Sobre as flores e as cores de abril escrita por JN Silva


Capítulo 7
Capítulo 7


Notas iniciais do capítulo

Tem alguém aí ainda? (cricris de grilo ao fundo kkk)
Gente do céu, não sei nem com que cara eu volto aqui depois de quase um ano sem atualizar! kkkk
Mas não foi por querer esta demora, sério mesmo. 2022 foi um ano complicado para mim: coisas que aconteceram na minha vida pessoal/familiar, obrigações cotidianas, outras prioridades das quais eu precisava cuidar, períodos de bloqueio criativo e procrastinação, enfim.
Mas ainda bem que ontem consegui finalizar o capítulo, depois de um bom período de tempo escrevendo e corrigindo aos pouquinhos.
Espero que tenha ficado bom :)
Uma boa leitura!



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Entre-Montes, 5 de abril de 1920.

Meu caro pai,

Como estão as coisas por aí? A viagem até aqui correu muito bem, faz três dias que cheguei. Sei que seria melhor ter mandado notícias antes, mas a verdade é que só agora encontrei oportunidade e tempo hábil para lhe escrever.

Devo dizer que as coisas não aconteceram bem como planejado. Logo ao chegar, minha primeira surpresa foi descobrir que a prima Matilde não mora mais aqui há um bom tempo e, portanto, sua carta nem mesmo chegou às mãos dela. Apesar disso, posso lhe dizer que tive muita sorte neste meu objetivo. De uma maneira inusitada, não sei se por obra do destino ou da Providência Divina, consegui trabalho logo no primeiro dia em que aqui cheguei. Ainda estou um pouco surpreso pela rapidez em que isto se deu, mas na mesma medida, bastante feliz e grato pela sorte que tive.

Estou prestando meus serviços à família do coronel Linhares, um sujeito de muitas posses e, ao que parece, bastante conhecido e influente por aqui. O coronel teve a bondade de me oferecer hospedagem em sua casa, durante o tempo em que durar o tratamento de sua filha, minha paciente. A menina está doente já há algum tempo, mas até então, não se sabe ao certo o que ela tem. Estou me dedicando a estudar o caso e espero poder fazer um diagnóstico preciso e solucionar o seu problema o quanto antes.

A propriedade do coronel é bastante extensa e bonita. Eu não saberia descrevê-la em detalhes minuciosos, mas posso garantir que a natureza do lugar é encantadora. O coronel e sua família são gentis e acolhedores, portanto, minha estadia por aqui está sendo muito agradável. Diga à mamãe que não há razão para se preocupar.

No mais, a cidadezinha tem ares pacatos e, ao que parece, muito hospitaleiros. Não pude ver muito da parte urbana, mas acredito que não será difícil me adaptar. A escassez de médicos disponíveis por aqui (é o que soube, logo que cheguei) me leva a crer que terei bastante trabalho por fazer. Espero poder desempenhá-lo da melhor forma possível.

Mande um beijo para mamãe e para Celina, em meu nome. A todos vocês, minha lembrança e minhas saudades.

Afetuosamente,

Bernardo.

O rapaz dobrou o papel, após ler o que havia escrito, e selou o envelope. Dispondo a caneta e o tinteiro de lado, levantou-se e guardou a carta dentro do bolso do paletó, pendurado no cabideiro. O céu azul-rosado lá fora denotava que o dia não havia amanhecido por completo. O sol nascente, despontando devagar por detrás da serra, começava a lançar seus primeiros raios sobre a propriedade do coronel. A luminosidade suave adentrava pela janela aberta, incidindo sobre a escrivaninha à qual o rapaz, há pouco, estivera sentado.

