A biblioteca da escola pegou fogo! escrita por Fane


Capítulo 10
Dias de luta




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Os dias passaram e eu achei que estava conseguindo lidar com todas aquelas tarefas muito bem. Mas era puro fingimento pra me impedir de ter um colapso mental. Eu ainda não tinha terminado de cortar os crachás e ainda não tinha decidido como iria fazer para que Dennis e Gabriel virassem amigos. Mas eu achei que conseguiria resolver tudo a tempo se manifestasse o suficiente.

E eu manifestei. Mas acabei ganhando uma montanha de lixo sendo jogado bem na minha cabeça.

Faltava uma semana para a quermesse, eu precisava entregar os crachás cortados e perfeitos na reunião de quinta-feira. Era quarta e eu ainda não tinha terminado.

Mas tudo bem, porque eu ainda tinha um tempinho e, se eu corresse, conseguiria entregar tudo na hora, sem pressa e sem me desesperar. Mas eu não consegui, manifestação nunca tinha dado certo pra mim antes então nem fiquei surpresa quando tudo começou a dar errado outra vez.

Melissa apareceu no meu quarto lá pelas seis e meia da tarde, agarrada num fidget toy e se sentou na minha cama, me observando quase entrar em desespero por causa dos crachás que já faziam parte dos meus piores pesadelos.

— Mia, — ela chamou, e eu olhei pra ela, só pra ter certeza de que ela estava bem antes de voltar a cortar os crachás — quando é que a gente vai voltar pra casa?

— Como assim? A gente tá em casa — falei. E então eu parei, pensei e entendi.

— Não essa casa. A outra casa.

A outra casa. A casa na Capital. A casa onde moramos a vida inteira antes de toda aquela confusão envolvendo nossos pais, um divórcio não resolvido e uma morte inesperada. Era natural que ela tivesse muitas perguntas, eu também tinha. E era exatamente por isso que eu não era a pessoa ideal para quem ela deveria perguntar tudo aquilo.

— Essa é nossa casa agora, Mel. Você não gosta daqui? — Perguntei, parando totalmente de cortar os crachás e indo sentar com ela na beirada da cama.

— Até que sim. A escola é legal. Mas eu fico com saudade do papai.

Era o que eu esperava.

— Eu sei — abracei ela pelo ombro, olhando para a pilha de crachás espalhados pelo tapete. Aquilo tinha que esperar. — Quer ir brincar com os gatos da Vó Alice? A Farofa é meu amigo agora.

Ela disse um sim meio murcho, mas foi o suficiente pra mim. Fomos até o quarto dos gatos e brincamos com eles — o que quer dizer que observamos eles brincarem sozinhos — até Mel começar a bocejar, cansada o suficiente pra ter pelo menos uma noite de sono tranquila.

E, com isso, quem acabou não tendo uma noite de sono tranquila fui eu. Acordei na quinta-feira atrasada pra aula e sem ter acabado de cortar os crachás.

Mas tudo bem, porque eu achei que conseguiria terminar até o horário da reunião, então fiquei escondidinha na minha carteira cortando tudo enquanto a professora explicava a matéria. Minha cabeça estava um poço de estresse, mas eu tinha certeza que conseguiria se me esforçasse um pouquinho.

— Ainda tá cortando esses trecos? Tu não tinha que entregar isso hoje? — Dennis perguntou, bem baixinho. Provavelmente ele já tinha reparado que eu estava a ponto de explodir.

— Eu tenho. — Respondi entredentes. — Fiquei ocupada ontem e não consegui terminar, me deixa.

— Quer ajuda? — Ele perguntou, mas eu não tinha certeza se ele realmente queria ajudar.

— Não. Presta atenção na aula e anota tudo, eu vou querer teu caderno depois — Resmunguei, mas funcionou.

Continuei naquela luta até a hora do intervalo, quando eu pensei que teria um pouquinho de sossego para, pelo menos, ir lanchar como todos os dias. Mas não, meu maior crime foi ser otimista demais.

Ou, talvez, enxerida demais.

Assim que o sinal tocou, Emily apareceu na sala de aula, correu até a carteira de Giselle e não saiu mais dali. As duas não pararam de rir ou de conversar por um só instante, Emily sorria tanto, mas tanto que eu poderia jurar que ela tinha sido substituída.

O que aconteceu foi o seguinte, fiquei tão entretida na conversa das duas — me corroendo de inveja talvez, pensando que talvez eu nunca tivesse chances com Giselle já que a alma gêmea dela obviamente não era eu e coisas do tipo — que acabei cortando o dedo.

