Caos Sentimental escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 1
Caos Sentimental




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Colocou o último objeto dentro da caixa de papelão duro e a pegou, antes de se dirigir à saída de seu posto.

Por quase dez anos, havia sido o lugar onde passava a maior parte do seu dia, onde sentia que havia crescido e amadurecido o que achava que levaria a vida toda, em meio aos conflitos e escolhas que se vira obrigada a fazer, fosse em grupo ou sozinha. Essa fase terminara, no entanto.

Enquanto atuava com o time, não tinha tempo para fazer muitos planos para o futuro. Para Caitlin, era como se não fizesse sentido quando tudo podia dar errado em questão de segundos, literalmente. Então, escolhera viver um dia de cada vez, ultrapassando os problemas e deixando com que o futuro ficasse onde deveria estar. As coisas se encaixariam quando fosse o momento certo, repetia a si mesma sempre que começava a pensar demais sobre a ‘vida para além do Flash’.

Ver o laboratório e o córtex em que passara metade de sua vida tão escuro, vazio e frio não parecia se encaixar. Soava errado, triste, fora de lugar.

Estivera ali desde o começo com o verdadeiro Dr. Wells, depois com o impostor, Eobard Thawne, após a explosão do acelerador de partículas e, finalmente, ao lado de Cisco, Barry, Harry e todos os que vieram depois. Até que todos se foram.

Se fechasse os olhos e se concentrasse, sabia que podia escutar risadas, choros, gritos, o tom de voz de Cisco, o suspiro resignado de Joe, o sotaque de H.R. e os saltos sempre apressados de Iris. Após a explosão e a morte de Ronnie, acreditava que estava sozinha, que nunca mais sentiria essa sensação de segurança, de saber que havia alguém se preocupando com ela.

Então, quando Barry acordou do coma, trouxe consigo uma família inteira e, não satisfeito, acolheu todos que podia dentro dessa família, esse espectro quase inquebrável de confiança que criaram ao longo do tempo. De repente, Caitlin não estava mais sozinha e todas aquelas pessoas, sem que tivesse qualquer controle, se impregnaram em sua alma, se tornando parte de quem era, como que formando-a novamente, pois se sentia quase outra mulher em relação a quem era, dez anos atrás. 

No entanto, aos poucos, cada um deles foi desistindo e se afastando. A confiança não havia se quebrado, mas o elo que os motivava a todos os dias estarem juntos e lutarem pelo que era certo, sucumbira. Barry não sabia mais ser o Flash ideal e ninguém sabia ou conseguia lidar com ele até que chegou um tempo em que todos se cansaram. Talvez, a desistência fosse a coisa mais fora de lugar naquela equação, porém, mesmo as famílias têm um limite.

Meneando a cabeça, apagou a luz e desceu a rampa de sua sala para o córtex. O uniforme ainda estava disposto no manequim usual pensado por Cisco, mas quase não conseguia enxergar o vermelho vivo devido à falta da iluminação especial naquele lugar. Talvez nem quisesse, na verdade, enquanto seu peito se contraía apertado, fisicamente dolorido.

Seguiu pelo corredor de paredes metalizadas até a área comum em atípica escuridão. Poucas coisas haviam sido realmente tiradas do S.T.A.R Labs, pois cada um se concentrara nos pertences mais pessoais. Contudo, estacou assim que rumou ao elevador tentando equilibrar a caixa, a bolsa e as chaves nos braços, no instante em que seus olhos recaíram, com surpresa, na conhecida figura sentada junto à grande parede de vidro.

Embora provavelmente tivesse ouvido todo o movimento, se mantinha de costas, com os cotovelos nos joelhos e os ombros tensos como haviam se tornado ao longo dos anos e, mais especificamente, nos últimos meses. Queria poder passar e sair, sem se preocupar com a vazia solidão rodeando-o, mas, no fim das contas, ainda se preocupava, ainda era seu amigo... Ainda era Barry.

Com um suspiro pesado, deixou a caixa no chão, logo ao lado da porta do elevador e se dirigiu até ele, ignorando o bolo em sua própria garganta e a sensação amarga que vinha carregando nas últimas semanas. Adiara voltar até ali o quanto podia, mas para seguir em frente precisava deixar para trás de vez aquela parte da sua vida. Tudo o que viveram como o Time Flash não voltaria mais.

Sem saber o que dizer, apenas cruzou os braços ao, lentamente, se postar ao lado dele. Não parecia se importar com sua presença ou enxergar qualquer coisa à frente, embora os olhos claros e esverdeados fossem iluminados pelas luzes de Central City, adentrando a janela sem permissão.

