Morria ali o que há muito me destruía. escrita por Nil Trevezanuto
Notas iniciais do capítulo
Se você ler isso, é a última vez que tento lhe pedir perdão.
Brasil, 2023. Finalmente saímos da pandemia infernal, fora necessário eleger alguém competente para que pessoas parassem de morrer. Era um pouco difícil de acreditar que o antigo normal se tornara novo novamente e que tudo aquilo que fizemos, vivemos por três anos finalmente tinha acabado e poderíamos ser nós mesmos novamente, voltar às aulas, bares, aos abraços e beijos sem o medo de morrer. Finalmente as promessas de anos atrás poderiam ser cumpridas, os compromissos, os afazeres.
Há dois anos havia prometido tentar vê-la novamente, dizer aquilo que ainda enroscava na garganta, talvez fosse em vão, mas pelo menos eu estaria em paz finalmente.
Parti com meu marido para Curitiba, ele sabia dos acontecimentos e de toda a ideia maluca e apoiava, sabia que aquilo ajudaria no meu longo processo de cura e de perdão a mim mesma.
O ar curitibano me dava nostalgia de tempos que sonhava viver, de momentos que jamais aconteceram, mas que pude ser feliz por ao menos imagina-los. A emoção estava a mil, a ansiedade não me deixava dormir, mas sabia que depois de tudo as coisas mudariam.
No dia seguinte o destino era a Universidade Federal do Paraná, as aulas presenciais tinham finalmente voltado e seria fácil encontra-la. Informei-me na secretaria acadêmica e segui para as salas, curso de Odontologia. Me pergunto se ela é feliz com a escolha que fez, eu sempre aconselhei que escolhesse o que a fizesse feliz e não os que os demais dizem que é o melhor para ela...
Cheguei à porta da sala, estava nervosa, as pernas e as mãos tremiam, o coração parecia estar na garganta, porém tirei a última coragem do bolso e bati:
— Com licença, professor. Posso trocar uma palavra com o senhor? – Disse-lhe apenas que precisava dar um recado à uma aluna, porém fiz questão de não aparecer na porta, pois saberia de sua situação. Ele concedeu.
— Boa noite, pessoal! Não quero tomar muito o tempo de vocês, mas eu precisava fazer isso, eu prometi. Eu só tenho um breve recado a uma aluna. Bom – resolvi não revelar o nome, mas já tinha a encontrado entre as diversas pessoas na sala, conhecia aquele olhar – dessa vez eu juro que é a última vez que eu tento falar com você, eu já prometi a mim mesma umas mil vezes que iria te deixar em paz, mas dessa vez é para valer. Dessa vez quis honrar alguém que eu deixei de ser há muitos anos. Eu sei o seu sentimento por mim, e o entendo completamente, sinceramente eu não mereço sequer o seu desprezo, mas eu só queria lhe dizer que não, o sentimento que eu tinha por você naquela época não era só de amizade, eu te queria para mim, eu queria ser sua para sempre. Eu te amava e ainda devo amar, algumas pessoas são insuperáveis e você é uma delas. Eu devia ter te beijado sim naquela época e ter mandado todos ao inferno. Eu devia ter lutado por você. Eu queria dizer que você foi a melhor pessoa que já passou pela minha vida e te agradecer por ter feito parte da minha história. Obrigada por me manter viva naquela época e ter me dado esperanças por todos esses anos de que o mundo pode ser bom por ter você habitando nele. – As lagrimas já escorriam – Que você seja feliz, é isso que você merece, momentos lindos na vida. Eu te amo, eu sempre vou amar. Obrigada. Obrigada, professor, boa aula, pessoal!
Assim como em um filme, saí da sala e segui caminhando, mas sei que ela jamais viria atrás de mim. Encontrei meu marido ao final da escada e assim que o abracei acho que um choque de realidade bateu em mim e eu só sabia chorar, queria gritar, bater em alguém, mas me sentia sem forças. Sem forças, porém com o sentimento de dever cumprido. Morria ali o que há muito me destruía e com esse texto o meu último perdão.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
Espero que um dia você leia.