Nobre passado escrita por Olívia Ryvers


Capítulo 4
Um propósito maior




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Marguerite assim que saiu do elevador, ganhou a selva com a avidez de quem foge de seu próprio destino. Nem nas piores de suas fugas provou do medo e da desolação que agora experimentava. Ela tão pouco se importava com os galhos que lhe feriam a pele delicada, seu objetivo era alcançar o maior distância possível do casal feliz.

​Uma pedra traiçoeira se impôs em seu caminho, ela não era uma mulher desatenta, mas, guardada a proporção da angústia que a consumia, a herdeira não viu tão inconveniente empecilho e desequilibrando-se foi ao chão. Suas roupas claras ficaram manchadas pela terra escura que cercava o lago.

​Ela ainda não havia se permitido liberar sequer uma lágrima em resposta ao que viu, jurou há muito tempo que o amor não era um motivo plausível para tanto, porém, muita coisa mudou desde então. Na verdade ela nunca tinha conhecido o amor em seu real significado, e diante do seu viciante sabor, concluiu que o amor transforma tudo, inclusive foi capaz de fazê-la declinar de sua mais honrosa promessa: não sofrer por ele.

​A dor física era irrelevante diante de sua dor moral, entretanto, foi este o estopim para que o que sentia dentro do peito se extravasasse através dos olhos. Odiava demonstrar fraqueza e era por isso que preferia acreditar que seu pranto era pela queda e não pela desilusão, mas, era claro que nem ela mesma era capaz de aceitar tamanha mentira.

​Maldisse a si por voltar a confiar em um homem, eram todos eles iguais, mesmo desejando que John fosse distinto. Gostaria que os sentimentos dele por ela fossem reais, e talvez fossem, mas, como ela sempre soube, tal amor era impossível.

​Antes imaginava que apenas uma sociedade hipócrita os condenaria, foi difícil ultrapassar essa barreira, todavia, quando Roxton a apoiou e lhe disse que não a abandonaria ajudando-a a enfrentar seu passado nebuloso, ela acreditou ainda sim que poderia ter um futuro ao seu lado. Porém agora não se tratava apenas de fofocas ou preconceitos, havia uma terceira pessoa e isso mudava o rumo de tudo. John tinha obrigações com Violett, e Marguerite não poderia se contentar em dividir suas carícias com outro alguém. Não se tratava de moralidade, e sim de sentimento. Ela o amava demasiadamente para admitir que o mesmo corpo que a envolvia e lhe proporcionava tanto prazer, horas mais tarde estaria amando a outra mulher. Além disso, não era apenas o fato de ser casado que a magoava e sim nunca tê-lo mencionando, mesmo quando ela abriu seu coração e lhe contou o que considerava sua maior vergonha.

​Encolheu-se envolvendo os joelhos com os braços, sempre fazia isso quando se sentia sozinha. Observou que há muito tempo tal não tinha tal comportamento e então lembrou-se que desde que chegou ao platô nunca havia se sentido só ou desamparada, pelo menos não até hoje.

​Um barulho vindo em sua direção a trouxe de volta a racionalidade. Estava sozinha e vulnerável em um lugar inóspito, precisava de atenção e não de lamentos. “Aprenda rápido e continuará vivo” ouviu da boca de um certo caçador em uma oportunidade. Se irritou por invocar a lembrança de John novamente, afastando-o de seus pensamentos, ela involuntariamente levou a mão ao coldre. Em seu ímpeto de sair da casa da árvore esqueceu sua pistola. “Maldição!”  praguejou em silêncio.

****

​Roxton não teve nenhuma dificuldade em seguir a trilha deixada por Marguerite. Seus passos eram pesados devido a corrida e os galhos quebrados indicavam que ela não teve cuidado em se desviar deles. Embora quisesse muito encontrá-la, temia tal acontecimento. Quando a fitou na casa da árvore só pode ver mágoa e decepção em seu olhar. Gostaria que ao menos ela o desse o benefício da dúvida e escutasse sua versão dos fatos.

​O encontro com Violett o desconsertou e o levou a um outro tempo em sua vida. De repente todas as lembranças do passado que lutou tanto para esquecê-las haviam voltado nocauteando como em uma disputa de boxe. Toda essa confusão mental o impediu de dizer naquele momento que havia um equívoco e agora Marguerite estava tirando as piores conclusões sobre seu caráter.