Em todo ele residia um peso que não conseguia ignorar. Estava nos dedos de nós brancos demais apertados uns contra os outros, na linha que o franzir de cenho constante formava na testa, nos olhos pesados e na barba por fazer. Apesar de ainda ser muito jovem, Barry não agia mais como um, como se tivesse perdido parte de si no processo de se tornar o Flash. Às vezes, podia ver vislumbres daquele Barry de quando descobrira seus poderes, explorando seus limites, conhecendo a si mesmo denovo, mas era tão raro que esses momentos foram se tornando escassos.  

Caitlin sabia que os outros também deixaram de ver essa pessoa nele, enquanto ia se tornando apenas uma sombra com um fardo pesado demais. Todos tentaram fazê-lo enxergar que estavam ali para compartilhar responsabilidade, segurando sua mão e ajudando-o no que fosse necessário, mas não era o suficiente para alguém tão altruísta e tão traumatizado.

Barry carregava o peso do mundo nas costas e o coração na manga, a combinação perfeita para formar aquele final.

— Todos já foram embora.

O ouviu pronunciar, inesperadamente, torcendo os dedos sem realmente encará-la. Mordendo o lábio, insegura, concordou com um meneio de cabeça, quase imperceptivelmente.

— Como você queria.

Não queria ter soado tão acusadora, considerou ao observá-lo abaixar os olhos para o chão, pensativamente.

— Eu não... – Ele molhou os lábios, pensando. – Não pensei que doeria tanto ver esse lugar vazio.

— É, eu também...

Não havia sido fácil deixar de contestar Barry sobre o inevitável fim do time, algumas semanas antes. Ninguém queria deixar de fazer o que faziam, pois eram bons nisso. Os últimos dias haviam sido de extrema tensão, discussões e ressentimentos. E sabia que, por mais que doesse, ele ainda acreditava estar seguindo pelo caminho certo, ainda acreditava que dessa forma os protegeria de qualquer ameaça – como não havia conseguido com Iris.

Há mais de um ano, o baque de tê-la assassinada por alguém que acreditavam ser de confiança, fizera com que todo o time recuasse e tivesse que lidar com isso. Os primeiros dias não foram fáceis para ninguém e todos compreendiam como Barry não conseguiria passar por isso ileso. Era a sua esposa, a mulher que fora destinada a ele praticamente por uma força maior. Acreditavam não existir uma realidade em que Barry e Iris não estivessem juntos. Porém, lá estavam eles e o Flash parecia quebrado demais para se reerguer, mesmo depois de tanto tempo.  

Com o passar dos meses, a vida foi encontrando seu eixo, mas Barry ainda se via estacado em um tipo de culpa que não deixava ninguém se aproximar para ajudá-lo, pois acreditava que o centro dos problemas, o risco maior a quem amava, era a si mesmo. Por isso, o fim do time era uma variável inevitável para ele.

— Você vai me perdoar?

Embora não concordasse com sua decisão, não alimentava realmente qualquer mágoa de Barry. Compreendia seus motivos para chegar àquele extremo, para deixar de lado algo que amou desde o primeiro instante, mas não concordava com eles. Todos eram adultos o bastante para fazer suas próprias escolhas sobre ficar ou não, nunca fora uma exigência. Engoliu em seco e respirou fundo antes de se sentar ao lado dele, tentando enxergar o que via pelo vidro da grande janela, embora consciente de que sua mente estaria muito longe dali.

— Nós vamos ficar bem. – Deu de ombros. – De alguma forma.  

Barry concordou ainda sem olhá-la e Caitlin quis ajeitar os fios castanhos logo acima da orelha, mas evitou o impulso. Era pacificidade demais, carinho demais e, por mais que detestasse, recentemente haviam criado barreiras. Então, ele levou as mãos ao rosto, fortemente apertando os olhos de maneira trêmula e murmurando de maneira pesada e claramente hesitante.

— Eu não quero ficar sozinho, Cait.

— Barry...

Apertou o ombro dele de maneira hesitante. Não haviam tido esse tipo de diálogo nos últimos tempos, pois o que houveram foram embates entre as diversas visões diferentes de todos para o futuro.

— Não queria que tudo tivesse acontecido desse jeito, não quero... Não quero ter que olhar para esse lugar e sentir que falhei com vocês, não quero... Restar aqui, entende?

A voz embargada fez algo em seu peito se contorcer, como acontecia desde sempre. Barry acreditava que ultrapassar suas barreiras fora demorado, mas provavelmente não tinha ideia de como se instalara fácil em todos os aspectos de sua vida. No início, tudo era relativamente menos complicado, pois não carregavam tantas bagagens, mas atribuía o fato dele ter chegado e permanecido numa época em que não queria ninguém a rodeando à forma como fizera isso tão genuinamente. Tudo em Barry era genuíno, desde as motivações até a culpa e mesmo seus inimigos sabiam.

