novo pra discutir mais algumas coisas. O resto fica por minha conta, podem ir.

Demorou um pouquinho até eu entender que tínhamos sido expulsas dali, e isso me levou a acreditar que Gabriel e Dennis eram tipo inimigos mortais. Mas irmãos. Como Thor e Loki! Fiquei tão perdida pensando nisso que nem percebi que estava andando ao lado de Giselle, que tagarelava sobre Gabriel ser muito esquentadinho e em colo ela já era experiente lidando com gente assim.

Infelizmente eu só voltei a prestar atenção no mundo a minha volta quando Giselle se despedia de mim, empurrando a bicicleta sem freios pelo caminho que ela tinha percorrido hoje de manhã.

Eu segui meu rumo pensando em tudo que tinha acontecido naquele show de horrores que foi meu primeiro dia de aula. Pensando em Giselle, na melhor amiga dela, Emily, em Gabriel e seu ódio absurdo por Dennis que não me deixou prestar atenção na aula com a música estourando nos fones de ouvido.

Aquele foi o primeiro dia do resto da minha vida.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A biblioteca da escola pegou fogo!" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.