​Um pouco mais a frente, camuflada por entre as folhagens ele a viu encolhida. Estava suja de lama e parecia ferida. Por mais que temesse sua reação ele não podia permanecer passivo diante daquela imagem. Em passos largos se aproximou. Mesmo antes de o reconhecer, Marguerite fez menção de pegar sua pistola. Se a tivesse em mãos John tinha dúvidas de que ela hesitaria em usá-la contra ele. Ela logo se deu conta de sua falha fatal e da oportunidade que perdera. Ele sabia que era merecedor de tal desprezo, não a julgava. Estava ali para protegê-la, como sempre estaria. Não pretendia declinar do juramento que apesar de trabalhoso lhe era tão prazeroso.

​—Você não perde o péssimo hábito de se esgueirar pelos cantos, Lorde Roxton. O que está fazendo aqui? Deveria estar com sua esposa._ não era o seu sarcasmo habitual, havia raiva em suas palavras e na maneira como ela as pronunciava se erguendo do chão e recusando a ajuda dele.

​—Está machucada? Responda-me._ ignorou sua falta de educação e concentrou-se no bem- estar dela que era o que lhe importava.

​—É irônico que me pergunte isso, sendo que você mesmo é o responsável por tais feridas.

​—Ouça Marguerite… não é o que você está pensando. Violett e eu não, eu não a am…

​—Não perca seu tempo me dando explicações, eu não preciso delas. Não me importa o tipo de sentimento que sente por sua esposa, apenas o fato de ter uma esposa já é o suficiente para que eu me mantenha afastada.

​—Marguerite, seja razoável…

​—Razoável? O que pretende com isso? Acha que é razoável que eu seja sua amante enquanto sua mulher se encontra a poucos metros daqui? Essa era sua intenção quando me prometeu amor eterno? Tão estúpida fui eu em acreditá-lo.

​—Claro que não…que bobagem está dizendo?

​—Acha que ser casado é uma bobagem?

​—Você também é casada!

​Os olhos da herdeira se estreitaram com raiva e ele notou que sua tonalidade clara estava um pouco mais avermelhada. Como um marinheiro prestes a enfrentar uma tormenta, o caçador se manteve firme apegando-se aos seus argumentos para fazê-la entendê-lo, mas primeiro teria que enfrentar sua fúria.

​—Isto é a coisa mais insultante que já ouvi. Você não pode querer comparar minha situação com a sua. Eu fui covardemente vendida àquele homem, era sua mercadoria, fui sua escrava mantida prisioneira e na primeira oportunidade que tive eu escapei. Não tente me convencer que Lady Violett o manteve prisioneiro dela. Além disso, eu fui honesta com você e contei todo meu passado quando você me pediu._ a final de sua narrativa Marguerite se viu gritando exaltada.

​—Você tem razão… me desculpe._ disse com constrangimento._ minha história não é de uma violência tão covarde como a sua. Eu sinto muito que tenha vivido o que viveu, e não menti quando disse que estaria do seu lado. O que eu quero é que tente entender que de certo modo eu também me vi obrigado a aceitar um casamento sem amor. E também o recusei quando tive oportunidade.

​—Do que está falando?_ sua expressão se tornou confusa.

​—Marguerite… Violett era comprometida com William. Meu irmão era muito apaixonado pela noiva e quando eu o…_fez uma pausa, olhou para o chão buscando coragem. A mulher notou o quanto relembrar este fato lhe era doloroso. Inevitavelmente ela esqueceu a mágoa que sentia e se condoeu com seu pesar. Tocou sua mão em apoio e compreensão. Tal singela atitude o encorajou a continuar._ bem…quando ele morreu, daquela forma brutal, eu fiquei desesperado buscando maneiras de consertar parte do estrago que havia causado. Foi então que meus pais e a família de Violett tiveram a ideia de nos unir em casamento. Este era um acordo traçado a tanto tempo que na turbulência do momento não me pareceu tão absurdo. Tudo que eu desejava era que eles voltassem a me olhar com satisfação e orgulho. Parecia ser o certo a fazer.

​—E não foi?_ sua voz não era mais raivosa e sim compreensiva. Melhor do que ninguém, Marguerite sabia que algumas decisões controversas às vezes são necessárias para um propósito  maior.

​— Foi um erro imenso. Nunca fui feliz e tampouco consegui fazer Violett feliz. Era um marido ausente, evitava a sua companhia e cada vez que a tocava era a imagem de William morrendo em meus braços que eu conseguia ver.

​—O que você fez?_ ela podia imaginar quão tortuoso havia sido esse período na vida de seu amor. Lamentava o fato de tê-lo conhecido tanto tempo depois, gostaria de ter lhe prestado seu apoio quando ele mais precisou.