Rendida, passou um braço pelas costas dele e o puxou para um abraço, aceito sem ressalvas dessa vez enquanto apoiava a cabeça em seu ombro, soluçando. Não o via tão quebrado e vulnerável desde os dias seguintes à morte de Iris, quando resolveu se fechar para o resto do mundo. Barry simplesmente não falava a respeito e passara a agir de maneira autoritária e mecânica, alguém que conheciam somente por episódios muito esporádicos.

Mas este Barry? Ela realmente o conhecia, sabia lidar e sentira falta dele.

— Ei... – Começou baixinho quando o outro pareceu se acalmar um pouco, o rosto praticamente contra a nuca dele enquanto pensava nas palavras certas. – Também não gosto de como as coisas estão agora, mas... Barry, não precisa ficar sozinho se não quiser.  

— Vai ser melhor assim. – O ouviu murmurar antes de se afastar, tentando com afinco secar as lágrimas. – Eu não quero que termine pra vocês como terminou pra Iris por minha causa. Vai ser melhor assim.

Caitlin suspirou, sabendo exatamente qual argumento ele usaria e o que sempre vinha a seguir depois disso. Todos já haviam percorrido aquela estrada com Barry nos últimos anos, mesmo Iris. Por isso, tentou não buscar atritos e, ao menos dessa vez, não contestou a mentira que o via repetir a si mesmo há semanas.

— Quando vai entender que nunca vamos deixá-lo? Não realmente. – Tão próxima como se encontrava, o observou claramente tensionar, enquanto apertava a mandíbula e os lábios numa linha fina e resignada. Evitou um riso, tanto amargo quanto nostálgico, e segurou o rosto dele para depositar um beijo calmo na bochecha, satisfeita que, pela primeira vez em meses, ele aceitasse aquele tipo de contato novamente. Ainda era intimidade demais, notou, porém, tão confortável que apenas se manteve ali enquanto murmurava. – Mesmo que a gente não esteja aqui todos os dias... Nós sempre protegemos uns aos outros. Certo?

Barry sempre correria por qualquer um deles, tinha certeza, assim como conhecia a lealdade dos que os cercavam – por ele, pelo Flash. Sorriu, sentindo os próprios olhos marejarem num reflexo dos dele, que engoliu em seco antes de finalmente se voltar a Caitlin. Os olhos esverdeados pareciam tão doloridos que, novamente, sentiu a agonia percorrer dele para ela, impedindo o sorriso que ensaiava.

— Sempre.

A confirmação veio pesadamente, mas sem hesitações. Barry ainda estava ali, ponderou constatando toda a honestidade dos olhos, antes constantemente sinceros e expressivos, agora quase que distantes enquanto percorriam a extensão de seu rosto até, surpreendentemente, estacar em sua boca numa dinâmica tão atípica que a fez subitamente consciente do braço que ainda mantinha em torno do velocista e da proximidade imediatamente gritante.

Engoliu em seco, desejando se afastar ao mesmo tempo em que queria ver mais da forma hesitante com que ele parecia testar o que acontecia ali. Afinal, o que acontecia ali? Não teve tempo para elaborar muito antes de olhos se fecharem numa resposta aos dele e os lábios se encaixarem.

A aparente sincronia de um selinho que parecia ir além da superficialidade levou seus poros a se arrepiarem completamente, a fazendo se afastar, se esforçando para que não o fizesse tão rápido quanto seu instinto mandava, afinal era Barry – com a respiração contra a sua e os olhos irremediavelmente fechados demais.

Caitlin, talvez, um dia perguntasse o que ele estava pensando naquele instante ao apoiar a testa na dela parecendo exausto em cada gesto, sem fazer o mínimo esforço para se afastar ou questionar. Afinal, o que acontecia ali? O nariz tateou o seu suavemente em um completo contraste do eco que seu coração fazia em seu ouvido e, ainda que o encarasse à procura de uma resposta de uma resposta, que não sabia não existir naquele instante, apenas retribuiu quando os lábios macios retomaram o beijo de onde havia parado.

Suspirando, alcançou os fios da nuca de Barry, apreciando a textura macia contra os dedos, sem conseguir ignorar o perfume ou mesmo ele inteiro parecendo preencher todo o espaço ao redor. E, ainda que sentisse a aspereza da barba por fazer contra seu rosto, a forma lenta como ele aprofundou tornava tudo mais tranquilo enquanto ignoravam o caos sentimental que vinham sendo.

Eles iriam ficar bem, de alguma forma. Sempre ficavam.


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Notas finais do capítulo

Às vezes, essas inspirações me surgem à mente e eu apenas deixo sair.
Um pouco de drama, um pouco de romance e é assim que eu sigo com snowbarry ♥

Me deixe saber nos comentários se você gostou ♥

Até a próxima!



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