P.O.V. Sophie

Há algumas coisas que você só descobre depois que passa a morar na mesma casa que uma pessoa.

Eu, por exemplo, descobri que Daryl é, provavelmente, a pessoa mais organizada de Alexandria. Descobri também que ele conhece uma explicação mítica para tudo, desde o crescimento de determinados tipos de flores até porque o céu é azul ou porque nós só conseguimos ver as estrelas durante a noite. O caipira tem a bagagem de um senhor de idade e eu adoro ouvi-lo falar.

Outra coisa, ele gosta de conversar antes de dormirmos, não importa o assunto, noite passada ele estava me explicando qual era a melhor forma de abrir um esquilo. Ele também gosta que eu conte histórias sobre como as coisas eram em Alexandria antes dele chegar. Ele teve uma crise de riso quando eu disse a ele como acabei me envolvendo com Aiden, o irmão de Spencer. Acontece que chegar em uma mulher dizendo a ela que você não é um zumbi mas adoraria mordê-la não é a melhor das abordagens. Eu escolhi acreditar que só aconteceu algo entre nós por causa dos hormônios.

—Seus ex-namorados não são um motivo para eu ficar inseguro. -diz ele ainda rindo. Nós estávamos deitados na nossa cama em mais uma das nossas conversas noturnas, minha parte favorita do dia.

—Você definitivamente não tem que se preocupar com a competição Daryl Dixon, eu por outro lado…

—O que tem você? -pergunta ele curioso.

—As pessoas só tinham olhos para você quando estávamos em Hilltop.

—E você ficou com ciúmes? -pergunta ele tentando disfarçar o sorriso.

—As senhoras do Reino também te adoram. 

—É que todos achavam muito bonita a minha preocupação com a minha garota à beira da morte.

—Um herói.

—Seu herói. -diz ele e acabo rindo.

—Eu já estou quase curada, em breve não vou mais precisar dos seus serviços.

—Isso se você não abrir seus pontos de novo. -ele me repreende.

A essa altura eles já tinham aberto duas vezes, mas é que Daryl me trata como se eu fosse quebrar e eu não consigo ficar tanto tempo sem fazer nada então nas duas ocasiões em que ele teve que tirar os olhos de mim, eu inventei de fazer algum esforço e fui parar na enfermaria. Depois disso ele não saiu mais do meu lado e eu percebi que não valia a pena ouvir o sermão. 

Eu obviamente não me lembro de muita coisa sobre o tiro, mas me lembro do misto de pavor e alívio no olhar de Daryl quando eu acordei. Isso acabou me lembrando do dia em que nos conhecemos e ele me olhou como se eu fosse só mais um grande problema. Tentei fazer uma piada para tranquilizá-lo, mas ele estava preocupado demais para ter senso de humor.

—Você vai ver, em breve nós vamos poder estar lá fora. -digo confiante.

Essa é outra coisa que eu não vejo a hora de acontecer, Daryl me deixou muito feliz quando disse sim, que estava disposto a viajar comigo e se aventurar nesse mundo incrível e cruel que nós temos lá fora. Mas é claro que o tiro que eu levei tinha que atrapalhar nossos planos.

—Isso se você conseguir parar quieta até lá. -diz ele rabugento.

—Já contou ao Rick?

—Ainda não, vou contar quando já estiver tudo certo.

—Então só nós dois sabemos?

—Sim.

—Acha que ele vai ficar chateado por não ter sido avisado? Ele deve estar contando com você na construção da ponte.

—Nós estávamos contando com ele para matar o Negan e veja só onde chegamos.

—Espero que vocês consigam se entender antes de nós partirmos. -digo com sinceridade.

—Só existe um jeito de resolver, e ele se nega a fazer.

Daryl e Rick tem andando em péssimos termos desde que voltamos para Alexandria. Acho que Daryl está usando a desculpa de eu precisar dele a maior parte do tempo para evitá-lo e eu não posso julgá-lo, eu mesma não entendo as razões de Rick e mão tive a oportunidade ou o interesse de perguntar. Também evito tocar no assunto porque não vejo razão para lembrar Daryl de que Negan está aqui vivo e bem enquanto vários dos nossos estão mortos. 