Fechei a droga da tesoura no meu dedo e vi o sangue respingar em alguns crachás que eu tinha acabado de cortar.

Não tive muito tempo pra pensar. Enrolei meu dedo com um pedaço de papel e enfiei os crachás na mochila pra ninguém ver o estrago, então me levantei e bem sorrateiramente corri até o banheiro.

Eu estava em desespero. E quando eu entro em desespero eu choro. Foi isso que eu fiz assim que me tranquei em uma das cabines do banheiro e me sentei na tampa do vaso.

Não sei se eu estava chorando pela dor do dedo cortado ou por tudo estar dando errado naquele dia — talvez pelas duas coisas, eu nunca fui boa em lidar com pressão —, mas depois de algumas lágrimas eu consegui me concentrar um pouquinho. Ao menos a ponto de arranjar um plano pra consertar o que eu fiz com os crachás.

Lavei meu rosto, lavei meu dedo cortado (e enrolei em papel higiênico já que o sangue não tinha estancado ainda) e corri pra sala de aula assim que o intervalo acabou, eu só precisava terminar de cortar os que restavam e tudo ficaria bem.

— O que foi isso no seu dedo? — Dennis perguntou, talvez na melhor das intenções, mas eu não estava nem um pouco afim de explicar que meu dia estava sendo o pior de todos.

— Nada, eu cortei, só isso — resmunguei e ele percebeu que eu não queria me aprofundar naquele assunto.

— Tem certeza que não quer ajuda nisso aí?

— Não, tá tudo bem. Esse é o último já, viu só?

E era mesmo. No meio da última aula eu acabei de cortar os crachás e tudo estaria bem se eu não tivesse sido avoada — e enxerida — a ponto de cortar meu próprio dedo e manchar sabe-se lá quantos crachás.

Mas eu estava tranquila. Na medida do possível.

Quando a aula acabou eu me levantei correndo, botei a mochila nas costas e corri para o laboratório de informática. Refazer o modelo dos crachás e imprimir em papel cartão não poderia ser tão difícil, poderia?

Difícil ou não, eu precisava tentar. Mesmo que alguns crachás pudessem ser salvos, alguns estavam inutilizáveis e, além disso, eu não queria entregar um pedaço de papel com o meu sangue pra ninguém! Então todo o trabalho pra ligar um computador e tentar reproduzir um modelo de crachá exatamente igual aos que eu tinha estragado tinha que valer a pena.

Quando acabei, tinha que correr pra secretaria porque era o único lugar da escola que eu conseguiria imprimir alguma coisa em papel cartão. E também tinha que correr pra biblioteca, porque a reunião provavelmente já estava rolando. Minha cabeça estava a ponto de explodir.

— Ei, onde cê tava? Eu tenho que te contar uma coisa importante pro plano — Dennis acabou me achando no corredor da secretaria, os olhos brilhando provavelmente pensando em outras mil maneiras de ferrar com a vida do Gabriel.

— Agora não, eu tenho que imprimir umas coisas na secretaria e já tô atrasada pra reunião, depois tu me fala.

Ele me acompanhou e soltou uma risadinha.

— Cê não entrou no grêmio pra paquerar a Giselle? Por que tá fazendo tudo isso?

Eu parei. Parei não só porque vi a porta da secretaria fechada — quando geralmente sempre ficava aberta — e não só porque eu sentia que estava prestes a desmaiar. Mas porque eu estava de saco cheio.

— É, eu entrei no grêmio só pra isso mesmo. Acho até que vou sair porque é óbvio que ela nunca vai gostar de mim. Aliás, seguindo essa lógica, eu também não vou mais te ajudar com esse plano ridículo, porque não vai adiantar porra nenhuma. O Gabriel pelo menos tá fazendo alguma coisa, não é à toa que todo mundo acha que ele é melhor do que você.

Eu me calei. E Dennis também, mesmo que ele parecesse ter muito pra falar.

— Foi mal, eu não... — eu não quis dizer isso?

— Esquece — ele disse.

E ele sempre dizia coisas do tipo. Mas daquela vez foi diferente.

— Não, é sério, eu — eu estava errada? Talvez eu não estivesse. Talvez Dennis soubesse disso.

— Nah, esquece. Boa sorte na reunião. Te vejo depois.

E ele foi embora. Ele sempre dizia coisas do tipo. Mas daquela vez foi diferente porque o depois demorou mais tempo do que eu esperava.


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