Escrever para sua família foi uma das primeiras coisas que Bernardo fez ao acordar. Não havia nem mesmo tirado o pijama ainda. Por alguma razão, pensamentos insistentes fizeram-no acordar mais cedo do que de costume. A conversa que tivera com a senhorita Linhares, no dia anterior, frequentemente lhe voltava à mente. Por mais agradável que tivesse sido, alguns pontos daquele diálogo haviam lhe deixado interrogações, as quais ele desejava entender melhor. A indiferença da jovem em relação à própria recuperação, a melancolia e apatia percebidas em seu olhar, o tom nostálgico e saudoso de suas falas eram aspectos intrigantes que despertavam curiosidade no doutor e que mereciam ser esclarecidos. Haveria algum motivo por trás dessas coisas? Ou seriam apenas traços de personalidade da jovem?

No momento, era impossível dizer. O interior da moça constituía ainda um mistério a ser decifrado. Causava-lhe pena e desconforto vê-la assim, desanimada e entregue. Mas o médico estava decidido a estudar a fundo seu caso e descobrir o que se passava. Mais do que restituir-lhe a saúde do corpo, estava plenamente comprometido a restabelecer seu bem estar integral, afinal de contas, já era conhecido pela medicina o fato de que as perturbações da mente ou do espírito influenciavam a saúde do corpo. Quaisquer que fossem os motivos por trás de tudo isso, se a filha do coronel não tivesse vontade de melhorar, seria muito difícil que sua recuperação acontecesse. No momento presente, no entanto, não convinha perturbar a mente com tais pensamentos. Muito melhor era mudar de roupa, lavar o rosto e preparar-se para os afazeres de mais um dia.

Quando chegou à cozinha para a primeira refeição da manhã, Bernardo encontrou apenas Rosa, lidando com os afazeres domésticos. Os anfitriões da casa ainda não estavam presentes.

— Bom dia... – cumprimentou o médico.

— Bom dia, dotôr. Senta aí, que eu já vô lhi servi... – respondeu a mulher, calma e séria.

— Onde estão todos?

— O coroné e a sinhá tão lá no quarto da minina Laura. Parece que ela num acordô muinto boa hoje, tadinha... – respondeu Rosa, despejando água fervente dentro do coador de café.

— Creio que seria o caso de eu ir dar uma olhada, então... – disse o rapaz, levantando-se. - Com sua licença...

Bernardo saiu da cozinha, caminhando em direção ao quarto da convalescente. Ao chegar ao fim do corredor, o médico bateu na porta. Como não houve nenhuma resposta de lá de dentro, abriu-a cuidadosamente.

— Com licença, posso entrar...?

Para sua surpresa, não encontrou ninguém no quarto, nem mesmo a paciente. Mas havia sons, guturais e de vozes, vindos do banheiro, aos fundos do aposento.

— Calma, minha filha... cuidado... – era a voz de Dona Iolanda. – Mantenha a cabeça dela inclinada, Teobaldo. Senão é bem capaz de sair pelo nariz.

— Estou fazendo o que posso, mulher...

Em meio às vozes, sons guturais indefinidos. Pareciam ânsias de vômito.

— Ora essa, você não está sabendo o que fazer! – a voz de dona Iolanda se fazia presente de novo, com certo ar de impaciência. – Vamos, segure você o cabelo dela. Deixe que eu a amparo...

O doutor caminhou na direção dos sons. A porta do banheiro estava semiaberta. Ao se aproximar, encontrou a jovem ajoelhada diante do vaso sanitário, branca como um papel, amparada pelos pais. Dona Iolanda a segurava por um abraço lateral, tendo uma das mãos sob o braço da filha, apoiando seu tronco, enquanto a outra mão amparava a testa da garota, para que a cabeça não tombasse para frente. O coronel se encontrava mais atrás, segurando desajeitadamente o cabelo da menina, tirando-o de vez em quando da frente do rosto da filha. A pobre garota passava por uma terrível crise de vômitos.

— Com licença... – disse Bernardo, meio sem jeito.

— Oh, olá, doutor. Nem vi o senhor aí... – disse o coronel, ao notar a presença do rapaz.

— Perdão por entrar desta forma, eu bati à porta, mas acho que não ouviram. Tomei a liberdade de entrar. Fiquei sabendo que a senhorita Laura não estava se sentindo bem... – comentou o moço, direcionando seu olhar para a paciente.