Maggie também não está lidando nada bem com tudo isso, mas decidiu dar a Rick uma chance. Nas duas vezes que Daryl me deixou foi para checar se ela e o bebê estavam bem agora que ela se estabeleceu de vez em Hilltop. Acho que ele se sente responsável pelo bem estar dos dois.

—Eu queria ir até Las Vegas. -tento mudar de assunto.

—O que? -sua expressão relaxa.

—Quando partirmos, eu adoraria ir até Las Vegas, nunca estive lá.

—Você sabe que os cassinos não devem estar funcionando né? -brinca ele. -O resto é só areia e deserto.

—Já esteve em Vegas?

—Sendo irmão de quem eu sou eu nem precisava, qualquer barraco virava um centro de todo tipo de aposta.

—Você acha que ele ia gostar de mim? -pergunto curiosa.

—Merle? Ele ia saber que você seria boa demais pra mim e ia estragar tudo.

—Ele não pode ser tão ruim. 

—Ele era e eu também, nós dois jamais teríamos nos conhecido em outra realidade.

—Você me disse uma vez que esse mundo te deu muita coisa, acho que eu também ganhei muito com o fim do mundo. -admito. -Isso é muito horrível?

—Se for nós dois seremos condenados.

—Não vai poder se livrar de mim nem no inferno, Daryl Dixon.

—Que bom que eu não estou tentando. -diz ele. -Mas se isso te tranquiliza, você deveria ficar preocupada caso Merle gostasse de você.

—Eu gostaria de ser aprovada pela sua família.

—Acho que você já é.

Eu adoro o jeito como ele é incrível de uma forma tão natural. É tão natural que nem ele percebe que é tão bom. Nós passamos o resto da noite conversando até cairmos no sono.

[...]

—Daryl, não! -digo me afastando dele com Gracie no colo.

Aaron decidiu que iria criar a menina, ele estava muito feliz cuidando dela e eu ficava feliz por ele. É bom ver Aaron com um sorriso tão sincero depois de ter perdido Eric. Ele se entregou mesmo aquela criança e eu tenho certeza que não existe ninguém melhor que Aaron para criar uma pessoa nesse mundo. Ser pai lhe cai muito bem.

—Deixa ela escolher quem ela quer. -diz Daryl se colocando ao meu lado e a bebê estende os braços para ele.

—Traidora. -digo entregando Gracie para Daryl.

—Essa é uma batalha perdida. -diz Aaron rindo. 

—Ela prefere o tio Daryl. Não é pequena?

Gracie começa a rir para Daryl e eu percebo que não tem jeito, eu sempre vou perder as crianças para ele. 

—Relaxa titia Sophie, você vai ter o dia todo pra fazer ela mudar de lado. -Aaron tenta me animar.

—Daryl vai ficar. -esclareço.

—Como assim? -pergunta Aaron confuso. -Não vai nos ajudar na construção da ponte? Os Salvadores estarão lá também.

Daryl apenas nega com a cabeça. Mais uma vez ele está me usando como desculpa para evitar Rick, não que sua preocupação comigo não seja genuína, mas eu seria perfeitamente capaz de cuidar de Gracie sozinha.

—Aparentemente não é só a minha sobrinha que precisa de uma babá. -digo. -Eu também não conquistei minha liberdade.

—Você não precisaria de uma babá se não abrisse seus pontos toda semana. 

—Você poderia mesmo tomar mais cuidado. -concorda Aaron.

—Não vai poder me proteger de tudo quando estivermos lá fora, Daryl.

—E por que vocês iriam lá fora? -pergunta Aaron desconfiado. -Vocês estão planejando alguma coisa?

—Daryl e eu estamos pensando em voltar a recrutar.

—Mesmo depois dos Salvadores? 

—Algumas pessoas podem precisar de alguém que as ofereça um futuro melhor. -diz Daryl olhando para Gracie.

—É bom ver que vocês pensam assim depois dessa guerra. -diz Aaron.

Bom, eu não sei dizer o quanto disso é realmente uma preocupação com o próximo e o quanto, na verdade, nós só queremos um pouco de distanciamento dessa situação. A verdade é que parece existir uma pressão enorme para que as coisas que aconteceram sejam superadas, para que todos nós possamos seguir em frente e trabalharmos juntos, mas muitas coisas ainda não foram resolvidas.