​—Eu fiz o que um covarde faria: fugi. Pedi a anulação de meu casamento e me perdi no mundo por anos sem dar nenhuma notícia. Sentia desprezo pela minha própria existência e no Tibet encontrei alguma paz de espírito. Quando retornei a Europa, fiquei sabendo que por vergonha da desonra de ser abandonada, Violett havia se mudado para a América. Lamentei profundamente por ter lhe causado tal moléstia, a verdade é que vivíamos histórias distintas. Ela se esforçava por fazer dar nosso casamento e eu apenas queria me livrar de tudo que me lembrava quem eu era. Desde então nunca mais soube dela. Desejei que ela tivesse encontrado a felicidade, como eu a encontrei… aqui… em seus braços._ quando a mirou os olhos lívidos de Marguerite estavam rasos de lágrimas que brotaram de sua emoção.

​Ela não se conteve e o abraçou. Queria que ele soubesse que ela também o amava, acreditava nele e assim como ele o fez na noite anterior, também juraria sua devoção para enfrentar o que quer que fosse. Não houve tempo para palavras. John a afastou de seu corpo por alguns centímetros, apenas o suficiente para que pudesse tomar os lábios rosados de Marguerite nos seus. ​O beijo carregado de alívio por saber que ela entendeu os seus motivos e aceitou o seu amor foi se transformando em algo mais profundo. Uma de suas mão que se apoiavam na cintura da morena subiu a altura da nuca puxando-a ainda mais pra perto. Ela o correspondeu com a mesmo desejo. Quase que por conta própria a outra mão encontrou o seio de Marguerite ainda por cima da camisa. Ele o massageou. A fricção entre o tecido delicado de sua roupa íntima e a pele sensível da auréola provocava ondas de prazer por todo seu corpo. Sentiu que ele a possuiria ali mesmo e não tinha a mínima intenção de impedi-lo. Em um impulso John a ergueu em seu colo, ela envolveu suas pernas em volta da cintura dele e seus braços apoiaram-se entorno do pescoço do caçador. A herdeira sabia que ele a levaria a um lugar mais confortável para amá-la. E realmente ele o faria, mas, suas intenções foram interrompidas pelo grito que ecoou por todo o espaço.

​—JOHN! Como você pôde?_ Violett se aproximava vermelha de ódio, seguida por Verônica que tentava contê-la para que não atacasse o casal.

​Roxton e Marguerite se assustaram com o flagrante e o homem colocou sua amada no chão.

​—Violett, eu sinto muito mas…

​—Você nunca sentiu muito…você é um egoísta que nunca se importou com o sentimento de quem está a sua volta._ gritou logo depois de espalmar sua mão na face do marido._ Destruiu a minha vida duas vezes e agora pretende fazer isto novamente.

​—Essa nunca foi a minha intenção.

​—Como tem coragem de dizer isso? Você matou meu noivo, me abandonou quando mais lhe precisava deixando-me ao escárnio da sociedade e agora depois de tudo que eu fiz para encontrá-lo me deixa pra trás para fornicar com sua amante.

​—Marguerite não é minha amante, é a mulher que eu amo.

​—Cale-se! Eu não quero ouvir mais! Você é meu marido! Os documentos de anulação nunca foram deferidos, portanto, você tem obrigações comigo.

​—Fale mais baixo Violett, pode atrair predadores. Podemos continuar essa conversa na casa da árvore. _ sugeriu racionalmente a loira.

​—Cale-se você também, sua selvagem._ a docilidade que Lady Roxton exibia anteriormente havia sumido. Ela era uma fera acuada que atacava a todos os lados.

​—Não despeje sua ira sobre Verônica, ela só está tentando protegê-la._ Marguerite estava acostumada a ouvir insultos mas não admitiria que a mulher desacatasse alguém que estava apenas disposta a ajudar. Depois que defendeu a amiga, Marguerite mesma se surpreendeu com a atitude. Verônica havia se tornado sua irmã mais nova e com isso um espírito protetor se manifestava dentro dela.

​—Quem você pensa que é para me dirigir a palavra, sua vadia. Eu a conheço, investiguei seu passado e sei que você, como meu amado marido, também é uma adúltera. Seu poderoso marido sabe que você está aqui?

​—o que você fez, Violette?_ os instintos de John fez com que ele assumisse uma postura protetora colocando Marguerite atrás de seu próprio corpo.

​—Oh… então você já sabe, querido. Achei que fosse mais criterioso na escolha de suas amantes. Fique tranquilo que por enquanto eu não fiz nada, mas, nada impede que eu cure meu orgulho ferido em uma viagem ao Egito. As pirâmides são linda, não são, Srta. Smith?


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