Laura ofegava, de cabeça baixa e olhos fechados, parecendo prestes a desfalecer a qualquer momento.

— Por que não me chamaram?  – perguntou o rapaz.

— Nem tivemos tempo, doutor... – respondeu Dona Iolanda. – Acabamos de chegar ao quarto para ver como ela estava e já a encontramos desse jeito. E pensar que ontem ela esteve tão boazinha...

— Pronto? – perguntou o coronel à filha.

A menina moveu brevemente a cabeça, em afirmação.

— Leve-a para o lavatório, Teobaldo. Ajude-a se limpar... – disse Dona Iolanda, levantando- se para acionar a descarga.

— Deixe-me ajudar... – prontificou-se Bernardo, auxiliando o coronel a amparar a moça e a levá-la até a pia.

Depois de ajudá-la a lavar a boca e a passar uma água no rosto, o coronel tomou a filha no colo para levá-la de volta à cama.

— Precisa de ajuda, coronel? – perguntou o rapaz.

— Não é necessário, doutor. Eu não estou tão velho assim... – respondeu o homem, com um leve sorriso.

— Não foi o que eu quis sugerir, coronel, me perdoe... – adiantou-se o médico.

Mas foi logo interrompido pelo homem:

— Não se aborreça, doutor, estou apenas brincando. Mas é verdade que ela está bastante leve, pobrezinha. É quase como se eu estivesse pegando uma criança no colo...

O coronel levou a filha de volta para a cama, acomodando-a cuidadosamente no leito. Bernardo e Dona Iolanda seguiram logo atrás. O doutor pegou alguns travesseiros e colocou-os empilhados sob as panturrilhas da paciente, elevando a altura de suas pernas. A moça permanecia sem ação, branca e mole como uma boneca de pano.

— O que será que ela tem? – perguntou o coronel.

— Saberemos logo mais. O que importa agora é não deixarmos que ela perca os sentidos – disse Bernardo. - Dona Iolanda, por favor, pegue algo com que possamos abaná-la...

— Vou buscar meu leque. Já volto... – disse a mulher, saindo a passos rápidos do quarto.

O doutor sentou-se na cama, tomando um dos pulsos da paciente e posicionando sobre ele dois de seus dedos. Seu rosto assumiu um ar preocupado ao constatar a frequência cardíaca e o rapaz imediatamente pôs-se a massagear o pulso da jovem, convidando o pai da moça a fazer o mesmo.

— Me ajude, coronel, por gentileza. Toda forma de estimular a circulação sanguínea é importante neste momento...

O homem rapidamente sentou-se do outro lado da cama e tomou o outro pulso da filha, tentando imitar os mesmos gestos do doutor. Dona Iolanda chegou logo em seguida, pondo-se a abanar a filha, com visível preocupação no olhar. Enquanto abanava, seus lábios se moviam levemente, como se elevasse aos céus uma prece silenciosa.

Laura permanecia quieta, de olhos fechados, tomada pela fraqueza. Os lábios brancos de vez em quanto se entreabriam, como que para tentar respirar melhor e logo voltavam a se fechar. Bernardo, por sua vez, procurava dialogar com a paciente, buscando não apenas tranquilizá-la, mas também manter sua atenção ativa, para evitar que ela desmaiasse.

— Não se preocupe senhorita, o mal estar já vai passar. A senhorita está consciente? Consegue me ouvir?

Teve como resposta um movimento mínimo de cabeça.

— Muito bem... se a senhorita conseguir, inspire profundamente pelo nariz e solte o ar pela boca, devagar... – instruía o rapaz, com serenidade.

Embora o tom de voz fosse suave, a expressão do rosto era séria e atenta aos sinais da paciente. Laura tentava responder aos comandos do médico como podia.

— Outra vez... mais uma vez, por favor...

O coronel e a mulher permaneciam silenciosos, apesar da evidente preocupação. Entendiam que era importante não interferir no desempenho do médico naquele momento. Depois de um bocado de tempo, no entanto, alguns ares cor começaram a voltar ao rosto da menina. Os dedos gelados e meio arroxeados voltavam gradualmente a normalizar a temperatura e o tom de pele. Em um dado momento, ela abriu os olhos, parecendo um pouco mais restabelecida.

— Está se sentindo melhor, meu bem? – perguntou a mãe, finalmente.

A garota fez que sim.

— Graças a Deus! – murmurou a mulher consigo mesma, aliviada.

— A senhorita sente algo de diferente? – perguntou Bernardo. – Dor de cabeça, dor no peito, no abdômen...?

— Não... – respondeu fracamente. – Apenas um pouco de dor muscular no ventre...

— Compreendo... é uma dor normal neste caso, devido à violência das contrações para expulsar o vômito.

E voltando-se para os pais da moça, perguntou:

— Ela comeu alguma coisa agora de manhã?

— Ainda não, doutor – respondeu Dona Iolanda.

— A senhora percebeu algum vestígio de sangue ou alguma cor diferente no vômito?

— Acho que não...

— Menos mal. Isto elimina suspeitas mais graves...

— O que será que aconteceu? – perguntou o coronel.

— Bom, se ela tivesse ingerido algo, eu poderia imaginar que o alimento não foi bem aceito no estômago e voltou, como nas ocasiões que a Dona Iolanda disse que costuma acontecer... – disse o rapaz. – Mas descartando esta possibilidade, pode ser que o mal estar tenha sido causado por falta de irrigação sanguínea no cérebro, simplesmente. Quando a pressão arterial está baixa, pode acontecer de o fluxo sanguíneo não ter impulso suficiente para chegar ao sistema nervoso. Neste caso, com pouco sangue no cérebro, os níveis de oxigênio ficam baixos nos tecidos. Por isso é importante manter as pernas dela elevadas, acima da cabeça e do coração, para que a circulação sanguínea leve oxigênio ao sistema nervoso. Aos poucos, a pressão arterial volta a se normalizar...

— Seria bom buscar uma água para ela, doutor? – perguntou Dona Iolanda.

— Creio que ainda não. O estômago dela possivelmente ainda está fraco, a ingestão de líquidos agora poderia induzir uma nova crise de vômitos. Vamos esperar um pouco. O mais indicado agora seria lhe oferecer um pouco de alimento sólido e salgado, se ela quiser. Seria mais fácil de ela conseguir retê-lo no estômago.

— Você quer que a Rosa lhe traga alguma coisa, filha? – perguntou o coronel.

Laura meneou a cabeça negativamente.

— Eu gostaria apenas de descansar um pouco...

Bernardo assentiu.

— Concordo que seja o melhor a fazer no momento.  A senhorita Laura gastou muita energia se levantando da cama, precisa recuperar as forças. Vamos deixá-la descansar... – disse, se levantando.

— Bom, neste caso – disse Dona Iolanda - acho que é melhor vocês dois irem tomar o café, já deve estar pronto. Se o doutor me permite, eu vou ficar um pouco mais aqui com ela, para garantir que ficará tudo bem...

— Claro, senhora...

— Não prefere que eu chame a Rosa para ficar com ela? – perguntou o coronel.

— Não, não faz mal. Não me importo de tomar café mais tarde. Podem ir sossegados...

— Está bem... – disse o coronel se levantando. – Sendo assim, vamos então, doutor...

Bernardo acompanhou o coronel até a porta. Enquanto ambos se retiravam do quarto, Dona Iolanda sentava-se na beirada da cama, ao lado da filha.

No caminho do corredor em direção à cozinha, o coronel comentava com o rapaz, em semblante pensativo:

— É... não é fácil, doutor. Há momentos nessa vida em que o coração de um pai aperta. Já são quatro meses nessa labuta... quatro meses. Até agora, sem perspectivas de melhora...

Bernardo pousou-lhe a mão no ombro, compadecido de seu sofrimento.

— Tenha fé, coronel. Sua filha ficará curada, eu lhe asseguro.

— É o quero crer, doutor. Que assim seja... que assim seja...


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!
Um beijo a todos vocês e até próximo capítulo! :D ♥



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